Data da publicação:
Seção Especializada em Dissídios Coletivos
Katia Magalhães Arruda - TST
ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. NÃO CONFIGURADA. CLÁUSULA TRIGÉSIMA SEXTA – ATESTADOS MÉDICOS E ODONTOLÓGICOS. EXIGÊNCIA DE PREVISÃO DA CID (CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE DOENÇAS). INVALIDADE.
PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. NÃO CONFIGURADA. Os arts. 127 da Constituição Federal, 83 da Lei Complementar nº 75/93 e 7º, § 5º, da Lei nº 7.701/88 definem a legitimidade e o interesse de agir do Ministério Público para propor as ações cabíveis para declaração de nulidade de cláusula de contrato, acordo coletivo ou convenção coletiva que viole as liberdades individuais ou coletivas ou os direitos individuais indisponíveis dos trabalhadores, bem como a faculdade de interpor recurso contra acordo formalizado e homologado pelo Tribunal. Rejeita-se a preliminar. CLÁUSULA TRIGÉSIMA SEXTA – ATESTADOS MÉDICOS E ODONTOLÓGICOS. EXIGÊNCIA DE PREVISÃO DA CID (CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE DOENÇAS). INVALIDADE. A Constituição da República, em seu artigo 5º, X, garante a inviolabilidade da intimidade, da honra, da imagem e da vida privada das pessoas, mandamento que projeta seus efeitos também para as relações de trabalho. Portanto, deve ser respeitada pelo empregador. A exigência do diagnóstico codificado nos atestados médicos, estabelecida por norma coletiva, obriga o trabalhador a divulgar informações acerca de seu estado de saúde, sempre que exercer o seu direito de justificar a ausência no trabalho, por motivo de doença comprovada. Embora importante no aspecto informativo, quanto ao conhecimento por parte do empregador da espécie da moléstia acometida ao empregado, por outro lado, a exigência em norma coletiva da codificação da enfermidade nos atestados médicos fere direitos fundamentais. De acordo com o Código de Ética Médica e com a Resolução nº 1.658/2002, oriundas do Conselho Federal de Medicina, é o próprio paciente que deve autorizar a identificação do diagnóstico. Isso se deve ao fato de a saúde estar relacionada a aspectos da intimidade e personalidade de cada indivíduo. Observa-se, no caso concreto, que o conflito exposto não é entre norma coletiva e Resoluções do Conselho Federal de Medicina, mas entre norma coletiva e preceitos constitucionais, que protegem a intimidade e a privacidade dos trabalhadores. A imposição constitucional de reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho (art. 7º, XXVI) não concede liberdade negocial absoluta para os sujeitos coletivos, que devem sempre respeitar certos parâmetros protetivos das relações de trabalho e do próprio trabalhador. Um desses parâmetros é a tutela da intimidade e privacidade do empregado. No caso, forçoso reconhecer que a cláusula negociada, que condiciona a validade de atestados médicos e odontológicos à indicação do CID (Classificação Internacional de Doenças), afronta normas reguladoras oriundas do Conselho Federal de Medicina, bem como viola as garantias constitucionais da inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem (art. 5º, X, da Constituição Federal). Recurso ordinário a que se nega provimento. (TST-RO-213-66.2017.5.08.0000, Kátia Magalhães Arruda, DEJT, 11.03.19).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário n° TST-RO-213-66.2017.5.08.0000, em que é Recorrente SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS DE ALIMENTAÇÃO NOS ESTADOS DO PARÁ E AMAPÁ e são Recorridos MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 8ª REGIÃO e MERCÚRIO ALIMENTOS S.A.
O Ministério Público do Trabalho da 8ª Região ajuizou ação anulatória, com pedido de liminar, visando a declaração de nulidade da Cláusula Trigésima Sexta do Acordo Coletivo de Trabalho, com vigência para o período 2016/2017, firmado entre o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação nos Estados do Pará e Amapá e Mercúrio Alimentos S.A.
