Data da publicação:
Seção Especializada em Dissídios Coletivos
Maurício Godinho Delgado - TST
02 -Ação anulatória. Acordo coletivo de trabalho. Regularização da jornada em turnos ininterruptos de revezamento. Quitação extrajudicial de horas extras pretéritas. Transação coletiva sindical. Validade. A SDC, por unanimidade, conheceu de recurso ordinário e, no mérito,
Resumo do voto.
Ação anulatória. Acordo coletivo de trabalho. Regularização da jornada em turnos ininterruptos de revezamento. Quitação extrajudicial de horas extras pretéritas. Transação coletiva sindical. Validade. A SDC, por unanimidade, conheceu de recurso ordinário e, no mérito, negou-lhe provimento para manter a decisão do Tribunal Regional que considerou válida as cláusulas de termo aditivo em acordo coletivo de trabalho por meio das quais se formalizou expressamente a jornada de 8 horas em regime de trabalho em turnos ininterruptos de revezamento e, concomitantemente, se estabeleceu transação extrajudicial para a quitação das 7ª e 8ª horas como extras relativas ao período pretérito, no qual o regime de turnos ininterruptos era adotado pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – Sabesp sem respaldo em norma coletiva. Na espécie, registrou-se que embora os empregados tenham consentido com a satisfação apenas parcial do direito ao pagamento de eventuais horas extras trabalhadas, por outro lado, a norma coletiva assegurou benefícios importantes para a categoria, a revelar a ocorrência de despojamento bilateral e reciprocidade entre os sujeitos coletivos. Houve, portanto, efetiva transação coletiva sindical que redundou na concretização de uma das principais funções do Direito Coletivo do Trabalho, qual seja, a pacificação de conflitos de natureza sociocoletiva, na medida em que o instrumento firmado impediu a exacerbação da litigiosidade e trouxe segurança jurídica em relação à escala de 4x2x4 historicamente desempenhada pela categoria profissional.
A C Ó R D Ã O
RECURSO ORDINÁRIO DO MPT. AÇÃO ANULATÓRIA. PROCESSO ANTERIOR À LEI 13.467/2017. ACORDO COLETIVO QUE REGULARIZOU O SISTEMA DE TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO. ART. 7º, XIV, DA CF. ALEGADA RENÚNCIA A DIREITOS PRETÉRITOS. TRANSAÇÃO COLETIVA SINDICAL. Amplas são as possibilidades de validade e eficácia jurídicas das normas autônomas coletivas em face das normas heterônomas imperativas, à luz do princípio da adequação setorial negociada. Entretanto, essas possibilidades não são plenas e irrefreáveis, havendo limites objetivos à criatividade jurídica da negociação coletiva trabalhista. Desse modo, ela não prevalece se concretizada mediante ato estrito de renúncia ou se concernente a direitos revestidos de indisponibilidade absoluta (e não indisponibilidade relativa), os quais não podem ser transacionados nem mesmo por negociação sindical coletiva. Na presente situação, a solução da controvérsia cinge-se em definir a validade ou não de comando disposto em termo aditivo do acordo coletivo de trabalho 2012/2013 firmado entre os Réus pelo qual se formalizou expressamente a jornada de 8 horas em regime de trabalho em turnos ininterruptos de revezamento e, concomitantemente, estabeleceu-se transação extrajudicial para quitação das 7ª e 8ª horas como extras relativas ao período pretérito, no qual o regime em turnos ininterruptos estava sendo adotado sem respaldo em norma coletiva. A quitação ocorreu por meio do pagamento de 50% das horas extras apuradas para cada empregado e de acordo com alguns critérios definidos na norma coletiva, entre os quais: limitação a 24 ou 36 horas mensais (dependendo do modelo de revezamento adotado); o parcelamento dos valores em 12 vezes sem correção; e a ausência de concessão dos reflexos normalmente devidos. Embora se possa, por um lado, vislumbrar que os empregados consentiram com a satisfação puramente parcial do direito ao pagamento de eventuais horas extras trabalhadas no período pretérito; por outra vista, a norma coletiva também representou a conquista de benefícios importantes para a categoria profissional, como, por exemplo: o pagamento de 50% das horas extras trabalhadas no período pretérito, com início imediato da quitação, logo após a lavratura do acordo coletivo; e a garantia, para a classe trabalhadora, da manutenção da escala 4x2x4 em turnos ininterruptos de revezamento, escala cuja formalização por acordo coletivo vinha sendo reivindicada pelos Sindicatos Obreiros desde o ano de 1987. Neste ponto, importante sublinhar que a Constituição previu expressamente a hipótese de negociação coletiva autorizar a jornada de 8 horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento (art. 7º, XIV, da CF). Outrossim, no caso concreto, o direito a 100% das 7ª e 8ª horas laboradas do período pretérito (quando a escala em turnos ininterruptos de revezamento ainda não era formalmente válida por acordo coletivo de trabalho) consistia, em