Data da publicação:
Acordão - TRT
Marcos Neves Fava - TRT/02
DESPEDIMENTO INDIRETO Configuração Justa causa patronal. Rescisão indireta. Abandono de emprego.
PROCESSO TRT/SP N.º 0000853-93.2015.5.02.0004
RECURSO ORDINÁRIO
RECORRENTE: TADEU ARAÚJO MARINHO
1.ª RECORRIDA: M.M.B.C. COMERCIAL E DISTRIBUIDORA LTDA.
2.ª RECORRIDA: KOPRATIC INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA.
ORIGEM: 04.ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO
JUSTA CAUSA PATRONAL. RESCISÃO INDIRETA. ABANDONO DE EMPREGO. COLISÃO. DOLO. CONDIÇÃO SUBJETIVA DO ABANDONO. JUSTA CAUSA PATRONAL EVIDENCIADA. PREVALÊNCIA DA RESCISÃO INDIRETA . O empregado deixou o emprego e buscou, com brevidade, tutela jurisdicional para reconhecimento da rescisão por justa causa patronal. A defesa indica ocorrência de abandono de emprego, revertendo a acusação de prática de justa causa ao reclamante. O abandono de emprego resulta do fato objetivo – deixar de comparecer – somado ao subjetivo, que é o ânimo de rescindir, sem justa causa, o contrato. A vinda a juízo confirma inúmeras e graves afrontas às obrigações legais e contratuais pela empregadora, o que faz preponderar a alegação exordial de rescisão indireta. Recurso do reclamante provido. (TRT/SP-00008539320155020004 - RO- Ac. 15ªT 20190180840 - Rel. Marcos Neves Fava - DeJT 21/10/2019).
Inconformado com a r. decisão de f. 261/271, que julgou procedente em parte a pretensão inicial, complementada pela decisão de f. 309, recorre ordinariamente o demandante, às f. 313/323, insurgindo-se em relação às seguintes matérias: causa da rescisão do contrato de trabalho; horas extras; descontos indevidos; indenização por dano moral; expedição de ofícios; honorários advocatícios sucumbenciais; e aplicação do IPCA-E como índice de correção monetária .
Embargos de declaração do demandante à f. 274/288, parcialmente acolhidos (f. 309).
Inexigível o recolhimento de custas processuais.
Não foram apresentadas contrarrazões.
Não há pronunciamento do Ministério Público do Trabalho, conforme estabelecido na Portaria n.º 3, de 27 de janeiro de 2005, da Procuradoria Regional do Trabalho da 2.ª Região.
É o relatório.
VOTO
Presentes os pressupostos de
admissibilidade, conheço do recurso ordinário interposto.
Da extinção do pacto laboral – rescisão
indireta x abandono do emprego – verbas rescisórias
Na forma do disposto no artigo 483 da CLT, a rescisão indireta é a forma de cessação do contrato de trabalho, por decisão do empregado, em virtude de justa causa imputada ao empregador, consistente na prática de grave irregularidade que torna impossível a continuidade do contrato.
A despedida indireta, ou justa causa do empregador, mostra-se caracterizada pela conduta de que restar evidenciada a quebra do contrato de trabalho, dando ao trabalhador o direito de rescindi-lo, com os direitos rescisórios da despedida sem justa causa de iniciativa patronal. Nessa hipótese, o trabalhador possui duas opções: considerar-se despedido e pleitear perante a Justiça as verbas correspondentes ou continuar trabalhando, mas pleitear a rescisão perante a Justiça, com as indenizações legais.
No caso concreto, o demandante alegou a existência de diversas faltas praticadas pela primeira demandada (f. 10/11), tais como ausência de recolhimentos previdenciários, de depósitos do FGTS e de repasse ao plano de saúde/odontológico dos valores descontados do salário. Formulou, em consequência, pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho, com fulcro no artigo 483, d, da CLT, apontando 31.03.2015 como último dia de labor.
De outra banda, em sede de contestação (f. 156/157), a primeira demandada alegou a dispensa do demandante por justa causa, em 02.05.2015, por abandono de emprego, sob o argumento de que ele não atendeu às convocações para reassumir suas funções, enviadas por meio de telegramas em 02.04.2015, 07.04.2015 e 09.04.2015, os quais não foram entregues por motivo de ausência, circunstância que ensejou a publicação do abandono em jornais de grande circulação em 20.04.2015 e 01.05.2015.