O Desembargador do Trabalho, Dr. Vicente Jose Malheiros da Fonseca, deferiu o pedido liminar para que fosse "imediatamente suspensa a eficácia da CLÁUSULA TRIGÉSIMA SEXTA - ATESTADOS MÉDICOS E ODONTOLÓGICOS do Acordo Coletivo de Trabalho 2016/2017 (Id ed99406), firmado entre o SINDICATO DOS TRABALHADORES NA INDUSTRIA DA ALIMENTAÇÃO NO ESTADO DO PARÁ E DO AMAPÁ e MERCURIO ALIMENTOS S/A, conforme os fundamentos; (...)", consoante os termos da decisão de fls. 23/27.
O Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região julgou procedente a ação e declarou "a nulidade da Cláusula Trigésima Sexta do Acordo Coletivo de Trabalho 2016/2017 (Id. ed99406), firmado entre o SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDUSTRIAS DA ALIMENTAÇÃO NO ESTADO DO PARÁ E DO AMAPÁ e MERCURIO FRIGORIFICO FABRIL E EXPORTADORA DE ALIMENTOS LTDA., e ratificar a liminar concedida, sob Id. e393400. Custas pelos réus, na quantia de R$20,00 (vinte reais), calculadas sobre valor de R$1.000,00 (um mil reais), dado à causa", nos termos do acórdão de fls. 139/144.
O Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação nos Estados do Pará e Amapá interpôs recurso ordinário contra a decisão do Tribunal Regional (fls. 160/164), que foi admitido pelo despacho de fl. 169.
O Ministério Público do Trabalho da 8ª Região apresentou contrarrazões, às fls. 176/183.
Dispensada remessa à Procuradoria-Geral do Trabalho.
É o relatório.
Preenchidos os pressupostos recursais.
Conheço.
2. MÉRITO
O Ministério Público do Trabalho da 8ª Região ajuizou ação anulatória perante o TRT da 8ª Região visando a nulidade da Cláusula Trigésima Sexta do Acordo Coletivo de Trabalho 2016/2017 firmado entre o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação nos Estados do Pará e Amapá e Mercúrio Alimentos S.A.
O TRT de origem julgou procedente a ação anulatória e declarou a nulidade da referida cláusula.
O Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação nos Estados do Pará e Amapá interpôs recurso ordinário arguindo preliminar de ilegitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho. E, no mérito, insurge-se contra a decisão do TRT que declarou nula a Cláusula Trigésima Sexta do Acordo Coletivo de Trabalho.
2.1. PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
O recorrente argui a ilegitimidade do Ministério Público do Trabalho para figurar no polo ativo da ação, uma vez que a titularidade do direito pertence ao trabalhador.
Requer seja conhecida a ilegitimidade do MPT, ante a inexistência de direito indisponível a ser defendido.
O recorrente não tem razão.
É evidente a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para a dedução da pretensão.
De fato, os arts. 127 da Constituição Federal, 83 da Lei Complementar nº 75/93 e 7º, § 5º, da Lei nº 7.701/88, definem a legitimidade e o interesse de agir do Ministério Público para propor as ações cabíveis para declaração de nulidade de cláusula de contrato, acordo coletivo ou convenção coletiva que viole as liberdades individuais ou coletivas ou os direitos individuais indisponíveis dos trabalhadores, bem como a faculdade de interpor recurso contra acordo formalizado e homologado pelo Tribunal.
Nesse sentido, os seguintes precedentes desta Corte:
"RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃOANULATÓRIA. ILEGITIMIDADEATIVA ad causam DO MINISTÉRIOPÚBLICODO TRABALHO. No art. 83, inc. IV, da Lei Complementar nº 75, de 20/05/1993, confere-se legitimidade, de forma expressa, ao Ministério Público do Trabalho para ajuizar ação anulatória de cláusula de convenção coletiva de trabalho, no resguardo da liberdade individual de associação a sindicato (arts. 5º, XX, e 8º, V, da CF/88). CONTRIBUIÇÃOASSISTENCIAL. Acórdão regional em que se declara a nulidade de cláusula de convenção coletiva de trabalho, relativa à contribuição assistencial, exclusivamente no tocante aos trabalhadores não filiados à entidade sindical profissional, por contrariar o princípio constitucional da livre associação sindical. Decisão em consonância com o Precedente Normativo nº 119 da Seção Normativa deste Tribunal. Recurso ordinário a que se nega provimento." (Processo: ROAA - 52300-33.2006.5.17.0000 Data de Julgamento: 09/03/2009, Relator Ministro: Fernando Eizo Ono, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 07/04/2009.)