verdade, em mera expectativa de direito, pois várias seriam as possibilidades de desfecho das reclamações ajuizadas individualmente, contrárias ou não aos interesses dos Autores das ações - tudo a depender das circunstâncias dos casos concretos. Não há como, nesse contexto, considerar que o acordo coletivo envolveu direito indisponível, porquanto, em relação ao objeto do ajuste (horas extras), há clara incerteza subjetiva quanto ao devido realmente (res dúbia). Desse modo, a negociação coletiva, ao dispor uma solução razoável para a questão - criando benefícios para ambas as partes, prevenindo a exacerbação da litigiosidade entre as categorias profissional e econômica, e trazendo segurança jurídica em relação à escala de trabalho historicamente desempenhada pela categoria profissional (escala de 4x2x4) -, serviu de mecanismo eficaz para a concretização de uma das principais funções do Direito Coletivo do Trabalho, que é a pacificação de conflitos de natureza sociocoletiva. Saliente-se, por oportuno, que a Empresa Ré é uma sociedade de economia mista, vinculada, portanto, à Administração Pública, e comporta em seus quadros trabalhadores altamente qualificados e que são muito bem representados pelos Sindicatos Réus, caracterizados por elogiável e responsável atuação em prol dos interesses da sua base sindical. A propósito, tanto dados da OIT, como do Ministério do Trabalho, a par de estudos acadêmicos, todos comprovam que o sindicalismo na área estatal é extremamente mais forte e representativo do que na área privada, com número muito significativo de filiados. Não há, pois, indício de afronta ao princípio da equivalência entre os contratantes coletivos, no caso em análise. Nesse contexto, forçoso reconhecer que a norma coletiva representou efetiva transação coletiva sindical, com o despojamento bilateral e reciprocidade entre os sujeitos coletivos envolvidos. Mantém-se, pois, a decisão do Tribunal Regional, que considerou válida a norma coletiva questionada pelo Ministério Público do Trabalho. Recurso ordinário conhecido e desprovido. (TST-RO-1000351-52.2015.5.02.0000, SDC, rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, 18.5.2018).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário n° TST-RO-1000351-52.2015.5.02.0000, em que é Recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO e são Recorridos COMPANHIA DE SANEAMENTO BÁSICO DO ESTADO DE SÃO PAULO - SABESP, SINDICATO DOS TRABALHADORES EM ÁGUA, ESGOTO E MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO e SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS URBANAS DE SANTOS, BAIXADA SANTISTA, LITORAL SUL E VALE DO RIBEIRA.
Trata-se de ação anulatória de cláusulas de acordo coletivo de trabalho ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (com pedido de antecipação de tutela) em face de Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo - SABESP, Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado De São Paulo - SINTAEMA, e Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas de Santos, Baixada Santista, Litoral Sul e Vale do Ribeira – SINTIUS. A pretensão deduzida em juízo é a declaração de nulidade de cláusulas não numeradas do termo aditivo em acordo coletivo 2012/2013, em que os sujeitos coletivos regularizaram a jornada em turnos ininterruptos de revezamento na SABESP. O MPT alega que o instrumento normativo representou renúncia retroativa de direitos individuais indisponíveis pelos trabalhadores, como a abdicação de 50% das horas extras no período anterior à vigência da norma coletiva, em que os trabalhadores atuaram em jornada de 8 horas diárias em turnos ininterruptos de revezamento; e dos reflexos dessas verbas em outras parcelas (fls. 5-15).
Mediante despacho às fls. 55-57, foi indeferido o pedido de antecipação de tutela e determinada a citação dos suscitados para apresentarem contestação no prazo de 15 dias.
O SINTAMEMA apresentou contestação, às fls. 102-108, narrando que a acordo coletivo representa uma conquista, porque, desde 1987, a categoria luta para garantir a manutenção da escala 4x2x4, considerando que a empresa poderia ter alterado essa escala, como quase ocorreu. Além disso, afirma que, com o acordo impugnado, houve a retomada do adicional de 15%, suprimido em 2000, e que não houve renúncia de direitos, porque foram ajuizadas uma ação coletiva e diversas ações individuais, pleiteando as horas extras no período em que não havia norma coletiva autorizando a jornada de 8 horas em turnos ininterruptos (anterior a abril de 2013, data do acordo coletivo). Argumenta, também, que o ACT impugnado prevê a possibilidade de transação extrajudicial de 50% das HE, preservando o direito dos que ingressaram ou ainda desejam ingressar com ações e que esse benefício representa também uma vitória, pois nem todas as ações que postulam pagamento da sétima e oitava hora como extraordinárias resultam procedentes.
