CONTROVÉRSIAS NO TST 50013 - Irrecorribilidade da decisão monocrática do relator que não reconhece a transcendência da causa em sede de agravo de instrumento em recurso de revista. a

Data da publicação:

Acordão - TST

Cláudio Mascarenhas Brandão - TST



ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 896-A, § 5º, DA CLT. NORMA QUE DISCIPLINA A IRRECORRIBILIDADE DE DECISÃO UNIPESSOAL PROFERIDA PELO RELATOR EM RECURSO DE COMPETÊNCIA DO COLEGIADO. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DO JUIZ NATURAL (ARTIGOS 5º, LIII, E 111, II, CF/88)



ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 896-A, § 5º, DA CLT. NORMA QUE DISCIPLINA A IRRECORRIBILIDADE DE DECISÃO UNIPESSOAL PROFERIDA PELO RELATOR EM RECURSO DE COMPETÊNCIA DO COLEGIADO. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS  DO JUIZ NATURAL (ARTIGOS 5º, LIII, E 111, II, CF/88); DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (ARTIGO 5º, LIV E LV, CF/88) DA ISONOMIA (ARTIGO 5º, CAPUT, CF/88); DA COLEGIALIDADE (DE ACORDO COM O STF, INTEGRANTE DA FORMAÇÃO HISTÓRICA DA ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA NACIONAL, PORTANTO, PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO); DAS GARANTIAS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA (ARTIGO 5º,CAPUT, CF/88). ÓBICE AO EXAME DA MATÉRIA OBJETO DO APELO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INCONGRUÊNCIA DOS PROCEDIMENTOS ADOTADOS PELA LEI NO JULGAMENTO DOS RECURSOS DE REVISTA E DE AGRAVOS DE INSTRUMENTO. FALTA DE RAZOABILIDADE DA INTERPRETAÇÃO LITERAL DO DISPOSITIVO (STF, ADI Nº 1.511-MC).

É inconstitucional a regra inserida no artigo 896-A, § 5º, da CLT, ao prever a irrecorribilidade da decisão monocrática proferida pelo relator que rejeita a transcendência da questão jurídica versada no agravo de instrumento em recurso de revista. Tal prática viola os princípios da colegialidade, do juiz natural, do devido processo legal,  da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia; impede o exame futuro da controvérsia pelo Supremo Tribunal Federal; revela a incongruência de procedimentos adotados no julgamento de recursos de revista e de agravos de instrumento, o que viola o princípio da razoabilidade; obstaculiza o exercício da competência reservada, por lei, às Turmas deste Tribunal; dificulta a fixação de precedentes por este Tribunal, considerando a ausência de parâmetros objetivos fixados para o reconhecimento da transcendência e a atribuição de elevado grau de subjetividade por cada relator - que não constitui órgão julgador, mas, sim, instância de julgamento, cuja atuação decorre de delegação do Colegiado. Arguição acolhida, para se declarar a inconstitucionalidade do dispositivo, no caso concreto. (TST-ArgInc-1000845-52.2016.5.02.0461, Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 17/12/2020)

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Arguição de Inconstitucionalidade n° TST-ArgInc-1000845-52.2016.5.02.0461, em que é Suscitante SÉTIMA TURMA – TST; Suscitado TRIBUNAL PLENO – TST; Agravante ALEXANDRE CESAR DAS CHAGAS; Agravado FORD MOTOR COMPANY BRASIL LTDA. e AMICI CURIAE FEDERAÇÃO INTERESTADUAL DOS TRABALHADORES E PESQUISADORES EM SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES - FITRATELP, INSTITUTO DOS ADVOGADOS BRASILEIROS - IAB, FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE BANCOS - FEBRABAN e ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ADVOGADOS TRABALHISTAS - ABRAT.

Trata-se de incidente de arguição de inconstitucionalidade do artigo 896-A, § 5º, da CLT, suscitado pela 7ª Turma deste Tribunal, conforme certidão à fl. 813.

Após os trâmites legais, foram admitidos como amici curiae: FEDERAÇÃO INTERESTADUAL DOS TRABALHADORES E PESQUISADORES EM SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES - FITRATELP, INSTITUTO DOS ADVOGADOS BRASILEIROS - IAB, FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE BANCOS - FEBRABAN e ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ADVOGADOS TRABALHISTAS - ABRAT.

A UNIÃO foi intimada para, querendo, defender o ato impugnado e apresentou sua manifestação à fl. 885.

O Ministério Público do Trabalho emitiu parecer às fls. 1.480/1.481 e reiterou os termos do parecer às fls. 789/811.

É o relatório.

V O T O

DAS MANIFESTAÇÕES DA UNIÃO, DOS AMICI CURIAE E DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

Logo de início, não posso deixar de registrar a situação peculiar – para dizer o mínimo – consistente em que todos aqueles que se manifestaram nos autos apontaram, de maneira uníssona, a inconstitucionalidade do preceito em discussão.

Até mesmo a UNIÃO - a quem caberia defender o ato impugnado, nos termos do artigo 950, § 1º, do CPC – afirmou tratar-se de norma evidentemente inconstitucional e pugnou pela declaração nesse sentido.

