JUSTA CAUSA Imediatidade e perdão tácito

Data da publicação:

Acordão - TST

Maria Cristina Irigoyen Peduzzi - TST



Demora na dispensa de gerente por improbidade não caracteriza perdão tácito da ECT. O intervalo se deveu à tramitação do processo administrativo. A Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho julgou improcedente o pedido de reintegração de um gerente da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) demitido por ato de improbidade administrativa. Segundo a Turma, mesmo com a demora na aplicação da pena, o que pode configurar perdão tácito, permaneceu caracterizada a motivação para a dispensa.



I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE SOB A ÉGIDE DA LEI N° 13.015/2014 E DO CPC/2015 – ECT – DISPENSA POR JUSTA CAUSA – AFASTAMENTO DA REINTEGRAÇÃO

Vislumbrada a violação aos artigos 37 da Constituição da República e 482, "a", da CLT, dá-se parcial provimento ao Agravo de Instrumento para determinar o processamento do Recurso de Revista.

II – RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE SOB A ÉGIDE DA LEI N° 13.015/2014 E DO CPC/2015 – ECT – DISPENSA POR JUSTA CAUSA – AFASTAMENTO DA REINTEGRAÇÃO

1. No exame da validade da dispensa de empregado da ECT, não há que se confundir dispensa motivada com dispensa por justa causa, haja vista a inaplicabilidade do art. 41 da Constituição. Com efeito, revela-se possível que o ato de dispensa ampare-se em motivo de interesse público que não corresponda a nenhuma das hipóteses de justa causa previstas na CLT.

2.Ainda que afastada a imediatidade ou proporcionalidade na aplicação da pena de demissão por justa causa, permanece caracterizada a motivação para a dispensa do Reclamante pelos desvios de postagens com obtenção de vantagem econômica de forma a justificar a dispensa sem justa causa e afastar o direito à reintegração.

Recurso de Revista conhecido e provido. (TST-AIRR-10482-68.2017.5.03.0174, Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT, 16.08.19).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-AIRR-10482-68.2017.5.03.0174, tendo por recorrente EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT e recorrido EZEQUIAS FAUSTINO DE JESUS.

Adoto o relatório da Exma. Ministra Relatora, Dora Maria da Costa:

"A Presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região denegou seguimento ao recurso de revista da reclamada conforme decisão de fls. 1.395/1.396.

Inconformada, a reclamada interpôs agravo de instrumento, às fls. 1.400/1.412, insistindo na admissibilidade da revista.

Sem contraminuta ou contrarrazões.

Desnecessária a remessa dos autos à Procuradoria-Geral do Trabalho, nos termos do art. 95 do Regimento Interno do TST.

É o relatório."

V O T O

I – AGRAVO DE INSTRUMENTO

1 - CONHECIMENTO

Conheço do Agravo de Instrumento, porque preenchidos os requisitos extrínsecos de admissibilidade.

2 – MÉRITO

O Eg. TRT manteve a sentença que declarara nula a dispensa do Reclamante por justa causa e, por conseguinte, determinara sua reintegração aos quadros da Reclamada. Eis os fundamentos:

PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS

O recurso é próprio, tempestivo (acórdão publicado em 24/11/2017; recurso de revista interposto em 14/12/217).

Regular a representação processual (nos termos do item I da Súmula 436 do TST).

Isento de preparo (art. 790-A da CLT e inciso IV do art. 1º do DL 779/69).

PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS

RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / JUSTA CAUSA/FALTA GRAVE

Examinados os fundamentos do acórdão, constato que o recurso, em seus temas e desdobramentos, não demonstra divergência jurisprudencial válida e específica, nem contrariedade com Súmula de jurisprudência uniforme do C. TST ou Súmula Vinculante do E. STF, tampouco violação literal e direta de qualquer dispositivo de lei federal e/ou da Constituição da República, como exigem as alíneas "a" e "c" do art. 896 da CLT.

Inviável o seguimento do recurso, diante da conclusão da Turma no sentido de que (...)

Acaso o reclamante tivesse sido punido com pena de advertência, ou mesmo suspensão, cientificando-o expressamente sobre quais normas internas foram descumpridas, eventual reincidência acarretaria a penalidade máxima e o desconhecimento do regramento interno da reclamada sequer poderia ser alegado.

Diante do exposto, seja pela ausência de imediaticidade da punição (perdã tácito), dolo ou culpa do reclamante ou pela inobservância do caráter pedagógico da punição com a correspondente gradação de penalidades, mantém-se a r. sentença declaratória de nulidade da dispensa por justa causa.

