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Acordãos na integra
Alexandre de Souza Agra Belmonte - TST
Shopping de Goiânia deverá construir creche para empregadas das lojas.
I - AGRAVO DE INSTRUMENTO DA EMPRESA. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.015/2014. Com o advento da Lei 13.015/2014 o novel § lº-A do artigo 896 da CLT exige em seu inciso I, como ônus da parte e sob pena de não conhecimento, a indicação do trecho da decisão recorrida que consubstancia o prequestionamento da controvérsia objeto do recurso de revista. No caso concreto, o acórdão regional foi publicado em 25/4/2017, na vigência da referida lei, e o recurso de revista não apresenta a transcrição do trecho da decisão regional que consubstancia o prequestionamento da controvérsia objeto do apelo. Compulsando os autos, observa-se que a empresa, em seu recurso de revista, transcreveu os trechos do acórdão regional na introdução do seu recurso, sem, contudo proceder o confronto analítico confronto analiticamente com a fundamentação jurídica, deixando para o julgador a tarefa de investigar topograficamente onde estaria decidida a matéria, desatendendo, assim, o contido no artigo 896, § 1º-A, I e III, da CLT. Agravo de instrumento conhecido e desprovido.
II – RECURSO DE REVISTA DO MPT. OBRIGAÇÃO DE FAZER CONSISTENTE NA CRIAÇÃO E MANUTENÇÃO DE CRECHES DESTINADAS À AMAMENTAÇÃO EM ESPAÇOS DE SHOPPING CENTERS. APLICABILIDADE DO ARTIGO 389 DA CLT. Cinge-se a controvérsia quanto à aplicação do artigo 389, § 1º, da CLT aos shopping centers, em relação a previsão da destinação de local reservado para guarda de filhos de todos os funcionários, sejam seus próprios e dos lojistas, em período de amamentação, sob guarda e vigilância. O art. 389, §1º, da CLT estabelece que toda empresa, nos estabelecimentos em que trabalharem pelo menos 30 empregadas mulheres com mais de 16 anos, deve ter local apropriado para que seus filhos possam ficar no período da amamentação. Tal artigo não pode ser interpretado de forma literal, levando-se em conta o termo "estabelecimento" apenas como sendo o espaço físico em que se desenvolvem as atividades do empregador, até porque, quando da redação do artigo em comento, pelo Decreto-Lei de 1967, a realidade do shopping centers não correspondia à noção atual. Devemos ter, sim, uma interpretação histórica e sistemática, conjuntamente aos princípios da proteção à maternidade e à infância. Portanto, deve-se entender a realidade do shopping center, como tem sido dito em decisões desta Corte, como um "sobre estabelecimento", ou seja, deve-se considerar não a topografia de cada loja, mas sim a sua totalidade, uma vez que, ainda que o shopping não seja o responsável pelas vendas de produtos ou serviços, ele é o responsável pela administração, dimensionamento e disponibilização dos espaços comuns, daí advindo o seu dever de providenciar espaços para a guarda e aleitamento de crianças das empregadas, tanto as suas quanto a dos seus lojistas. Com efeito, os empregados que atuam em shopping, ainda que sejam trabalhadores dos lojistas, se valem da infraestrutura do centro comercial, uma vez que a função principal do shopping é a organização do espaço de forma coesa, a fim de potencializar a atividade econômica das empresas ali instaladas. Diante disso, as normas que tutelam o meio ambiente do trabalho devem levar em consideração tal perspectiva. Assim, como dito anteriormente, deve-se interpretar de forma consentânea com a atual realidade, o termo estabelecimento, do artigo 389, § 1º, da CLT, de modo que se conclua que a obrigação relativa ao meio ambiente do trabalho das empregadas que atuam em lojas instaladas em shopping centers seja responsabilidade, no que couber, do próprio shopping. Diante do acima exposto, a decisão regional, que reformou a sentença para limitar a obrigação de fazer ao âmbito das empregadas diretas e terceirizadas do shopping, assim como dispensar a exigência de contratação de equipe multidisciplinar para a instalação de local para essas empregadas guardarem seus filhos no período da amamentação, vai de encontro aos termos do artigo 389, § 1º, da CLT. Precedentes. Recurso de revista conhecido por violação do artigo 389, § 1º, da CLT e provido. (TST-ARR-10876-18.2015.5.18.0016, Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 10.05.19)
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista com Agravo n° TST-ARR-10876-18.2015.5.18.0016, em que é Agravado e Recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 18ª REGIÃO e Agravante e Recorrida SIERRA INVESTIMENTOS BRASIL LTDA..