O SINTIUS apresentou contestação, às fls. 327-333, em que assevera que, em princípio, a Sabesp condicionou o ACT à desistência das ações pleiteando horas extras passadas, mas, posteriormente retirou essa condição e, dessa forma os trabalhadores com atividade de operador de estação poderiam aderir ou não ao recebimento de indenização estipulada no ACT, passando todos a receber 15% de adicional de turno em escala de revezamento 4X2X4. Argumenta, ainda, que o ACT celebrado foi exaustivamente discutido com os trabalhadores e aprovado em regular assembleia.
A SABESP apresentou contestação, às fls. 478-500, afirmando que aditivo ao acordo coletivo representou alternativa para a mitigação de demandas e discussões administrativas que se arrastavam há muito tempo, não trazendo qualquer prejuízo ao direito individual do trabalhador, tampouco renúncia retroativa de direitos dos trabalhadores, como assevera o Ministério Público do Trabalho.
Manifestação do MPT, às fls. 639-642, em que rebate os argumentos lançados nas contestações.
O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região julgou improcedente a ação anulatória ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, arbitrando custas a cargo do autor, que ficou isento de recolhimento, em razão do art. 790-A, II, da CLT (fls.669-681).
Inconformado, o Ministério Público do Trabalho – Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região apresentou recurso ordinário (fls.713/720).
O TRT recebeu o recurso ordinário mediante despacho de admissibilidade à fl. 722.
A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – SABESP apresentou contrarrazões às fls. 729-751.
PROCESSO ANTERIOR À LEI 13.467/2017.
PROCESSO ELETRÔNICO.
É o relatório.
V O T O
Tratando-se de recurso interposto em processo iniciado anteriormente à vigência das alterações promovidas pela Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, e considerando que as relações jurídicas materiais e processuais produziram amplos efeitos sob a normatividade anterior, as matérias serão analisadas com observância das normas então vigorantes, em respeito ao princípio da segurança jurídica, assegurando-se a estabilidade das relações já consolidadas (arts. 5º, XXXVI, CF; 6º da LINDB; 912 da CLT; e 14 do CPC/2015).
I) CONHECIMENTO
O recurso ordinário é tempestivo (decisão publicada em 12/02/2016, recurso apresentado em 17/02/2016 - fl. 711 e fls.713-720, respectivamente) e estão preenchidos os demais pressupostos genéricos de admissibilidade do apelo.
CONHECE-SE.
II) MÉRITO
ACORDO COLETIVO QUE REGULARIZOU O SISTEMA DE TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO. ART. 7º, XIV, DA CF. ALEGADA RENÚNCIA A DIREITOS PRETÉRITOS. TRANSAÇÃO COLETIVA SINDICAL
A egrégia Corte Regional assim decidiu sobre a questão:
"6-Do mérito
Pretende o Ministério Público do Trabalho a declaração de nulidade de cláusulas de acordo coletivo, sob fundamento de que é prejudicial ao trabalhador a transação extrajudicial constante no acordo coletivo, porque apenas 50% das horas extras do período anterior à celebração do acordo serão quitadas aos trabalhadores e, ainda, de forma parcelada, 12 vezes, sem juros e correção monetária.
Reitera que se tratam de direitos individuais indisponíveis que não podem ser transacionados, e sob fundamento de que as entidades sindicais pactuaram expressiva renúncia retroativa de direitos dos trabalhadores, quer o Ministério Público do Trabalho anular as cláusulas do termo aditivo de acordo coletivo 2012/2013 assim redigidas:
"DA TRANSAÇÃO ACORDADA
2. Aos empregados que atuam ou atuaram oficialmente na Escala de Revezamento, a PRIMEIRA ACORDANTE efetuará pagamento, a título de acordo extrajudicial, de 50% de valores apurados conforme critérios a seguir:
a) Para empregados que atuavam no Modelo 4X2X4 - RMSP/lnterior: Duas horas extras diárias referentes ao excedente de jornada de 6 para 8 horas, correspondente ao Ciclo de Trabalho e Descanso, sendo calculado com base de no máximo 18 dias por mês, totalizando 36 horas mensais divididas em 24 diurnas e 12 noturnas;
b) Para empregados que atuavam no Modelo 7x1-7x2 - Baixada Santista: Seis horas semanais referentes ao sétimo dia trabalhado, sendo calculado com base de no máximo quatro descansos semanais remunerados, ou seja, 24 horas mensais, divididas em 18 diurnas e 6 noturnas;
* As horas utilizadas para cálculo dos valores serão apuradas individualmente, com base nos critérios citados e nos dias efetivamente trabalhados no período de abril de 2008 a março de 2013;
* O salário utilizado para cálculo do pagamento será o de março de 2013;
* O pagamento será efetuado em até 12 parcelas mensais, 'sem reajuste e sucessivas, a partir de abril/2013, sendo que dos valores mensais serão efetuados todos os recolhimentos, encargos e descontos previstos na legislação em vigor;
* Os valores pagos não integrarão o salário ou a remuneração para qualquer fim.