Da mesma forma, todos os que se apresentaram como possíveis "amigos da Corte", admitidos ou não como tal, adiantaram sua posição no sentido de reconhecer - respaldados nos princípios que informam o devido processo legal - o desrespeito a várias normas constitucionalmente asseguradas, ao se conferir ao relator dos agravos de instrumento em recurso de revista na Justiça do Trabalho o poder de dar a única e última palavra sobre a ausência de transcendência da causa.

Poupo-me, aqui, de repetir as razões invocadas em cada uma das petições apresentadas, porque estão em clara sintonia com os fundamentos do meu convencimento acerca do tema, os quais serão detalhadamente apresentados a seguir.

O Ministério Público do Trabalho também aponta, de forma clara, direta e contundente, os diversos aspectos em que a norma em exame feriu a Constituição Federal, pela perspectiva da usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal e ofensa aos Princípios da Isonomia, da Colegialidade, do Contraditório, da Ampla Defesa, do Acesso à Ordem Jurídica Justa, da Segurança Jurídica e da Confiança Legítima.

DOS FUNDAMENTOS DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 896-A, § 5º, DA CLT

I – VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE

Como é de sabença geral, o artigo 896-A foi introduzido na CLT no longínquo ano de 2001 por intermédio da Medida Provisória nº 2.226, de 4 de setembro, com o objetivo de criar mais um pressuposto negativo ao conhecimento dos recursos no âmbito desta Corte.

A partir dele, somente as causas que oferecem transcendência poderão viabilizar o conhecimento dos recursos dirigidos às Turmas deste Tribunal:

"Art. 896-A - O Tribunal Superior do Trabalho, no recurso de revista, examinará previamente se a causa oferece transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica".                  

Durante longos anos, permaneceu o dispositivo sem regulamentação específica, inclusive, ao que consta, apesar das tentativas de algumas comissões de Ministros criadas com tal finalidade, diante das dificuldades naturais em se fixar, com critérios minimamente objetivos, os indicadores que a caracterizam, os quais vieram a ser introduzidos por meio da referida Lei nº 13.467/2017, que alterou a redação do § 1º do artigo 896-A.

Ao fazê-lo, o legislador atribuiu ao ministro relator a competência para o exame e definiu o procedimento de modo diferente, conforme a natureza do recurso.

Nos §§ 2º a 4º, dispôs sobre o rito procedimental do exame em recurso de revista e, no que interessa:

a) afirmou a competência primeira para o exame da existência da transcendência pelo ministro relator que, em constatando a sua ausência e devidamente autorizado pelo dispositivo, poderá negar seguimento ao recurso (§ 2º);

b) previu a possibilidade de interposição de agravo interno pela parte prejudicada, a fim de viabilizar a revisão pelo Órgão Colegiado, no caso a Turma julgadora, do acerto da decisão proferida (§ 2º), na linha, aliás, do comando genérico previsto no artigo 1.021 do CPC, segundo o qual caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado contra decisão proferida pelo relator, dispositivo esse cuja aplicação ao processo do trabalho foi chancelada pela Instrução Normativa nº 39 deste Tribunal (artigo 3º, IX).

A respeito da amplitude e do alcance da recorribilidade de decisões monocráticas de relator, enfatiza a doutrina:

"Além disso, no sistema do CPC/15 (LGL20151656), qualquer decisão que o relator proferir com base no art. 932, seja de julgamento de forma singular ou como mero preparador para a deliberação colegiada, é impugnável por agravo interno, cujo cabimento é delineado pelo art. 1.021 de modo bem mais amplo do que no diploma revogado" (SOKAL, Guilherme Jales. A nova ordem dos processos no tribunal: colegialidade e garantias no CPC/15. Revista de Processo, v. 272/2017, out. 2017, p. 237-270 – destaques postos).

No mesmo sentido, Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha, ao discorrerem sobre a nova sistemática recursal do CPC/2015:

"O CPC-2015 avança muito no ponto: a) unifica o regramento do tema, antes espalhado por toda a legislação; b) confere ao agravo interno uma dignidade normativa até então inexistente: o agravo interno era estudado juntamente com o agravo de instrumento, como se fosse espécies de um mesmo gênero, embora a semelhança entre eles se restringisse ao prenome; c) encerra as polêmicas sobre o cabimento do agravo interno contra essa ou aquela decisão de relator: ressalvada expressa regra especial, cabe agravo interno contra qualquer decisão de relator ou Presidente ou Vice-Presidente do tribunal; assim, caberá agravo interno contra decisão do relator em qualquer causa que tramite no tribunal, seja um recurso, uma remessa necessária ou uma causa de competência originária (art. N937, § 3º do CPC)" (DIDIER Jr., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil). 13ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 288).

E, para que não se pense que os citados autores afirmam o não cabimento de recurso em decisão de relator, quando causa prejuízo à parte, eles exemplificam os casos em que sustentam a irrecorribilidade: decisão sobre intervenção de amicus curiae (por expressa previsão legal); decisão concessória de gratuidade judiciária, entre outros, e concluem que o ponto central caracterizador das situações que enumeram é a ausência de prejuízo imediato à parte (DIDIER Jr., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil). 13ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 288).

