Data da publicação:
Subseção II Especializada em Dissídios Individuais
Douglas Alencar Rodrigues - TST
RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA. DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO NA VIGÊNCIA DO CPC DE 1973. INVOCAÇÃO DE CAUSA DE RESCINDIBILIDADE DO CPC DE 2015.
Resumo do voto
Ação rescisória. Demissão por justa causa. Conduta faltosa. Única ocorrência. Possibilidade. Art. 482, “h”, da CLT. Não violação. A ruptura contratual por justa causa motivada em uma única conduta faltosa do trabalhador não se revela desproporcional quando demonstrada a gravidade da falta cometida. No caso, o autor descumpriu normas empresariais de segurança ao enviar informações confidenciais de clientes para seu e-mail pessoal, com evidente quebra de confiança necessária à continuidade do vínculo de emprego com a instituição financeira. Assim, não há falar em ofensa ao art. 482, “h”, da CLT. Sob esse fundamento, a SBDI-II, por unanimidade, conheceu do recurso ordinário e, no mérito, por maioria, negou-lhe provimento, mantendo, portanto, a improcedência da ação rescisória. Vencida a Ministra Delaíde Miranda Arantes.
A C Ó R D Ã O
RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA. DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO NA VIGÊNCIA DO CPC DE 1973. INVOCAÇÃO DE CAUSA DE RESCINDIBILIDADE DO CPC DE 2015.
1. Cuida-se de ação desconstitutiva intentada após o advento do CPC de 2015, com fundamento em causa de rescindibilidade prevista no referido diploma legal, embora o trânsito em julgado da sentença rescindenda tenha ocorrido sob a égide do CPC de 1973.
2. Transitando em julgado a decisão rescindenda na vigência do CPC de 1973, a ação rescisória deve ser proposta com fundamento nas hipóteses de rescindibilidade listadas no aludido diploma legal. Afinal, como explica Celso Neves, "o juízo rescisório vincula-se às hipóteses previstas na lei vigente ao tempo do trânsito em julgado da sentença rescindenda".
3. No caso, a indicação de hipótese de desconstituição da coisa julgada prevista no CPC de 2015 em nada compromete o exame da controvérsia, ante a existência, no Diploma de 1973, de causa com exata correspondência.
ARTIGO 485, V, DO CPC DE 1973. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 458, I E III, 469, I, II E III, E 472 DO CPC DE 1973, 832 E 482, "H" DA CLT. NÃO CONFIGURAÇÃO.
1. Ação rescisória calcada em violação dos artigos 458, I e III, 469, I, II e III, e 472 do CPC de 1973, 832 e 482, "h", da CLT, em que o Autor pretende desconstituir sentença na qual reconhecida a justa causa para a dispensa, bem como indeferidos os pedidos relacionados à reintegração no emprego e ao pagamento de verbas rescisórias.
2. Não procede o pleito rescisório alicerçado em violação do artigo 458, I e III, e 469, I, II e III, do CPC de 1973 e 832 da CLT, dispositivos legais que tratam dos elementos essenciais da sentença, pois a hipótese revela a existência de mero erro material relativamente à identificação das partes, com a troca do nome do Autor na parte dispositiva, mas sem qualquer prejuízo à compreensão exata do julgado. Tanto é que o Autor opôs embargos de declaração e, posteriormente, recurso ordinário, este inadmitido em virtude de deserção.
3. Também não se constata violação dos artigos 128 e 460 do CPC de 1973. O juízo prolator da sentença rescindenda acolheu a justa causa alegada pelo empregador em razão do descumprimento de norma de segurança empresarial pelo reclamante (ora Autor), que enviou dados sigilosos de clientes para o seu e-mail privado, deixando as informações expostas em ambiente desprotegido. Sob a perspectiva do magistrado prolator da sentença, o fato foi suficientemente grave para justificar a dispensa, nos termos do artigo 482, "h", da CLT, o que ficou claro quando assinalado que o reclamado "apurou detidamente os fatos para não cometer uma injustiça e aplicou a penalidade apenas quando possuía provas contundentes do ilícito praticado pelo empregado e tão logo este se apresentou ao trabalho". A menção à reiteração da conduta, na apreciação da prova oral levada a efeito na decisão, foi registrada apenas como reforço de fundamentação, não consubstanciando julgamento além dos limites objetivos da lide.
