TRT 02/SP - INFORMATIVOS NOTÍCIAS e JURISPRUDÊNCIA 2022 - 08

Data da publicação:

Acordão - TRT

Valdir Florindo - TRT SP



Negado o direito à indenização por dano existencial a empregado que não comprovou que prestação de horas extras comprometeu o convívio familiar e social



PROCESSO nº 1000486-76.2021.5.02.0316 (ROT)

RECORRENTE: MINERAÇÃO BERNAMARTI LTDA

RECORRIDO: EDUARDO DA SILVA SAMPAIO

ORIGEM: 06ª VARA DO TRABALHO DE GUARULHOS

RELATORA: IVETE BERNARDES VIEIRA DE SOUZA

EMENTA

DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXTENUANTE. O cumprimento de jornada de trabalho extensa pela prestação de horas extras, por si só, não enseja a indenização por dano existencial, quando não demonstrada a efetiva impossibilidade de convívio familiar e social. No caso dos autos, infere-se que o autor não fez qualquer prova a respeito da exclusão social em vista do regime de trabalho realizado, não sendo este fato presumível. Com efeito, embora o quadro fático demonstre que houve sobrejornada além do permissivo legal, conforme reconhecido pela Origem, não há provas no sentido de que tal jornada tenha, de fato, comprometido as relações sociais do reclamante ou seu projeto de vida, fato constitutivo do direito ao dano existencial perseguido. Recurso a que se dá parcial provimento.

RELATÓRIO

Os pedidos da ação foram julgados procedentes em parte, conforme a sentença de fls.499/513.

A reclamada apresentou recurso ordinário às fls. 516/536, insurgindo-se em relação a: indenização substitutiva do período estabilitário, horas extras, dano extrapatrimonial e dano moral e estético.

Contrarrazões do autor às fls. 543/558.

Relatados.

VOTO

Conheço do apelo, eis que preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

1. Indenização Substitutiva - Período Estabilitário

Assim decidiu a Origem (fl. 522):

"(...) Incontroversos os fatos quanto à dispensa ocorrida no curso do período estabilitário decorrente do acidente do trabalho sofrido em 14.03.2017

(...)

Como se não bastasse a irrenunciabilidade, não pode a reclamada se beneficiar da própria torpeza ao alegar a realizar a dispensa injusta, quando na verdade informa se tratar de pedido de demissão." (grifei)

De fato, a carta de fl. 397 refere-se a uma "carta de demissão", com renúncia à estabilidade acidentária. Ademais, conforme se verifica dos documentos colacionados aos autos, sequer há comprovação de pagamento da indenização de 40% do FGTS, tanto que a r. sentença determinou seu pagamento.

Não bastasse, o autor impugnou tal documento, em réplica (fl. 417).

Ademais, o fato do demandante ter afirmado, em depoimento pessoal, que "após a saída trabalhou como motorista de ônibus até mês corrente" (fl. 485), por si só, não comprova a alegação da ré, no sentido de que a carta de renúncia à estabilidade acidentária teria sido elaborada tendo em vista a vontade do autor de "trabalhar como MOTORISTA DE ÔNIBUS numa empresa perto de sua residência, que tal labor era mais leve e tranquilo do que "a estrada", ocasião em que firmou de próprio punho, uma CARTA (anexa) na qual "ABRE MÃO DE SUA ESTABILIDADE ACIDENTÁRIA" (fl. 522), mesmo porque, referiu o obreiro, igualmente, que "não pediu para sair da reclamada" (fl. 485).

Assim, sem reparos.

2. Horas Extras

A recorrente pretende a reforma da r. decisão primária, asseverando que restou confirmada a jornada externa, sem fiscalização (artigo 62, I, da CLT).

Não tem razão.

Como bem ressaltou a Origem (fl. 502):

"(...) No caso, não incidem os preceitos do artigo 62, I, da CLT, tendo em vista que em depoimento pessoal a reclamada confessa a existência de dispositivo de rastreamento do caminhão, podendo ser, portanto, devidamente controlada a jornada do autor. Assim, não basta a mera alegação de que o reclamante realizava jornada externa sem controle de horários, para que a ré fique isenta do referido controle.

Ademais, insta salientar que o direito à limitação de jornada constitui direito fundamental do empregado (art. 7º, XIII, da CF88), por constituir norma atinente à saúde e segurança do trabalho (art. 6º, CF88, Art. 157 e seguintes da CLT).

Desse modo, apenas em casos excepcionais, quando demonstrada a efetiva impossibilidade de controle, poderá ser afastado o registro da jornada efetivamente realizada.

No mais, a prova oral logrou demonstrar que o reclamante permanecia a maior parte de seu labor em viagens, sendo que deixava o estabelecimento da reclamada no domingo e apenas retornava no outro dia, considerando o tempo de espera do carregamento e descarregamento do caminhão."

Portanto, considerando-se que a reclamada confessou a respeito da existência de dispositivo de rastreamento do caminhão, reputa-se que a jornada do obreiro poderia ser controlada, sendo certo que a aplicação do inciso I, do artigo 62 consolidado é condicionada à impossibilidade de controle, o que não restou comprovado pela ré.