Fica mantida a reintegração ao emprego, não se acolhendo o pleito de conversão da dispensa por justa causa em dispensa sem justa causa, posto que a reclamada equipara-se a Fazenda Pública e o ato de despedida está condicionado à motivação, nos termos da OJ 247, item II, da SDI-1 do col. TST.

Ao contrário do alegado, a Turma julgadora decidiu em sintonia com a OJ 247 da SBDI-I do TST, de forma a sobrepujar os arestos válidos que adotam tese diversa e afastar as violações apontadas.

Não ensejam recurso de revista decisões superadas por iterativa, notória e atual jurisprudência do C. Tribunal Superior do Trabalho (§ 7º do art. 896 da CLT e Súmula 333 do TST).

Não existem as ofensas constitucionais apontadas, pois a análise da matéria suscitada no recurso não se exaure na Constituição, exigindo que se interprete o conteúdo da legislação infraconstitucional. Por isso, ainda que se considerasse a possibilidade de ter havido violação ao texto constitucional, esta seria meramente reflexa, o que não justifica o manejo do recurso de revista, conforme reiteradas decisões da SBDI-I do C. TST.

O acórdão recorrido está lastreado em provas. Incabível, portanto, o recurso de revista para reexame de fatos e provas, nos termos da Súmula 126 do C. TST.

CONCLUSÃO

DENEGO seguimento ao recurso de revista.

(fls. 1399/1400 – grifos acrescidos)

Em Agravo de Instrumento, a Reclamada alega que o acórdão regional, "ao reconhecer como incontroversas as faltas graves cometidas pelo obreiro (o que não demanda nenhuma reanálise probatória), e mesmo assim reverter a penalidade de justa causa aplicada sob o pretexto de que tenha havido perdão tácito, viola literalmente o art. 482 da CLT incisos ‘a’, ‘b’, ‘e’, e ‘h’" (fls. 1410). Sustenta que não houve perdão tácito pela duração do processo administrativo, uma vez que não houve arquivamento ou falta de movimentação, mas apenas diligências com consideração à ampla defesa e ao contraditório. Argumenta que "a atuação ímproba foi caracterizada pela conduta dolosa do empregado, na tentativa de receber uma indenização indevida, bem como de valer-se, em proveito próprio, de selos pertencentes aos Correios e postar objetos com a classificação incorreta, ocasionando cobrança do valor postal e registro a menor, não podendo passar incólume tal atitude" (fls. 1413), o que impede a manutenção do vínculo de emprego no caso. Aponta violação aos artigos 37 da Constituição da República, 482, alíneas "a", "b", "e", e "h", da CLT. Indica contrariedade à Orientação Jurisprudencial nº 247, II, da SBDI-1 do TST.

A Exma. Relatora, Ministra Dora Maria da Costa, nega provimento ao Agravo de Instrumento, consignando:

O Regional, instância soberana na apreciação do conjunto fático-probatório dos autos, ao manter a sentença que declarou nula a dispensa por justa causa, assentou que houve demora na efetivação das medidas disciplinares, concluindo pela ausência de imediatidade na aplicação da medida, atraindo a ocorrência do perdão tácito.

Nessa esteira consignou que "transcorreu mais de um ano entre a data da ciência do empregador a respeito do comportamento tido por faltoso e a aplicação da pena de demissão, o que implica perdão tácito".

Ressaltou, ademais, que a reclamada praticou atos incompatíveis com a intenção de punir o reclamante na medida em que, "nesse ínterim, o obreiro continuou prestando seus serviços na mesma função e agência dos correios, tendo, ainda, sido promovido por mérito em 01/11/2015 (f. 774) e considerado qualificado o seu desempenho no período entre 01/01/2015 e 31/12/2015 (f. 776), atos incompatíveis com a intenção de punir o empregado, restando também configurado o perdão tácito sob essa ótica".

Consignou, ainda, que o histórico funcional do reclamante não possui registros de punições, pois, desde o início do contrato de trabalho, obteve desempenho qualificado.

Além disso, destacou a ausência de gradação de penalidades porque a demissão foi "baseada em um único incidente, sendo certo que, antes de aplicá-la, o empregador deve se valer de todas as medidas de caráter pedagógico para repreender o empregado pela falta cometida (gradação de penalidades)".

