Data da publicação:
Órgão Especial
Douglas Alencar Rodrigues - TST
MANDADO DE SEGURANÇA. CONVOCAÇÃO DE CANDIDATA AUTODECLARADA NEGRA PARA AVALIAÇÃO. NOTIFICAÇÃO PESSOAL. JUSTIÇA GRATUITA. PESSOA FÍSICA. DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA. DISCIPLINA DO CPC DE 2015. DEFERIMENTO DO BENEFÍCIO.
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. JUSTIÇA GRATUITA. PESSOA FÍSICA. DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA. DISCIPLINA DO CPC DE 2015. DEFERIMENTO DO BENEFÍCIO.
1. Em mandado de segurança, ação de natureza constitucional regulada por legislação específica (art. 5º, LXIX, da CF c/c a Lei 12.016/2009), o deferimento do benefício da justiça gratuita à pessoa natural demanda apenas que o interessado declare, sob as penas da lei, a impossibilidade de pagar as custas do processo, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família (art. 99, § 3º, do CPC de 2015). Ao Estado cabe assegurar o acesso à jurisdição a todos quantos comprovarem insuficiência de recursos (CF, art. 5º, XXXV e LXXIV), disso resultando que o silêncio na legislação específica, a respeito de parâmetros para concessão da gratuidade da justiça em mandado de segurança, impõe a adoção supletiva da legislação processual comum (CPC, arts. 15 e 1.046, § 2º), não se cogitando, por isso, de aplicação de disposições específicas da legislação processual do trabalho, notadamente da Lei 13.467/2017.
3. No caso, a declaração de insuficiência econômica foi firmada pela própria Impetrante. Inexistindo quaisquer outras circunstâncias que autorizem o afastamento da presunção de miserabilidade jurídica (art. 99, § 3º, do CPC de 2015), o benefício da justiça gratuita deve ser deferido.
MANDADO DE SEGURANÇA. CONVOCAÇÃO DE CANDIDATA AUTODECLARADA NEGRA PARA AVALIAÇÃO. NOTIFICAÇÃO PESSOAL. NÃO CABIMENTO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
1. A Imperante impugna ato da Desembargadora Presidente do TRT, em conjunto com a Fundação Carlos Chagas, pretendendo assegurar sua continuidade na lista de classificação dos afrodescendentes em concurso público para o cargo de técnico judiciário. A ilegalidade estaria na circunstância de que, apesar de classificada dentro do percentual de candidatos afrodescendentes habilitados, não foi convocada pessoalmente a comparecer à comissão designada para aferição da condição de afrodescendente, o que teria provocado a perda do prazo para a respectiva avaliação.
2. Direito líquido é aquele sobre cujo conteúdo não há dúvida e cuja existência é clara; e certo, é aquele que não está condicionado a nenhuma circunstância, podendo ser plenamente exercido no momento da impetração do mandado de segurança.
3. Na verdade, ao se inscrever no concurso público, a Impetrante manifestou sua anuência às disposições estabelecidas para o certame, não havendo no edital nenhuma previsão de comunicação pessoal dos candidatos autodeclarados negros para comparecimento, perante a comissão designada, para a devida avaliação. Diferentemente, há previsão de convocação para avaliação por edital e também de que o candidato é responsável por acompanhar a publicação de avisos, comunicados e outras publicações no DEJT e no sítio eletrônico do TRT, bem como, até a homologação do resultado do certame, no endereço eletrônico da entidade organizadora. Está claro, portanto, que à própria Impetrante incumbia inteirar-se das informações concernentes à evolução do concurso público, o que poderia ser levado a efeito na forma mencionada no edital (consulta ao DEJT e aos sites do TRT da e da Fundação Carlos Chagas). Afora a previsão editalícia, a Fundação Carlos Chagas teve o cuidado de enviar e-mail informando sobre a convocação, indicando local, dia e horário em que seria realizada a avaliação da Impetrante. Evidente, pois, que o não comparecimento da Impetrante à avaliação não pode ser creditado à omissão da autoridade judicial e da entidade organizadora. Recurso ordinário conhecido e não provido. (TST-RO-1000015-09.2019.5.02.0000, Órgão Especial, rel. Min. Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 05/03/2021).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário n° TST-RO-1000015-09.2019.5.02.0000, em que é Recorrente DEBORA CONCEICAO DOS SANTOS e são Recorridas UNIÃO (PGU) e FUNDACAO CARLOS CHAGAS e Autoridade Coatora DESEMBARGADORA PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO - RILMA APARECIDA HEMETÉRIO.