4. Por fim, quanto à alegação de afronta à regra do artigo 482, "h", da CLT, cumpre relembrar que a justa causa traduz a mais severa punição aplicável ao empregado, produzindo efeitos pecuniários danosos e imediatos, também atingindo o seu patrimônio moral e a sua imagem profissional futura. Todavia, no caso, fixada a premissa fática incontroversa de ter o Autor, ao enviar informações confidenciais de clientes para seu e-mail, descumprido normas empresariais de segurança, é evidente a quebra da confiança necessária à continuidade do vínculo de emprego com a instituição financeira Ré. Dada a gravidade da falta cometida, suscetível de causar prejuízo incalculável para uma entidade bancária, não se revela desproporcional a ruptura contratual por justa causa motivada em uma única conduta faltosa do trabalhador. Portanto, não há falar em ofensa ao artigo 482, "h", da CLT, até porque a violação de literal disposição de lei, apta a autorizar o corte rescisório, há de se apresentar manifesta, evidente, como na hipótese em que exista na coisa julgada tese jurídica dissonante da própria literalidade do preceito legal tido por vulnerado, o que não se verifica na espécie examinada. Recurso conhecido e não provido. (TST-RO-101576-28.2016.5.01.0000, SBDI-II, rel. Min. Douglas Alencar Rodrigues,19.10.2018).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário n° TST-RO-101576-28.2016.5.01.0000, em que é Recorrente CARLOS ALBERTO MANOEL GOMES e Recorrido ITAU UNIBANCO S.A.
CARLOS ALBERTO MANOEL GOMES ajuizou ação rescisória (fls. 6/35), com base no artigo 966, V, do CPC de 2015, pretendendo desconstituir a sentença proferida pelo juízo da 27ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro/RJ nos autos da reclamação trabalhista nº 0011763-74.2014.5.01.0027.
ITAÚ UNIBANCO S.A. apresentou contestação às fls. 332/337.
A Seção Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região julgou improcedente a pretensão rescisória (fls. 367/371).
Inconformado, o Autor interpôs recurso ordinário às fls. 394/418, admitido à fl. 419.
O réu ITAÚ UNIBANCO S.A. apresentou contrarrazões às fls. 423/430.
O processo não foi remetido ao Ministério Público do Trabalho.
É o relatório.
V O T O
1. CONHECIMENTO
O recurso ordinário é tempestivo (fls. 392 e 394) e a representação processual, regular (fl. 36). Dispensado o preparo ante a concessão dos benefícios da justiça gratuita (fl. 302).
CONHEÇO do recurso.
2. MÉRITO
2.1. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 966, V, DO CPC DE 2015. VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 489, I E III, 504, I E II, 506 DO CPC DE 2015 E 832 DA CLT. NÃO CONFIGURAÇÃO.
Ao julgar a ação rescisória, o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região assim decidiu:
(...)
MÉRITO
VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSITIVO LEGAL
O Autor sustenta que a sentença rescindenda violou os artigos 489, I e III, 504, I e II e 506, todos do CPC, e art. 832 da CLT, na medida em que o julgamento de improcedência foi proferida para quem não é parte no processo.
O autor afirma que ajuizou ação trabalhista contra o Banco Réu mas na sentença prolatada consta no relatório pessoa estranha ao processo originário como parte autora, qual seja, Luiz Carlos Santos. Por isso, alega que a sentença rescindenda não é juridicamente válida. Aduz que da mesma forma que é vedado ao magistrado decidir fora do pedido, também não lhe é permitido decidir fora dos limites subjetivos da relação processual. Destaca que o error in procedendo não ficou adstrito meramente à r. sentença definitiva, pois ao julgar os seus declaratórios, o juízo persistiu no erro.
Assinala que não está impugnando questão de menor importância, na medida em que é a parte dispositiva da sentença que transita em julgado e nela constou um decreto de improcedência vinculado a pessoa estranha aos autos. E, nesse passo, alude ganhar relevo o disposto no artigo 506 do CPC/15, categórico ao dispor que: "A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada".