Ao disciplinar o processamento do agravo de instrumento, o mesmo legislador, desta feita no § 5º do referido artigo 896-A, fixou a competência do relator para promover o mesmo exame – e até esse ponto nada haveria de irregular –, mas, ao arrepio da estrutura normativa constitucional brasileira, o tornou senhor absoluto dos destinos do recurso, ao suprimir a possibilidade de exame pelo Órgão Colegiado, colocando-o acima e além da Turma da qual faz parte, que ficará privada do inafastável e indeclinável direito de promover a revisão do julgado, o que, com a vênia de posicionamentos em contrário, faz situar a regra impugnada em rota de frontal colisão com o texto constitucional.

Explico.

A simples leitura do artigo 111 da Constituição permite compreender a estrutura dos Órgãos que compõem esta Justiça e, encimando-a, situa-se este Tribunal, cuja estrutura e funcionamento foram remetidos à lei ordinária, por força do artigo 113, o que veio a ocorrer por intermédio da Lei nº 7.701, de 21 de dezembro de 1988.

Nela, foi concebida a divisão em turmas e seções especializadas, como revela o seu artigo 1º:

"Art. 1º - O Tribunal Superior do Trabalho, nos processos de sua competência, será dividido em turmas e seções especializadas para a conciliação e julgamento de dissídios coletivos de natureza econômica ou jurídica e de dissídios individuais, respeitada a paridade da representação classista.

Parágrafo único. O Regimento Interno do Tribunal disporá sobre a constituição e o funcionamento de cada uma das seções especializadas do Tribunal Superior do Trabalho, bem como sobre o número, composição e funcionamento das respectivas Turmas do Tribunal. Caberá ao Presidente do Tribunal Superior do Trabalho presidir os atos de julgamento das seções especializadas, delas participando o Vice-Presidente e o Corregedor-Geral, este quando não estiver ausente em função corregedora" (destaques postos).

Portanto, como se constata facilmente, não há previsão na citada lei que autorize extrair a conclusão de ser o ministro relator instância de julgamento e muito menos possuir autonomia, legal ou regimental, para decidir como instância única ou última.

Por outro lado, a competência das Turmas, a partir da autorização legal conferida para disciplina no Regimento Interno desta Corte, foi regulada no artigo 79, que, no seu inciso III, inclui o julgamento dos agravos de instrumento interpostos das decisões denegatórias de admissibilidade dos recursos de revista proferidas pelos Presidentes dos Tribunais Regionais do Trabalho:

"Art. 79. Compete a cada uma das Turmas julgar:

[...]

III - os agravos de instrumento das decisões de Presidente de Tribunal Regional que denegarem seguimento a recurso de revista; [...]".

Portanto, a competência primeira é do órgão colegiado, a fim de que se possa atender ao Princípio da Colegialidade – ou Decisão em Equipe – que marca a atuação dos tribunais brasileiros.

A propósito desse princípio, afirmam Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero:

"Tanto as Cortes de Justiça (Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça) como as Cortes de Precedentes (Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal e Justiça) são compostas de órgãos colegiados responsáveis pelo julgamento das causas para as quais a Corte é competente, isto é, são compostas de órgãos julgadores integrados por três ou mais desembargadores ou ministros. Os recursos, como regra, são julgados por órgãos colegiados, o que proporciona tendencialmente um maior debate na formação da decisão. O diálogo no processo – seja com as partes, seja entre os próprios julgadores – necessariamente ‘amplia o quadro de análise, constrange à comparação, atenua o perigo de opiniões preconceituosas e favorece a formação de um juízo mais aberto e ponderado’ daí a razão pela qual os recursos são regidos pela regra da colegialidade: ressalvadas as exceções legais (v.g., art. 932, III, IV e V), os recursos são decididos por um colegiado" (Novo Curso de Processo Civil. v. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 524/525).

Na mesma linha, Sebastião José Lessa assinala que tal princípio

"[...] visa proteger e concretizar o princípio da segurança jurídica na entrega da tutela jurisdicional, na medida em que o exame aprofundado da causa e a observância das formalidades essenciais à garantia dos jurisdicionados será exercido por um grupo de magistrados" (O princípio da colegialidade e a decisão monocrática na dinâmica do procedimento disciplinar. Fórum Administrativo ‐ FA. Belo Horizonte, ano 9, n. 96, fev. 2009).

Não é diferente a conceituação externada por Cassio Scarpinela Bueno:

"Por ‘princípio da colegialidade’ deve ser entendido que a manifestação dos Tribunais brasileiros deve ser colegiada no sentido de não poder ser realizada por um só de seus membros isoladamente ou, como se costuma falar, monocraticamente. É como se dissesse que o ‘juiz natural dos Tribunais’ é o órgão colegiado, e não um de seus membros individualmente considerados.

Decisão colegiada não deve ser entendida, contudo, como a decisão tomada necessariamente e em qualquer caso pela totalidade dos integrantes do Tribunal ao mesmo tempo. É perfeitamente legítimo e até mesmo desejável que os Tribunais, sobretudo os que tenham vários integrantes, organizem-se internamente, buscando maior racionalização de trabalhos. É por isso que todos os Tribunais brasileiros, nos termos dos seus respectivos regimentos internos (art. 96, I, a, da CF), subdividem-se em diversos grupos menores, entre eles, as chamadas ‘Turmas’ (nomenclatura mais comum no STF, no STJ e nos TRFs) ou ‘Câmaras’ (nomenclatura mais comum nos TJs) para viabilizar esta maior racionalidade na distribuição do trabalho e, consequentemente, no desempenho de sua atividade judicante.