Debora Conceição dos Santos impetrou mandado de segurança, com pedido liminar, contra suposto ato omissivo da Desembargadora Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região e da Fundação Carlos Chagas, durante a realização do Concurso Público para preenchimento de diversos cargos no âmbito da Corte Regional.
O Desembargador Relator indeferiu a liminar, não vislumbrando ilegalidade ou abuso de poder na convocação, por meio de edital e envio de e-mail, dos candidatos autodeclarados negros para fins de avaliação (fls. 130/131).
A Autoridade apontada como coatora prestou informações às fls. 138/141
Na sequência, os Magistrados do Órgão Especial do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região indeferiram a segurança pleiteada (fls. 279/283).
Inconformada, a Impetrante interpôs recurso ordinário às fls. 303/318, recebido à fl. 321.
Apresentadas contrarrazões (fls. 349/356 e 358/363).
O Ministério Público do Trabalho oficiou pelo conhecimento e prosseguimento do presente Recurso Ordinário interposto (fl. 372).
É o relatório.
V O T O
1. CONHECIMENTO
O recurso ordinário é tempestivo e a representação processual, regular.
Em razão do indeferimento da justiça gratuita e da condenação ao pagamento de R$20,00 de custas processuais, a Impetrante renova o requerimento nas razões do recurso.
É certo que esta Corte já se pronunciou, repetidas vezes, acerca da necessidade de adimplemento do preparo para a admissão de recursos ordinários em ações rescisórias e mandados de segurança, com observância do prazo recursal previsto no art. 789, § 1º, da CLT (AIRO-10828-81.2015.5.01.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relatora Ministra Delaíde Miranda Arantes, DEJT 08/06/2018; AIRO-321-80.2016.5.17.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 01/12/2017; AIRO-80003-17.2014.5.22.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT 30/06/2017; AIRO-61-39.2014.5.11.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Antonio José de Barros Levenhagen, DEJT 28/10/2016).
Destaco, ainda, recente precedente nesse sentido, do qual fui Relator: RO - 882-76.2017.5.06.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Publicação: 22/11/2019.
No entanto, acresço que o caso presente cuida de parâmetros para concessão da gratuidade da Justiça, matéria que encontra disciplina especial na legislação processual civil, como antes demonstrado.
Em mandado de segurança, ação de natureza constitucional regulada por legislação específica (art. 5º, LXIX, da CF c/c a Lei 12.016/2009), o deferimento do benefício da justiça gratuita à pessoa natural demanda apenas que o interessado declare, sob as penas da lei, a impossibilidade de pagar as custas do processo, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família (art. 99, § 3º, do CPC de 2015).
Cabendo ao Estado assegurar o acesso à jurisdição a todos quantos comprovarem insuficiência de recursos (CF, art. 5º, XXXV e LXXIV), o silêncio na legislação específica, a respeito de parâmetros para concessão da gratuidade da justiça em mandado de segurança, impõem a adoção supletiva da legislação processual comum (CPC, art. 1.046, § 2º), não se cogitando, por conseguinte, de aplicação de disposições específicas da legislação processual do trabalho, notadamente da Lei 13.467/2017, tanto mais quando a matéria discutida no writ é administrativa.