"AÇÃO ANULATÓRIA. RECURSO ORDINÁRIO. ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. 1 - PRELIMINAR DE ilegitimidade ad causam DO MINISTÉRIO PÚBLICO. O Ministério Público do Trabalho tem legitimidade ativa e interesse de agir para ajuizar ação anulatória de cláusula de contrato, acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho que viole as liberdades individuais ou coletivas, ou os direitos individuais indisponíveis dos trabalhadores, na forma dos arts. 127 da Constituição Federal e 83, IV, da Lei Complementar nº 75, de 20.5.1993. 2 - TAXA NEGOCIAL. CONTRIBUIÇÃO ASSISTENCIAL DE NÃO ASSOCIADOS. PRECEDENTE NORMATIVO Nº 119. A imposição de contribuição assistencial a empregados não sindicalizados em favor de entidade sindical configura violação do princípio da livre associação, nos termos do Precedente Normativo nº 119 do TST. Recurso ordinário a que se nega provimento." (ROAA - 47200-63.2007.5.17.0000 Data de Julgamento: 09/11/2009, Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 20/11/2009).
Assim, ante a jurisprudência pacífica que consagra a legitimidade e o interesse de agir do Ministério Público para propor as ações cabíveis para declaração de nulidade de cláusula de contrato, acordo coletivo, ou convenção coletiva, que viole as liberdades individuais ou coletivas, ou os direitos individuais indisponíveis dos trabalhadores, bem como a faculdade de interpor recurso contra acordo formalizado e homologado pelo Tribunal, nos termos dos arts. 127 da Constituição Federal, 83 da Lei Complementar nº 75/93 e 7º, § 5º, da Lei nº 7.701/88, rejeito a preliminar.
2.2. CLÁUSULA TRIGÉSIMA SEXTA – ATESTADOS MÉDICOS E ODONTOLÓGICOS
O TRT declarou a nulidade da referida cláusula, pelos seguintes fundamentos:
"CLÁUSULA TRIGÉSIMA SEXTA - ATESTADOS MÉDICOS E ODONTOLÓGICOS
Para justificativa da ausência ao serviço por motivo de doença, se a EMPRESA ACORDANTE não contar com serviço médico-odontológico próprio, esta aceitará como válidos, os atestados médicos e odontológicos fornecidos pelos médicos e odontólogos credenciados pelo sindicato da classe, INSS ou SUS, desde que conste o CID da doença.
Parágrafo Único - Fica estabelecido que os atestados médicos deverão ser apresentados em até 48 (quarenta e oito hora) após a sua emissão, devendo essa entrega ser feita pessoalmente pelo empregado ou na impossibilidade deste por seu representante, os quais serão recebidos pelo empregado do Departamento de Pessoal do empregador, mediante protocolo de entrega fornecido pela EMPRESA ACORDANTE.
O Decreto nº 27.048, de 12.08.1949, que aprova o regulamento da Lei nº 605/1949, que dispõe sobre o repouso semanal remunerado e o pagamento de salário nos dias feriados civis e religiosos, em seu artigo 12, §§ 1º e 2º, regula sobre as formas de abono de faltas mediante atestado médico, cuja ordem preferencial estabelece:
Art. 12. Constituem motivos justificados:
[...]
§ 1º: A doença será comprovada mediante atestado passado por médico da empresa ou por ela designado e pago.
§ 2º: Não dispondo a empresa de médico da instituição de previdência a que esteja filiado o empregado, por médico do Serviço Social da Indústria ou do Serviço Social do Comércio, por médico de repartição federal, estadual ou municipal, incumbido de assunto de higiene ou saúde, ou, inexistindo na localidade médicos nas condições acima especificados, por médico do sindicato a que pertença o empregado ou por profissional da escolha deste.