O Tribunal Regional, por meio do acórdão das págs. 778-797, complementado às págs. 913-917, deu parcial provimento ao recurso ordinário da empresa.
Inconformadas, ambas as partes interpuseram recursos de revista.
O recurso de revista da empresa teve seu seguimento denegado, o recurso de revista do Ministério Público do Trabalho foi admitido, mediante decisão das págs. 959-963.
A empresa interpôs agravo de instrumento.
Foram apresentadas contraminuta e contrarrazões.
É o relatório.
I – AGRAVO DE INSTRUMENTO DA EMPRESA
1 - CONHECIMENTO
Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conheço do agravo de instrumento.
2 – MÉRITO
A Lei 13.015/2014 teve como algumas de suas finalidades reforçar o papel uniformizador do recurso de revista, sanar controvérsias quanto ao manejo desse apelo e dar maior celeridade e segurança jurídica no conhecimento e tramitação dessa espécie recursal, por meio de disciplinamento judiciário voltado precipuamente para os efeitos uniformizadores da jurisprudência e da unidade do Judiciário Trabalhista.
Nos termos do art. 896, "a", "b" e "c", da CLT, o recurso de revista tem por fim: a) zelar pela autoridade do direito objetivo, afastando as violações de literal disposição de lei ou afronta direta e literal à Constituição Federal; b) resolver divergências decisórias entre Regionais na interpretação da lei federal ou estadual, norma coletiva ou regulamento empresarial de abrangência ultra regional ou entre o Regional e a SBDI do TST; e c) exercer o controle sobre a jurisprudência, afastando as contrariedades a súmula do TST, súmula vinculante do STF e à iterativa e notória jurisprudência do TST.
Com o advento da Lei 13.015/2014 a redação do novel § lº-A do artigo 896 da CLT, para efeito de demonstração da violação literal de disposição de lei federal ou afronta direta e literal à Constituição Federal, exige em seu inciso I que: "sob pena de não conhecimento, é ônus da parte: I - indicar o trecho da decisão recorrida que consubstancia o prequestionamento da controvérsia objeto do recurso de revista", grifamos.
Por outro lado, o novel § 8º incumbe ao recorrente, na hipótese de o recurso de revista fundar-se em dissenso de julgados, "...ônus de produzir prova da divergência jurisprudencial, mediante certidão, cópia ou citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que houver sido publicada a decisão divergente, ou ainda pela reprodução de julgado disponível na internet, com indicação da respectiva fonte, mencionando, em qualquer caso, as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados", grifamos.
A alteração legislativa nesses aspectos constitui pressuposto de adequação formal de admissibilidade do recurso de revista e se orienta no sentido de propiciar a identificação precisa da contrariedade a dispositivo de Lei e a Súmula e do dissenso de teses, afastando-se os recursos de revista que impugnam de forma genérica a decisão regional e conduzem sua admissibilidade para um exercício exclusivamente subjetivo pelo julgador de verificação e adequação formal do apelo.
Assim, a necessidade da transcrição do trecho que consubstancia a violação e as contrariedades indicadas, e da demonstração analítica da divergência jurisprudencial, visam a permitir a identificação precisa e objetiva da tese supostamente ofensiva a Lei, a segurança das relações jurídicas e a isonomia das decisões judiciais, de modo que contribua para a celeridade da prestação jurisdicional, possibilite a formação de precedentes como elemento de estabilidade e a decisão do TST contribua para a formação da jurisprudência nacionalmente unificada.
A ausência desse requisito formal torna inexequível o recurso de revista e insuscetível de provimento o agravo de instrumento.
No caso concreto, o acórdão regional foi publicado em 25.4.2017, na vigência da referida lei, e o recurso de revista não apresenta as transcrições dos trechos da decisão regional que consubstanciam os prequestionamentos das controvérsias objetos das violações e da divergência jurisprudencial nele indicadas, nem realiza a demonstração analítica do dissenso de julgados e, por isso, não alcança conhecimento a tornar inviável o agravo de instrumento que visa ao seu destrancamento.