O que deve haver, contudo, é a possibilidade de reexame das decisões monocráticas pelo órgão colegiado competente" (BUENO, Cassio Scarpinela. Manual de direito processual civil – volume único. 4ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 69).

Evidente o objetivo da norma, pois, tal como destaca Moacyr Amaral Santos,

"[...] os juízes são criaturas humanas e, portanto, falíveis, suscetíveis de erros e injunções, razão bastante para os ordenamentos processuais de todos os povos, com o propósito de assegurar a justiça o quanto possível perfeita, propiciarem a possibilidade de reexame e reforma de suas decisões por outros juízes, ou mesmo pelos próprios juízes que as proferiram" (SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de Direito Processual Civil. São Paulo: Max Limonad, v. 3, 1963, p.87).

As decisões por eles proferidas, em órgãos exercentes de funções revisoras, não podem assumir o caráter de definitividade, salvo se não acarretarem prejuízo à parte, como nas situações de mero ordenamento do processo, de natureza interlocutória ou em que se assegure o direito de impugnação em outro momento processual, o que, seguramente, não é a hipótese da decisão denegatória da transcendência em agravo de instrumento em recurso de revista.

Não se deixa de reconhecer os benefícios propiciados pela atuação monocrática. Em cuidadoso estudo sobre o tema, Wanessa de Cássia Françolin faz comparativo entre o que denomina de "monocraticidade" e "colegialidade" das decisões judiciais, inclusive a partir da experiência em outros países, como França e Itália, e afirma:

"A ampliação de poderes do relator tem como justificativa, além da diminuição da carga de trabalho dos próprios tribunais (já que, com a decisão do relator, em princípio, seria desnecessária a reunião do colegiado para julgamento do recurso, o que demandaria mais tempo e trabalho), a busca pelas decisões liminares, sejam concessivas ou suspensivas, característica da sociedade moderna e das necessidades cada vez mais eminentes de se obter uma prestação jurisdicional rápida, imediata, o que será obtido com maior dificuldade se a decisão for colegiada" (FRANÇOLIN, Wanessa de Cássia. A ampliação dos poderes do relator nos recursos cíveis. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 40).

É certo que há segmentos da doutrina que sustentam não encontrar, o Princípio da Colegialidade, assento constitucional e, portanto, afirma-se ser possível ao legislador ampliar as hipóteses de julgamento monocrático. Veja-se, por exemplo, Jordão Violin que, em interessante estudo, analisa a atuação dos tribunais e afirma ser muitas vezes marcada pelo isolacionismo dos seus integrantes e em outras tantas revela a "versão extremada das opiniões individuais dos seus membros" (Onde está a Segurança Jurídica? Colegialidade, Polarização de Grupo e Integridade dos Tribunais. Revista de Processo. V. 268/2017, jun. 2017, p. 6). 

Apesar da respeitabilidade, a conclusão não foi encampada pela sólida e remansosa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que, desde o ano de 1986, afirma e reafirma a impossibilidade de ausência de recurso de decisão monocrática do relator, por representar violação constitucional.

O leading case foi constituído pela Representação nº 1.299-9/GO, em que se questionou a constitucionalidade de dispositivo de Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás por meio do qual se atribuía competência monocrática ao relator, sem cabimento de recurso, sob o fundamento de contrariar o Princípio da Colegialidade. Afirmou-se, na oportunidade, que os Tribunais, na tradição do sistema constitucional brasileiro, são órgãos de atuação colegiada, conclusão que sempre independeu de norma constitucional explícita. A decisão foi assim ementada:

"Em favor de qualquer dos seus membros, ut singuli, não podem os Tribunais declinar de competência que a Constituição neles investiu, enquanto órgãos colegiados. Sobretudo, não podem, por meio de norma regimental, emprestar o atributo de decisão definitiva aos despachos de seus membros. Representação julgada procedente para declarar inconstitucional o § 2º do art. 364 do RI do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás". (Rp 1299, Relator(a):  Min. CELIO BORJA, Tribunal Pleno, julgado em 21/08/1986, DJ 14-11-1986 PP-22148 EMENT VOL-01441-01 PP-00093) – destaques postos.

Assentou-se, na oportunidade, que a colegialidade integra a formação histórica da organização judiciária nacional.