Por fim, asseverou: "mantida a reintegração ao emprego, não se acolhendo o pleito de conversão da dispensa por justa causa em dispensa sem justa causa, posto que a reclamada equipara-se a Fazenda Pública e o ato de despedida está condicionado à motivação, nos termos da OJ 247, item II, da SDI-1 do col. TST".

A partir desse quadro fático, insuscetível de reexame em sede extraordinária (Súmula nº 126 do TST), não é possível divisar violação direta dos arts. 37, caput, da CF e 482, "a", "b", "e" e "h", da CLT; tampouco contrariedade à OJ nº 247, II, da SDI desta Corte.

Para melhor exame da alegação de violação aos artigos 37 da Constituição da República e 482, a, da CLT, esta C. 8ª Turma, por maioria, vencida a Min. Dora Maria da Costa, dá provimento ao Agravo de Instrumento, para determinar o processamento do Recurso de Revista, publicando-se certidão, para efeito de intimação das partes.

II – RECURSO DE REVISTA

REQUISITOS EXTRÍNSECOS DE ADMISSIBILIDADE

Presentes os requisitos extrínsecos de admissibilidade, passo ao exame dos intrínsecos.

ECT – DISPENSA POR JUSTA CAUSA – AFASTAMENTO DA REINTEGRAÇÃO

  1. Conhecimento

Eis os fundamentos do acórdão regional no pertinente:

"DISPENSA POR JUSTA CAUSA. NULIDADE. REINTEGRAÇÃO AO EMPREGO.

Insurge-se a reclamada contra a decisão que deferiu o pedido de reintegração do autor ao emprego.

Argumenta que não ocorreu o perdão tácito, pois, se assim fosse, teria arquivado o processo ou deixado de movimentá-lo.

Defende que a duração excessiva de procedimento administrativo disciplinar não pode servir de amparo à impunidade, sob pena de se ferir princípios e valores muito mais importantes que o da celeridade processual, qual seja o da própria probidade administrativa.

Afirma que houve incontroversa motivação para o ato de dispensa, com trâmite regular de processo administrativo, assegurando-se o contraditório e a ampla defesa ao reclamante, que agiu em detrimento das normas internas com proveito econômico próprio, tendo postado objetos pessoais em desacordo com as regras dos Correios.

Ressalta que é insustentável o retorno do reclamante aos quadros funcionais da reclamada, nas mesmas condições anteriores à dispensa, visto que sua reprovável conduta, na posição de gerente, maculou, de forma intensa e cabal, a fidúcia que subsistia entre as partes, pelo que, caso se entenda que as condutas praticadas não possam dar ensejo à demissão por justa causa, requer seja convertida a dispensa para a modalidade sem justa causa.

Ao exame.

Como se sabe, para caracterização da justa causa do empregado é indispensável a comprovação robusta da prática de falta grave tipificada em um dos incisos do artigo 482 da CLT, além da imediaticidade da punição, observando-se o princípio do non bis in idem.

A justa causa é o efeito emanado de um ato ilícito ou faltoso praticado pelo empregado que, ao violar alguma obrigação legal ou contratual, explícita ou implícita, permite ao empregador a rescisão contratual. Porém, há necessidade de prova robusta e incontestável do fato, que não poderá extravasar os contornos fixados pela capitulação legal do artigo 482 da CLT, observados ainda os critérios de imediatidade, gradação da pena e gravidade tal que torne inviável a continuidade do vínculo empregatício, ante a ruptura da confiança, observado sempre o comprometimento que gera na vida profissional do empregado.

Assim, impõe-se que sejam verificadas pelo juiz a tipicidade (enquadramento em uma das hipóteses descritas no art. 482 da CLT) e a proporcionalidade entre a falta e a sanção aplicada, sem perder de vista o caráter pedagógico das penas disciplinares, a imediatidade da punição, a ausência de perdão tácito e de duplicidade punitiva.

Geralmente, a regularidade ou não da dispensa por justa causa envolve aferição do comportamento usual do empregado e análise de seu passado funcional como um todo, evitando-se a pena máxima fundada em um único incidente. Antes de aplicar a pena máxima, o empregador deve se valer de todas as medidas de caráter pedagógico para repreender o empregado pela falta cometida.

Pois bem.

Narrou o reclamante na exordial que foi contratado em 16/03/2009 para o cargo de gerente de agência dos Correios, com exercício da função na cidade de Guimarânia/MG, onde atendia os clientes dos correios e do banco postal; na data de 12/02/2015, suspeitou a reclamada que estava "levando algum tipo de vantagem com o trabalho realizado e em algumas postagens que o mesmo fazia" e instaurou processo disciplinar, cujo encerramento ocorreu em 06/10/2016, tendo sido demitido por justa causa em 01/11/2016 e condenado a devolver o valor de R$50,65 à reclamada.

