TRT 02/SP - INFORMATIVOS NOTÍCIAS e JURISPRUDÊNCIA 2022 - 02

Data da publicação:

Acordão - TST

Augusto Cesar Leite de Carvalho - TST



TST reitera competência da Justiça do Trabalho em ações sobre políticas públicas contra trabalho infantil.



RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELAS LEIS 13.015/2014 E 13.467/2017. COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MUNICÍPIO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL E PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ADOLESCENTES. Cinge-se a controvérsia à competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, que visa à implementação de políticas públicas por parte do município para garantir direitos ou interesses coletivos de crianças e adolescentes relacionados à erradicação do trabalho infantil e à exploração irregular do trabalho do adolescente, bem como a realização de políticas públicas outras destinadas à educação e profissionalização de crianças e adolescentes. Trata-se de matéria decidida por esta Subseção conforme leading case E-RR-44-64.2013.5.09.0009, Relator Ministros Alberto Luiz Bresciani, DEJT de 18/12/2020 e, com igual sentido e coerência, o julgamento no E-RR-589-86.2011.5.23.0051, DEJT de 26/3/2021. Ao Poder Público cabe a discricionariedade dentro dos parâmetros constitucionais e dos tratados de direitos humanos de conceber e elaborar políticas públicas que conciliem a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, tendo por fim assegurar existência digna segundo os ditames da justiça social (art. 170 da Constituição). Tal discricionariedade não é, porém, absoluta, dado que a Carta Maior estabelece princípios a serem observados, entre eles a busca do pleno emprego em sintonia com a redução das desigualdades sociais (art. 170, VII e VIII). Em ocasiões várias, o Supremo Tribunal Federal tem proclamado que essa parametrização da atividade política submete-se a controle jurisdicional (cfr. ARE 727864 A GR / PR, citando precedentes: RTJ 174/687 – RTJ 175/1212-1213 – RTJ 199/1219-1220). A Justiça do Trabalho está vocacionada à apreciação das causas – como a causa sob exame – que envolvem o trabalho humano, pois assim o poder constituinte, originário e derivado, estabeleceu no art. 114 da Constituição, com destaque para os incisos I e IX na espécie. A omissão do Poder Judiciário – em nosso caso, a omissão da Justiça do Trabalho – poderá implicar inclusive a responsabilização internacional do Estado brasileiro, conforme precedente da Corte Interamericana de Direitos Humanos acerca da proteção a crianças (caso Villagran Morales e outros vs. Guatemala). Posição revista do Relator em atenção aos judiciosos fundamentos adotados pela jurisprudência dialeticamente construída sobre o tema. Recurso de embargos conhecido e parcialmente provido. (TST-E-RR-24325-63.2014.5.24.0096, Augusto César Leite de Carvalho, DEJT 03/12/2021)

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Recurso de Revista n° TST-E-RR-24325-63.2014.5.24.0096 , em que é Embargante MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 24ª REGIÃO e Embargado MUNICÍPIO DE BATAGUASSU.

A Quarta Turma deste Tribunal conheceu do recurso de revista interposto pelo Ministério Público do Trabalho quanto ao tema "incompetência material da Justiça do Trabalho – Ação Civil Pública – Município – implementação de políticas públicas – erradicação do trabalho infantil e profissionalização dos adolescentes", por divergência jurisprudencial e, no mérito, negou-lhe provimento ao entendimento de que os pedidos formulados na presente ação estão relacionados às questões de adoção de políticas públicas no âmbito municipal que escapam a competência da Justiça do Trabalho. (acórdão - fls. 4.334-4.344)

Dessa decisão, o Ministério Público do Trabalho interpõe recurso de embargos pelas razões de fls. 4.348-4.364. Pugna, em síntese, pelo conhecimento e provimento dos embargos, por divergência jurisprudencial, a fim de ser reconhecida a competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar a demanda.

Juízo de admissibilidade do recurso de embargos efetivado na forma disposta na Instrução Normativa nº 35/2012, reconhecendo configurada a divergência jurisprudencial. (fls. 4.405-4.408)

O Município réu não apresentou impugnação aos embargos, às fls. 4.412-4.431 e fls. 4.433-4.452.

É o relatório.

V O T O

1 - PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS

Atendidos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade do recurso de embargos, porquanto tempestivo (fls. 4.347 e 4.403), regular a representação processual (subscrito por Subprocuradora-Geral do Trabalho) e isento o preparo.

Em atenção ao Ato TST 725/SEGJUD.GP, de 30 de outubro de 2012, registre-se que os números de inscrição das partes no cadastro de pessoas físicas e jurídicas da Receita Federal do Brasil já constam dos autos.

Convém destacar que o recurso de embargos está regido pelas Leis 13.015/2014 e 13.467/2017, porquanto interposto contra acórdão considerado publicado em 31/5/2019 e intimado o Ministério Público do Trabalho em 7/6/2019.

Cumpre, portanto, examinar os pressupostos específicos do recurso de embargos.