A tese foi reafirmada no julgamento do Agravo Regimental na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 531-6/DF, cujo cerne da questão envolvia a possibilidade de atuação monocrática do Ministro Relator, no STF, para análise dos elementos constitutivos da relação processual na Ação Direta de Inconstitucionalidade, assim sintetizada na ementa:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 62, DO DEPARTAMENTO DA RECEITA FEDERAL - SUA NATUREZA REGULAMENTAR - IMPOSSIBILIDADE DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE - SEGUIMENTO NEGADO POR DECISÃO SINGULAR - COMPETÊNCIA DO RELATOR (RISTF, ART. 21, § 1º; LEI 8.038, ART. 38) - PRINCÍPIO DA RESERVA DE PLENÁRIO PRESERVADO (CF, ART. 97) - AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. - E inquestionável que assiste à Suprema Corte, em sua composição plenária, a competência exclusiva para julgar o processo de controle concentrado de constitucionalidade e, pelo voto da maioria absoluta dos seus membros, declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público (CF, art. 97; RISTF, art. 5º, VII e art. 173). Essa regra de competência, no entanto, muito embora de observância indeclinável por qualquer órgão judiciário colegiado, não subtrai ao Relator da causa o poder de efetuar - enquanto responsável pela ordenação e direção do processo (RISTF, art. 21, I) - o controle prévio dos requisitos formais da fiscalização normativa abstrata, o que inclui, dentre outras atribuições, o exame dos pressupostos processuais e das condições da própria ação direta. A possibilidade de controle recursal, ‘a posteriori’, dos atos decisórios que o Relator pratica, no desempenho de sua competência monocrática, dá concreção, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, ao princípio da reserva de Plenário, inscrito no art. 97 da Lei Fundamental da República. - As Instruções Normativas, editadas por Órgão competente da Administração Tributária, constituem espécies jurídicas de caráter secundário, cuja validade e eficácia resultam, imediatamente, de sua estrita observância dos limites impostos pelas leis, tratados, convenções internacionais, ou decretos presidenciais, de que devem constituir normas complementares. Não se revelam, por isso mesmo, aptas a sofrerem o controle concentrado de constitucionalidade, que pressupõe o confronto direto do ato impugnado com a Lei Fundamental". (ADI 531 AgR, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 11/12/1991, DJ 03-04-1992 PP-04288 EMENT VOL-01656-01 PP-00095 RTJ VOL-00139-01 PP-00067).

Ao julgar o recurso da decisão que negou seguimento à ação, o Ministro Celso de Mello, Relator, após mencionar o precedente anterior e validar a atuação do Ministro Relator por não lhe ser possível ostentar a condição de "mero – e inerte – espectador da cena processual", advertiu:

"Desse entendimento decorre que, não obstante a extensa gama de poderes, de ordem processual, que lhe é reconhecida, sofre o Relator inquestionáveis limitações, que se traduzem na possibilidade de controle recursal, ‘a posteriori’ dos atos decisórios que pratique no desempenho de sua competência monocrática" – destaques postos.

Deixou claro, a mais não poder, que, apesar de sua plena competência para decidir a matéria e dos poderes amplos que lhe são conferidos (atualmente pelos artigos 932 e 938 do CPC), o Relator é alvo de limitações, qualificadas como "inquestionáveis", traduzidas na possibilidade de controle posterior de sua atuação, por meio do exame de eventual recurso que venha a ser interposto.

O tema foi mais uma vez enfrentado no julgamento do Agravo Regimental no Mandado de Injunção nº 375, da Relatoria do Ministro Carlos Velloso, e não foi outra a conclusão, como se pode extrair da ementa:

"CONSTITUCIONAL. MANDADO DE INJUNÇÃO. SEGUIMENTO NEGADO PELO RELATOR. COMPETÊNCIA DO RELATOR (RI/STF, art. 21, par 1.; Lei n. 8.038, de 1.990, art. 38): CONSTITUCIONALIDADE. PRESSUPOSTOS DO MANDADO DE INJUNÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA. I. E legitima, sob o ponto de vista constitucional, a atribuição conferida ao Relator para arquivar ou negar seguimento a pedido ou recurso intempestivo, incabível ou improcedente e, ainda, quando contrariar a jurisprudência predominante do Tribunal ou for evidente a sua incompetência (RI/STF, art. 21, par 1.; Lei n. 8.038/90, art. 38), desde que, mediante recurso -- agravo regimental -- possam as decisões ser submetidas ao controle do colegiado. II. A existência de um direito ou liberdade constitucional, ou de uma prerrogativa inerente a nacionalidade, a soberania ou a cidadania, cujo exercício esteja inviabilizado pela ausência de norma infraconstitucional regulamentadora, constitui pressuposto do mandado de injunção. III. Somente tem legitimidade ativa para a ação o titular do direito ou liberdade constitucional, ou de prerrogativa inerente a nacionalidade, a soberania e a cidadania, cujo exercício esteja inviabilizado pela ausência da norma infraconstitucional regulamentadora. IV. Inocorrência, no caso, do pressuposto de inviabilização de exercício de prerrogativa constitucional. V. Agravo regimental improvido". (MI 375 AgR, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 19/12/1991, DJ 15-05-1992 PP-06781 EMENT VOL-01661-01 PP-00044 RTJ VOL-00139-01 PP-00053).

Nesse julgamento, foram reafirmados os dois precedentes anteriores e, na oportunidade, enfatizou o Ministro Relator a imprescindibilidade do cabimento do recurso:

"Quer dizer, podem os Tribunais atribuir competência aos seus membros, desde que as decisões tomadas por estes, solitariamente, possam ser, mediante recurso, submetidas ao controle do colegiado" – destaques postos.