Compulsando os autos, observa-se que o reclamante, em seu recurso de revista, transcreveu os trechos do acórdão regional na introdução do seu recurso (págs. 937-939), sem, contudo proceder o confronto analítico com a fundamentação jurídica, deixando para o julgador a tarefa de investigar topograficamente onde estaria decidida a matéria, desatendendo, assim, o contido no artigo 896, § 1º-A, I e III, da CLT.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo de instrumento.
II – RECURSO DE REVISTA DO MPT
Presentes os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, passo ao exame dos intrínsecos do recurso de revista.
1 - CONHECIMENTO
1.1 - OBRIGAÇÃO DE FAZER CONSISTENTE NA CRIAÇÃO E MANUTENÇÃO DE CRECHES DESTINADAS À AMAMENTAÇÃO EM ESPAÇOS DE SHOPPING CENTERS. APLICABILIDADE DO ARTIGO 389 DA CLT.
O Ministério Público do Trabalho sustenta, em síntese, que os shopping centers são responsáveis, como administradores de atividades do estabelecimento, por promover um ambiente de trabalho adequado, conforme determina o artigo 389, § 1º, da CLT. Aduz que "O shopping center funciona como "sobre estabelecimento", que reúne empresas individuais com fins comerciais e concilia seus interesses com o dos lojistas. Tanto assim que o shopping influencia diretamente nas atividades ali desenvolvidas, determinando as normas de funcionamento e decidindo, por exemplo, as épocas em que os lojistas devem realizar liquidações. Dessa forma, não há que se falar em cumprimento da norma celetista apenas quanto aos empregados diretos e terceirizados do recorrido..." (págs. 847-849).
Assim, requer que seja determinada a instalação de espaço para amamentação dos filhos das mães que trabalhem nas dependências do shopping, independentemente da relação contratual, como estipulado na sentença.
Indica violação do artigo 389, § 1º, da CLT e colaciona arestos.
Nas razões de recurso de revista, o MPT destaca os seguintes trechos do acórdão regional:
De acordo com o que já ficou assentado, o réu não possui mais de 30 empregadas com mais de 16 anos de idade, não existindo vínculo trabalhista entre as empregadas dos lojistas e o centro comercial. É importante salientar que o shopping center sequer é beneficiário dos serviços prestados pelos empregados das lojas, que trabalham em proveito apenas de seus respectivos empregadores. Além disso, a atividade econômica do réu - locação de espaços físicos destinados ao comércio de produtos e serviços – não se confunde com aquela desenvolvida pelos locatários – comércio de produtos e serviços. (grifo nosso)
Nesses termos, sem olvidar a importância da proteção ao bem-estar do nascituro e do recém-nato, entendo que a locação de espaço físico não autoriza a imputação de responsabilidade trabalhista ao réu. (grifo nosso)
Todavia, relativamente às empregadas de empresas terceirizadas, embora não haja vínculo empregatício formado diretamente com o réu, entendo que ele, na qualidade de tomador dos serviços, é responsável por propiciar meio ambiente de trabalho adequado, saudável e seguro aos empregados terceirizados que trabalhem em suas dependências. (grifo nosso) (págs. 847-848)
À análise.
Cinge-se a controvérsia quanto à aplicação do artigo 389, § 1º, da CLT ao shopping centers, em relação à previsão da destinação de local reservado para guarda de filhos de todos os funcionários, sejam seus próprios e os dos lojistas, em período de amamentação, sob guarda e vigilância.
O art. 389, §1º, da CLT estabelece que toda empresa, nos estabelecimentos em que trabalharem pelo menos 30 empregadas mulheres com mais de 16 anos, deve ter local apropriado para que seus filhos possam ficar no período da amamentação, in verbis:
"Art. 389 - Toda empresa é obrigada:
(...)
§ 1º - Os estabelecimentos em que trabalharem pelo menos 30 (trinta) mulheres com mais de 16 (dezesseis) anos de idade terão local apropriado onde seja permitido às empregadas guardar sob vigilância e assistência os seus filhos no período da amamentação.
Tal artigo não pode ser interpretado de forma literal, levando-se em conta o termo "estabelecimento" apenas como sendo o espaço físico em que se desenvolvem as atividades do empregador, até porque, quando da redação do artigo em comento, pelo Decreto-Lei de 1967, a realidade do shopping center não correspondia à noção atual.
Devemos ter, sim, uma interpretação histórica e sistemática, conjuntamente com os princípios da proteção à maternidade e à infância.