c) Os empregados da Unidade de Negócio MO que atuavam na escala diferenciada Modelo 6X1 - 3X2, não farão jus aos citados valores, entretanto, às duas horas extras que vinham sendo realizadas, diariamente para complementar a escala serão integralizadas ao salário.
...
DA POSSIBILIDADE DE COMPOSIÇÃO JUDICIAL
Poderá haver acordos com os empregados que possuem reclamações trabalhistas individuais dentro das mesmas bases acima estipuladas, desde que aceitas pelas partes, devidamente representados por seus advogados, exceto nas ações que já estiverem cobertas pela coisa julgada, cuja obrigação deverá ser cumprida na forma determinada pela Justiça na ação respectiva.
...
DA DEMISSÃO
Caso ocorra o desligamento do empregado no curso do cumprimento do presente TERMO ADITIVO A ACORDO COLETIVO DE TRABALHO 2012/2013, o saldo remanescente será quitado quando do pagamento da rescisão contratual.
...
DA DISPOSIÇÃO FINAL
O presente acordo não implica na confissão ou reconhecimento de direito questionado em eventual ação"
Referidas cláusulas fazem parte de um termo aditivo de acordo coletivo, no qual foi pactuada a escala para turno de revezamento: 4x2x4, com ciclos de trabalho e descanso: 2 dias das 6h às 14h e 2 dias das 14h às 22.00; 2 dias das 22h às 6h, e 4 folgas, a primeira ao cumprimento do interstício, a segunda ao descanso semanal remunerado e as outras duas para compensação de duas horas excedentes, acrescidas ao final da jornada diária de seis horas. Pactuado também a dispensa de marcação de horário de repouso e alimentação, devendo o empregado obedecer ao período estabelecido na legislação vigente. Também foi pactuada a implantação de um adicional de turno no percentual de 15% do salário base mais gratificação de função (caso houvesse) para o trabalho nessa escala de revezamento 4x2x4.
O que argumentam as rés é que havia expectativa da categoria em fixar a escala mencionada nos acordos o que representou uma conquista, além do adicional de turno, que é benéfico.
E, que, em havendo uma sucessão de ações trabalhistas plúrimas e individuais, objetivando o recebimento da sétima e oitava horas, algumas procedentes e outras não, o acordo extrajudicial não implica em renúncia de direitos indisponíveis, tanto é que foi assegurado o cumprimento das ações com trânsito em julgado e que há apenas a possibilidade de opção para o empregado que já ajuizou a ação trabalhista de fazer acordo nos mesmos moldes propostos aos demais, e não obrigação.
Mas não é esse o ponto central da discussão que se trava nos autos. Quanto àqueles empregados que já ajuizaram a ação trabalhista, não houve, de fato, qualquer agressão aos seus direitos. Se há coisa julgada, está não pode ser desrespeitada, e quanto às ações ainda não decididas, caberá a qualquer tempo, conforme interesse das partes a possibilidade de acordo judicial. Nada de novo ou irregular e tal cláusula tem por função apenas acenar com possibilidade de acordo por parte da empresa apresentando sua proposta, o seu patamar conciliatório.
Quanto àqueles que ainda não teriam ingressado com a ação judicial quando da assinatura do termo aditivo, sustentam os réus que se trata de um acordo extrajudicial, firmado pelos Sindicatos, para pagamento parcelado de horas extras que poderiam ser recepcionadas, ou não, quando do ajuizamento de ações trabalhistas. A primeira ré colaciona decisões em que os trabalhadores não tiveram êxito. Portanto, em seu entender não se trata de renúncia a qualquer direito. A cláusula representaria apenas uma transação, em seu estrito senso, ou seja, concessão mútua para prevenir ou terminar litígio.