A presente reclamação trabalhista foi proposta em 04.05.2015, após o trabalhador haver outorgado procuração a seu advogado em 01.04.2015 (f. 15), data em que inequivocamente demonstrou sua intenção em buscar a prestação jurisdicional.
Nesse contexto, ainda que a empregadora tenha enviado o primeiro telegrama em 02.04.2017 (f. 167/168), não se vislumbra o interesse de abandonar o contrato pelo empregado, elemento de natureza subjetiva indispensável à justa causa por abandono de emprego, aplicada em 02.05.2015 (f. 162).
A primeira demandada não se desincumbiu,
portanto, do ônus de comprovar o alegado abandono.
Não configurada a hipótese de incidência do artigo 482, alínea i, da CLT, cumpre examinar, doravante, a pretensão autoral de rescisão indireta do contrato de trabalho.
O CNIS colacionado pelo demandante (f. 49/58) evidencia que o vínculo de emprego mantido com a primeira demandada não foi informado ao INSS, a despeito de as contribuições previdenciárias terem sido mensalmente descontadas (f. 174/199).
Infere-se do extrato da conta vinculada do FGTS (f. 59/70) que a empregadora não efetuou um depósito sequer.
O cotejo entre os extratos bancários que acompanharam a exordial e os holerites colacionados com a defesa demonstram a quitação de salário para além do quinto dia útil do mês. Cito, por exemplo, o salário referente aos meses de dezembro/2014 (f. 44 e 195) e janeiro/2015 (f. 46 e 196).
Não foi interposto recurso quanto à condenação das demandadas ao pagamento de adicional de insalubridade em grau máximo.
De acordo com o documento de f. 32, deveria o demandante ter usufruído as férias 2013/2014 no período de 02.03 a 31.03.2015, no qual, entretanto, trabalhou (f. 223).
Diante da ausência de contestação específica, presume-se verdadeira, nos termos do artigo 341 do CPC, a alegação inicial de que, em 2014, deixaram de ser repassados ao plano de saúde e odontológico os valores descontados do salário com essa finalidade.
Tais fatos indubitavelmente constituem motivos mais do que suficientes a ensejar a ruptura do contrato por culpa do empregador.
Destarte, dou provimento ao recurso do demandante, para afastar a dispensa por justa causa, reconhecer a rescisão indireta do contrato de trabalho em 31.03.2015 e incluir na condenação das demandadas o pagamento de aviso prévio indenizado (33 dias – um ano completo trabalhado), décimo terceiro salário proporcional (4/12, computada a projeção do aviso prévio), FGTS sobre o aviso prévio indenizado e o décimo terceiro salário proporcional, bem como multa rescisória de 40% sobre os depósitos do FGTS.
O saldo de salário e as férias, inclusive referentes ao período aquisitivo 2014/2015, já foram deferidas na sentença (f. 265). A baixa na CTPS foi anotada em audiência (f. 131). À ata de audiência de f. 260 foi conferida força de alvará para levantamento do FGTS e percepção do seguro-desemprego.
Reformo nesses termos.
Das horas extras
A insurgência não merece acolhida.
o contrário do que tenta fazer crer o demandante, o depoimento de sua testemunha não é hábil a retirar a eficácia probatória dos controles de frequência coligidos pela primeira demandada (f. 201/224).
Embora tenha dito a testemunha que “registrava cartão de ponto e sempre dava problema”, na sequência relatou “que recebia espelho de ponto no final do mês, mas não prestava atenção se estava correto” (f. 260, grifei).
As declarações de que “o autor chegava mais cedo que a depoente” e “o autor também trabalhava aos sábados e também em feriados” (f. 260) não infirmam o conteúdo dos cartões de ponto, que contêm diversas marcações anteriores às 07h00 (hora em que a testemunha iniciava sua jornada), bem como anotações de labor em alguns sábados e feriados (vide, por exemplo, f. 205/208). A propósito, observo que a jornada declinada na peça de ingresso (f. 04/04-verso) não compreende a prestação de serviço em todos os sábados e feriados durante todo o pacto laboral.