Portanto, ao meu ver, devemos entender a realidade do shopping center, como tem sido dito em decisões desta Corte, como um "sobre estabelecimento", ou seja, devemos considerar não a topografia de cada loja, mas sim a sua totalidade, uma vez que, ainda que o shopping não seja o responsável pelas vendas de produtos ou serviços, ele é o responsável pela administração, dimensionamento e disponibilização dos espaços comuns, daí advindo o seu dever de providenciar espaços para a guarda e aleitamento de crianças das empregadas, tanto as suas quanto as dos seus lojistas.
Com efeito, os empregados que atuam em shopping, ainda que sejam trabalhadores dos lojistas, se valem da infraestrutura do centro comercial, uma vez que a função principal do shopping é a organização do espaço de forma coesa, a fim de potencializar a atividade econômica das empresas ali instaladas.
Diante disso, as normas que tutelam o meio ambiente do trabalho devem levar em consideração tal perspectiva.
Assim, como dito anteriormente, devemos interpretar de forma consentânea com a atual realidade o termo estabelecimento, do artigo 389, § 1º, da CLT, de modo que se conclua que a obrigação relativa ao meio ambiente do trabalho das empregadas que atuam em lojas instaladas em shopping centers seja responsabilidade, no que couber, do próprio shopping.
A obrigação de fazer consistente na criação e manutenção de creches destinadas à amamentação em espaços de shopping centers é uma questão realmente importante, porque o shopping center não é o empregador, mas a ele se determina a obrigação de criar e manter creches destinadas à amamentação, ou seja, estamos criando uma obrigação, por meios da Justiça do Trabalho, que não está relacionada ao empregador.
No entanto, o shopping center, como é de costume no País, é um empreendimento pelo qual se aluga os espaços destinado a dar lucro, que pode ser de um único empreendedor ou de um grupo; normalmente é de um grupo. Constrói-se, então, e os espaços são os mais variados, não apenas para lojas, mas também há aquelas ilhas que ficam ali dentro destinadas ao arrendamento. Dentro de cada shopping existe uma associação de lojista que se aliam como se sindicato fosse, para conseguir com o empreendedor determinados benefícios e as reivindicações que entendem apropriadas. Os shoppings centers acabam, muitas vezes, ficando fora da cidade. Ou seja, na prática, é como se os empregados dos lojistas ficassem, de certa forma, segregados: a vida fica ali dentro do shopping.
Não há outra solução a não ser reconhecer que, realmente, o shopping deve promover essa criação e manutenção das creches e, nesse caso, repassar o custo aos lojistas; seria o mesmo que determinar que os lojistas em conjunto o fizessem. O resultado é o mesmo e não há maiores problemas para que isso seja feito.
A partir do momento da manutenção dessas creches, que são necessárias, é preciso que se dê uma solução para esse tipo de problema, o shopping pode repassar o custo para os lojistas, por rateio, da mesma forma que cobra dos lojistas o décimo terceiro salário de aluguel, que cobra aluguel por faturamento. Isso vai se refletir no preço dos produtos? Sim, vai. Mas o que se pode fazer? É um problema social que precisa ser enfrentado. As mercadorias vão ficar mais caras por causa disso, é lógico. Mas o que se torna mais importante? É estabelecer creche ou majorar o preço das mercadorias? São dois direitos fundamentais, ou pelo menos um deles é direito fundamental, a que precisamos dar preponderância, prevalência, preferência.
Por outro lado, tal medida importa na proteção à maternidade e aos filhos das trabalhadoras. Busca-se preservar o cuidado à criança e ao adolescente, bem maior de natureza constitucional, eleito pelo Estado como prioritário.