2 – PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS

INCOMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MUNICÍPIO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL E PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ADOLESCENTES.

Conhecimento

Em relação ao tema em epígrafe, a Quarta Turma deste Tribunal conheceu do recurso de revista interposto pelo Ministério Público do Trabalho, por divergência jurisprudencial e, no mérito, negou-lhe provimento ao entendimento de que os pedidos formulados na presente ação estão relacionados às questões de adoção de políticas públicas no âmbito municipal que escapam a competência da Justiça do Trabalho.

Eis as razões de decidir consignadas às fls. 4.355-4.343:

(...)

1.1. INCOMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MUNICÍPIO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL E PROFISSIONALIZAÇÃO DE ADOLESCENTES

O Recorrente atendeu aos requisitos previstos no art. 896, § 1º-A, da CLT (redação da Lei nº 13.015/2014), quanto ao tema em destaque.

O Ministério Público do Trabalho pretende o processamento do seu recurso de revista por violação do arts. 7º, XXXIII, 114, I e IX, 227, caput e §3º, I e II, da CF/88, 1º, caput e IV, e 3º, caput, da Lei nº 7.347/85 e 6º, VI e VII, do Código de Defesa do Consumidor. Traz arestos para cotejo de teses.

Argumenta que "o Município Recorrido tem deveres perante seus cidadãos afinal cobra impostos e deve reverter tal quantia na melhoria da qualidade de vida da sociedade local o que engloba a erradicação do trabalho infantil, corolário da cidadania e da dignidade da pessoa humana nos termos do Art. 1º, II e III, da CF/88." (fl. 4251).

Argumenta que "é evidente que a coletividade local sofre danos irreparáveis na medida em que a exploração do trabalho infantil afasta crianças e adolescentes da escola privando-os de educação de qualidade deixando-os com uma perspectiva de futuro negativa, ou seja, não terão condições de disputar uma vaga de emprego no mercado de trabalho formal com quem estiver mais qualificado e serão forçados a buscar emprego no mercado informal ou, pior, se tornarão criminosos em potencial" (fl. 4251).

Afirma que "partindo da premissa de que a Justiça do Trabalho é incompetente para julgar as obrigações de fazer, qual seja criar e implementar programas sociais para erradicação do trabalho infantil e profissionalização de adolescentes, mecanismos de controle social, retirada de crianças e adolescentes do trabalho em ruas e permanência de crianças e adolescentes em tempo integral na escola, o v. acórdão regional, com a devida vênia, violou o disposto nos artigos art. 7º, XXXIII, artigo 114, I e IX, art. 227, caput e §3º, I e II, da CRFB/88, art. 1º, caput e inciso IV, e art. 3º, caput, da Lei nº 7.347/85 e art. 6º, VI e VII, do Código de Defesa do Consumidor" (fl. 4251).

Consta do acórdão recorrido:

"O Juízo de primeira instância extinguiu o processo sem apreciação do mérito sob o fundamento de ser esta Justiça do Trabalho incompetente de forma absoluta para apreciar o pedido.

Insurge-se o autor, sustentando a competência da Justiça Laboral para processar e julgar o pedido deduzido em ação civil pública que tenha por objeto a promoção de políticas públicas destinadas à erradicação de trabalho infantil.

Argumenta que é inequívoco que a erradicação do trabalho infantil se enquadra no conceito amplo de relação de trabalho, atraindo, portanto, a competência material da Justiça do Trabalho e, caso mantida a decisão, pugna pela remessa dos autos à Justiça Comum, que será acompanhada pelo Ministério Público Estadual.

Sem razão.

Não tenho dúvida que a decisão guerreada não merece reparo, conforme a análise detalhada da questão feita no Juízo recorrido, ut fundamentos que, para não ser repetitivo, transcrevo para fazer parte integrante deste, como razões de decidir, literis:

A presente Ação Civil Pública tem por finalidade a intervenção do Poder Judiciário trabalhista junto ao Município reclamado visando a criação e implementação de programas sociais para erradicação do trabalho infantil e profissionalização de adolescentes, mecanismos de controle social, retirada de crianças e adolescentes do trabalho em ruas, oferecimento de bolsa família, permanência de crianças e adolescentes em tempo integral na escola. Pretende também a interferência na elaboração do orçamento público, execução de programas, obrigação de apoio ao poder de polícia administrativo do Conselho Tutelar, fiscalização e cumprimento das legislações específicas relacionadas aos direitos das crianças e adolescentes, encaminhamento das crianças e adolescentes aos pais, criação de locais apropriados para as crianças e adolescentes resgatados do trabalho que as impeçam de retornar ao trabalho, cadastramento das crianças e sua família no Cadastro Único do Governo Federal para efeito de inclusão em programas sociais/assistenciais, implementação de programas de qualificação profissional de adolescentes, além de outras obrigações de fazer.

O artigo 114 da Constituição Federal dispõe que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (inciso I), bem como outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei (item IX).