Do mesmo modo, a causa de pedir refere-se à prorrogação da jornada, até às 22hh0, em média duas vezes por semana, exceto em outubro/2013 e dezembro/2014, quando as prorrogações teriam ocorrido em quase todos os dias, e em cerca de seis vezes no curso do contrato, quando teria “dobrado” a jornada. Mas o depoimento da testemunha não se coaduna às alegações iniciais, porquanto não denota qualquer ressalva temporal às prorrogações (“que o autor chegava mais cedo que a depoente e ficava até mais tarde [após às 17h00]; que via o postulante registrar o ponto e voltar a trabalhar” – f. 260).
Por essas razões, mantenho a sentença que reputou válidos os cartões de ponto e com base neles deferiu horas extras.
Dos descontos de descansos semanais remunerados
Sem razão o demandante.
Consoante assentado no tópico precedente,
os controles de frequência constituem meio de prova idôneo.
Os descontos de descansos semanais remunerados apontados na vestibular como irregulares (f. 08) ocorreram na remuneração dos meses de setembro/2014 (f. 191) e janeiro/2015 (f. 196), cujos cartões de ponto revelam saída antecipada no dia 08.09.2014 (f. 217) e atraso no dia 23.01.2015 (f. 221), ambos sem justificativa.
Na forma do disposto da Lei n.º 605/1949, que disciplina o repouso semanal remunerado (“Art. 6.º Não será devida a remuneração quando, sem motivo justificado, o empregado não tiver trabalhado durante toda a semana anterior, cumprindo integralmente o seu horário de trabalho”), não se afiguram ilícitos os descontos sob comento.
As razões do apelo, por conseguinte, são insuficientes a provocar a reforma do julgado.
Mantenho.
Do dano moral – jornada extenuante e cancelamento do convênio médico
O inconformismo prospera parcialmente.
Não comprovada a jornada extenuante declinada na petição inicial, a pretensão indenizatória não pode ser acolhida por tal fundamento.
Outra, contudo, é a conclusão quanto à
impossibilidade de fruição do convênio médico.
Conforme já destacado nesta decisão, por ausência de contestação específica na peça defensiva, presumem-se verdadeiras (artigo 341 do CPC) as alegações autorais de que “No ano de 2014, os valores descontados do salário do obreiro a título de convênio médico não foram repassados pela primeira reclamada ( M. M. B. C. COMERCIAL E DISTRIBUIDORA LTDA. ) ao plano de saúde, o que acarretou a recusa do mesmo em proceder ao atendimento ao trabalhador” (f. 09-verso) e “Em consulta médica agendada, ao chegar ao consultório, o reclamante foi informado pela secretária que o pagamento do plano de saúde estava atrasado e que não poderia ser atendido, exceto mediante atendimento particular. Quanto ao plano odontológico, o obreiro foi vetado de utilizar os serviços por serem os mesmos negados após solicitação, também por falta de pagamento” (f. 11).
O desconto dos valores destinados à assistência médica e odontológica, sem o posterior repasse à operadora do plano de saúde, impossibilitando o atendimento do trabalhador, viola direitos fundamentais seus, como o direito à saúde – além de caracterizar, em tese, o ilícito penal de apropriação indébita –, a justificar, presentes os pressupostos da responsabilidade civil, o deferimento da indenização por dano moral.
No tocante ao quantum indenizatório, há de ser compatível com a extensão do dano, de gravidade considerável na hipótese vertente, já que o bem tutelado – saúde, integridade física – é precioso. Arbitra-se, pois, indenização de R$ 7.200,00 (sete mil e duzentos reais), montante também consentâneo com a condições econômica das partes. Correção monetária desta data e juros desde o ajuizamento, serão adotados na liquidação.
Reformo parcialmente.
Da expedição de ofícios
Tem razão o trabalhador.
A lei impõe ao magistrado o dever de cumprir e fazer cumprir a lei, segundo se lê no artigo 35 da LOMAN (Lei Complementar n.º 35/1979). Neste viés, mais do que faculdade, constitui obrigação do juiz a denúncia de fatos que contrariem a lei, mesmo que fora de seu âmbito de competência, às autoridades competentes para apuração e aplicação das penalidades cabíveis. É o que se dá, no que toca às violações à legislação trabalhistas para as quais haja pena administrativa incidente.
Para os fatos que, em tese, são tipificados como ilícito penal, tal obrigação decorre de disposição específica, contida no artigo 40 do Código de Processo Penal.