Nesse sentido, cito precedentes:
I - AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTROVÉRSIA ACERCA DA RESPONSABILIDADE DOS SHOPPING CENTERS NA CONSTRUÇÃO E MANUTENÇÃO DE CRECHES DESTINADAS À AMAMENTAÇÃO DOS FILHOS DE EMPREGADAS DE LOJAS. ARTIGO 389 DA CLT. Considerando a controvérsia existente acerca da obrigação do Condomínio do Shopping Center no cumprimento da obrigação contida no artigo 389 da CLT, necessário se faz o afastamento do óbice apontado na decisão agravada, permitindo-se o exame do agravo de instrumento. Agravo conhecido e provido. II - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER CONSISTENTE NA CRIAÇÃO E MANUTENÇÃO DE CRECHES DESTINADAS À AMAMENTAÇÃO EM ESPAÇOS DE SHOPPING CENTERS. APLICABILIDADE DO ARTIGO 389 DA CLT. Cinge-se o debate em se definir se a obrigação contida nos parágrafos 1º e 2º do artigo 389 da CLT (construção e manutenção de creches para os filhos de empregadas de lojas) deve ser estendida aos condomínios de Shopping Centers. A matéria é indiscutivelmente controvertida, razão pela qual o agravo de instrumento deve ser provido para propiciar um debate mais acurado acerca do tema. Agravo de instrumento provido para melhor exame da tese sustentada pelo agravante. III - RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER CONSISTENTE NA CRIAÇÃO E MANUTENÇÃO DE CRECHES DESTINADAS À AMAMENTAÇÃO EM ESPAÇOS DE SHOPPING CENTERS. APLICABILIDADE DO ARTIGO 389 DA CLT. 1. Hipótese em que o TRT condenou o Condomínio do Shopping Center à obrigação de fazer consistente no fornecimento de espaço adequado para que as mães (empregadas de lojas) possam amamentar seus filhos. 2. É fato notório que um lactente precisa mamar nos primeiros estágios de sua vida (art. 374 do NCPC). Ademais, as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece apontam para o prejuízo à saúde e à vida do lactente que se vê privado do aleitamento materno (art. 375 do NCPC). 3. Ao subscrever e ratificar a Convenção n.º 103, o Brasil assumiu o compromisso solene perante organismo internacional do qual é membro integrante de assegurar a amamentação dos filhos das empregadas lactantes. Por isso, qualquer medida que tenha por escopo a substituição da obrigação contida no art. 389, §1º, da CLT deve se compatibilizar com o direito assegurado no art. V da Convenção n.º 103 da OIT, promulgada pelo Decreto nº. 58.820, de 14.7.1966. 4. Também não prospera o argumento de que as empregadas dos lojistas não possuem vínculo de emprego com o Shopping em razão da atividade econômica desse último estabelecimento. Extrai-se do escólio do Ministro Alexandre Agra Belmonte (in Natureza Jurídica dos Shopping Centers, Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 1989) que a atividade econômica dos shopping centers consiste na organização de um espaço privado conveniente ao exercício da atividade do comércio. 5. Já Ives Gandra da Silva Martins ressalta que os "shopping centers atuam em verdadeira atividade de supracomércio, porquanto, ao organizar o espaço convenientemente pensado ao exercício da atividade comercial, "permitem aos estabelecimentos mercantis sua melhor desenvoltura, assim como superiores resultados, de difícil obtenção sem a colaboração de suas estruturas" (A Natureza Jurídica das Locações dos "Shopping Centers". in Shopping Centers: Questões Jurídicas, Editora Saraiva, 1991, p. 79-95). Esclarece, ademais, que "os shopping centers são, em verdade, um sobreestabelecimento comercial, cuja estrutura permite que os estabelecimentos comerciais que neles se instalem existam e nele tenham sua principal razão de ser e força". O doutrinador identifica, com precisão cirúrgica, a atividade econômica desses centros de compra ao concluir que "são, portanto, os ' shopping centers' , para todos os estabelecimentos que os compõem, uma espécie de sobre estabelecimento de onde recebem o principal fator de força mercantil, mesmo que sejam famosas as marcas ou renomadas as sociedades que se unam em suas dependências". 6. Disso tudo se extrai que a administração e organização dos espaços que compõem os shopping centers consistem, em si, no exercício de sua atividade econômica. Realmente, as empresas que neles se instalam não possuem poder decisório acerca da destinação e administração dos locais que ultrapassem o limite da respectiva loja, ainda que tudo isso esteja dentro de mesmo conjunto arquitetônico. Cabe, assim, exclusivamente ao shopping center atender normas de direito sanitário, de acessibilidade e de direito urbanístico, por exemplo. Percebe-se que, no tocante à infraestrutura necessária ao exercício da atividade mercantil em shopping centers, a participação de cada lojista é praticamente nula, mesmo porque, do contrário, o conjunto convenientemente organizado de espaços comerciais tenderia à desagregação e aos caos. Não seria possível falar em "sobre-estabelecimento", porquanto cada lojista, por deliberação própria, cumpriria como bem entendesse as normas relativas ao meio ambiente de trabalho (sanitários, conforto térmico, etc.) comprometendo, inclusive a organicidade e integridade do shopping center. 