Em diversos outros julgamentos, por ambas as Turmas e pelo Pleno, manteve-se firme o Supremo Tribunal. São exemplos (com destaques na transcrição dos trechos pertinentes):

1ª TURMA:

Recurso Extraordinário nº 545407-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJ 05.06.2009:

"EMENTA: ADMINISTRATIVO. REENQUADRAMENTO FUNCIONAL. LEI 9.421/96. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 5º, XXXV E LV, E 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. OFENSA REFLEXA. SÚMULA 283 DO STF. ART. 557 DO CPC. ATRIBUIÇÕES DO RELATOR. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. I - O acórdão recorrido decidiu a questão com base em legislação ordinária. A afronta à Constituição, se ocorrente, seria indireta. II - A jurisprudência da Corte é no sentido de que a alegada violação ao art. 5º, XXXV e LV, da Constituição pode configurar, quando muito, situação de ofensa reflexa ao texto constitucional, por demandar a análise de legislação processual ordinária. III - A exigência do art. 93, IX, da CF não impõe seja a decisão exaustivamente fundamentada. O que se busca é que o julgador indique de forma clara as razões de seu convencimento. IV - O agravo regimental deve atacar todos os fundamentos suficientes da decisão agravada. Súmula 283 do STF. V – Quanto ao art. 557 do CPC, na linha do entendimento desta Corte, é constitucionalmente legítima a, ‘atribuição conferida ao Relator para arquivar, negar seguimento a pedido ou recurso e dar provimento a este – R.I./S.T.F., art. 21, § 1º; Lei 8.038/90, art. 38; C.P.C., art. 557, redação da Lei 9.756/98 – desde que, mediante recurso, possam as decisões ser submetidas ao controle do Colegiado (RE 321.778-AgR/MG, Rel. Min. Carlos Velloso). VI - Agravo regimental improvido".

Recurso Extraordinário nº 287710-AgR, Rel. Min. Ilmar Galvão, 1ª Turma, DJ 27.09.2002:

"EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. SÚMULA 280 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 557 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. Tendo o acórdão do Tribunal a quo decidido a controvérsia com base em legislação local, incide no caso a mencionada súmula, impedindo o conhecimento do recurso. O julgamento do extraordinário pelo Relator, na forma do dispositivo do CPC sob enfoque, já teve sua constitucionalidade reconhecida por esta Corte, uma vez que a possibilidade de interposição de agravo garante a colegialidade das decisões. Precedente. O juízo de admissibilidade do recurso extraordinário procedido pelo Tribunal de origem não vincula o STF, na forma da sua pacífica jurisprudência. Precedentes. Agravo desprovido."

2ª TURMA:

Recurso Extraordinário nº 459.227-AgR, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, DJ 5.5.2006:

"O SENHOR MINISTRO Eros Grau (Relator): A alegação dos recorrentes de que o relator não pode decidir monocraticamente os processos que são submetidos a sua apreciação é insubsistente. A jurisprudência do Supremo declarou a constitucionalidade da atribuição que lhe foi conferida, ‘desde que, mediante recurso, possam as questões ser submetidas ao controle do Colegiado’ [RE n. 442.638-AgR, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 28.10.05]".

DECISÕES MONOCRÁTICAS

Agravo de Instrumento nº 749.682, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 26.6.2009 (distribuído por prevenção):

"O agravo merece acolhida. A decisão recorrida está em confronto com a jurisprudência desta Corte no sentido de que é constitucional a atribuição conferida ao Relator para negar seguimento a recurso ou para provê-lo, desde que mediante recurso possam essas decisões ser submetidas ao controle do Órgão Colegiado. Nesse sentido o RE 222.285-AgR/SP do Ministro Carlos Velloso, cuja ementa segue transcrita:

"CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. JULGAMENTO PELO RELATOR. CPC, art. 557, § 1º-A: LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL. CONSTITUCIONAL. SINDICATO. REGISTRO NO MINISTÉRIO DO TRABALHO: LIBERDADE E UNICIDADE SINDICAL. C.F., art. 8º, I e II.

I. - Legitimidade constitucional da atribuição conferida ao relator para negar seguimento a recurso ou a provê-lo - RI/STF, art. 21, § 1º; Lei 8.038/90, art. 38; CPC, art. 557, § 1º-A - desde que, mediante recurso (agravo), possam as decisões ser submetidas ao controle do Colegiado. II. - Liberdade e unicidade sindical: competência para o registro de entidades sindicais (C.F., art. 8º, I e II): recepção, pela CF/88, da competência do Ministério do Trabalho para o registro. Esse registro é que propicia verificar se a unicidade sindical, limitação constitucional ao princípio da liberdade sindical, estaria sendo observada ou não, já que o Ministério do Trabalho é detentor das informações respectivas. III. - Precedentes do STF: MI 144-SP, Pertence, Plenário, "DJ" de 28/5/93; RMS 21.758-DF, Pertence, 1a Turma, "DJ" de 04/11/94; ADIn 1121 (MC)-RS, Celso de Mello, "DJ" de 06/10/95; RE 134.300-DF, Pertence, 1a Turma, 16/8/94.

IV. - RE provido. Agravo Improvido".

No mesmo sentido, menciono as seguintes decisões: AI 730.978/SP e AI 728.461/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia".