Os suscitados SABESP e SINTAEMA apresentaram um histórico que remonta aos idos de 1970 quando os trabalhadores atuando em turnos ininterruptos de revezamento atuavam 8 horas diárias. Relatam que em maio/1987 havia adicional de turno de 7%. Com a Carta Magna, ao insistir o empregador em manter as 8 horas, a sentença normativa de 1989 estabeleceu carga horária de 30 horas semanais e adicional de turno de 20%. Porém, o descumprimento da sentença normativa acarretou litígio que resultou em acordo coletivo, somente firmado em 1991, com jornada de 33 horas semanais e adicional de turno de 30%, benesses que foram renovadas nas cláusulas normativas dos instrumentos coletivos posteriores, até que em 1999, a SABESP obteve efeito suspensivo contra a sentença normativa de 1989, o que acarretou a imediata exclusão do adicional de turno. Informam que, posteriormente, houve concessão no patamar de 15%, por liberalidade. Constando o adicional de turno nas pautas de reivindicação, não avançavam as negociações, até que, em 2005, houve deliberação no sentido de ingressar com ação trabalhista coletiva, por parte do SINTAEMA, postulando pagamento da sétima e oitava horas como extraordinárias, com listagem de substituídos e a qual nem todos os trabalhadores aderiram, como forma de pressão para restabelecimento do pagamento do adicional de turno. Sinalizam que o acordo coletivo de 2014 (sic, 2012), que o MPT pretende anular, resulta de todo este histórico e representa conquista importante para a categoria, com a retomada do adicional de turno suprimido, tendo como contrapartida a manutenção da escala que compensa a sétima e oitava horas trabalhadas com folgas, e os empregados abrem mão de recebê-las como extraordinárias, transacionando o período pretérito.
Insistem em que houve preservação do direito daquele que prefere ingressar com ação e se abrevia a solução do impasse pela oferta da transação extrajudicial nos moldes propostos.
Pois bem. A documentação acostada aos autos permite constatar que a transação referida no acordo coletivo abrange não direito líquido e certo dos trabalhadores, mas sim direitos controvertidos, eis que se tratam de pagamento de horas extras referentes a sétima e oitava horas laboradas em turnos ininterruptos de revezamento na vigência de acordos coletivos que permitiam a jornada diária de oito horas com concessão de folgas compensatórias pela sétima e oitava hora, mesmo realizada em turnos ininterruptos de revezamento. Ora, essa modalidade de negociação é prevista na Carta Magna (art.7º, inciso XIV).
Alguns julgados deram procedência a ações com tal objeto, inclusive no caso da ação coletiva movida pelo segundo réu, conforme consta na defesa por este apresentada e também admitido pela primeira ré. Outros julgados acostados aos autos, entretanto também demonstram que alguns reclamantes não obtiveram êxito, em suas ações individuais, embora o pedido e a causa de pedir fossem idênticos. Assim, há prova de que há decisões conflitantes com relação a estas horas que foram transacionadas.
Portanto, não se tratam de direitos indisponíveis e incontroversos, como quer fazer crer o requerente.
Ressalto que a questão vinha sendo debatida em assembleias. Demonstram as peças reproduzidas do próprio inquérito administrativo do Ministério Público que deu suporte a presente ação, que de há muito tempo os empregados da SABESP objetivavam a manutenção da jornada 4x2x4 tradicionalmente cumprida, por já adaptada a vida pessoal de cada um ao referido sistema, e o retorno do adicional de turno. Há relato na ata de assembleia de que as negociações vinham se desenvolvendo ao longo de meses, com participação dos empregados. Consta ata de assembleia realizada em 11/12/2012 que deliberou pela aceitação da proposta da primeira ré SABESP, conforme Id 3dd5b15 e lista de presença Id 573c228 com assinatura de 109 presentes, que a pretensão da SABESP era efetuar o pagamento em 18 parcelas, porém a assembleia oferta a contraproposta de redução das parcelas de 18 para 12. Constato que o que realmente prevaleceu foi o acordo de 12 parcelas, o que leva a conclusão de que de fato ocorriam tratativas com marchas e contramarchas como deve ocorrer em uma legítima negociação.
Ademais em nenhum momento o requerente se insurge com relação a autenticidade da manifestação coletiva dos empregados da SABESP.
Com relação aos empregados que não haviam ingressado até a data da celebração do acordo com ação trabalhista, em momento algum a cláusula cuida de obstar o seu ingresso em juízo, mas apenas oferece uma possibilidade de prevenir o futuro litigio, aliás, essa a real função de qualquer transação, desde que haja a aceitação individual e expressa, conforme termo de transação extrajudicial, cujo modelo foi anexado aos autos conforme id 160b895 de 15/04/2015, dos valores nos moldes oferecidos pela reclamada como quitação dessas horas controversas.