6. É sob tal perspectiva que as normas tutelares acerca do meio ambiente de trabalho dos empregados que atuam em shopping centers devem ser encaradas. A legislação concernente à adequação do meio ambiente do trabalho às necessidades das lactantes somente pode ser dirigida ao "sobre-estabelecimento" comercial, para utilizar, novamente, a expressão de Ives Gandra da Silva Martins. 7. O art. 389, §1º, da CLT determina que "os estabelecimentos em que trabalharem pelo menos 30 (trinta) mulheres com mais de 16 (dezesseis) anos de idade terão local apropriado onde seja permitido às empregadas guardar sob vigilância e assistência os seus filhos no período da amamentação". Sobressai a conclusão de que a expressão "os estabelecimentos" contida no dispositivo legal deve ser interpretada de forma consentânea com a realidade atual. A interpretação evolutiva do mencionado dispositivo legal conduz à conclusão de que a obrigação relativa ao meio ambiente de trabalho das mulheres que atuam em lojas instaladas em shopping centers deve ser atendidas, no que couber, pelos próprios centros de compra. 8. Há precedente de Turma dessa Corte Superior nesse sentido (AIRR - 127-80.2013.5.09.0009, Redator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, Data de Julgamento: 03/12/2014, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 13/03/2015). 9. Importante consignar, ainda, que os direitos sociais assegurados às crianças (e aqui se está tratando de lactentes nos primeiros meses de vida) realmente impõem relevante ônus financeiro à sociedade. Contudo, a realização de direitos desse jaz, ainda que inquestionavelmente onerosa, consiste em escolha fundamental da sociedade brasileira, definitivamente plasmada na redação do art. 227 da Carta Magna. O princípio da absoluta prioridade dos direitos das crianças e adolescentes previsto no referido dispositivo constitucional não consiste em norma programática, de menor valor jurídico, mas possui força normativa e caráter cogente que não pode ser ignorado pelo Estado-Juiz. A norma em destaque, além de, por si só, impor obrigações aos seus destinatários, conforma a interpretação daquelas outras de caráter infraconstitucional, tal como o art. 389, §1º, da CLT. 10. Repise-se que o dever de assegurar, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde e à alimentação das crianças lactentes não é somente da sua família. Não é somente do Estado. E não é somente da sociedade. Todos, inclusive o empresariado, devem, obrigatoriamente, e com absoluta prioridade, concorrer para assegurar esses direitos. 12. Assim sendo, correta a decisão que conferiu efetividade ao artigo 389, §§ 1º e 2º da CLT, que tem por finalidade proteger as condições de trabalho da coletividade de mulheres que atuam no Shopping Center e, em especial, dos lactentes envolvidos na medida. Recurso de revista não conhecido. (…) (RR - 131651-27.2015.5.13.0008 , Relatora Ministra: Maria Helena Mallmann, Data de Julgamento: 19/09/2018, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28/09/2018)
AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CLÁUSULA DE reserva de plenário. incompetência da Justiça do Trabalho. aplicação de multa diária (astreintes). multa por embargos de declaração protelatórios. Não cumprida a exigência do art. 896, § 1º-A, I, da CLT, quanto à identificação do prequestionamento da controvérsia quanto aos temas alinhados, não há como reformar o despacho agravado. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento. RECURSO DE REVISTA DO RECLAMADO. ação civil pública. OBRIGAÇÃO DE FAZER. DETERMINAÇÃO DE OBSERVÂNCIA DO ART. 389, § 1º, DA CLT A CONDOMÍNIO DE SHOPPING CENTER. ENQUADRAMENTO COMO ESTABELECIMENTO. O entendimento prevalecente na Turma é de que o art. 389, §§ 1º e 2º da CLT deve ser cumprido pelo Shopping Center também em relação aos filhos das empregadas dos lojistas, haja vista ser responsável pela definição dos limites do estabelecimento, aí incluindo a utilização das áreas comuns. Ressalva de entendimento da Relatora. Recurso de revista de que se conhece e a que se nega provimento. (ARR - 897-22.2015.5.05.0007 , Relatora Desembargadora Convocada: Cilene Ferreira Amaro Santos, Data de Julgamento: 07/03/2018, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 23/03/2018)