Recurso Extraordinário nº 422.122, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 7.10.2004:

"DECISÃO: O ato decisório objeto do presente recurso extraordinário foi proferido, monocraticamente, pelo Relator da causa, no âmbito de Turma Recursal vinculada ao sistema dos Juizados Especiais Federais. Ao proferir essa decisão, o Relator, por entender incabível o recurso de agravo, deste não conheceu, deixando de submetê-lo, em conseqüência, à apreciação do órgão colegiado competente: a Turma Recursal, no caso. Cabe acentuar, neste ponto, que o Supremo Tribunal Federal, em ordem a afastar a incidência da Súmula 281/STF, tem reiteradamente proclamado que só se admite o recurso extraordinário, quando deduzido em face de decisão colegiada (RTJ 119/980 - RTJ 169/445, v.g.). É por essa razão que esta Suprema Corte tem reconhecido a plena constitucionalidade da norma que atribui, ao Relator da causa, competência para decidir, monocraticamente, pedidos ou recursos, desde que tal ato decisório seja submetido ao princípio da colegialidade, mediante pertinente utilização do recurso [...] Como precedentemente referido, o Relator da causa reputou inadmissível semelhante recurso, frustrando, desse modo, o julgamento colegiado da controvérsia. Vê-se, desse modo, que a decisão ora impugnada nesta sede recursal extraordinária dissente da orientação jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria em questão, pois o Relator da causa deixou de submeter, à apreciação da Turma Recursal estruturada no âmbito do sistema dos Juizados Especiais, o recurso interposto contra a decisão por ele proferida. Torna-se evidente que esse comportamento processual do Relator da causa não pode ocasionar prejuízo à parte ora recorrente, que agiu em estrita observância da diretriz fixada pela jurisprudência desta Corte".

Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 422.241-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 17.8.2004:

[...] O Juiz Federal da Turma Recursal julgou monocraticamente o recurso inominado. Contra essa decisão foi interposto recurso extraordinário, com base no art. 102, III, "a", da Constituição Federal, tendo em vista entendimento das Turmas Recursais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro no sentido de que decisão monocrática proferida por relator não desafia recurso à Turma. Alega-se violação aos artigos 5o, XXXVI, da Carta Magna. No julgamento do MI 595, Pleno, Rel. Carlos Velloso, DJ 23.04.99, esta Corte decidiu que: "I. - É legítima, sob o ponto de vista constitucional, a atribuição conferida ao Relator para arquivar ou negar seguimento a pedido ou recurso - RI/STF, art. 21, § 1º; Lei 8.038/90, art. 38; CPC, art. 557, redação da Lei 9.756/98 - desde que, mediante recurso, possam as decisões ser submetidas ao controle do Colegiado." No mesmo sentido, AgRAI 496.270, 1a T. Rel. Sepúlveda Pertence, DJ 18.05.04; e o AgRAI 460.062, 2a T., Rel. Carlos Velloso, DJ 21.05.04. Dessa orientação divergiu a decisão recorrida, pois o recurso da decisão monocrática não foi submetido à apreciação do colegiado. Ressalta-se, ainda, que ao analisar caso análogo - RE 426.245 - Pertence deu provimento ao apelo extremo para que a turma recursal aprecie a questão: "Nessa linha, quando suscitada a constitucionalidade da regra do § 1º-A do art. 557 do C.Pr.Civil (redação da Lei 9.756/98) - competência decisória do relator - decidiu-se pela sua legitimidade exatamente pela possibilidade de interposição de agravo para a manifestação do órgão jurisdicional constitucionalmente competente para o julgamento do recurso (v.g. AI 346.665-AgR, 1ª T, Sepúlveda Pertence, DJ 31.10.2001)".

Agravo de Instrumento nº 527.566, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 4.11.2009:

[...] Esta Corte diversas vezes já se pronunciou pela constitucionalidade do art. 557 do Código de Processo Civil, desde que preservada a sistemática contida atualmente na lei, em que se abre à parte inconformada a oportunidade de submeter, mediante o recurso de agravo, a decisão ao crivo do órgão colegiado. Nesse sentido, o RE 432.441–AgR (rel. min. Carlos Velloso), cuja ementa tem o seguinte teor: "- CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO: JULGAMENTO PELO RELATOR. CPC, art. 557, § 1º-A. POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO IMEDIATO DE OUTRAS CAUSAS, EM QUE VERSADO O MESMO TEMA, PELOS RELATORES OU PELAS TURMAS. ADMINISTRATIVO. RECURSO ADMINISTRATIVO: MULTA. DEPÓSITO PRÉVIO. I. Legitimidade constitucional da atribuição conferida ao Relator para arquivar, negar seguimento a pedido ou recurso e dar provimento a este - RI/STF, art. 21, § 1º; Lei 8.038/90, art. 38; CPC, art. 557, caput, e § 1º-A - desde que, mediante recurso, possam as decisões ser submetidas ao controle do Colegiado. Precedentes do STF. II. - Inocorrência de ofensa à Constituição no fato de a lei exigir o depósito prévio da multa como pressuposto de admissibilidade do recurso administrativo. III. - Precedentes do STF: ADI 1.049/DF, RE 210.246, 210.234, 210.369, 210.380 e 218.752, Min. Jobim p/acórdão, Plenário, 12.11.97. IV. - Voto vencido do Min. C. Velloso. V. - Agravo não provido." No mesmo sentido, o AI 512.509 (rel. min. Sepúlveda Pertence, DJ de 18.03.2005) e a Rcl 1.945-AgR (rel. min. Carlos Velloso, DJ de 19.09.2003). Especificamente sobre a necessidade de se observar o princípio da colegialidade nas turmas recursais de juizado especial, cito a ementa do RE 311.382, rel. min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ de 11.10.2001: "EMENTA: Recurso extraordinário: inadmissibilidade contra decisão individual do Juiz de Turma Recursal de Juizados Especiais, que liminarmente tranca o processamento de recurso a ela endereçado, não submetida mediante agravo ao seu reexame, cujo cabimento decorre da colegialidade do órgão, explicitado no art. 98, I, da Constituição." Ainda, nesse sentido, confiram-se o RE 427.055 (rel. min. Sepúlveda Pertence, DJ de 27.09.2004), o RE 430.155 (rel. min. Gilmar Mendes, DJ de 28.09.2004) e o RE 427.076 (rel. min. Carlos Britto, DJ de 29.09.2004)".