A Resolução nº 1.658/2002, do Conselho Federal de Medicina, que normatiza a emissão de atestados médicos (parcialmente alterada pela Resolução nº 1851/2008), dispõe:
Art. 5º Os médicos somente podem fornecer atestados com o diagnóstico codificado ou não quando por justa causa, exercício de dever legal, solicitação do próprio paciente ou de seu representante legal.
Parágrafo único No caso da solicitação de colocação de diagnóstico, codificado ou não, ser feita pelo próprio paciente ou seu representante legal, esta concordância deverá estar expressa no atestado.
Art. 6º - Somente aos médicos e aos odontólogos, estes no estrito âmbito de sua profissão, é facultada a prerrogativa do fornecimento de atestado de afastamento do trabalho.
[...]
§ 3º - O atestado médico goza da presunção de veracidade, devendo ser acatado por quem de direito, salvo se houver divergência de entendimento por médico da instituição ou perito.
Cite-se, ainda, a Resolução nº 1.819/2007, do Conselho Federal de Medicina, que "proíbe a colocação do diagnóstico codificado (CID) ou tempo de doença no preenchimento das guias da TISS de consulta e solicitação de exames de seguradoras e operadoras de planos de saúde concomitantemente com a identificação do paciente" (parcialmente alterada pela Resolução nº 1.976/2011):
Art. 1º Vedar ao médico o preenchimento, nas guias de consulta e solicitação de exames das operadoras de planos de saúde, dos campos referentes à Classificação Internacional de Doenças (CID) e tempo de doença concomitantemente com qualquer outro tipo de identificação do paciente ou qualquer outra informação sobre diagnóstico, haja vista que o sigilo na relação médico-paciente é um direito inalienável do paciente, cabendo ao médico a sua proteção e guarda.
Pela leitura dos dispositivos acima citados, conclui-se, tal como apontado pelo d. Parquet, na petição inicial, que "1) o atestado médico emitido por médico legalmente habilitado possui a presunção de veracidade de seu conteúdo, pelo que é válido para a comprovação a que se destina, somente podendo ser recusado em caso de discordância fundamentada por médico ou perito; 2) o médico só deverá prestar a informação sobre a Classificação Internacional de Doenças (CID) se solicitado pelo próprio paciente ou de seu representante legal" (Id. 42bbed8 - Pág. 3-4) (grifo nosso).
A cláusula normativa que condiciona a validade de atestados médicos e odontológicos à indicação do CID (Classificação Internacional de Doenças) vai de encontro ao que estabelecem as Resoluções do Conselho Federal de Medicina e atentam contra as garantias constitucionalmente asseguradas de inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem (art. 5º, X, da Constituição Federal).
Nesse sentido, precedentes desta E. Seção Especializada
I: AÇÃO ANULATÓRIA DE CLÁUSULA CONVENCIONAL. DIREITO À PRIVACIDADE. CLÁUSULA QUE OBRIGA QUE OS ATESTADOS MÉDICOS APRESENTEM A CID. INCONSTITUCIONALIDADE. Fere o direito à privacidade dos trabalhadores cláusula de instrumento coletivo que determina que os trabalhadores deverão suprir as ausências de CID em seus atestados médicos, sob pena de desconto das ausências. O direito à privacidade tem assento constitucional e deve ser respeitado pelas normas coletivas, não estando à mercê dos interesses do empregador. Ação Anulatória que se julga procedente (Acórdão/TRT-8ª/SE-I/AACC 0000233-91.2016.5.08.0000. Relatora: Desembargadora Francisca Oliveira Formigosa. Julgado em 25.08.2016).