Diante das infrações constatadas nestes autos, expeçam-se ofícios, com cópia da sentença e do acórdão, após o trânsito em julgado, à Superintendência Regional do Trabalho, para apuração dos ilícitos administrativos (também com cópia do extrato da conta vinculada do FGTS, f. 59/70 e dos holerites de f. 174/198); ao Ministério Público Federal, para apuração de eventual crime de apropriação indébita previdenciária (também com cópia do CNIS de f. 49/58 e dos holerites de f. 174/198); à Procuradoria da Fazenda Nacional, para inscrição e cobrança dos contribuições previdenciárias pendentes (também com cópia do CNIS de f. 49/58 e dos holerites de f. 174/198) e ao Ministério Público Estadual, para apuração de eventual crime de apropriação indébita dos valores descontados a título de assistência médica e odontológica (também com cópia dos documentos de f. 73/74 e dos holerites de f. 187/198).
Reformo.
Dos honorários advocatícios sucumbenciais
Com fundamento no artigo 791-A da CLT, a Origem condenou o demandante ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência arbitrados em 10% sobre cada pedido sucumbente, contra o que ele se insurge, com razão.
Data venia do posicionamento adotado na sentença, embora as normas processuais ordinariamente tenham aplicação imediata, aquelas que possuem efeitos materiais – a exemplo da imposição da obrigação, outrora inexistente, de pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais – somente devem ser aplicadas aos processos iniciados após a sua entrada em vigor.
Considerando que a presente demanda foi ajuizada em 04.05.2015, portanto antes do início da vigência da Lei n.º 13.467/2017, não há falar na incidência do novel artigo 791-A da CLT, sendo incabível a condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais.
Pertinente destacar que a Instrução Normativa n.º 41/2018 do TST, relativa à aplicação das normas processuais no tempo após a vigência da Lei n.º 13.467/2017, preconiza, em seu artigo 6.º, que “na Justiça do Trabalho, a condenação em honorários advocatícios sucumbenciais, prevista no art. 791-A, e parágrafos, da CLT, será aplicável apenas às ações propostas após 11 de novembro de 2017 (Lei nº 13.467/2017). Nas ações propostas anteriormente, subsistem as diretrizes do art. 14 da Lei nº 5.584/1970 e das Súmulas nos 219 e 329 do TST”.
Reformo.
Do índice de correção monetária
Requer o demandante a “reforma da r. sentença para que seja aplicado o IPCA-E como índice atualização do crédito trabalhista” (f. 323).
Sucede que, no particular, carece o trabalhador de interesse recursal, pois não houve fixação do índice de correção monetária, nem na sentença, nem na decisão dos embargos de declaração.
Observo, por oportuno, que a fase de execução é o momento processual mais adequado para a fixação do índice de correção monetária a ser aplicado.
Não conheço, portanto.
Ante o exposto,
ACORDAM os Magistrados da 15.ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região em: CONHECER do recurso ordinário do demandante, exceto em relação ao tópico “Do índice de correção monetária”, e DAR-LHE PROVIMENTO PARCIAL , para:
a) afastar a dispensa por justa causa, reconhecer a rescisão indireta do contrato de trabalho em 31.03.2015 e incluir na condenação das demandadas o pagamento de aviso prévio indenizado (33 dias – um ano completo trabalhado), décimo terceiro salário proporcional (4/12, computada a projeção do aviso prévio), FGTS sobre o aviso prévio indenizado e o décimo terceiro salário proporcional, bem como multa rescisória de 40% sobre os depósitos do FGTS;
b) condenar as demandadas ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 7.200,00 (sete mil e duzentos reais);
c) determinar a expedição de ofício à Superintendência Regional do Trabalho, ao Ministério Público Federal, à Procuradoria da Fazenda Nacional e ao Ministério Público Estadual; e
d) afastar a condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais em favor do advogado da demandada. Para os fins estabelecidos no § 3.º do artigo 832 da CLT, define-se a natureza indenizatória dos títulos condenatórios, à exceção do décimo terceiro salário proporcional. Mantém-se íntegra, no mais, a r. decisão de primeiro grau, tudo nos termos da fundamentação do voto do Relator.
MARCOS NEVES FAVA
Relator
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