Portanto, estamos diante de uma regular manifestação coletiva, resguardada a cada um a manifestação individual, assinando ou não o termo de transação extrajudicial.
Não estão, portanto, os Sindicatos que firmam o acordo coletivo renunciando a direitos de trabalhadores previstos em lei e de forma retroativa. Mas apenas negociando uma transação, que só passará a ter validade após o aceite individual por parte do empregado.
Na negociação coletiva, o equilíbrio entre as partes ao menos de forma parcial se restabelece, pois pode exercer pressão, sem medo de represálias individuais, além de mobilizações que podem chegar até a greve. Portanto, em nível de negociação coletiva, não há que se falar na impossibilidade de discussão de formas que buscam uma verdadeira transação. E, se chegam as partes a um consenso, não há que se invalidar ajuste sob o frágil argumento de que qualquer transação é sempre prejudicial ao empregado e da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas. Tal não se aplica no âmbito da negociação coletiva com o mesmo rigor que se faz necessário no âmbito da negociação individual. Também não é possível atender ao Ministério Público quando pretende anular apenas a parte relativa a proposta de acordo para quitar situações pretéritas e validar as cláusulas que concedem a escala almejada e o adicional de turno. Cabe prestigiar a negociação coletiva como um todo.
As razões mencionadas pelo próprio sindicato como preponderantes para que a categoria profissional firmasse o acordo coletivo levam em conta o interesse na manutenção da escala de revezamento nos mesmos moldes 4 x 2 x 4, posto que, por ter sido utilizada por longo período, acabou por provocar a adaptação da vida dos empregados a escala em questão e o temor de que, em razão das ações trabalhistas movidas ao longo da sua utilização, acabasse a empresa por adotar jornada diversa e principalmente a luta para que fosse restabelecido o adicional de turno de 15%, suprimido desde 2000, com amparo de feito suspensivo concedido pelo TST.
Constatado que se tratam de direitos controvertidos. Constatada a regularidade da manifestação coletiva. Constatado que a construção da transação foi coletiva, porém com possibilidade de opção individual do empregado que pode ou não anuir a transação nos moldes estabelecidos na cláusula questionada. Cabe, agora e por fim, analisar o alcance da autonomia da vontade do empregado. Cristalino que a relação entre empregado e empregador é protegida exatamente por haver desigualdade econômica e de poder entre as partes. E esta situação de desigualdade faz com que a transação no curso do direito do trabalho seja repudiada, pois, a princípio, se tem como não isenta e não representar uma livre autonomia da vontade. O empregado, isolado, não tem como negociar com o patrão e tão pouco avaliar o alcance do que lhe é proposto em termos de negociação de alguns direitos em troca de estabelecer condições de trabalho mais favoráveis.
A Constituição Cidadã buscou um Estado mais democrático e conferiu grande importância à negociação coletiva. Reconheceu convenções e acordos coletivos de trabalho como instrumentos legítimos e capazes de prevenir e solucionar conflitos trabalhistas, concedendo até a possibilidade específica de negociar com relação à jornada em turnos ininterruptos de revezamento, elastecendo o patamar mínimo de seis horas de trabalho, exatamente a questão de fundo do acordo coletivo que o Ministério Público ataca de forma parcial. Poder-se-ia até simplesmente elastecer a jornada de trabalho em turnos para oito horas, sem qualquer compensação da sétima e oitava horas trabalhadas, como foi resguardada no acordo coletivo por intermédio da fruição de duas folgas. Para se resguardar a fruição de folgas compensatórias da sétima e oitava horas trabalhadas e, ainda, pela concessão do adicional de turno, buscou o empregador uma forma de solucionar a situação pretérita, não alcançada pela prescrição, e, daí a aceitação pelos Sindicatos, devidamente respaldados pelo aceite dos interessados em assembleia geral, da proposta de um acordo extrajudicial, porém, condicionado naturalmente a aceitação individual de cada empregado, eis que é cristalino que o sindicato não pode transacionar no lugar do empregado, e respeitados os direitos daqueles já beneficiados pela coisa julgada, ou com ações em andamento.
Coube a autonomia individual da vontade apenas a decisão sobre aderir ou não ao acordo. E, ao aderir, apenas faz opção sobre enfrentar o longo caminho de uma ação judicial individual, arcando com eventual insucesso, ou aceitar parte do pagamento. Não está abrindo mão de parcelas indisponíveis, mas apenas transacionando eventuais direitos de caráter patrimonial, res dúbia.