O primeiro ponto a ser ressaltado é que não se trata a presente ação de relação de trabalho. Não se discute controvérsia acerca de relação de trabalho ou do meio ambiente do trabalho, mas sim questões afetas às políticas sociais e destinação do orçamento municipal. Portanto, não se encontra no item I, do referido artigo. Quanto às outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, impõe-se que seja publicada lei específica a esse respeito, o que não é caso.

Embora não se negue que há uma questão de fundo relacionada ao mundo do trabalho de crianças e adolescentes, entendo que o artigo 114 da Constituição Federal não englobou hipótese tão extensiva quanto à pretendida pelo Órgão Ministerial.

Portanto, se for possível a interferência do Poder Judiciário de maneira tão ampla na autonomia administrativa do Poder Executivo Municipal, essa interferência deverá ocorrer pelo órgão do Poder Judiciário competente para essa finalidade que é o Poder Judiciário Estadual.

Considerando-se que o Ministério Público do Trabalho não tem atuação exclusive perante aquele órgão, impõe-se a extinção do presente feito, sem julgamento do mérito, em razão da incompetência absoluta do juízo trabalhista, nos termos do artigo 267, IV, do CPC.

Assim, tal qual manifestado na decisão recorrida, de fato esta Especializada não tem competência para processar e julgar o presente feito. Afinal, a norma contida no inciso I do art. 114 da Carta de 1988, na redação advinda da Emenda 45/2004, não deve ser interpretada de forma ampliativa, de modo que não é possível incluir-se na competência material da Justiça do Trabalho todos os conflitos que tenham como causa de pedir, ainda que remotamente, a relação de trabalho humano atual ou futura.

Nego, pois, provimento ao recurso, mantendo incólume a escorreita decisão da instância singela" (fl. 4184/4185).

Consta no acórdão que julgou os embargos de declaração:

"O Ministério Público do Trabalho aponta omissão consubstanciada na ausência de manifestação expressa quanto à contrariedade das normas jurídicas que disciplinam a competência material da Justiça do Trabalho concernentes à imposição de políticas públicas ao ente municipal com a finalidade de erradicação do trabalho infantil.

Sem razão.

A decisão embargada adotou, por razões de decidir, idênticos fundamentos jurídicos articulados na sentença, reafirmando interpretação pela ausência de competência material da Justiça do Trabalho para condenar ente municipal na obrigação de fazer consistente na implantação de políticas públicas que resultem, dentre outros programas, na erradicação do trabalho infantil, porquanto essa medida extrapola os limites do exercício da jurisdição trabalhista.

A síntese argumentativa deduzida no julgado denota por imposição de obrigação de fazer dessa natureza na concretização de invasão de competência da autonomia municipal para delimitar sua atuação orçamentária, matéria de competência reservada à legislação municipal.

É despropositada a pretensão de manifestação expressa sobre todos os argumentos deduzidos pela parte na impugnação; a solução adotada, por reputar a incompetência material da Justiça do Trabalho, fundada na interpretação das normas de direito que delimitam essa atuação, explicita todos os fundamentos que compõem o objeto litigioso concernentes ao pedido e a causa de pedir, prejudicadas todas as demais questões vinculadas.

A entrega da prestação jurisdicional é constituída pela decisão de todas as questões de fato e de direito que compõem a lide, adotados os fundamentos que atuaram no livre convencimento.

Prequestionamento: Adotadas teses jurídicas explícitas sobre todas as matérias deduzidas na impugnação, resta atendido o pressuposto recursal de natureza especial concernente ao prequestionamento (TST, Súmula n. 297, I).

Acolho os embargos de declaração para prestar tais esclarecimentos" (fls. 4226/4227).

Como se observa, a Corte Regional manteve a sentença que extinguiu o processo sem apreciação do mérito sob o fundamento de ser esta Justiça do Trabalho incompetente para julgar a presente lide. Consignou que "a presente Ação Civil Pública tem por finalidade a intervenção do Poder Judiciário trabalhista junto ao Município reclamado visando a criação e implementação de programas sociais para erradicação do trabalho infantil e profissionalização de adolescentes, mecanismos de controle social, retirada de crianças e adolescentes do trabalho em ruas, oferecimento de bolsa família, permanência de crianças e adolescentes em tempo integral na escola. Pretende também a interferência na elaboração do orçamento público, execução de programas, obrigação de apoio ao poder de polícia administrativo do Conselho Tutelar, fiscalização e cumprimento das legislações específicas relacionadas aos direitos das crianças e adolescentes, encaminhamento das crianças e adolescentes aos pais, criação de locais apropriados para as crianças e adolescentes resgatados do trabalho que as impeçam de retornar ao trabalho, cadastramento das crianças e sua família no Cadastro Único do Governo Federal para efeito de inclusão em programas sociais/assistenciais, implementação de programas de qualificação profissional de adolescentes, além de outras obrigações de fazer". Concluiu que "não se trata a presente ação de relação de trabalho. Não se discute controvérsia acerca de relação de trabalho ou do meio ambiente do trabalho, mas sim questões afetas às políticas sociais e destinação do orçamento municipal. Portanto, não se encontra no item I, do referido artigo".