Aponta ainda violação ao artigo 482, alínea "h", da CLT e o princípio da proporcionalidade pois segundo argumenta, a pena de demissão por justa causa mostrou-se excessivamente severa e, por isso, alega ser desproporcional à conduta atribuída ao trabalhador, ora Autor da presente ação rescisória.
À análise.
O autor pretende a desconstituição da sentença que transitou em julgado por constar do Relatório nome de pessoa estranha à lide. De fato, na sentença consta o nome de Luiz Carlos Santos, embora o autor da ação trabalhista fosse CARLOS ALBERTO MANOEL GOMES.
Evidente que a alteração do nome do autor contido na sentença decorreu de mero erro material do juiz no momento de prolatar a decisão. Aliás, é o que se deduz da própria causa de pedir desta ação rescisória, na medida em que o autor, em sua inicial, em momento algum ataca a sentença rescindenda em seus fundamentos. Nada disse sobre a motivação se referir a outro processo, nem sobre a formação do convencimento do juízo estar correlacionada à prova não produzida nos autos da ação originária.
Muito pelo contrário, aponta como pedido sucessivo de corte rescisório violação ao art. 482, h, da CLT, ao fundamento de que a pena de demissão por justa causa mostra-se excessivamente severa e, por isso, desproporcional à conduta que lhe foi atribuída. Por esta pretensão que envolve o mérito da ação originária, constato que a sentença rescindenda resolveu o conflito de interesses na forma que lhe foi submetida, tendo o juízo formado o seu convencimento com base nos elementos dos autos da ação originária, ou seja, o processo alcançou a sua finalidade de ser um instrumento de realização do direito material.
O erro contido na sentença não pode ensejar a rescisão da sentença, se a tutela jurisdicional foi alcançada de forma adequada e eficaz, e contra isso, repito, o autor não se insurge nesta rescisória. Assente-se que na ação originária o acesso do autor ao duplo grau de jurisdição, foi assegurado, tanto que ingressou com Embargos de Declaração (id. 9ef8743) e Recurso Ordinário (id. c2d069d), ao qual foi negado seguimento por deserção (id. Bbf3369). Vale dizer, o que ocorreu na sentença foi pura e simplesmente um erro material, mero erro de escrita, que sequer admite corte rescisório, na medida em que pode ser corrigido a qualquer momento pelo próprio juízo rescindendo.
Quanto ao outro pedido no qual o autor busca o corte rescisório em razão de violação ao art. 482, h, da CLT, e ao principio da proporcionalidade, claramente pretende o reexame da decisão, ao atacar não a sentença, mas sim a justa causa que lhe foi aplicada ao fundamento de que se mostrou excessivamente severa e, por isso desproporcional à conduta que lhe foi atribuída. Reexame dos fatos demonstrados na ação originária e que formaram a convicção do juiz da causa, somente é viável pelo meio processual próprio para atacar a sentença rescindenda, qual seja, recurso ordinário, mas jamais através de ação rescisória.
Neste sentido é a Súmula 410 do C.TST, verbis:
"Súmula nº 410 do TST. AÇÃO RESCISÓRIA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INVIABILIDADE (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 109 da SBDI-2) - Res. 137/2005 DJ 22, 23 e 24.08.2005. A ação rescisória calcada em violação de lei não admite reexame de fatos e provas do processo que originou a decisão rescindenda".
Parecer do Ministério Público do Trabalho opinado também pela improcedência dos pedidos.
Conclusão do recurso
ISTO POSTO, julgo improcedentes os pedidos. Condeno o Autor em honorários advocatícios em favor do Reclamado que fixo em 15%, ficando suspensa a sua exigibilidade por 5 (cinco) anos após o transito em julgado, extinguindo-se, passado esse prazo, esta obrigação, nos moldes do art. 98, § 3º, do CPC/2015. Condeno o Autor em custas de R$ 714,50, calculado sobre o valor da causa de R$ 35.724,96, ficando isento em razão da gratuidade de justiça deferida. (fls. 369/371).