Por todas estas razões não vislumbro qualquer vício, irregularidade ou motivo capaz de anular as cláusulas do termo aditivo ao acordo coletivo atacadas pelo Ministério Público do Trabalho que reputo válidas".
No recurso ordinário, o MPT requer a reforma da decisão, a fim de que sejam anuladas as Cláusulas em análise, uma vez que se tratam de normas prejudiciais aos direitos indisponíveis dos trabalhadores, por importarem em renúncia retroativa, no que concerne ao recebimento de apenas 50% das horas laboradas no período de 2008 a 2013, parceladas em 12 vezes, sem juros e correção monetária. Alega que não pode ser considerada ilimitada a autonomia privada coletiva, partindo-se da premissa de que ela serve para flexibilizar direitos, manejando-os a fim de melhor atender os interesses das partes, e não precarizando os direitos dos trabalhadores.
À análise.
A Constituição Federal reconhece os instrumentos jurídicos clássicos da negociação coletiva – convenções e acordos coletivos de trabalho (art. 7º, inciso XXVI, CF/88). Respeitados os limites objetivamente impostos, como a renúncia a direitos, os seres coletivos detêm ampla autonomia para estipularem as normas que acharem convenientes.
De fato, amplas são as possibilidades de validade e eficácia jurídicas das normas autônomas coletivas em face das normas heterônomas imperativas, à luz do princípio da adequação setorial negociada. Entretanto, essas possibilidades não são plenas e irrefreáveis, havendo limites objetivos à criatividade jurídica da negociação coletiva trabalhista.
Desse modo, ela não prevalece se concretizada mediante ato estrito de renúncia ou se concernente a direitos revestidos de indisponibilidade absoluta (e não indisponibilidade relativa), os quais não podem ser transacionados nem mesmo por negociação sindical coletiva.
Na presente situação, a solução da controvérsia cinge-se em definir a validade ou não de comando disposto em termo aditivo do acordo coletivo de trabalho 2012/2013 firmado entre os Réus pelo qual se formalizou expressamente a jornada de 8 horas em regime de trabalho em turnos ininterruptos de revezamento e, concomitantemente, estabeleceu-se transação extrajudicial para quitação das 7ª e 8ª horas como extras relativas ao período pretérito, no qual o regime em turnos ininterruptos estava sendo adotado sem respaldo em norma coletiva.
Eis o teor das cláusulas coletivas em análise (fls. 16-19):
DA TRANSAÇÃO ACORDADA
2. Aos empregados que atuam ou atuaram oficialmente na Escala de Revezamento, a PRIMEIRA ACORDANTE efetuará pagamento, a título de acordo extrajudicial, de 50% de valores apurados conforme critérios a seguir:
a) Para empregados que atuavam no Modelo 4X2X4 - RMSP/lnterior: Duas horas extras diárias referentes ao excedente de jornada de 6 para 8 horas, correspondente ao Ciclo de Trabalho e Descanso, sendo calculado com base de no máximo 18 dias por mês, totalizando 36 horas mensais divididas em 24 diurnas e 12 noturnas;
b) Para empregados que atuavam no Modelo 7x1-7x2 - Baixada Santista: Seis horas semanais referentes ao sétimo dia trabalhado, sendo calculado com base de no máximo quatro descansos semanais remunerados, ou seja, 24 horas mensais, divididas em 18 diurnas e 6 noturnas;
* As horas utilizadas para cálculo dos valores serão apuradas individualmente, com base nos critérios citados e nos dias efetivamente trabalhados no período de abril de 2008 a março de 2013;
* O salário utilizado para cálculo do pagamento será o de março de 2013;
* O pagamento será efetuado em até 12 parcelas mensais, sem reajuste e sucessivas, a partir de abril/2013, sendo que dos valores mensais serão efetuados todos os recolhimentos, encargos e descontos previstos na legislação em vigor;
* Os valores pagos não integrarão o salário ou a remuneração para qualquer fim.
c) Os empregados da Unidade de Negócio MO que atuavam na escala diferenciada Modelo 6X1 - 3X2, não farão jus aos citados valores, entretanto, às duas horas extras que vinham sendo realizadas diariamente para complementar a escala serão integralizadas ao salário.
DA POSSIBILIDADE DE COMPOSIÇÃO JUDICIAL
Poderá haver acordos com os empregados que possuem reclamações trabalhistas individuais dentro das mesmas bases acima estipuladas, desde que aceitas pelas partes, devidamente representados por seus advogados, exceto nas ações que já estiverem cobertas pela coisa julgada, cuja obrigação deverá ser cumprida na forma determinada pela Justiça na ação respectiva.
(....)