O aresto colacionado às fls. 4261/4262, oriundo do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região, é específico e divergente da decisão recorrida. Consta na ementa a seguinte tese:

"EMENTA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PEDIDO DE ADOÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS À ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL. A competência da Justiça do Trabalho, ou de qualquer ramo do Judiciário, não se define em razão da natureza das normas legais aplicáveis ao caso concreto, mas em razão da natureza da pretensão que é deduzida em juízo. No nosso direito processual trabalhista, basta que o pedido e a causa de pedir estejam relacionados com as hipóteses constitucionais do art. 114 da CF/88 ou com leis esparsas para que se tenha reconhecida a competência da Justiça Laboral. Recurso conhecido e provido. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso ordinário oriundos da Vara do Trabalho de Chapadinha, em que são partes MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (recorrente) e MUNICÍPIO DE VARGEM GRANDE (recorrido)." (Processo 0047100-15.2010.5.16.0006 (numeração antiga 00471- 2010-006-16-00-9 RO); TRT 16ª Região, Des. Relator Gerson de Oliveira Costa Filho, Data do Julgamento: 14/06/2011. Data da Publicação (Diário de Justiça do Estado do Maranhão 20/06/2011 (inteiro teor em anexo). Disponível em www.trt16.jus.br)".

Ante o exposto, conheço do recurso de revista, por divergência jurisprudencial.

2. MÉRITO

2.1. INCOMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MUNICÍPIO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL E PROFISSIONALIZAÇÃO DE ADOLESCENTES. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DE TRABALHO

A EC nº 45/2004 ampliou a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, nos termos do art. 114, inciso I, da Constituição Federal.

Na hipótese dos autos, como consignado na decisão regional, "a presente Ação Civil Pública tem por finalidade a intervenção do Poder Judiciário trabalhista junto ao Município reclamado visando a criação e implementação de programas sociais para erradicação do trabalho infantil e profissionalização de adolescentes, mecanismos de controle social, retirada de crianças e adolescentes do trabalho em ruas, oferecimento de bolsa família, permanência de crianças e adolescentes em tempo integral na escola. Pretende também a interferência na elaboração do orçamento público, execução de programas, obrigação de apoio ao poder de polícia administrativo do Conselho Tutelar, fiscalização e cumprimento das legislações específicas relacionadas aos direitos das crianças e adolescentes, encaminhamento das crianças e adolescentes aos pais, criação de locais apropriados para as crianças e adolescentes resgatados do trabalho que as impeçam de retornar ao trabalho, cadastramento das crianças e sua família no Cadastro Único do Governo Federal para efeito de inclusão em programas sociais/assistenciais, implementação de programas de qualificação profissional de adolescentes, além de outras obrigações de fazer".

Como se observa, a presente ação civil pública busca compelir o Poder Público Municipal à "criação e implementação de programas sociais para erradicação do trabalho infantil e profissionalização de adolescentes", bem como pretende "a interferência na elaboração do orçamento público, execução de programas, obrigação de apoio ao poder de polícia administrativo do Conselho Tutelar, fiscalização e cumprimento das legislações específicas relacionadas aos direitos das crianças e adolescentes".

Constata-se que tais pretensões não tratam de relação de trabalho ou emprego, mas envolvem questões relativas à adoção de políticas públicas no âmbito municipal, que escapam à competência desta Justiça Especializada.

Por outro lado, a interferência do Poder Judiciário na elaboração do orçamento público do município com a finalidade de garantir a implementação de políticas públicas importaria em violação direta ao princípio fundamental da tripartição independente e harmônica dos Poderes, inserto no art. 2º, da CF/88.

Nesse sentido, julgados desta Corte:

"RECURSO DE REVISTA. COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MUNICÍPIO. POLÍTICAS PÚBLICAS. PREVENÇÃO E ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL. PROFISSIONALIZAÇÃO DE ADOLESCENTES E JOVENS 1. Não se inscreve na competência material da Justiça do Trabalho o julgamento de ação civil pública em que o MPT postula que ente federativo implemente políticas públicas relacionadas à profissionalização de adolescentes e jovens, bem como à prevenção e erradicação do trabalho infantil. 2. A controvérsia tratada na referida ação civil pública não tem como objeto primário a relação de trabalho, mas a implementação de políticas públicas. Ausência de subsunção às hipóteses dos incisos do art. 114 da Constituição Federal. 3. Recurso de revista do MPT de que se conhece, por divergência jurisprudencial, e a que se nega provimento" (RR - 44-64.2013.5.09.0009, Relator Ministro João Oreste Dalazen, Data de Julgamento: 04/10/2017, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/10/2017).