CLÁUSULAS CONVENCIONAIS. VIOLAÇÃO AOS DIREITOS INDIVIDUAIS INDISPONÍVEIS. NULIDADE. A Constituição da República Federativa do Brasil reconhece as convenções e acordos coletivos de trabalho (art. 7º, XXVI) e garante a liberdade e autonomia dos Sindicatos representativos das categorias econômicas e profissionais estipularem condições de trabalho, excepcionando, inclusive, algumas hipóteses de flexibilização de direitos do trabalhador, por meio de negociação coletiva de trabalho (art. 7º, VI, XIII, XIV), mas essa liberdade e autonomia encontra limites na lei e nos princípios de proteção ao trabalhador, não podendo as entidades sindicais estipularem normas que contrariem as garantias mínimas previstas na constituição, sob pena de nulidade. No presente caso, a regra estipulada na cláusula do Acordo coletivo de Trabalho firmado pelos réus não só transgride os princípios de proteção ao trabalhador, mas viola as normas de ética médica na relação médico-paciente e atenta contra o ordenamento jurídico constitucional, que garante ao indivíduo o direito à inviolabilidade a sua intimidade, à vida privada, à honra e à imagem (art. 5º, X, da CRFB).(Acórdão/TRT-8ª/SE-I/AACC 0000625-65.2015.5.08.0000. Relator: Desembargador José Edílsimo Eliziário Bentes. Julgado em 09.06.2016).
Desse modo, entendo, assim como defendido pelo d. Parquet, que a Cláusula Trigésima Sexta do Acordo Coletivo de Trabalho de 2016/2017, celebrado entre os réus, deve ser anulada, pois, diante das normas e princípios que visam a melhoria da condição social do trabalhador, está evidente que a cláusula normativa, em questão, afronta o disposto no art. 7º, caput, da Constituição Federal, além de violação ao direito à intimidade, vida privada, honra e imagem (art. 5º, X, da Carta Magna).
Por fim, ratifico a liminar concedida, sob Id. e393400."
O recorrente alega que a cláusula em questão é absolutamente constitucional, não havendo qualquer violação de direito à privacidade, à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem do trabalhador.
Diz que a cláusula não fere as normas éticas-médicas na relação médico e paciente.
Reforça que não há violação a direito indisponível dos trabalhadores nem afronta dispositivos constitucionais e infraconstitucionais.
Salienta que o instrumento normativo não vai de encontro com a resolução do CFM – Conselho Federal de Medicina.
Aponta que "o art. 73, do Código de Ética Médica, excepcionam os casos em que as informações do paciente podem ser reveladas, quais sejam: justa causa, dever legal e autorização do paciente."
Postula a reforma da decisão, a fim de que seja restabelecida a Cláusula Trigésima Sexta no Acordo Coletivo de Trabalho.
Analiso:
Eis a cláusula impugnada:
"CLÁUSULA TRIGÉSIMA SEXTA - ATESTADOS MÉDICOS E ODONTOLÓGICOS.
Para justificativa da ausência ao serviço por motivo de doença, se a EMPRESA ACORDANTE não contar com serviço médico-odontológico próprio, esta aceitará como válidos, os atestados médicos e odontológicos fornecidos pelos médicos e odontólogos credenciados pelo sindicato da classe, INSS ou SUS, desde que conste o CID da doença.
Parágrafo Único - Fica estabelecido que os atestados médicos deverão ser apresentados em até 48 (quarenta e oito hora) após a sua emissão, devendo essa entrega ser feita pessoalmente pelo empregado ou na impossibilidade deste por seu representante, os quais serão recebidos pelo empregado do Departamento de Pessoal do empregador, mediante protocolo de entrega fornecido pela EMPRESA ACORDANTE."
Esta Seção Especializada entendia que a exigência da CID, para justificar faltas e atrasos, por si só, violava o direito fundamental à intimidade e à privacidade:
"RECURSO ORDINÁRIO - AÇÃO ANULATÓRIA CLÁUSULA 39 - ATESTADO MÉDICO - EXIGÊNCIA DE PREVISÃO DA CID. A exigência da CID nos atestados estipulada por norma coletiva obriga o trabalhador a divulgar informações acerca de seu estado de saúde sempre que exercer o seu direito - garantido pelo art. 6º, § 1º, "f", da Lei nº 605/1949 - de justificar a ausência no trabalho por motivo de doença comprovada. Essa exigência, por si só, viola o direito fundamental à intimidade e à privacidade do trabalhador, sobretudo por não existir, no caso, necessidade que decorra da atividade profissional. Recurso Ordinário conhecido e desprovido." (RO - 268-11.2014.5.12.0000 Data de Julgamento: 17/08/2015, Relatora Ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 18/09/2015).