Nas razões do recurso ordinário, o Autor alega que "ao contrário do que preconiza o r. julgado ora recorrido, a correta observância do nome das partes nos diversos atos processuais praticados pelos sujeitos processuais não constitui requisito formal destitui[ido de relevância jurídica. Inúmeros são os institutos vinculados a precisa identificação de quem reside em juízo".
Argumenta que a indicação errônea do nome das partes prejudica a apuração da presença da legitimidade ativa e passiva, reputando violados os dispositivos legais que tratam dos requisitos formais de uma sentença (fl. 401).
Insiste na inobservância pelo juízo prolator da sentença dos limites subjetivos da lide, apontando violação dos artigos 458, I e III, 469, I, II e III, e 472 do CPC de 1973 (artigos 489, I e III, 504, I e II, e 506 do CPC de 2015), os quais estabelecem que o magistrado não pode julgar o processo distanciando-se do pedido formulado e também dos fatos fixados na petição inicial e contestação.
Afirma que na contestação "um único fato ensejou a justa causa. A remessa de arquivos para conta de e-mail pessoal, a partir de um único e-mail interceptado pela gerência de monitoração de segurança. Nesse contexto, a r. sentença altera o juízo punitivo, que foi levado a cabo pelo empregador com base em um único fato, para convalidá-lo sob o fundamento de que houve reiterado descumprimento da norma regulamentar empresarial que versa sobre a segurança da informação. Em síntese, a sentença transformou um fato isolado em uma conduta reiterada, como se fosse essa a motivação invocada pelo Reclamado para a ruptura do liame empregatício" (fl. 415).
Sustenta, ainda, que "para além dos artigos 128, 460 do CPC/73 e 492 do CPC/2015, a r. sentença rescindenda violou igualmente o artigo 482, alínea "h", da CLT e o princípio da proporcionalidade, já que a pena de demissão por justa causa mostrou-se excessivamente severa e, por isso mesmo, desproporcional à conduta atribuída ao trabalhador, ora Autor da presente ação rescisória" (fl. 409). Neste ponto, impugna o acórdão regional no tocante à aplicação da Súmula 410 do TST, assinalando que "... não há necessidade de reexame de fatos e provas. A ação rescisória parte da moldura fática fixada pela própria r. sentença e, sem alterar-lhe a feição, aponta a ocorrência de lesão a norma jurídica, nos exatos termos preconizados pelo art. 966, V, do CPC de 2015" (fl. 409).
Sem razão.
Cumpre salientar, por oportuno, que a presente ação desconstitutiva foi intentada após o advento do CPC de 2015 (fl. 2), com fundamento em hipótese de rescindibilidade prevista no referido diploma legal, embora o trânsito em julgado tenha ocorrido ainda sob a égide do CPC de 1973 (fl. 295).
A rigor, transitando em julgado a decisão rescindenda na vigência do CPC de 1973, a ação rescisória deve ser proposta sob a perspectiva das causas de rescindibilidade listadas no aludido diploma legal.
Significa dizer que as hipóteses de rescindibilidade são aquelas da lei em vigor no momento do trânsito em julgado da decisão que se pretende desconstituir.
Como explica Celso Neves:
"O direito de propor ação rescisória subjetiva-se no litigante vencido, como direito adquirido, no exato momento em que a sentença rescindenda transite em julgado. Desde então esse direito pode ser exercido, até que se consume — como elemento essencial, dele integrante — o prazo para isso estabelecido na lei que tenha regido a sua subjetivação e pela qual se regulará, também a limitação objetiva do iudicium rescindens. Lei superveniente que regule de maneira diversa a ação rescisória, seja quanto a seus pressupostos, seja quanto ao prazo, não se aplica, pois, às ações rescisórias que, anteriormente, já poderiam ter sido ajuizadas. É esse poder-ter-sido ajuizada antes da lei nova que lhe assegura a imutabilidade, ainda depois de disciplina nova — empiorante ou eliminativa — que, se for aplicada a configurações pretéritas, violará o § 3°, do art. 153, da Constituição da República.