No âmbito da SBDI-2/TST, em sessão ocorrida em 19/11/2019, nos autos do RO-10899-07.2018.5.18.0000, da relatoria da Ministra Maria Helena Malmann, firmou-se o entendimento de que, em ação rescisória, não se aplicam as regras da reforma trabalhista introduzidas pela Lei 13.467/2017, mas o CPC de 2015, para fins de comprovação da hipossuficiência para obtenção da justiça gratuita. Eis a ementa do referido julgado:
"RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA PROPOSTA CONTRA DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO NA VIGÊNCIA DO CPC DE 2015. DEPÓSITO PRÉVIO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA DENEGADA NA ORIGEM. LEI Nº 13.467/2017. INAPLICABILIDADE. INCIDÊNCIA DO ART. 99, § 3º, DO CPC/2015, ART. 6º DA INSTRUÇÃO NORMATIVA 31/2007 DO TST E SÚMULA Nº 463, I, DO TST. Ao contrário da reclamação trabalhista típica, a ação rescisória ajuizada na Justiça do Trabalho deve ser acompanhada de depósito prévio de 20% (vinte por cento) calculado sobre o valor da causa (art. 836 da CLT), que inclusive é substancialmente superior àquele exigido no art. 968, II, do CPC de 2015. Dessa forma, tendo em vista a especial onerosidade do ajuizamento da ação rescisória na Justiça do Trabalho, são inaplicáveis às pretensões desconstitutivas as disposições celetistas acerca da gratuidade da justiça na forma em que prevista na Lei nº 13.467/2017 . Realmente, a incidência do art. 790, §§ 3º e 4º, da CLT nas ações rescisórias potencialmente excluiria por completo "da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal), notadamente nos casos em que a parte autora da pretensão desconstitutiva seja pessoa física (empregado ou empregador), ou micro e pequena empresa. Ressalte-se que, conforme consta da ementa da Lei nº 13.467/2017, a edição do referido ato normativo teve por finalidade "adequar a legislação às novas relações de trabalho". Destarte, no indigitado diploma legal não há disposição específica acerca da gratuidade da justiça pleiteada em ação rescisória no âmbito da Justiça do Trabalho. Aplicam-se à espécie o art. 99, § 3º, do CPC/2015, a compreensão do item I da Súmula 463/TST e o art. 6º da Instrução Normativa 31/2007 do TST. Dessa forma, havendo declaração de hipossuficiência e inexistindo demonstração da falta de veracidade da referida afirmação pela parte adversa, o autor faz jus à gratuidade da justiça e está desobrigado do depósito prévio de que cuida o art. 836 da CLT. Recurso ordinário conhecido e provido" (RO-10899-07.2018.5.18.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 22/11/2019, destaquei).
Essa compreensão, embora aplicada à ação rescisória, ação de natureza especial regulada no Código de Processo Civil, parece igualmente aplicável ao caso concreto, em que o mandado de segurança, como cediço, encontra disciplina legal própria (Lei 12.016/2009). Assim decidiu a SBDI-2/TST:
"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. OMISSÃO. 1. O embargante requer manifestação expressa sobre os pedidos de reforma quanto aos temas gratuidade da justiça e majoração, de ofício, do valor da causa com implicações nas custas processuais. 2 . No que se refere à concessão da gratuidade de justiça, o impetrante alega que novamente postulou, no prazo das razões recursais, o deferimento da benesse, uma vez que " conforme amplamente exposto, o salário considerado para que fossem indeferidos os referidos benefícios já não retratam a realidade do embargante ". De fato, omissa a decisão embargada quanto ao tema, de modo que devem ser acolhidos os presentes embargos de declaração para, sanando a omissão, deferir ao impetrante a Justiça Gratuita, haja vista bastar, para tanto, o pedido tempestivo e a declaração de miserabilidade jurídica da pessoa física, presumindo-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida (arts. 99, §3º, CPC/15, 4º da Lei nº 1.060/50 e OJ 304 da SBDI1), não se aplicando as regras da reforma trabalhista trazidas com a Lei nº 13.467/2017, mas o CPC/2015, quanto à necessidade de comprovação para a concessão da Justiça Gratuita. Sob tal entendimento, esta c. Subseção firmou tese em sessão ocorrida em 19/11/2019. 3. Quanto ao valor da causa atribuído ao presente mandado de segurança, verifica-se que não há interesse recursal da parte, uma vez que foi concedida a segurança e não houve recurso do litisconsorte passivo com vistas à alteração da situação jurídico-processual fixada, de modo que não recairá sobre o embargante o ônus pelo recolhimento das custas processuais. Embargos de declaração conhecidos e providos para sanar omissão para deferir a gratuidade de justiça" (ED-RO-1004153-87.2017.5.02.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 29/11/2019, destaquei).
No caso, a declaração de insuficiência econômica foi firmada pela própria Impetrante (fl. 104).
Inexistindo quaisquer outras circunstâncias que autorizem o afastamento da presunção de miserabilidade jurídica (art. 99, § 3º, do CPC de 2015), o benefício da justiça gratuita deve ser deferido.
Defiro o benefício da justiça gratuita.
CONHEÇO, pois, do recurso ordinário.
2. MÉRITO
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONVOCAÇÃO DE CANDIDATA AUTODECLARADA NEGRA PARA AVALIAÇÃO. NOTIFICAÇÃO PESSOAL. NÃO CABIMENTO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
O TRT da 2ª Região, ao denegar a segurança, consignou os seguintes fundamentos:
(...)