"RECURSO ORDINÁRIO. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA ECONÔMICA. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO. (...). CLÁUSULA VIGÉSIMA SEGUNDA. ATESTADOS MÉDICOS E ODONTOLÓGICOS. EXIGÊNCIA DE PREENCHIMENTO DO CID. A Constituição Federal elegeu a intimidade e a vida privada como bens invioláveis. Trata-se, pois, de direito fundamental albergado no art. 5.º, X, da Constituição Federal. A exigência de indicação expressa do CID nos atestados médicos vai de encontro à referida diretriz constitucional, por se tratar de ingerência na vida privada do cidadão. A cláusula 22.ª, tal como redigida, não se coaduna com o Precedente Normativo n.º 81 desta Corte Superior, pois, além de conter obrigação à margem da lei e da Constituição Federal, não contempla a necessidade de convênio com a Previdência Social, no que se refere aos serviços ofertados pelos sindicatos da categoria profissional. (...). (RO - 20238-58.2010.5.04.0000, Relatora Ministra: Maria de Assis Calsing, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 19/10/2012).
Entretanto, no julgamento do processo RO-480-32.2014.5.12.0000, em 14/12/2015, este Colegiado, pelo voto prevalente da Presidência, ocasião em que fiquei vencida, juntamente com os Exmos. Ministros Mauricio Godinho Delgado (relator) e Maria de Assis Calsing, decidiu de forma diversa acerca da exigência da CID em atestados médicos.
Naquela assentada, a cláusula normativa, de igual teor a esta, foi mantida ao fundamento de que "a necessidade de conhecimento da espécie de moléstia diz respeito justamente a saber se inviabiliza a modalidade laboral na qual se ativa o empregado. (...). No caso dos empregadores, a Súmula 122 do TST exige, para afastar revelia em audiência, que o atestado médico apresentado posteriormente indique expressamente condição de impossibilidade de locomoção do proposto no momento da audiência. Não parece lógico e justo que, no caso dos empregados, os atestados possam ser genéricos, sem qualquer indicação do motivo do afastamento. Nesse sentido, não se pode anular cláusula firmada com a tutela sindical dos trabalhadores com base em resolução de conselho regulador de profissão, que não é lei, e em dispositivo constitucional de caráter genérico, garantidor do direito à intimidade, quando essa garantia constitucional deve ser aplicada de acordo com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, já que o direito à intimidade não é absoluto. (...). Ademais, não se nomina a doença no atestado, mas se coloca apenas o seu código, exigindo pesquisa sobre a sua natureza." (RO - 480-32.2014.5.12.0000 Data de Julgamento: 14/12/2015, Redator Ministro: Ives Gandra Martins Filho, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 04/03/2016).
Nesse mesmo sentido, transcrevo outro julgado:
RECURSO ORDINÁRIO EM DISSÍDIO COLETIVO. MOTORISTAS. HOMOLOGAÇÃO PARCIAL DOS INSTRUMENTOS NEGOCIAIS AUTÔNOMOS, FIRMADOS NO DECORRER DA AÇÃO. (...). 3. CLÁUSULAS 18 DA CCT 2015/2016 (CATEGORIA DO FRETAMENTO) E 36 DO ACT 2015/2016 (SETOR URBANO VOTORANTIM) - ATESTADOS MÉDICOS. EXIGÊNCIA DE COLOCAÇÃO DO CID (CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE DOENÇAS). Esta Seção Especializada decidiu no julgamento do Recurso Ordinário em Ação Anulatória nº 480-32.2014.5.12.0000 (Data de Julgamento: 14/12/2015, Redator Designado Ministro Ives Gandra Martins Filho, DEJT de 4/3/2016) que a cláusula convencionada, de igual teor à que ora se examina, e que expressamente exigia a menção ao CID , foi mantida ao fundamento de que "a necessidade de conhecimento da espécie de moléstia diz respeito justamente a saber se ela inviabiliza a modalidade laboral na qual se ativa o empregado, inexistindo violação constitucional a respeito". Restou assente, também, que "não se pode anular cláusula firmada com a tutela sindical dos trabalhadores, com base em Resolução de conselho regulador de profissão, que não é lei, e em dispositivo constitucional de caráter genérico, garantidor do direito à intimidade, quando essa garantia constitucional deve ser aplicada de acordo com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, já que o direito à intimidade não é absoluto". Nesse contexto, dá-se provimento ao recurso, para declarar a validade das cláusulas 18 da CCT 2015/2016 e 36 do ACT 2015/2016, com a seguinte redação: "ATESTADOS MÉDICOS - A empresa, para efeito de justificação e abono de faltas e atrasos, reconhecerá todos os atestados médicos e odontológicos, desde que contenham o CID da doença e o CRM do médico". (RO - 6126-68.2016.5.15.0000 Data de Julgamento: 13/03/2017, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 17/03/2017).