 

"COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO CONRA O MUNICÍPIO DE BUGRES - MT. OBRIGAÇÃO DE FAZER CONSISTENTE NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A PROIBIÇÃO DO TRABALHO INFANTIL E REGULARIZAÇÃO DO TRABALHO DO ADOLESCENTE. Conquanto o inc. IX do art. 114 da Constituição da República disponha que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar "outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei", é basilar para a fixação da competência da Justiça do Trabalho que as -outras controvérsias- sejam de alguma forma decorrentes da relação de trabalho. No caso, consoante exposto pelo Tribunal Regional, a pretensão deduzida na presente Ação Civil Pública é de o Prefeito a encaminhar projeto de lei à Câmara Municipal, instituindo programa municipal de erradicação do trabalho infantil e de regularização do trabalho do adolescente, com a correspondente garantia orçamentária. Não se verificam, na hipótese, as figuras de empregado e empregador nem de relação de trabalho. Note-se que a causa de pedir fixada na ação não tem natureza trabalhista, tampouco revela uma relação de trabalho. Em que pese a nobreza da preocupação do Ministério Público com a solução de questão social aflitiva e a reconhecida necessidade de o poder público implementar políticas públicas para coibir o trabalho infantil e regularizar o trabalho do adolescente, o fato é que a Justiça do Trabalho não tem competência para impor a obrigação de produzir leis nem de adicionar rubrica orçamentária, eis que essas são questões estranhas à relação de trabalho (e de relação de trabalho esta ação não cuida). A pretensão, desse modo, atenta contra a tripartição dos Poderes da União prevista no art. 2º da Constituição da República. Recurso de Revista de que se conhece e a que se nega provimento" (RR-589-86.2011.5.23.0051, Relator Ministro João Batista Brito Pereira, Data de Julgamento: 26/11/2013, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 19/12/2013).

Do exposto, deve ser mantida a incompetência da Justiça do Trabalho para processar e julgar a presente ação civil pública.

Nego provimento. (fls. 4.343)

Nas razões dos embargos, o Ministério Público do Trabalho requer, em síntese, o conhecimento e provimento dos embargos, por divergência jurisprudencial, a fim de ser reconhecida a competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar a demanda.

Diz que "trata-se de Ação Civil Pública aforada pelo Ministério Público do Trabalho em desfavor do Município de Bataguassu onde se busca compelir o ente público municipal a adotar/instituir políticas públicas eficientes e eficazes voltadas ao combate do trabalho de crianças e adolescentes." (fl. 4.351)

Alega que "[m]uito embora não tratem os autos exclusivamente de demanda entre empregados e empregadores, a presente Ação Civil Pública teve como fundamento a implementação de políticas públicas voltadas à erradicação do labor infantil e à exploração irregular do trabalho do adolescente." (fl. 4.357)

Ao exame.

A pretensão recursal está adstrita à declaração de competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar a presente ação civil pública que visa à implementação de políticas públicas por parte do município para garantir direitos ou interesses coletivos de crianças e adolescentes relacionados à erradicação do trabalho infantil e à exploração irregular do trabalho do adolescente, bem como a realização de políticas públicas destinadas à educação e profissionalização de crianças e adolescentes.

Consoante entendimento sintetizado na ementa do acórdão recorrido, a Quarta Turma deste Tribunal manteve a declaração de incompetência da Justiça do Trabalho para processar e julgar a presente demanda, cujo objeto é a adoção de políticas públicas no âmbito municipal, destacando que "a presente ação civil pública busca compelir o Poder Público Municipal à ‘criação e implementação de programas sociais para erradicação do trabalho infantil e profissionalização de adolescentes’, bem como pretende ‘a interferência na elaboração do orçamento público, execução de programas, obrigação de apoio ao poder de polícia administrativo do Conselho Tutelar, fiscalização e cumprimento das legislações específicas relacionadas aos direitos das crianças e adolescentes’".

Os dois arestos colacionados para confronto de teses, um deles originário da Segunda Turma (RR-32100-09.2009.5.16.0006, DEJT de 11/9/2015) e o outro da Terceira Turma deste Tribunal (RR-75700-37.2010.5.16.0009, DEJT de 20/9/2013), transcritos às fls. 4.353-4.356, além de observarem requisitos formais na apresentação ao confronto de teses, nos respectivos trechos destacados há divergência específica.

Em ambos os casos se reconhece a competência da Justiça do Trabalho, com fundamento no art. 114, I a IX, da CF/88, para apreciar e julgar ação civil pública ajuizada para compelir determinado município a implementar políticas públicas para a prevenção e erradicação do trabalho infantil.