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. PEDIDO DE INGRESSO COMO AMICUS CURIAE FORMULADO PELA ABRASCE. DEMONSTRAÇÃO DE INTERESSE JURÍDICO NA LIDE. RELEVÂNCIA DA MATÉRIA. AÇÃO COLETIVA. ABRANGÊNCIA. Deferido o pedido de ingresso na lide na condição de amicus curiae da ABRACE em razão da relevância da matéria e representatividade da requente. Pedido deferido para ingresso na lide. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. ART. 389, §§1º e 2º, da CLT. ESPAÇO PARA ATENDIMENTO PARA AS MULHERES EM PERÍODO DE AMAMENTAÇÃO. ESTABELECIMENTO COM MAIS DE 30 TRABALHADORAS. ADMINISTRADOR DE ESPAÇO FÍSICO QUE AGREGA VÁRIOS EMPREGADORES. O cumprimento do art. 389 da CLT é fundamental para garantir a prática da amamentação pelas empregadas das várias lojas de um shopping center. A seu turno, recai sobre a administração do shopping a responsabilidade de prover espaços comuns, os quais ela dimensiona, confere destinação e administra. Entre tais espaços, cabe-lhe reservar aquele necessário ao cumprimento do disposto nos parágrafos do art. 389 da CLT a fim de ser efetivado o direito de proteção da saúde da mulher, em especial à gestante e lactante, previsto na Constituição Federal e na Convenção n. 103 da OIT. Logo, a determinação nesse sentido não viola os §§ 1º e 2º do art. 389 da CLT, porquanto se trate de caso em que não é o empregador quem resulta responsabilizado, mas aquele que define os limites do estabelecimento do empregador e da área comum a todas as empresas alojadas no shopping center, tudo com base na função social da propriedade. Agravo de instrumento não provido. (AIRR - 127-80.2013.5.09.0009 , Redator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, Data de Julgamento: 03/12/2014, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 13/03/2015)
Ressalte-se que não é um conflito entre empregado e empregador, mas é derivado das relações de trabalho e são várias as questões que decorrem daí. Os primados da Revolução Francesa: liberdade, igualdade, solidariedade; estamos falando do terceiro, exatamente da solidariedade. As creches visam atender todas as mulheres que trabalham em shopping. Então, há, no caso, por solidariedade, o interesse coletivo. A matéria é constitucional. Trata-se de proteção à maternidade, prevista no art. 6.º da Constituição Federal. É de conteúdo prestacional. Faz parte até da Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil em 1992, faz parte de todos os protocolos, inclusive o de San Salvador.
Envolve ainda outra questão, como a aqui salientada, que é a questão do fomento ao pleno emprego, que também é matéria constitucional, a fim de se permitir a absorção da mão de obra da mulher. Não há outra forma de concretizar a sua inclusão no mercado de trabalho em uma situação como essa, a não ser por meio do estabelecimento de creches. Nenhum ônus isso representa para os shoppings centers, que podem perfeitamente repassar o custo.
É preciso, por outro lado, quando se constrói um shopping center, que ele seja dotado de uma infraestrutura adequada às necessidades daquele mundo que ali ocorre. O empreendimento precisa observar essa necessidade, porque é uma primeira necessidade. Deveria até ser exigido da municipalidade a expedição de alvará já com a previsão de creche para efeito de funcionamento ou que ela mantivesse convênios distritais ou com determinadas entidades próximas, onde fosse possível que isso ocorresse.
Peço vênia ao Exmo. Ministro Alberto Bresciani para incorporar em meu voto suas colocações por ocasião da sessão de julgamento:
Neste caso, de fato, cuida-se de dar efetividade ao art. 389 da CLT, além das regras constitucionais que protegem os direitos da criança e do adolescente nos microssistemas pertinentes. Hoje em dia, sobretudo, Ministro Alexandre, quando o Direito Processual põe em destaque a litigância estratégica em que se busca o estabelecimento de preceitos que possam, da forma mais larga possível, informar e reger os fatos sociais, é função do Ministério Público – e isso tem sido destacado reiteradamente pelos doutrinadores e em congressos –, via ação civil pública, sobretudo, destacar temas que redundem na proteção dos direitos humanos. O Ministério Público do Trabalho, em todas as suas esferas, esfera estadual ou federal, tem-se colocado a favor da proteção dos direitos humanos de uma maneira muito efetiva, grandemente, num momento em que os direitos sociais, sobretudo aqueles dos trabalhadores, são tão fortemente combatidos.
Na hipótese, de fato, o shopping comparece como um sobre-estabelecimento, como diria V. Ex.ª, talvez, em sua obra, e, assim, teria, realmente, a obrigação de cumprir com esses preceitos de natureza ordinária ou constitucional e, sobretudo, constitucional.