Pois bem, o Código de Ética Médica estabelece, no seu art. 73, que é vedado ao médico revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.
A Resolução nº 1.658/2002 do Conselho Federal de Medicina – CFM, que normatiza a emissão de atestados médicos, disciplina, no seu art. 3º, os procedimentos que devem ser observados pelos médicos na emissão do atestado médico:
Art. 3º Na elaboração do atestado médico, o médico assistente observará os seguintes procedimentos:
I - especificar o tempo concedido de dispensa à atividade, necessário para a recuperação do paciente;
II - estabelecer o diagnóstico, quando expressamente autorizado pelo paciente; (gn)
III - registrar os dados de maneira legível;
IV - identificar-se como emissor, mediante assinatura e carimbo ou número de registro no Conselho Regional de Medicina.
(...).
Art. 6º Somente aos médicos e aos odontólogos, estes no estrito âmbito de sua profissão, é facultada a prerrogativa do fornecimento de atestado de afastamento do trabalho.
(...).
§ 3º O atestado médico goza da presunção de veracidade, devendo ser acatado por quem de direito, salvo se houver divergência de entendimento por médico da instituição ou perito.
Tem-se também a Resolução 1.819/2007 do CFM, que proíbe a colocação do diagnóstico codificado (CID) ou tempo de doença no preenchimento das guias da TISS de consulta e solicitação de exames de seguradoras e operadoras de planos de saúde concomitantemente com a identificação do paciente:
Art. 1º Vedar ao médico o preenchimento, nas guias de consulta e solicitação de exames das operadoras de planos de saúde, dos campos referentes à Classificação Internacional de Doenças (CID) e tempo de doença concomitantemente com qualquer outro tipo de identificação do paciente ou qualquer outra informação sobre diagnóstico, haja vista que o sigilo na relação médico - paciente é um direito inalienável do paciente, cabendo ao médico a sua proteção e guarda.
Assim, infere-se dos dispositivos mencionados que a emissão de atestado médico com a identificação do diagnóstico codificado, sem a autorização expressa do paciente, constitui procedimento antiético do profissional de medicina. Ademais, o atestado médico emitido por profissional legalmente habilitado possui presunção de veracidade de seu conteúdo, sendo válido para a comprovação a que se designa.
A questão proposta aqui é saber até que ponto a vontade coletiva supre a vontade individual do trabalhador e se a norma coletiva pode afastar direitos fundamentais individuais.
A Constituição da República, em seu artigo 5º, X, garante a inviolabilidade da intimidade, da honra, da imagem e da vida privada das pessoas, mandamento que projeta seus efeitos também para as relações de trabalho. Portanto, deve ser respeitado pelo empregador.
A exigência do diagnóstico codificado nos atestados médicos, estabelecida por norma coletiva, obriga o trabalhador a divulgar informações acerca de seu estado de saúde, sempre que exercer o seu direito de justificar a ausência no trabalho, por motivo de doença comprovada.
Embora importante no aspecto informativo, quanto ao conhecimento por parte do empregador da espécie da moléstia acometida ao empregado, conforme destacou o Exmo. Min. Ives Gandra em seu voto no processo RO-480-32.2014.5.12.0000, por outro lado, a exigência em norma coletiva da codificação da enfermidade nos atestados médicos fere direitos fundamentais.