Por isso a jurisprudência entende que o juízo rescisório vincula-se às hipóteses previstas na lei vigente ao tempo do trânsito em julgado da sentença rescindenda; por isso a própria eliminação da ação rescisória, por efeito de lei nova, não excluiria o ajuizamento e apreciação, segundo a disciplina da lei anterior, de ações rescisórias que, sob a sua vigência, se tornaram possíveis. O direito de propô-las nasce com o dies supremus que lhe é inerente. Alterá-lo será alterar o direito adquirido, em um de seus elementos essenciais, com ofensa à vedação constitucional.
(...)
Essa estrutura mostra como e porque o tempus é elemento essencial ao direito de rescindir sentenças firmes, de que decorre a chamada pretensão à rescisão que, sem ele, seria ineficaz, porque a imutabilidade da sentença que transita em julgado é a isso simultânea, não deixando espaço para o pedido rescisório. Ou o direito à rescisão é concebido com prazo para o seu exercício, ou não será direito. Daí a essencialidade do elemento temporal de exercício que, integrando a estrutura mesma do direito, não pode ser eliminado, total ou parcialmente, sem afetação do próprio direito que só o prazo faz adquirido, na medida do disposto no § 2.°, do artigo 6.°, da vigente Lei de Introdução ao Código Civil.
Por isso a lei nova não pode modificar, senão para o futuro, o prazo de exercício do direito a rescindir sentenças transitas sem julgado. A isso se há de acomodar, pois, a regra do art. 1.211, do Código de Processo Civil, por respeito ao disposto no § 3.°, do art. 153, da Constituição vigente. Com isso se atende ao elemento sistemático de que não prescinde a interpretação das leis, segundo o magistério de Savigny (Sistema — trad. italiana de SCIALOJA, Torino, 1886, vol. I, pág. 222) e o posicionamento exato de POTHIER: ‘Une disposition doit s'entendre plutôt dans le sens ou elle peut avoir un effet, que dans celui ou elle n'en aurait pas’ (Oeuvres – Paris, 1861, tome 1.er – pág. 456).
(...)
Aludindo ao texto da Constituição de 1967, diz PONTES que o conceito de direito adquirido é conceito do plano da existência: se ato jurídico começa a existir, aqui e agora, é porque o ato entrou no mundo jurídico aqui e agora, e a sua juridicidade é a coloração que lhe deu o sistema jurídico, tal como aqui e agora ele é. O direito adquirido é o direito que nasceu a alguém. O conceito é conceito do plano de eficácia, porque todo direito é efeito, como são efeitos todo dever, toda pretensão, toda obrigação, todas as ações e todas as exceções. Deve ter havido, antes, fato, que entrou no mundo jurídico, em certo lugar e em certo momento, embora pudesse não ter sido ato, do qual se haja irradiado o direito. Por onde se vê que o legislador constituinte só aludiu ao direito, brevitatis causa, isto é, para não ter de mencionar todas as espécies de fatos jurídicos de que podem emanar direitos, deveres, pretensões, obrigações, ações e exceções. Em verdade, a lei nova não incide sobre fatos pretéritos, sejam eles, ou não, atos, e — por conseguinte — não pode ‘prejudicar’ os direitos adquiridos, isto é, os direitos já irradiados e os que terão de irradiar-se. Note-se bem: ‘terão de irradiar-se’. (Ob. E tomo cit., pág. 60).
(...)
Embora se configure no âmbito do direito público, ‘a lei nova — como assinala o Prof. GALENO LACERDA — não pode atingir situações processuais já constituídas ou extintas sob o império da lei antiga, isto é, não pode ferir os respectivos direitos processuais adquiridos. O princípio constitucional de amparo a esses direitos possui, aqui, também, plena e integral vigência’. (O Novo Direito Processual Civil e os Feitos Pendentes — Rio, 1974, pág. 13) Em suma: sem embargo de lei processual nova, o direito de rescindir sentenças firmes que se tenha adquirido no regime da lei anterior, de natureza material processual, permanece incólume e pode ser exercido, opportuno tempore, enquanto não se escoe o prazo que, com a sua aquisição se iniciou." (Biblioteca Digital de Obras Raras e Especiais da Universidade de São Paulo - Revista da Faculdade de Direito, vol. LXXVI, janeiro-dezembro/1981, Prazo de Ação Rescisória e Direito Intertemporal, disponível em http: www.revistas.usp.br/rfdusp/article/download/66916/69526, visualizado em 18/4/2017).