DA DEMISSÃO
Caso ocorra o desligamento do empregado no curso do cumprimento do presente TERMO ADITIVO A ACORDO COLETIVO DE TRABALHO 2012/2013, o saldo remanescente será quitado quando do pagamento da rescisão contratual.
(...)
DA DISPOSIÇÃO FINAL
O presente acordo não implica na confissão ou reconhecimento de direito questionado em eventual ação.
Como se vê, a mencionada quitação ocorreu por meio do pagamento de 50% das horas extras apuradas para cada empregado e de acordo com alguns critérios definidos na norma coletiva, entre os quais: limitação a 24 ou 36 horas mensais (dependendo do modelo de revezamento adotado); o parcelamento dos valores em 12 vezes sem correção; e a ausência de concessão dos reflexos normalmente devidos.
No caso concreto, embora se possa, por um lado, vislumbrar que os empregados consentiram com a satisfação puramente parcial do direito ao pagamento de eventuais horas extras trabalhadas no período pretérito; por outra vista, a norma coletiva também representou a conquista de benefícios importantes para a categoria profissional, como, por exemplo: o pagamento de 50% das horas extras trabalhadas no período pretérito, com início imediato da quitação, logo após a lavratura do acordo coletivo; e a garantia, para a classe trabalhadora, da manutenção da escala 4x2x4 em turnos ininterruptos de revezamento, escala cuja formalização por acordo coletivo vinha sendo reivindicada pelos Sindicatos Obreiros desde o ano de 1987.
Neste ponto, importante sublinhar que a Constituição previu expressamente a hipótese de negociação coletiva autorizar a jornada de 8 horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento (art. 7º, XIV, da CF). Outrossim, no caso concreto, observa-se que o direito a 100% das 7ª e 8ª horas laboradas do período pretérito (quando a escala em turnos ininterruptos de revezamento ainda não era formalmente válida por acordo coletivo de trabalho) consistia, em verdade, em mera expectativa de direito, pois várias seriam as possibilidades de desfecho das reclamações ajuizadas individualmente, contrárias ou não aos interesses dos Autores das ações - tudo a depender das circunstâncias dos casos concretos. Não há como, nesse contexto, considerar que o acordo coletivo envolveu direito indisponível, porquanto, em relação ao objeto do ajuste (horas extras), há clara incerteza subjetiva quanto ao devido realmente (res dúbia).
Desse modo, a negociação coletiva, ao dispor uma solução razoável para a questão - criando benefícios para ambas as partes, prevenindo a exacerbação da litigiosidade entre as categorias profissional e econômica, e trazendo segurança jurídica em relação à escala de trabalho historicamente desempenhada pela categoria profissional (escala de 4x2x4) -, serviu de mecanismo eficaz para a concretização de uma das principais funções do Direito Coletivo do Trabalho, que é a pacificação de conflitos de natureza sociocoletiva.
Saliente-se, por oportuno, que a Empresa Ré é uma sociedade de economia mista, vinculada, portanto, à Administração Pública, e comporta em seus quadros trabalhadores altamente qualificados e que são muito bem representados pelos Sindicatos Réus, caracterizados por elogiável e responsável atuação em prol dos interesses da sua base sindical. A propósito, tanto dados da OIT, como do Ministério do Trabalho, a par de estudos acadêmicos, todos comprovam que o sindicalismo na área estatal é extremamente mais forte e representativo, com número muito significativo de filiados. Não há, pois, indício de afronta ao princípio da equivalência entre os contratantes coletivos, no caso em análise.
Por fim, registre-se ser inaplicável, no presente caso, a diretriz disposta na OJ 420/SBDI-1/TST ("é inválido o instrumento normativo que, regularizando situações pretéritas, estabelece jornada de oito horas para o trabalho em turnos ininterruptos de revezamento"), uma vez que a norma coletiva ora analisada não determinou a validação retroativa da jornada de trabalho em turnos ininterruptos de revezamento.
Nesse contexto, forçoso reconhecer que a norma coletiva representou efetiva transação coletiva sindical, com o despojamento bilateral e reciprocidade entre os sujeitos coletivos envolvidos.
Mantém-se, pois, a decisão do Tribunal Regional, que considerou válida a norma coletiva questionada pelo Ministério Público do Trabalho.
Diante de todo o exposto, NEGA-SE PROVIMENTO ao recurso ordinário.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Seção Especializada em Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso ordinário e, no mérito, negar-lhe provimento.
Brasília, 14 de maio de 2018.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
Mauricio Godinho Delgado
Ministro Relator
Instituto Valentin Carrion © Todos direitos reservados | LGPD Desen. e Adm by vianett