Agrego ainda, com os elogios de praxe, a fundamentação expendida pelo Exmo. Ministro Maurício Godinho Delgado:
É necessário o avanço jurisprudencial nessa direção, também pelo fato de que se trata de meio ambiente do trabalho. O shopping center é claramente um contexto de meio ambiente do trabalho. E o meio ambiente do trabalho é protegido não só por convenções internacionais como, expressamente, pela Constituição Federal, a qual vincula, de maneira expressa, o meio ambiente do trabalho ao meio ambiente em geral.
Portanto, onde trabalham mulheres, naturalmente esse é um fator fundamental do ponto de vista humano, do ponto de vista dos direitos humanos, do ponto de vista de direitos sociais, do ponto de vista de cidadania, do ponto de vista não só da proteção à maternidade, que certamente é fundamental à criança, mas também ao adequado meio ambiente do trabalho.
Lembro-me de que já houve época em que o Judiciário não tinha banheiro para as mulheres. É interessante. Tribunais importantíssimos tinham apenas banheiro único. Quando chegaram as primeiras mulheres, houve o questionamento: "Como banheiro único?" Todos nós sabemos que não pode ter banheiro único. As mulheres devem ter banheiro separado dos homens. Isso é uma coisa óbvia, algo que deveria ser milenar. Houve debates a respeito disso; ou seja, o Direito é, antes de tudo, cultural.
Este é um tema de grande importância. O Ministro Alexandre está dando ao tema o status jurídico, constitucional, internacional, convencional necessário.
Entendo também que a livre iniciativa se adequa a isso. Aliás, a livre iniciativa se adequa aos direitos sociais. Recentemente foi divulgada informação da OIT de que os países mais produtivos, mais avançados tecnologicamente são os que melhor asseguram os direitos sociais.
Diante do acima exposto, a decisão regional, que reformou a sentença para limitar a obrigação de fazer ao âmbito das empregadas diretas e terceirizadas do shopping, assim como dispensar a exigência de contratação de equipe multidisciplinar para a instalação de local para essas empregadas guardarem seus filhos no período da amamentação, vai de encontro aos termos do artigo 389, § 1º, da CLT.
Ante o exposto, conheço do recurso de revista por violação do artigo 389, § 1º, da CLT.
2. MÉRITO
2.1 - OBRIGAÇÃO DE FAZER CONSISTENTE NA CRIAÇÃO E MANUTENÇÃO DE CRECHES DESTINADAS À AMAMENTAÇÃO EM ESPAÇOS DE SHOPPING CENTERS. APLICABILIDADE DO ARTIGO 389 DA CLT
Conhecido o recurso de revista por violação do artigo 389, § 1º, da CLT, seu provimento é medida que se impõe.
Portanto, dou provimento ao recurso de revista para restabelecer a sentença que determinou a obrigação de estabelecer local apropriado para todas as mulheres empregadas nas dependências do shopping, maiores de 16 (dezesseis) anos, guardarem, sob vigilância e assistência, seus filhos no período da amamentação, podendo suprir essa obrigação por meio de creches distritais mantidas, diretamente ou mediante convênios, com outras entidades públicas ou privadas, pelas próprias empresas, em regime comunitário, ou a cargo do SESI, do SESC, da LBA ou de entidades sindicais, cumprindo integralmente as disposições contidas nos parágrafos 1º e 2º do artigo 389 da CLT.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, I – conhecer e negar provimento ao agravo de instrumento da empresa; II – conhecer do recurso de revista do MPT por violação do artigo 389, § 1º, da CLT, e, no mérito, dar-lhe provimento para restabelecer a sentença que determinou, à empresa, a obrigação de estabelecer local apropriado para todas as mulheres empregadas nas dependências do shopping, maiores de 16 (dezesseis) anos, guardarem, sob vigilância e assistência, seus filhos no período da amamentação, podendo suprir essa obrigação por meio de creches distritais mantidas, diretamente ou mediante convênios, com outras entidades públicas ou privadas, pelas próprias empresas, em regime comunitário, ou a cargo do SESI, do SESC, da LBA ou de entidades sindicais, cumprindo integralmente as disposições contidas nos parágrafos 1º e 2º do artigo 389 da CLT.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
ALEXANDRE AGRA BELMONTE
Ministro Relator
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