Nada a reformar.

3. Dano Extrapatrimonial

Aqui, entendo prosperar o inconformismo da reclamada.

O cumprimento de jornada de trabalho extensa pela prestação de horas extras, por si só, não enseja a indenização por dano existencial quando não demonstrada a efetiva impossibilidade de convívio familiar e social. No caso dos autos, infere-se que o autor não fez qualquer prova a respeito da exclusão social em vista do regime de trabalho realizado, não sendo este fato presumível.

Com efeito, embora o quadro fático demonstre que houve sobrejornada além do permissivo legal, conforme reconhecido pela Origem, não há provas no sentido de que tal jornada tenha, de fato, comprometido as relações sociais do reclamante ou seu projeto de vida, fato constitutivo do direito ao dano existencial perseguido.

Neste sentido:

"DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXTENUANTE. Cinge-se a controvérsia em definir se o cumprimento de jornada de trabalho extensa pela prestação de horas extras, por si só, implica dano existencial suficiente a ensejar dever de reparação de ordem moral. A decisão recorrida entendeu que a extensa jornada de trabalho por parte do reclamante o expôs a danos de ordem psíquica e moral, privando-o de horas de lazer e do convívio com a família. Entretanto, a jurisprudência desta Corte caminha no sentido de que o dano existencial, ao contrário do dano moral, não é presumível, ele necessita de ser provado, sob pena de desrespeito às regras do ônus da prova. O cumprimento de jornada de trabalho extensa pela prestação de horas extras, por si só, não enseja a indenização perseguida quando não demonstrada efetiva impossibilidade de convívio familiar e social, hipótese dos autos. Com efeito, embora o quadro fático descrito demonstre que houve sobrejornada além do permissivo legal, não consigna, por outro lado, prova de que tal jornada tenha de fato comprometida as relações sociais do reclamante ou seu projeto de vida, fato constitutivo do direito ao dano existencial perseguido. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido. (RR - 53-48.2015.5.17.0101 , Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 09/12/2015, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 11/12/2015) Processo: RR - 53-48.2015.5.17.0101 Data de Julgamento: 09/12/2015, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 11/12/2015."

Reformo, para excluir da condenação o pagamento de dano existencial.

4. Dano Moral e Estético

Alega a recorrente que não restou configurada a sua culpa em relação ao acidente sofrido pelo autor, tratando-se o presente caso de culpa exclusiva do empregado. Pretende a reforma, com a exclusão da condenação ao pagamento de indenização por dano moral (R$30.000,00) e estético (R$5.000,00).

Sem razão.

Registre-se, inicialmente, que a caracterização de danos morais/estéticos decorrentes de acidente do trabalho exige a constatação do nexo causal e da culpa da empresa, consoante disciplina a Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XXVIII, situação comprovada, in casu.

Como bem decidiu a Origem (fl. 506):

"No caso dos autos, a suposta causa do acidente invocada pela ré, apenas evidencia o seu descumprimento quanto às regras de saúde e segurança no trabalho, já que o fato de não exercer controle efetivo sobre a jornada e tempo em que o reclamante deveria levar para executar as atividades, demonstra de forma inequívoca a omissão da reclamada no cuidado com a segurança do meio ambiente de trabalho.

Por outro lado, importante consignar que o acidente do trabalho sofrido no trânsito, com relação ao empregado motorista rodoviário, importa em responsabilidade objetiva da empregadora, já que em tais atividades o risco é acentuado, consoante já se pronunciou fartamente a jurisprudência dos tribunais superiores."

E, à fl. 508, quanto ao dano estético, ressaltou:

"Assim, diante do quadro probatório apresentado, verifica-se incontroversa a lesão sofrida pelo reclamante, gerando sequelas definitivas com relação às cicatrizes constatadas dos documentos de ID 770b0d3 e f7a03e5.

Ainda, o laudo pericial, logrou comprovar a existência de cicatrizes que ensejariam eventual dano estético.

Portanto, evidenciando os riscos da atividade e, fixada a culpa objetiva da reclamada, consoante definido no tópico acima, restou configurado o dano estático suportado pelo autor" (grifei)

De fato, as cicatrizes ensejadoras do dano estético estão demonstradas às fls. 214/216.

Nesta linha, não se alegue litigância de má-fé do autor.

Mantém-se.

Acórdão

Ante o exposto, ACORDAM os Magistrados da 18ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região em conhecer e DAR PROVIMENTO PARCIAL ao recurso ordinário da reclamada, para excluir da condenação o pagamento de dano existencial, tudo consoante fundamentação do voto da Relatora. Rearbitra-se à condenação o valor de R$ 390.000,00. Custas, pela reclamada, no importe de R$ 7.800,00, já satisfeitas.

Votação: unanimidade de votos.

Presidiu a sessão a Exma. Desembargadora Lilian Gonçalves.

Tomaram parte no julgamento as Exmas. Magistradas  Ivete Bernardes Vieira de Souza (relatora),  Rilma Aparecida Hemetério e Lilian Gonçalves.

Presente o I. Representante do Ministério Público do Trabalho.

IVETE BERNARDES VIEIRA DE SOUZA

Desembargadora Relatora

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