MÉRITO
Trata-se de Mandado de Segurança interposto por Débora Conceição dos Santos, contra ato da Exma. Sra. Desembargadora Presidente do Tribunal Regional do Trabalho a 2ª Região, em conjunto com a Fundação Carlos Chagas, pretendendo garantir a sua continuidade na lista de classificação dos afrodescendentes, do concurso público de 2018, para o cargo de técnico judiciário, que se encontra em andamento. Alegou violação de direito líquido e certo, posto que não foi convocada pessoalmente para a comparecer à Comissão de aferição de afrodescendência, motivo pelo qual perdeu o prazo para a respectiva avaliação. Acrescentou que preencheu todos os requisitos previstos no edital para investidura no cargo, vez que, realizada a prova objetiva, logrou êxito em ser aprovada dentro do percentual de candidatos afrodescendentes habilitados. Sustentou, ainda, que as normas contidas no edital devem estar sujeitas ao controle de legalidade por parte do Poder Judiciário, não tendo constado do referido edital cronograma de atividades após a aplicação das provas. Relatou haver disposição no edital para o candidato manter endereço e telefone atualizados, gerando a expectativa de esgotamento das vias de convocação. Logo, a ausência de previsão expressa da convocação pessoal do edital, pautado no princípio da razoabilidade, da publicidade e da eficiência, não afasta a Administração Público do dever de comunicar pessoalmente o candidato. Postulou, ainda, os benefícios da justiça gratuita.
Pois bem, conforme o item 6.15 do Edital do Concurso (Edital nº 01/2018) os candidatos aprovados no concurso que se autodeclararam negros seriam convocados para avaliação da veracidade por uma Comissão, por meio de Edital:
"6.15 Os candidatos aprovados no concurso que se autodeclararem negros serão convocados por meio de Edital específico, para avaliação de veracidade de sua declaração por Comissão a ser instituída pelo Tribunal Regional do Trabalho 2ª Região.
Esse mesmo Edital, no item 16.9, dispôs ser responsabilidade do candidato o acompanhamento de todo tipo de publicação no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho e no site do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, a respeito do referido concurso:
"16.9 É de inteira responsabilidade do candidato acompanhar a publicação de Avisos, Comunicados e demais publicações referentes a este Concurso Público no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho e no site do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, e até a homologação do Concurso, no site da Fundação Carlos Chagas."
Logo, depreende-se das normas acima a inexistência de previsão de convocação pessoal. Aliás, todas as disposições remetem à necessidade do candidato verificar as publicações no Diário Oficial ou no site deste Tribunal Regional do Trabalho. E apesar da impetrante contestar os termos do Edital nº 01/2018, quanto à ausência de previsão de convocação pessoal, o fato é que essa insurgência encontra-se preclusa, posto que não oferecida no momento oportuno, tendo consumado eventual "controle de legalidade" neste aspecto.
Assim, há que se verificar que o Edital nº 08/2018 (ato coator), que convocou os candidatos autodeclarados negros para avaliação, observou estritamente os termos do Edital do Concurso (Edital nº 01/2018), não havendo qualquer ilegalidade ou abuso de poder que pudesse ensejar a concessão de segurança.
Além disso, há que se destacar que a impetrante recebeu correspondência eletrônica, informando a convocação para sua avaliação, com dia, horário e local indicados, não podendo a Administração ser responsável por sua inércia.
Nesse contexto, de se afastar as alegações da impetrante, tendo em vista não se verificar violação ou ameaça a direito líquido e certo a justificar a concessão de segurança.
Diante disso, denego a segurança requerida, a teor do que dispõe o § 5º, do artigo 6º da Lei 12.016/2009.
Com relação ao pedido de benefícios a justiça gratuita, assim dispõe a Súmula 463 do C. TST a respeito da matéria:
"Assistência judiciária gratuita. Comprovação. (Conversão da Orientação Jurisprudencial nº 304 da SBDI-I, com alterações decorrentes do CPC de 2015 - Res.219/2017 - DeJT 28/06/2017)
I - A partir de 26.06.2017, para a concessão da assistência judiciária gratuita à pessoa natural, basta a declaração de hipossuficiência econômica firmada pela parte ou por seu advogado, desde que munido de procuração com poderes específicos para esse fim (art. 105 do CPC de 2015);
II - No caso de pessoa jurídica, não basta a mera declaração: é necessária a demonstração cabal de impossibilidade de a parte arcar com as despesas do processo."