Nesse exato sentido a jurisprudência do STF:
"AÇÃO RESCISÓRIA. DIREITO INTERTEMPORAL. NÃO NEGA VIGÊNCIA AO ARTIGO 485 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL EM VIGOR ACÓRDÃO QUE DEIXA DE APLICAR RESTRIÇÃO NELE CONSTANTE (O CABIMENTO DE AÇÃO RESCISÓRIA APENAS CONTRA SENTENÇA DE MÉRITO) A AÇÃO RESCISÓRIA QUE, EMBORA PROPOSTA JÁ NA VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO, VISA A RESCINDIR SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO AINDA NA VIGÊNCIA DA CODIFICAÇÃO ANTERIOR. - OS PRESSUPOSTOS DA AÇÃO RESCISÓRIA SE REGEM PELA LEI DO MOMENTO EM QUE TRANSITOU EM JULGADO A SENTENÇA RESCINDENDA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO." (STF-RE-86836/MT, Relator Ministro Moreira Alves, 2ª Turma, DJ 15/4/1977)
"AÇÃO RESCISÓRIA. DIREITO INTERTEMPORAL. - Acórdão rescindendo que transitou em julgado na vigência do Código de Processo Civil de 1939. Ação rescisória fundada em novos pressupostos criados pelo atual diploma processual. Impossibilidade, porquanto, a lei reguladora da ação rescisória é a contemporânea ao trânsito em julgado da sentença rescindenda." (STF-AR-944, Relator Ministro Soares Munoz, Tribunal Pleno, DJ 28/03/1980)
No caso, a indicação de hipótese de desconstituição da coisa julgada prevista no CPC de 2015 (artigo 966, V) em nada compromete o exame da controvérsia, ante a existência de dispositivo legal correspondente no diploma de 1973 (artigo 485, V).
Pois bem.
A sentença rescindenda foi assim vazada:
(...)
Da rescisão contratual
Pleiteia o reclamante a reintegração nos quadros da ré, ou sucessivamente, o pagamento das verbas rescisórias decorrentes da dispensa imotivada. Alega que o ato de demissão seria nulo, considerando a sua ausência de motivação plausível e também porque foi dispensado no período de estabilidade previsto no artigo 118 da Lei 8213/91.
Em defesa, reclamada alega que sempre cumpriu com suas obrigações contratuais e que, na verdade, o autor foi dispensado por justa causa após ter sido violado norma de segurança interna da empresa, enviando arquivos com informações confidenciais de clientes para o seu email pessoal e, consequentemente, teria exposto os dados dos respectivos clientes em ambiente desprotegido.
Contrariando as alegações iniciais - de que houve mera tentativa de transferência dos arquivos para o email pessoal, não concretizada - o autor acaba afirmando que tal prática era corriqueira, afirmando: "(...) que acredita que seu equipamento de informática não fosse diferente dos outros gerentes; que tratava-se de prática normal encaminhar para o seu email pessoal dados para possibilitar a realização do seu trabalho: que em algumas oportunidades não conseguiu enviar os e-mails pois o sistema bloqueou; que o arquivo não foi enviado e um trabalho que poderia fazer em 2 ou 3 dias no seu próprio computador, foi realizado em 10, mas foi feito; que tinha interesse em demonstrar um bom trabalho pois era a sua oportunidade; que não tinha conhecimento da norma do Itau vedando envio de determinados dados para email pessoal pois efetivamente nunca chegou a exercer a função no Itau; que até onde sabe, não poderia acessar o email corporativo de sua residência; que os arquivos que não conseguiu encaminhar para o seu email pessoal eram relativos aos clientes mais devedores, ou seja, aqueles inadimplentes há mais de 5 anos(...)".