As ementas desses julgados encontram-se assim redigidas:

"COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, VISANDO IMPOR AO ENTE PÚBLICO A OBRIGAÇÃO DE ADOTAR POLÍTICAS PÚBLICAS PARA ERRADICAÇÃO E PREVENÇÃO DO TRABALHO INFANTIL . LITÍGIO INSERIDO NA EXPRESSÃO "RELAÇÕES DE TRABALHO" , PREVISTA NO ARTIGO 114, INCISOS I E IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Discute-se se a Justiça do Trabalho é competente para apreciar e julgar Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho para compelir o Município de Chapadinha a cumprir obrigação de fazer e não fazer - implementar políticas públicas para erradicar e prevenir o trabalho infantil. O Regional consignou que a controvérsia a ser apreciada e julgada pela Justiça do Trabalho " deve decorrer de uma relação de trabalho pre-existente " (lide é consequência e não causa dessa relação). Firmou entendimento de que as medidas genéricas pleiteadas pelo Ministério Público do Trabalho não estão " relacionadas com relações de trabalho in concreto , seja com o Poder Público, seja com terceiros ". Verifica-se, pois, que o Regional não afastou a relação de trabalho in casu , mas entendeu que ela deveria ser anterior ao litígio para que fosse abrangida pelo conceito de "relações de trabalho", nos termos itens I e IX do artigo 114 da Constituição Federal. No entanto, como a pretensão do Ministério Público do Trabalho é exatamente coibir o trabalho infantil - relação de trabalho em que o trabalhador é criança ou adolescente -, data venia é totalmente despropositada a exigência da existência de uma relação de trabalho anterior ou " in concreto" para inserir a discussão sub judice nos itens I e IX do artigo 114 da Constituição Federal. Diversamente dessa interpretação restritiva do dispositivo constitucional, faz-se necessário adotar uma visão ampla da competência da Justiça do Trabalho, o que dará efetividade aos direitos fundamentais, que, segundo o artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal, são de aplicação imediata. A expressão " relações de trabalho ", dentro de uma visão vanguardista, abrange a discussão relativa à pretensão do parquet de erradicar o trabalho infantil, por meio da imposição ao ente público da adoção de medidas concretas. Por outro lado, não se pode negar que a Justiça do Trabalho possui vocação para dirimir questões sociais relacionadas ao trabalho, como é a hipótese dos autos. Ressalta-se que a Constituição Federal, no seu artigo 227, estabelece o dever do Estado de assegurar dignidade das crianças e adolescentes e de protegê-las de qualquer forma de exploração, como é o caso do trabalho nessa faixa etária . Assim, o réu, se omisso na adoção de políticas públicas para a prevenção e erradicação do trabalho infantil, deve responder perante esta Justiça especializada pela omissão do seu dever legal. Portanto, como a tutela inibitória pretendida pelo Ministério Público do Trabalho é a erradicação e a prevenção do trabalho por crianças e adolescentes, é exatamente a Justiça do Trabalho a única constitucionalmente competente para apreciá-la. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-32100-09.2009.5.16.0006, 2ª Turma, Redator Ministro José Roberto Freire Pimenta, DEJT 11/09/2015).

(...)

RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS QUE VISAM À ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL. EFETIVIDADE DE DIREITOS SOCIAIS. O Direito do Trabalho é campo decisivo no processo de inserção justrabalhista no universo geral do Direito, tendo a Constituição da República firmado o conceito e a estrutura normativos do Estado Democrático de Direito, em que ocupam posições cardeais a pessoa humana e sua dignidade, juntamente com a valorização do trabalho. Cabe à Justiça do Trabalho cumprir o estratégico objetivo de cimentar as balizas de atuação dos distintos atores sociais e estatais, assegurando a efetividade da ordem jurídica de Direito Material. Resta claro, portanto, que a erradicação do trabalho infantil é medida de manifesto interesse ao Direito do Trabalho e, com igual razão, ao campo de atuação do Ministério Público do Trabalho. No presente caso , discute-se pedido decorrente de relação de trabalho que visa à implantação de políticas públicas, pelo Município de Codó, no tocante ao combate ao trabalho infantil e a outras formas degradantes de trabalho. A atuação do Poder Judiciário, em caso de omissão do administrador público para a implementação de tais políticas públicas previstas na CF, insere-se na competência material da Justiça do Trabalho, definida em razão da matéria, nas hipóteses disciplinadas no art. 114, I a IX, da CF. Precedentes do STF. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-75700-37.2010.5.16.0009, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 20/09/2013).

Demonstrado o dissenso jurisprudencial, nos moldes da Súmula 296, I, e 337 do TST, conheço dos embargos.

Mérito

Cinge-se a controvérsia à competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, que visa à implementação de políticas públicas por parte do município para garantir direitos ou interesses coletivos de crianças e adolescentes relacionados à erradicação do trabalho infantil e à exploração irregular do trabalho do adolescente, bem como a realização de políticas públicas destinadas à educação e profissionalização de crianças e adolescentes.

Trata-se de matéria que vem sendo decidida no âmbito de Turmas deste Tribunal e mais recentemente por esta Subseção.