Logo, a declaração de hipossuficiência (fls. 14), por si só, não se presta a elucidar o requisito exigido pela lei. Com efeito, não se desincumbiu a impetrante do encargo de comprovar sua renda mensal no momento da interposição da ação, para efeitos de percepção dos benefícios da gratuidade.
Acórdão
Pelo exposto, os Magistrados do Órgão Especial ACORDAM do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região em, por unanimidade: julgar IMPROCEDENTE o pedido e DENEGAR a segurança, nos termos da fundamentação do voto da Relatora. Custas pela Impetrante, sobre o valor da causa, no importe de R$ 20,00, as quais deverão ser recolhidas em até cinco dias do trânsito em julgado da presente decisão, sob pena de execução, nos termos do Provimento GP 01/2008 deste Regional. Comprovado o pagamento das custas, arquive-se.
Ficaram vencidos os Exmos. Srs. Desembargadores Rafael E. Pugliese Ribeiro, Beatriz de Lima Pereira e Ricardo Artur Costa e Trigueiros quanto ao indeferimento do pedido dos benefícios da justiça gratuita.
Em razão do impedimento da Exma. Sra. Desembargadora Rilma Aparecida Hemetério, presidiu o julgamento a Excelentíssima Senhora Desembargadora Jucirema Maria Godinho Gonçalves.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Rafael E.
Pugliese Ribeiro, Luiz Antonio M. Vidigal, Nelson Nazar, Sonia Maria Prince Franzini, Odette Silveira Moraes, Fernando Sampaio, Tania Bizarro, Rosa Maria Zuccaro, Beatriz de Lima Pereira, Azevedo Silva, Ricardo Artur Costa e Trigueiros, Sidnei Alves Teixeira, Ricardo Verta Luduvice e Orlando Apuene Bertão.
Pelo D. Ministério Público do Trabalho, compareceu o Exmo. Sr. Procurador-Chefe, Dr. Erich Vinicius Schramm.
São Paulo, 06 de maio de 2019.
ODETTE SILVEIRA MORAES
Desembargadora Relatora
VOTOS
Voto do(a) Des(a). RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS / Órgão Especial - Cadeira 21
Acompanho a divergência iniciada pela Dra. Beatriz quanto às custas, eis que à fl. 14 há a declaração de pobreza, que reputo suficiente para a concessão dos benefícios da justiça gratuita à impetrante.
(...) (fls. 279/301)
Nas razões de seu recurso, a Impetrante alega que "A leitura minuciosa do edital permite extrair que a litisconsorte, Fundação Carlos Chagas, contratou com o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região e, por conseguinte, com o candidato, o dever de esgotamento das vias convocatórias" (fl. 310).
Transcreve itens do edital do concurso público, ponderando que "se em nenhum momento de chamamento do candidato ao certame a convocação será realizada por via postal, a insistente exigência editalícia de atualização cadastral do endereço residencial demonstra-se desnecessária e a cláusula de exclusão de responsabilidade das impetradas nos casos de eventuais prejuízos causados aos candidatos, prevista no item 16.14, demonstra-se sem sentido e sem capacidade de produzir qualquer efeito se for aceito o argumento das impetradas" (fl. 313).
Assevera que "O edital, conforme é cediço, é a lei do concurso e, sendo assim, suas disposições não podem ser dúbias ou desprovidas de sentido sob pena de direcionar comportamento ou configurar verdadeiras cláusulas vazias de eficácia" (fl. 314).
Acrescenta que "Se do momento de convocação para realização das provas ao exercício do cargo não serão utilizados os serviços da ECT, as disposições do item 16.14 do edital, além de cláusula vazia de eficácia, configura verdadeira falha na prestação do serviço por parte das impetradas" (fl. 314).
Assinala que "as obrigações impostas aos candidatos de acompanharem as publicações do certame, diante do que fora disposto no item 16.14, também não tem o condão de afastar o dever de esgotamento das vias convocatórias", aduzindo que "O e-mail de convocação enviado à impetrante também não possui a eficácia de uma convocação pessoal e também não configura o esgotamento das vias convocatórias previstas no item 16.14, além do que, não estava previsto no edital" (fl. 315).
Com outros argumentos, invocando os princípios da segurança jurídica, da boa-fé e da proteção da confiança, requer "seja alocada na lista de classificados autodeclarados negros na colocação que for de direito" (fl. 317).