A testemunha autoral, por sua vez, acaba deixando escapar que era desnecessário utilizar o email pessoal para realização do trabalho, afirmando: "(...) que nunca chegou a trabalhar junto com a autor na mesma agência, até porque possuem o mesmo cargo; que tem conhecimento de que nos últimos 5 anos o autor ficou bastante tempo afastado; que não havia norma no banco nem expressa, nem tácita, no sentido de vedar o envio de dados de clientes para contas de e-mails pessoais; que na verdade faziam relatórios com dados do banco; que a depoente nunca enviou dados de clientes inadimplentes para o seu e-mail pessoal; que a depoente nunca tentou enviar dados do banco para o seu e-mail pessoal que tenha sofrido bloqueio pelo sistema; que o comentário no banco foi no sentido de que o autor tenha sido dispensado por justa causa por ter violado dado bancário na tentativa de enviá-lo ao seu email pessoal; que de sua residência tinha acesso ao e-mail corporativo do banco, bem como ao portal do banco (...)"
O termo de aditamento do contrato de trabalho, de Id Num. 9493e5b, que não foi impugnado pelo autor, dispõe especificamente sobre o assunto: "5" - Termo de Responsabilidade: Declaro estar ciente do conteúdo das Diretrizes e Normas constantes da Política de Segurança da Informação. Assumo o compromisso de observá-las e aplicá-las, a elas me submetendo às sanções previstas nas normas internas e sob as penas da lei."[grifos do Juízo]. Logo, o reclamante não pode alegar desconhecimento da norma interna da empresa para se eximir de cumprir com obrigação contratual imposta a todos os empregados.
É preciso esclarecer, ainda, que apenas a hipótese prevista no artigo 482, "h" da CLT, é suficiente para caracterização da justa causa aplicada e a conseqüente rescisão do contrato de trabalho pelo empregador por ato de indisciplina e insubordinação. Estas ocorrem quando existe atentado aos deveres jurídicos assumidos pelo trabalhador pelo simples fato de sua condição de empregado subordinado.
Assim, diante das provas documentais juntadas aos autos e diante da prova oral produzida, não restam dúvidas acerca da flagrante afronta aos deveres assumidos para com a ré, pela inobservância reiterada de normas internas de segurança.
O tempo transcorrido não denotou perdão tácito, ou ausência de imediatidade, eis que, ao contrário, a ré apurou detidamente os fatos para não cometer uma injustiça e aplicou a penalidade apenas quando possuía provas contundentes do ilícito praticado pelo empregado e tão logo este se apresentou ao trabalho.
Restando comprovado o ato de indisciplina e insubordinação, correta ajusta causa aplicada pela empresa, motivo pelo improcede o pedido de conversão da justa causa em dispensa imotivada.
Constatada a dispensa por justa causa, não faz jus a empregada à multa de 40% sobre os depósitos de FGTS, nem ao beneficio do seguro desemprego - artigo 2º, I da Lei 7998/90, pelo que não há que se falar em indenização substitutiva.
Mantida a rescisão do contrato de trabalho por justa causa, julgo improcedentes os pedidos de itens 'b' e 'c' da inicial. (fls. 266/268)
No que concerne à alegação de violação dos artigos 458, I e III, 469, I, II e III, e 472 do CPC de 1973 e os correspondentes artigos 489, I, e 506 do CPC de 2015, cumpre registrar que a sentença rescindenda foi proferida em 10/10/2015 (fl. 269), portanto, antes da entrada em vigor do CPC de 2015. Assim, em se tratando de normas processuais não é possível o cotejo em face de dispositivos do CPC de 2015, razão por que o exame aqui ficará restrito à alegação de violação dos artigos 458, I e III, 469, I, II e III, e 472 do CPC de 1973.
Quanto aos artigos 458, I e III, do CPC de 1973 e 832 da CLT, que tratam dos elementos essenciais da sentença, não procede o pleito rescisório, pois a hipótese revela a existência de mero erro material relativamente à identificação das partes, com a troca do nome do Autor, mas sem qualquer prejuízo à compreensão exata do julgado.
Tanto é que o Autor opôs embargos de declaração (fls. 274/276) e, posteriormente, recurso ordinário (fls. 279/289), este inadmitido em virtude de deserção (fls. 292/293).