Compulsando os autos, verifica-se que a apuração de irregularidades teve início em 03/03/2015 com coleta de informações do obreiro (f. 919/925), aberto processo disciplinar em 24/03/2015 (f. 883 e segs.), tendo sido o autor intimado para apresentação de defesa somente em 08/10/2015 (f. 1051). Apresentou defesa em 06/11/2015 (f. 1055/1056). Em 18/12/2015, foi emitido comunicado por parte do "Apurador Direto", que conduziu o mencionado processo para apuração de irregularidades, informando ao obreiro sobre o encerramento das atividades relacionadas à apuração e sobre a possibilidade de apresentar alegações finais (f. 1079). Foram apresentadas alegações finais, o "Apurador Direto" emitiu parecer em 25/01/2016 (f. 1085/1092), tendo havido novo comunicado ao autor sobre o encerramento das atividades relacionadas à apuração e sobre a possibilidade de apresentar alegações finais, com ciência do obreiro em 27/01/2016 (f. 1093). Em 19/02/2016, foi solicitada ao "Apurador Direto" a elaboração de parecer saneador complementar (f. 1097), o qual foi confeccionado em 08/04/2016 (f. 1103/1114), tendo sido novamente cientificado o autor em 22/04/2016 (f. 1125). Em 15/06/2016, foi elaborado despacho, encaminhando o processo para o setor jurídico (f. 1147/1181), que emitiu parecer favorável à demissão do obreiro por justa causa em 16/08/2016 (f. 1185/1207), o qual foi acolhido pela reclamada em 06/10/2016 (f. 1211/1213), cientificado o autor da rescisão contratual em 31/10/2016 (f. 1217) e afastado em 01/11/2016 (TRCT de f. 1223/1225).

In casu, transcorreu mais de um ano entre a data da ciência do empregador a respeito do comportamento tido por faltoso e a aplicação da pena de demissão, o que implica perdão tácito.

Ademais, nesse ínterim, o obreiro continuou prestando seus serviços na mesma função e agência dos correios, tendo, ainda, sido promovido por mérito em 01/11/2015 (f. 774) e considerado qualificado o seu desempenho no período entre 01/01/2015 e 31/12/2015 (f. 776), atos incompatíveis com a intenção de punir o empregado, restando também configurado o perdão tácito sob essa ótica.

Verifica-se, ainda, da análise de seu histórico funcional, que não há registro de punições disciplinares, tendo, desde o início de seu contrato (16/03/2009), obtido desempenho qualificado (f. 776).

Assim sendo, também sob esse enfoque, não tem cabimento a pena máxima, posto que baseada em um único incidente, sendo certo que, antes de aplicá-la, o empregador deve se valer de todas as medidas de caráter pedagógico para repreender o empregado pela falta cometida (gradação de penalidades).

Consoante comunicado de dispensa, o autor foi demitido por justa causa com enquadramento do ato tido por faltoso nas alíneas "a" (improbidade), "b" (mau procedimento), "e" (desídia) e "h" (indisciplina) do art. 482 da CLT (f. 1217).

O parecer do setor jurídico da reclamada concluiu "que o empregado Ezequias Faustino de Jesus, ao postar objetos particulares, praticou diversas irregularidades, infringindo os normativos internos dos Correios, a saber, a) postagem de objetos pessoais contendo DVD's na categoria carta, enquanto o referido conteúdo deveria ser incluído na categoria PAC/Encomenda, discriminando o valor da tarifa para a declaração de conteúdo; b) utilização e classificação da modalidade "registro módico" de forma indevida nas postagens pessoais, cujos conteúdos não são contemplados por esta modalidade de serviço, acarretando um valor menor em relação ao preço das tarifas corretas (vide documentos às fls. 9, 23, 31, 36, 41 e 55); c) postagens de encomendas com o serviço valor Declarado desacompanhadas das respectivas Notas Fiscais e/ou Discriminação de Conteúdos (vide documentos às fls. 58/60); d) falta de contabilizações no sistema financeiro da Empresa (B.D.F.) dos valores pagos nas postagens de objetos pessoais com valor declarado; e) utilização de selos postais não comercializados e não recolhidos ao Caixa de Retaguarda da agência em objetos pessoais."(f. 1201)

No entanto, não há comprovação inequívoca de que o autor agiu dolosamente, ou seja, com intenção de fraudar o sistema e obter vantagem ilícita.