Não lhe assiste razão.
O mandado de segurança é a ação prevista no art. 5º, LXIX, da Constituição Federal, disciplinado na Lei 12.016/2009, visando a proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
A concessão do writ está condicionada à demonstração de ato ilegal ou abusivo da autoridade coatora e do direito líquido e certo da Impetrante.
No caso, a Imperante impugna ato da Desembargadora Presidente do TRT da 2ª Região, em conjunto com a Fundação Carlos Chagas, pretendendo assegurar sua continuidade na lista de classificação dos afrodescendentes em concurso público para o cargo de técnico judiciário.
A ilegalidade estaria na circunstância de que, apesar de classificada dentro do percentual de candidatos afrodescendentes habilitados, não foi convocada pessoalmente a comparecer à comissão designada para aferição da condição de afrodescendente, o que teria provocado a perda do prazo para a respectiva avaliação.
Inexiste o direito líquido e certo afirmado pela Impetrante.
Vale lembrar que direito líquido é aquele sobre cujo conteúdo não há dúvida e cuja existência é clara; e certo, é aquele que não está condicionado a nenhuma circunstância, podendo ser plenamente exercido no momento da impetração do mandado de segurança.
Nesse sentido, leciona o insigne doutrinador Helly Lopes Meirelles:
"Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercido no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há se vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais". (Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas Data - 19ª ed., 1998, Malheiros, p. 34/35).
Ao se inscrever no concurso público para o cargo de técnico judiciário, aberto pelo TRT da 2ª Região e realizado sob a responsabilidade da Fundação Carlos Chagas, a Impetrante manifestou sua anuência às disposições estabelecidas para o certame, nos termos do item 4.1 do edital respectivo:
"4.1 A inscrição do candidato implicará o conhecimento e aceitação das normas e condições estabelecidas neste Edital, em relação às quais não poderá alegar desconhecimento." (fl. 20)
Contudo, não há no edital do concurso público nenhuma previsão de comunicação pessoal dos candidatos autodeclarados negros para comparecimento, perante a comissão designada, para a devida avaliação.
Com efeito, ao tratar das inscrições para os candidatos negros, o item 6.15 do Edital nº 1 do Concurso Público assim dispôs:
"6.15 Os candidatos aprovados no concurso que se autodeclararem negros serão convocados por meio de Edital específico, para avaliação da veracidade de sua declaração por Comissão a ser instituída pelo Tribunal Regional do Trabalho 2ª Região." (fl. 24)
E o item 16.9 do edital previu que o candidato é responsável por acompanhar a publicação avisos, comunicados e outras publicações no DEJT e no sítio eletrônico do TRT da 2ª Região, bem como, até a homologação do resultado do certame, no endereço eletrônico da Fundação Carlos Chagas.
Confira-se:
"16.9 É de inteira responsabilidade do candidato acompanhar a publicação de Avisos, Comunicados e demais publicações referentes a este Concurso Público no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho e no site do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, e até a homologação do Concurso, no site da Fundação Carlos Chagas."
Está claro, portanto, que à própria Impetrante incumbia inteirar-se das informações concernentes à evolução do concurso público, o que poderia ser levado a efeito em consulta ao DEJT e aos sites do TRT da 2ª Região e da Fundação Carlos Chagas.
Afora a previsão editalícia, a Fundação Carlos Chagas teve o cuidado de enviar e-mail informando sobre a convocação, indicando local, dia e horário em que seria realizada a avaliação da Impetrante (fl. 59).
Evidente, pois, que o não comparecimento da Impetrante à avaliação não pode ser creditado à omissão da autoridade judicial e da entidade organizadora.
Nessas circunstâncias, a existência de disposições gerais a respeito da necessidade de os candidatos manterem endereço e telefone atualizados não afasta, com todas as vênias, a específica prescrição de que a convocação para avaliação dos candidatos autodeclarados negros realizar-se-ia por meio de edital.
Nessa direção já decidiu o STJ:
"ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. NOMEAÇÃO TORNADA SEM EFEITO POR FALTA DE POSSE TEMPESTIVA. LEGALIDADE. MEIOS DE CIÊNCIA E ACOMPANHAMENTO DO CERTAME REGULARMENTE ASSEGURADOS. DEVER DE DILIGÊNCIA DO CANDIDATO.