Segundo a Exma. Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, relatora do processo RO-268-11.2014.5.12.0000, na qual se discutia questão semelhante, a exigência da CID nos atestados médicos viola, por si só, o direito fundamental à intimidade e à privacidade do trabalhador, sobretudo por não existir, no caso, necessidade que decorra da atividade profissional.
Observa-se, no caso concreto, que o conflito exposto não é entre norma coletiva e Resoluções do CFM, mas entre norma coletiva e dispositivos constitucionais que protegem a intimidade e a privacidade dos trabalhadores.
De acordo com os dispositivos das normas reguladoras já mencionadas, como o Código de Ética Médica e a Resolução nº 1.658/2002, oriundas do CFM, é o próprio paciente que deve autorizar a identificação do diagnóstico. Isso se deve ao fato de a saúde estar relacionada a aspectos da intimidade e personalidade de cada indivíduo, conforme discorre Amauri Mascaro Nascimento, no livro Curso de Direito do Trabalho:
O trabalhador e o empregador devem guardar sigilo quanto à intimidade da vida privada. O direito à reserva da intimidade da vida privada abrange o acesso, a divulgação de aspectos da esfera íntima e pessoal e da vida familiar, afetiva e sexual, o estado de saúde e as convicções políticas e religiosas. (...) O empregador não pode exigir do candidato a emprego ou dos empregados que prestem informações relativas à sua vida privada, à sua saúde, salvo quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade profissional o justifiquem ou forem estritamente necessárias e relevantes para a avaliação da sua aptidão para o trabalho. (...) (Curso de Direito do Trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho, relações individuais e coletivas do trabalho, 27. ed., São Paulo: Saraiva)
A imposição constitucional de reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, oriunda do art. 7º, XXVI, não concede liberdade negocial absoluta para os sujeitos coletivos, que devem sempre respeitar certos parâmetros protetivos das relações de trabalho e do próprio trabalhador. Um desses parâmetros é a tutela da intimidade e privacidade do empregado.
Até mesmo a Lei 13.467/2017, que autoriza, em algumas situações, a prevalência do negociado sobre o legislado, traz um rol, no seu art. 611-B, de direitos que não podem ser reduzidos nem suprimidos mediante negociação coletiva. Essa mesma lei incluiu na CLT o Título II-A, que trata do dano extrapatrimonial. A nova regra diz, no seu art. 223-B, que causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação. O art. 223-C elenca os bens tutelados inerentes à pessoa física:
Art. 223-C. A honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física.
Nota-se que a Reforma Trabalhista tratou de bens intimamente ligados à personalidade do trabalhador, como, por exemplo, a imagem e a intimidade, cabendo a responsabilização em casos de ofensa.
Consabido é que a Lei nº 13.467/2017 não se aplica ao caso concreto, mas, em tese, podemos considerar que qualquer violação à imagem do trabalhador, decorrente de situação de exposição do seu estado de saúde, pode gerar a obrigação de indenização àquele que deu causa.
Como bem pontuado no acórdão do Tribunal Regional, a "cláusula normativa que condiciona a validade de atestados médicos e odontológicos à indicação do CID (Classificação Internacional de Doenças) vai de encontro ao que estabelecem as Resoluções do Conselho Federal de Medicina e atentam contra as garantias constitucionalmente asseguradas de inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem (art. 5º, X, da Constituição Federal)."
Nesse contexto, considero acertada a decisão do Tribunal a quo que declarou nula a Cláusula Trigésima Sexta pelo Tribunal de origem.
Pelo exposto, nego provimento ao recurso ordinário.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Seção Especializada em Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho: I - por unanimidade, rejeitar a preliminar de ilegitimidade ativa "ad causam" do Ministério Público do Trabalho; II - por maioria, vencidos os Exmos. Ministros Ives Gandra Martins Filho, Dora Maria da Costa e Guilherme Augusto Caputo Bastos, negar provimento ao recurso ordinário.
Brasília, 19 de fevereiro de 2019.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
KÁTIA MAGALHÃES ARRUDA
Ministra Relatora
Instituto Valentin Carrion © Todos direitos reservados | LGPD Desen. e Adm by vianett