Conforme destacado pelo Município réu em impugnação aos embargos, de fato, em processo de minha relatoria no âmbito da Sexta Turma, no qual se discutia a competência da Justiça do Trabalho para executar Termo de Ajuste de Conduta, foi mantida a declaração de incompetência da Justiça do Trabalho, por decisão da maioria, pois, "conquanto as medidas delineadas no TAC visem, em última análise, à erradicação do trabalho infantil e regularização do trabalho prestado pelo adolescente, fogem à competência da Justiça do Trabalho, a qual não pode compelir a Administração Pública a tomar providências de caráter eminentemente administrativo, inseridas no rol de suas atribuições constitucionais - mormente quando inexistente qualquer relação laboral entre aquela e os possíveis beneficiados. Entendimento diverso importaria em inevitável afronta ao art. 114 da Constituição Federal" (RR-90000-47.2009.5.16.0006, DEJT 04/08/2017).

Posteriormente a esse julgado, em sessão realizada em agosto de 2020, a matéria alusiva à competência da Justiça do Trabalho, no que toca ao controle das políticas públicas veio a julgamento perante este órgão colegiado, momento em que minha inquietação persistia e ainda continuava voltada à possibilidade de se avançar em relação a competências que dizem sobre políticas públicas sem tangenciar o princípio da separação dos poderes estabelecido na Constituição Federal.

A orientação que emana da SBDI I (conforme leading case E-RR-44-64.2013.5.09.0009, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani, DEJT de 18/12/2020, seguindo-se, com igual sentido e coerência, o julgamento no E-RR-589-86.2011.5.23.0051, DEJT de 26/3/2021), orientação essa que me ressoa convincente e aplico, é a de que cabe ao Poder Público cabe a discricionariedade, dentro dos parâmetros constitucionais e dos tratados de direitos humanos, de conceber e elaborar políticas públicas que conciliem a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, tendo por fim assegurar existência digna segundo os ditames da justiça social (art. 170 da Constituição).

Tal discricionariedade não é, porém, absoluta, dado que a Carta Maior estabelece princípios a serem observados, entre eles a busca do pleno emprego em sintonia com a redução das desigualdades sociais (art. 170, VII e VIII). Em ocasiões várias, o Supremo Tribunal Federal tem proclamado que essa parametrização da atividade política submete-se a controle jurisdicional (cfr. ARE 727864 A GR / PR, citando precedentes: RTJ 174/687 – RTJ 175/1212-1213 – RTJ 199/1219-1220).

A Justiça do Trabalho está vocacionada à apreciação das causas – como a causa sob exame – que envolvem o trabalho humano, pois assim o poder constituinte, originário e derivado, estabeleceu no art. 114 da Constituição, com destaque para os incisos I e IX na espécie. Posição revista do Relator em atenção aos judiciosos fundamentos adotados pela jurisprudência dialeticamente construída sobre o tema.

Ademais, o art. 19 da Convenção Americana de Direitos Humanos – que é norma supralegal no Brasil – está a prescrever que "toda criança tem direito às medidas de proteção que a sua condição de menor requer por parte da sua família, da sociedade e do Estado". A Convenção sobre Direitos das Crianças, igualmente ratificada (Decreto n. 99710/1990), impõe de modo mais analítico:

Art. 19

1. Os Estados Partes adotarão todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de violência física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração, inclusive abuso sexual, enquanto a criança estiver sob a custódia dos pais, do representante legal ou de qualquer outra pessoa responsável por ela.

2. Essas medidas de proteção deveriam incluir, conforme apropriado, procedimentos eficazes para a elaboração de programas sociais capazes de proporcionar uma assistência adequada à criança e às pessoas encarregadas de seu cuidado, bem como para outras formas de prevenção, para a identificação, notificação, transferência a uma instituição, investigação, tratamento e acompanhamento posterior dos casos acima mencionados de maus tratos à criança e, conforme o caso, para a intervenção judiciária.

Quando julgou o caso envolvendo crianças de cuja tutela se havia negligenciado o poder público, no caso Villagran Morales vs. Guatemala, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, a cuja jurisprudência estamos vinculados (Decreto n. 4.463/2002), transcreveu os dispositivos pertinentes da Convenção sobre Direitos das Crianças e assentou então, emblematicamente, que tais normas "permitem precisar, em variadas direções, os alcances das ‘medidas de proteção’ a que alude o art. 19 da Convenção Americana. Entre elas merecem ser destacadas as referentes à não discriminação, à assistência especial às crianças privadas do meio familiar, à garantia de sobrevivência e desenvolvimento da criança, ao direito a um nível de vida adequado e à reinserção social de toda criança vítima de abandono ou exploração".

O mais relevante é que, apreciando o mencionado caso de crianças desprovidas de cuidados pelas entidades estatais, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao parametrizar o dever de diligência ( due diligence ) estatuído nos artigos 1.1 e 2 da CADH, vem de enfatizar que "é um princípio básico da responsabilidade internacional do Estado, endossado pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos, que todo Estado é internacionalmente responsável por todo e qualquer ato ou omissão de quaisquer de seus poderes ou órgão em violação de direitos internacionalmente consagrados" (§220), cabendo à Corte IDH inclusive sindicar a atuação dos órgãos judiciais internos para verificar se a violação de direitos humanos se deu pela ação ou omissão destes (§222).