Vale dizer, contendo a sentença os elementos essenciais previstos nos artigos 458, I e III, do CPC de 1973 e 832 da CLT, não se justifica a desconstituição da coisa julgada apenas para correção do evidente erro material.
No tocante aos limites objetivos da lide, não se constata violação dos artigos 128 e 460 do CPC de 1973, pois na sentença restou consignado que o reclamado (ora Réu) alegou a justa causa prevista no artigo 482, "h", da CLT em razão do descumprimento de norma de segurança empresarial pelo reclamante (ora Autor), que enviou dados sigilosos de clientes para o seu e-mail privado, deixando as informações expostas em ambiente desprotegido.
Sob a perspectiva do magistrado prolator da sentença, o fato – ainda que único - foi suficientemente grave para justificar a dispensa, nos termos do artigo 482, "h", da CLT, o que ficou claro quando assinalado que o reclamado "apurou detidamente os fatos para não cometer uma injustiça e aplicou a penalidade apenas quando possuía provas contundentes do ilícito praticado pelo empregado e tão logo este se apresentou ao trabalho" (fl. 268).
A menção à reiteração da conduta, após a apreciação da prova oral levada a efeito na decisão, foi registrada apenas como reforço de fundamentação, não consubstanciando julgamento além dos limites da lide.
Por fim, quanto à alegação de afronta à regra do artigo 482, "h", da CLT, relembro que a justa causa traduz a mais severa punição aplicável ao empregado, produzindo efeitos pecuniários danosos e imediatos, também atingindo o seu patrimônio moral e a sua imagem profissional futura.
Todavia, no caso, fixada a premissa fática incontroversa de ter o Autor, ao enviar informações confidenciais de clientes para seu e-mail, descumprido normas empresariais de segurança, é evidente a quebra da confiança necessária à continuidade do vínculo de emprego com a instituição financeira Ré.
Dada a gravidade da falta cometida, suscetível de causar prejuízo incalculável para uma entidade bancária, não se revela desproporcional a ruptura contratual por justa causa motivada em uma única conduta faltosa do trabalhador.
Portanto, não há falar em ofensa ao artigo 482, "h", da CLT, até porque a violação de literal disposição de lei, apta a autorizar o corte rescisório, há de se apresentar manifesta, evidente, como na hipótese em que exista na coisa julgada tese jurídica dissonante da própria literalidade do preceito legal tido por vulnerado, o que não se verifica na espécie examinada.
Pela excelência da exposição, peço vênia para acrescentar os fundamentos apresentados pelo Exmo. Ministro Renato de Lacerda Paiva em sessão de julgamento:
... na ação rescisória, para que haja violação de norma infraconstitucional, é preciso que a interpretação da norma já esteja pacificada na jurisprudência do TST, por meio de OJ ou súmula, para afastar a aplicação da Súmula n.º 83, ou seja, matéria infraconstitucional que não está pacificada é matéria controvertida, que não admite o corte rescisório, salvo na hipótese em que ocorra uma violação literal à norma infraconstitucional. Já demos corte rescisório nessas hipóteses, em casos excepcionalíssimos, em que a violação é a literalidade da norma, mas isso não ocorre quando nós temos que fazer o reenquadramento de quadro fático. No recurso de revista, podemos fazer isso, o reenquadramento dos fatos à norma, a subsunção dos fatos à norma tida por violada, mas, em ação rescisória, temos a limitação. Não podemos fazer o reenquadramento dos fatos. Se o Tribunal, analisando os fatos, afirma, necessariamente, que ficou caracterizado o tipo do art. 482, h, da CLT, não podemos reexaminar os fatos para dizer que não se caracterizou esse tipo ou que esse reenquadramento foi equivocado, porque, do contrário, seríamos uma Corte recursal de revisão de todas as decisões, milhares de decisões proferidas pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais de todo o País.
Por todas essas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso ordinário.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso ordinário para, no mérito, por maioria, vencida a Exma. Ministra Delaíde Miranda Arantes, negar-lhe provimento.
Brasília, 25 de setembro de 2018.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
DOUGLAS ALENCAR RODRIGUES
Ministro Relator
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