A postagem de CDs na modalidade de carta registrada trata-se de procedimento usualmente adotado, conforme demonstrado pela prova oral.

A 1ª testemunha obreira declarou "que é comum utilizar envelope para a entrega de CDs e pendrives; que sabe que se tratam desses objetos porque tem uma aparência diferente do documento; que esses envelopes são entregues como se fossem registrados; (...)", declaração corroborada pelo depoimento da 2ª testemunha inquirida a rogo do autor, a saber: "que era comum o cliente postar CDs e pendrives na modalidade de carta registrada; (...)".(f. 1278).

A 2ª testemunha obreira afirmou, ainda, que as normas internas a respeito de postagem não são de conhecimento geral, mormente nas unidades menores dos correios. Vejamos: "que a reclamada presta centenas de serviços ao público; que muitos não era repassada a normatização, ou seja, como aquele serviço devia ser processado; que era muito difícil ter treinamento para as unidades menores; (...)".(f. 1278)

Acaso o reclamante tivesse sido punido com pena de advertência, ou mesmo suspensão, cientificando-o expressamente sobre quais normas internas foram descumpridas, eventual reincidência acarretaria a penalidade máxima e o desconhecimento do regramento interno da reclamada sequer poderia ser alegado.

Diante do exposto, seja pela ausência de imediaticidade da punição (perdão tácito), dolo ou culpa do reclamante ou pela inobservância do caráter pedagógico da punição com a correspondente gradação de penalidades, mantém-se a r. sentença declaratória de nulidade da dispensa por justa causa.

Fica mantida a reintegração ao emprego, não se acolhendo o pleito de conversão da dispensa por justa causa em dispensa sem justa causa, posto que a reclamada equipara-se a Fazenda Pública e o ato de despedida está condicionado à motivação, nos termos da OJ 247, item II, da SDI-1 do col. TST.

Nada a prover." (fls. 1.347/1.351 – grifos acrescidos)

Em Recurso de Revista, como relatado pela Exma. Ministra Dora Maria da Costa, a Reclamada sustenta "a legalidade da dispensa por justa causa. Ressalta que, cometido ato de improbidade contra a Administração Pública, o fundamento de duração excessiva de procedimento administrativo disciplinar não pode servir de impunidade.Argumenta que, se tivesse havido perdão tácito, teria arquivado o processo. Aduz que "houve incontroversa motivação para o ato de dispensa, com trâmite regular de processo administrativo com contraditório e ampla defesa, em que o reclamante teve a oportunidade de apresentar defesa, alegações finais e ainda outras manifestações antes do julgamento do processo, além de ter tido acesso aos autos". Frisa ser "impossível negar que o ato foi devidamente motivado com a devida participação do empregado nos atos processuais, gozando das suas garantias constitucionais". Destaca que a jurisprudência do TST, a teor da OJ nº 247, II, SDI-I, entende que a despedida de empregado dos Correios apenas se sujeita ao requisito da motivação, não estipulando a forma da referida motivação, ou a necessidade de instauração de processo administrativo. Afirma que as Leis nos 8.112/90 e 9.784/99 se aplicam apenas aos servidores da Administração Direta, e não aos seus empregados. Assere que deve ser mantida a dispensa por justa causa, pois rompida a fidúcia, além da conduta desidiosa do reclamante, impossibilitando a manutenção do vínculo de emprego. Ampara a sua tese em afronta aos arts. 37, caput, da CF; e 482, "a", "b", "e" e "h", da CLT; contrariedade à OJ nº 247, II, da SDI-1 do TST; e divergência jurisprudencial".

A decisão proferida no RE nº 589.998/PI, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, de 20/3/2013, entendeu ser imprescindível a motivação da dispensa de empregados de empresas estatais que prestam serviços públicos. O "leading case" da questão foi assim ementado:

EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. DEMISSÃO IMOTIVADA DE SEUS EMPREGADOS. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO DA DISPENSA. RE PARCIALMENTE PROVIDO. I - Os empregados públicos não fazem jus à estabilidade prevista no art. 41 da CF, salvo aqueles admitidos em período anterior ao advento da EC nº 19/1998. Precedentes. II - Em atenção, no entanto, aos princípios da impessoalidade e isonomia, que regem a admissão por concurso publico, a dispensa do empregado de empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos deve ser motivada, assegurando-se, assim, que tais princípios, observados no momento daquela admissão, sejam também respeitados por ocasião da dispensa. III - A motivação do ato de dispensa, assim, visa a resguardar o empregado de uma possível quebra do postulado da impessoalidade por parte do agente estatal investido do poder de demitir. IV - Recurso extraordinário parcialmente provido para legitimar a rescisão unilateral do contrato de trabalho. (Tribunal Pleno, DJe de 12/9/2013)