O fundamental para se definir a competência da Justiça do Trabalho é que não se percam de vista, para tal desiderato, as ações concretas, ponderação que esta Subseção realizou no julgamento do leading case E-RR-44-64.2013.5.09.0009, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani, mediante decisão cujos fundamentos estão bem sintetizados na seguinte ementa:

"RECURSO DE EMBARGOS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROVOCAÇÃO DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL PARA A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE AO TRABALHO INFANTIL E PROFISSIONALIZAÇÃO DE ADOLESCENTES. COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. 1 . A Eg. 1ª Turma negou provimento ao recurso de revista do Ministério Público do Trabalho. Concluiu que "não se inscreve na competência material da Justiça do Trabalho o julgamento de ação civil pública em que o MPT postula que ente federativo implemente políticas públicas relacionadas à profissionalização de adolescentes e jovens, bem como à prevenção e erradicação do trabalho infantil". 2. O "Parquet", na presente ação civil pública, formula duas linhas de pedidos contra o Município, à luz do princípio da proteção integral da criança e do direito ao não trabalho: obrigação de fazer para suprir omissão na elaboração e implementação de políticas públicas de prevenção e erradicação do trabalho infantil e de educação e profissionalização de crianças e adolescentes. 3. Na lição de Canotilho, são princípios relacionados à distribuição de competência: indisponibilidade e tipicidade (Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª ed. Lisboa: Almedina, 2002, p. 542-543). A tipicidade, no caso da Justiça do Trabalho, está inscrita no art. 114 da CF, que , em seu inciso I , dispõe que "compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios". Já o inciso IX enuncia serem de igual competência "outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei". Trata-se, sem dúvida, de cláusula de abertura. Nos termos do art. 83, III, da Lei Complementar 75/93: "Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho: promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos". 4. Já é clássica a doutrina acerca da existência de poderes implícitos ("implied powers") na Constituição, entendidos como aqueles que não são expressamente mencionados na Carta, mas adequados à prossecução dos fins e tarefas constitucionalmente atribuídos aos órgãos de soberania. O enquadramento nas hipóteses dos incisos do art. 114 da CF faz-se, segundo a teoria da substanciação, pela análise da causa de pedir em cotejo com a descrição dos fatos e dos fundamentos jurídicos do pedido. 5. Se é da competência da Justiça do Trabalho coibir a prática do trabalho infantil, bem como o julgamento de ações envolvendo atos irregulares dos entes da administração pública municipal, estadual e federal, também é de sua competência o julgamento da inércia do poder público em adotar políticas públicas constitucionalmente previstas visando erradicar o trabalho infantil (art. 227 da CF). 6. Assim, a competência inscrita no art. 114 não se limita a casos de relação de trabalho existente. É o direito subjetivo das crianças ao não trabalho que está sendo tutelado pelo pedido de criação e implementação de políticas públicas. O Judiciário não se pode furtar à provocação do Executivo quanto à omissão inconstitucional constatada pelo Ministério Público, no que tange a direito fundamental tão caro, nacional e internacionalmente (Convenção 182 da OIT). 7. Por outro lado, salvo quanto a programas de aprendizagem, não se vislumbra a competência desta Especializada para impor ao Município a elaboração e implementação de políticas públicas acerca da educação e profissionalização de crianças e adolescentes (pedidos 2, 3, 4, 5, 6, 10, 11 e 13), pois, embora necessárias, não dizem respeito, diretamente, à relação de trabalho. Recurso de embargos conhecido e parcialmente provido" (E-RR-44-64.2013.5.09.0009, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Redator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 18/12/2020).

Conforme já adiantado, igual compreensão se alcançou no âmbito desta Subseção, no julgamento do E-RR-589-86.2011.5.23.0051, Redator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, decisão publicada no DEJT de 26/3/2021.

Seguindo a linha dos precedentes desta Subseção, de que a competência da Justiça do Trabalho precisa estar relacionada a ações concretas, dou provimento parcial ao recurso de embargos interposto pelo Ministério Público do Trabalho para, reformando em parte o acórdão recorrido, declarar a competência da Justiça do Trabalho quanto aos pedidos formulados na presente ação civil pública relativos à elaboração e implementação de políticas públicas pelo Município para combate e erradicação do trabalho infantil, determinando o retorno dos autos ao juízo de origem para julgar a causa como entender de direito.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de embargos por divergência jurisprudencial, e, no mérito, dar-lhe provimento parcial para, reformando em parte o acórdão recorrido, declarar a competência da Justiça do Trabalho quanto aos pedidos formulados na presente ação civil pública relativos à elaboração e implementação de políticas públicas pelo Município para combate e erradicação do trabalho infantil, determinando o retorno dos autos ao juízo de origem para julgar a causa como entender de direito.

Brasília, 4 de novembro de 2021.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

AUGUSTO CÉSAR LEITE DE CARVALHO

Ministro Relator

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