1. O edital é a lei do concurso, sendo certo que suas cláusulas obrigam tanto à Administração quanto aos candidatos, em razão do princípio da vinculação do certame ao instrumento convocatório. Precedentes.
2. A nomeação do candidato foi tornada sem efeito porque não houve a posse no prazo legal, pelo que se mostra hígido o ato impetrado, pelo qual o Ministro de Estado tão somente deu fiel cumprimento ao comando contido no art. 13, § 6.o, da Lei n. 8.112/1990 e ao previsto na cláusula 9.15 do subjacente edital.
3. No caso, a Administração deu satisfatória publicidade aos seus atos, por isso que cabia ao candidato, nos termos do edital, o dever de acompanhar a evolução das etapas do certame nos sítios eletrônicos da banca examinadora e do Ministério da Agricultura, devendo, ainda, obter, junto ao MAPA, todas as informações que julgasse necessárias para assegurar sua tempestiva nomeação e posse. Cuidava-se, portanto, do dever de diligenciar em defesa de seus próprios interesses, do que descurou o impetrante.
4. A notificação pessoal para a posse de candidato aprovado em concurso público somente se mostra obrigatória nas hipóteses em que exista expressa previsão editalícia ou nos casos em que verificado longo tempo entre a homologação do resultado e a convocação dos aprovados, situações inocorrentes na espécie. Precedentes das duas Turmas que compõem a 1.ª Seção do STJ.
5. Agravo interno a que se nega provimento."
(STJ-AgInt no MS 21467/DF, Rel. Min. Sérgio Kukina, 1ª Seção, DJe 18/09/2018, sublinhei)
E o STJ também possui o entendimento de que a notificação pessoal deve ser observada somente para a posse do candidato, e apenas quando constatado o transcurso de tempo considerável entre a homologação do resultado do concurso e a convocação dos aprovados, não situações que não se confundem com a hipótese examinada.
Confira-se:
"ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. CONCURSO PÚBLICO. NOMEAÇÃO. PERDA DE PRAZO. NOTIFICAÇÃO PESSOAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO EDITAL. RESPONSABILIDADE DO CANDIDATO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO CARACTERIZADO.
1. Cuida-se de recurso ordinário interposto contra acórdão no qual foi denegada a segurança ao pleito mandamental de nomeação de candidata aprovada em concurso público, apesar de ter transcorrido o prazo para tanto. No caso, a recorrente se insurge contra o ato que tornou sem efeito sua nomeação em razão do seu não comparecimento ante a ausência de notificação pessoal.
2. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a notificação pessoal do candidato no decorrer de concurso público apenas é exigida caso haja previsão editalícia expressa nesse sentido ou nas hipóteses em que transcorrido longo lapso temporal entre os atos do certame. Precedente: AgRg no RMS 33.556/RJ, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, publicado no DJe em 23.9.2011.
3. Hipótese em que o Edital de Concurso Público 03/2013 para provimento do cargo de Analista de Promotoria I, área específica de saúde, função de Médico-Legista, previa em seu item 15 que as convocações, os avisos e os resultados do concurso público seriam publicadas no Diário Oficial do Estado e estariam disponíveis no site da empresa organizadora e que, após a homologação, é de responsabilidade do candidato o acompanhamento no Diário Oficial do Estado de eventual nomeação.
4. Ausência de direito líquido e certo a ser amparado por mandado de segurança, uma vez que não há previsão expressa no edital acerca da exigência de notificação pessoal. Recurso ordinário improvido."
(STJ-RMS 47159/SP, Rel. Min. Humberto Martins, 2º Turma, DJe 25/05/2016)
Por essas razões, diante da ausência do direito líquido e certo sustentado pela Impetrante, em respeito aos princípios da legalidade e da vinculação ao edital, sem que exista afronta aos postulados da razoabilidade, proporcionalidade e segurança jurídica, NEGO PROVIMENTO ao recurso ordinário.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros do Órgão Especial do Tribunal Superior do Trabalho, I - por maioria, vencidos os Exmos. Ministros Breno Medeiros, Vistor, Ives Gandra da Silva Martins Filho e Alexandre Luiz Ramos, deferir o benefício da justiça gratuita à Impetrante, II - por unanimidade, conhecer do recurso ordinário e, no mérito, negar-lhe provimento.
Brasília, 8 de fevereiro de 2021.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
DOUGLAS ALENCAR RODRIGUES
Ministro Relator
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