Na sessão do dia 10/10/2018, o E. STF julgou os Embargos de Declaração pendentes no RE nº 589.998/PI, para determinar especificamente o alcance de quais seriam os empregados públicos que deveriam ter sua dispensa motivada para o acórdão proferido em 12/09/2013. Veja-se:

Decisão: O Tribunal, por maioria, acolheu parcialmente os embargos de declaração para fixar a seguinte tese: "A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT tem o dever jurídico de motivar, em ato formal, a demissão de seus empregados", nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Edson Fachin, que rejeitavam integralmente o recurso. Juntará voto o Ministro Marco Aurélio. A presente tese substitui aquela fixada na 12ª sessão administrativa realizada em 9.12.2015. Impedida a Ministra Rosa Weber. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Cármen Lúcia. Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 10.10.2018. (Grifos acrescidos)

Mesmo antes da decisão do E. STF em 10/10/2018, a questão concernente à necessidade de motivação da dispensa de empregado da ECT já estava pacificada no âmbito desta Corte, consoante o entendimento do item II da OJ nº 247, de seguinte teor:

A validade do ato de despedida do empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está condicionada à motivação, por gozar a empresa do mesmo tratamento destinado à Fazenda Pública em relação à imunidade tributária e à execução por precatório, além das prerrogativas de foro, prazos e custas processuais.

Assim, reconhece-se a necessidade de motivação da dispensa do Reclamante no caso em análise.

Observa-se que o fato de a Reclamada (ECT) ter suspeitado da conduta ilícita do Reclamante em 12/02/2015 e ter formalizado o ato de dispensa apenas em 31/10/2016 não descaracteriza a imediatidade da punição, uma vez que nesse intervalo foi aberto processo disciplinar para apurar as suspeitas contra o Reclamante.

O acórdão regional registrou que "a apuração de irregularidades teve início em 03/03/2015 com coleta de informações do obreiro (f. 919/925), aberto processo disciplinar em 24/03/2015 (f. 883 e segs.), tendo sido o autor intimado para apresentação de defesa somente em 08/10/2015 (f. 1051)" (fls. 1353). Consignou que "[f]oram apresentadas alegações finais, o "Apurador Direto" emitiu parecer em 25/01/2016 (f. 1085/1092), tendo havido novo comunicado ao autor sobre o encerramento das atividades relacionadas à apuração e sobre a possibilidade de apresentar alegações finais, com ciência do obreiro em 27/01/2016" (fls. 1353). Salientou que "Em 19/02/2016, foi solicitada ao "Apurador Direto" a elaboração de parecer saneador complementar (f. 1097), o qual foi confeccionado em 08/04/2016 (f. 1103/1114), tendo sido novamente cientificado o autor em 22/04/2016 (f. 1125)" (fls. 1353). Ressaltou que "Em 15/06/2016, foi elaborado despacho, encaminhando o processo para o setor jurídico (f. 1147/1181), que emitiu parecer favorável à demissão do obreiro por justa causa em 16/08/2016 (f. 1185/1207), o qual foi acolhido pela reclamada em 06/10/2016 (f. 1211/1213), cientificado o autor da rescisão contratual em 31/10/2016 (f. 1217) e afastado em 01/11/2016" (fls. 1353).

Pelas datas registradas pelo Eg. TRT, verifica-se que não houve inércia por parte da Reclamada ante a ciência das irregularidades cometidas pelo Reclamante de forma capaz a gerar o perdão tácito. A dilação entre a data da ciência das irregularidades cometidas pelo Reclamante e sua dispensa decorreu da instauração de processo administrativo para apurar as faltas. Assim, para os devidos fins, a imediaticidade da punição foi cumprida. Esse inclusive é o entendimento da doutrina. Assim explica o Ministro Maurício Godinho Delgado:

A quantificação do prazo tido como razoável a mediar a falta e a punição não é efetuada expressamente pela legislação. Algumas regras, contudo, podem ser alinhavadas. Em primeiro lugar, tal prazo conta-se não exatamente do fato irregular ocorrido, mas do instante de seu conhecimento pelo empregador (ou seus prepostos intraempresariais). Em segundo lugar, esse prazo pode ampliar-se ou reduzir-se em função da existência (ou não) de algum procedimento administrativo prévio à efetiva consumação da punição. Se houver instalação de comissão de sindicância para apuração dos fatos envolventes à irregularidades detectada, por exemplo, obviamente que disso resulta um alargamento do prazo para consumação da penalidade, já que o próprio conhecimento pleno do fato, sua autoria, culpa ou dolo incidentes, tudo irá concretizar-se apenas depois dos resultados da sindicância efetivada.[1] (Grifos acrescidos)

Além disso, o fato de o Reclamante ter sido promovido por mérito em 01/11/2015 não configura ato que corrobore o perdão tácito, pois nessa data ainda não havia sido concluído o processo administrativo para apuração da falta. A Reclamada, ao promover o Reclamante por mérito em 01/11/2015, apenas aplicou o princípio constitucional da presunção de inocência (artigo 5º, LVII, da CR/88) ainda que no processo administrativo interno da ECT.

Assim, entendo restar afastado o perdão tácito na hipótese dos autos.

O acórdão regional transcreveu todas as condutas do Reclamante registradas pelo setor jurídico da ECT (Reclamada). In verbis:

O parecer do setor jurídico da reclamada concluiu "que o empregado Ezequias Faustino de Jesus, ao postar objetos particulares, praticou diversas irregularidades, infringindo os normativos internos dos Correios, a saber, a) postagem de objetos pessoais contendo DVD's na categoria carta, enquanto o referido conteúdo deveria ser incluído na categoria PAC/Encomenda, discriminando o valor da tarifa para a declaração de conteúdo; b) utilização e classificação da modalidade "registro módico" de forma indevida nas postagens pessoais, cujos conteúdos não são contemplados por esta modalidade de serviço, acarretando um valor menor em relação ao preço das tarifas corretas (vide documentos às fls. 9, 23, 31, 36, 41 e 55); c) postagens de encomendas com o serviço valor Declarado desacompanhadas das respectivas Notas Fiscais e/ou Discriminação de Conteúdos (vide documentos às fls. 58/60); d) falta de contabilizações no sistema financeiro da Empresa (B.D.F.) dos valores pagos nas postagens de objetos pessoais com valor declarado; e) utilização de selos postais não comercializados e não recolhidos ao Caixa de Retaguarda da agência em objetos pessoais."(f. 1201)  (fls. 1354 – grifos acrescidos)

Por essa descrição, não há como se concluir que a não contabilização no sistema financeiro de postagens pessoais do Reclamante e a utilização de selos sem recolher os respectivos valores sejam condutas não dolosas ou mesmo que o Reclamante não tinha conhecimento de que fossem irregulares, pois significam valer-se do cargo dentro da ECT para utilizar serviços dos Correios sem pagar devidamente por eles.

A despeito dos fundamentos acima tecidos, a justa causa resta afastada ante a ausência de proporcionalidade entre a pena aplicada e as condutas praticadas pelo Reclalmante.

A proporcionalidade na aplicação de penas com fim pedagógico deve considerar que, se um conjunto de condutas é suficiente para caracterizar uma falta grave, não há a necessidade de esperar que haja reiteração de cada conduta irregular para aplicarem-se diversas penas menores até que se atinja a pena máxima de demissão por justa causa. Nesse sentido, explica a doutrina trabalhista:

O critério pedagógico de gradação de penalidades não é, contudo, absoluto e nem universal – isto é, ele não se aplica a todo tipo de falta cometida pelo trabalhador. É possível a ocorrência de faltas que, por sua intensa e enfática gravidade, não venham ensejar qualquer viabilidade de gradação na punição a ser deferida, propiciando, assim, de imediato, a aplicação da pena máxima existente no Direito do Trabalho (dispensa por justa causa).[2] (Grifo acrescido)

Porém, no caso dos autos, não é possível concluir que o conjunto das condutas praticadas pelo Reclalmante seja suficientemente grave para atrair a penalidade máxima para rescisão do contrato de emprego por justa causa.

Entretanto, ainda entendo restar caracterizada a motivação para a dispensa do Reclamante apta a converter a modalidade da rescisão com justa causa para sem justa causa.

Explico.

A estabilidade prevista no art. 41 da Constituição foi expressamente afastada pelo STF no dispositivo do acórdão, em consonância com o entendimento consubstanciado na Súmula nº 390 do TST. O reconhecimento de que aos empregados da ECT não é garantida estabilidade é relevante ao desate da presente lide à medida em que, como ressaltado no voto do Ministro Teori Zavascki, a exigência de motivação não deve ser confundida com falta grave trabalhista ou com falta disciplinar que importe demissão de servidor público. No mesmo sentido, ressaltou a Ministra Cármen Lúcia por ocasião daquele julgamento que a exigência de que se declinem os motivos que ensejaram a dispensa refere-se à "motivação legítima nos termos de interesse público", "mas não à justa causa nos termos trabalhistas".

Assim, no exame da validade da dispensa de empregado da ECT, não há que se confundir dispensa motivada com dispensa por justa causa. Com efeito, revela-se possível que o ato de dispensa se ampare em motivo de interesse público que não corresponda a nenhuma das hipóteses de justa causa previstas na CLT.

Desse modo, embora não esteja configurada a justa causa nos termos do artigo 482 da CLT ante a ausência de proporcionalidade da punição, ainda permanece caracterizada a motivação para a dispensa do Reclamante pelos desvios de postagens com obtenção de vantagem econômica de forma a justificar a dispensa sem justa causa e afastar o direito à reintegração.

Nesse sentido, já decidiu este E. Tribunal Superior do Trabalho:

EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. EMPREGADO PÚBLICO. JUSTA CAUSA NÃO COMPROVADA. CONVERSÃO EM DEMISSÃO UNILATERAL NÃO ARBITRÁRIA, ANTE A APURAÇÃO, EM SINDICÂNCIA, DE MOTIVAÇÃO SUFICIENTE A EMBASAR A RESCISÃO SEM JUSTA CAUSA. REINTEGRAÇÃO INDEVIDA. 1. A validade da dispensa unilateral dos empregados da ECT encontra-se jungida à demonstração de motivação suficiente a embasar o ato, de forma a afastar o seu caráter arbitrário (inteligência da Orientação Jurisprudencial n.º 247, II, da SBDI-I do TST). 2. Não se reconhece ofensa, sobretudo literal e direta ao preceito contido no artigo 37, cabeça, da Constituição da República em face de decisão proferida pela Corte de origem no sentido de que, conquanto não comprovada a justa causa imputada ao reclamante, a sua dispensa não foi arbitrária, mas motivada na prática de ato irregular, devidamente apurado em sindicância, com observância da garantia do devido processo legal. 3. De outro lado, não se prestam à demonstração de dissenso jurisprudencial, nos termos do artigo 896, a, da Consolidação das Leis do Trabalho, arestos provenientes de Turmas deste Tribunal Superior ou em que o trecho necessário à configuração da divergência não se encontra registrado na ementa (Súmula n.º 337 do Tribunal Superior do Trabalho). De igual modo, resultam inservíveis arestos inespecíficos, consoante o disposto na Súmula n.º 296, I, desta Corte superior. 4. Recurso de revista não conhecido. (RR - 27700-56.2002.5.22.0999 , Relator Ministro: Lelio Bentes Corrêa, Data de Julgamento: 17/11/2010, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 19/08/2011 – grifos acrescidos)

Ante o exposto, por vislumbrar violação aos artigos 37 da Constituição da República e 482, "a", da CLT, conheço do Recurso de Revista.

  1. Mérito

Dou provimento para, afastando a declaração de nulidade da dispensa, julgar improcedente o pedido de reintegração ao emprego e determinar a conversão da dispensa por justa causa em sem justa causa com motivação.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho: I - por maioria: dar provimento ao Agravo de Instrumento da Reclamada para mandar processar o Recurso de Revista e determinar seja publicada certidão, para efeito de intimação das partes, vencida a Exma. Ministra Dora Maria da Costa, que negava provimento ao Agravo de Instrumento da Reclamada; II – por maioria, vencida a Exma. Ministra Dora Maria da Costa, que não conhecia do Recurso de Revista da Reclamada, conhecer do recurso no tema "ECT - DISPENSA POR JUSTA CAUSA - AFASTAMENTO DA REINTEGRAÇÃO" por violação aos artigos 37 da Constituição da República e 482, a, da CLT, e, no mérito, dar-lhe provimento para, afastando a declaração de nulidade da dispensa, julgar improcedente o pedido de reintegração ao emprego e determinar a conversão da dispensa por justa causa em sem justa causa com motivação.

Brasília, 7 de agosto de 2019.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

Maria Cristina Irigoyen Peduzzi

Ministra Redatora Designada

 

[1] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr Editora, 2019, 18ª ed., p. 831.

[2] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr Editora, 2019, 18ª ed., p. 833.

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