Agravo de Instrumento nº 728.514, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe. 3.6.2009:

"[...] 7. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que é legítima, sob o ponto de vista constitucional, a atribuição conferida ao Relator para negar seguimento a recurso ou para provê-lo, desde que mediante recurso possam essas decisões ser submetidas ao controle do órgão colegiado. Confiram-se, a propósito, os seguintes julgados: "EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. JULGAMENTO PELO RELATOR. CPC, art. 557, § 1º-A: LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL. CONSTITUCIONAL. SINDICATO. REGISTRO NO MINISTÉRIO DO TRABALHO: LIBERDADE E UNICIDADE SINDICAL. C.F., art. 8º, I e II. I. - Legitimidade constitucional da atribuição conferida ao relator para negar seguimento a recurso ou a provê-lo - RI/STF, art. 21, § 1º; Lei 8.038/90, art. 38; CPC, art. 557, § 1º-A - desde que, mediante recurso (agravo), possam as decisões ser submetidas ao controle do Colegiado. II. - Liberdade e unicidade sindical: competência para o registro de entidades sindicais (C.F., art. 8º, I e II): recepção, pela CF/88, da competência do Ministério do Trabalho para o registro. Esse registro é que propicia verificar se a unicidade sindical, limitação constitucional ao princípio da liberdade sindical, estaria sendo observada ou não, já que o Ministério do Trabalho é detentor das informações respectivas. III. - Precedentes do STF: MI 144-SP, Pertence, Plenário, ‘DJ’ de 28/5/93; RMS 21.758-DF, Pertence, 1a Turma, ‘DJ’ de 04/11/94; ADIn 1121 (MC)-RS, Celso de Mello, ‘DJ’ de 06/10/95; RE 134.300-DF, Pertence, 1a Turma, 16/8/94. IV. - RE provido. Agravo Improvido" (RE 222.285-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ 22.3.2002). E ainda: "EMENTA: CONSTITUCIONAL. MANDADO DE INJUNÇÃO. SEGUIMENTO NEGADO PELO RELATOR. COMPETÊNCIA DO RELATOR PARA NEGAR SEGUIMENTO A PEDIDO OU RECURSO: RI/STF, art. 21, § 1º; Lei n. 8.038, de 1990, art. 38; CPC, art. 557, redação da Lei 9.756/98: CONSTITUCIONALIDADE. MANDADO DE INJUNÇÃO: PRESSUPOSTOS. C.F., art. 5º, LXXI. LEGITIMIDADE ATIVA. I. - É legítima, sob o ponto de vista constitucional, a atribuição conferida ao Relator para arquivar ou negar seguimento a pedido ou recurso - RI/STF, art. 21, § 1º; Lei 8.038/90, art. 38; CPC, art. 557, redação da Lei 9.756/98 - desde que, mediante recurso, possam as decisões ser submetidas ao controle do Colegiado. (...)" (MI 595-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, Plenário, DJ 23.4.1999). 8. Dessa orientação jurisprudencial divergiu a decisão do Presidente da Turma Recursal. 9. Pelo exposto, dou provimento a este agravo, na forma do art. 544, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil, e, desde logo, ao recurso extraordinário, nos termos do art. 557, § 1º-A, do mesmo diploma legal, para determinar que o agravo regimental seja submetido ao órgão colegiado dos Juizados Especiais".

TRIBUNAL PLENO

Recurso Extraordinário nº 418.918, Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, DJ 1º.7.2005:

"A Senhora Ministra Ellen Gracie - (Relatora): 1 - Senhor Presidente, já na oportunidade da apreciação do feito cautelar de que resultou o sobrestamento dos demais processos na origem1, aludi à conveniência de superarmos a questão referente ao alegado vício de procedimento (correspondente à aplicação do Enunciado n° 26 das Turmas Recursais Federais2), tendo em vista não apenas a relevância jurídica da questão de fundo - também controvertida - mas ainda a informação prestada pela Presidente das Turmas Recusais dos Juizados Especiais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, a qual atestou que, desde janeiro de 2004, os julgamentos dos Relatores em questões sumuladas vêm sendo submetidos ao referendo do colegiado (f. 200 do feito cautelar).

Com essa providência, estaria sanado, a partir de janeiro/2004, defeito processual já reconhecido por este Supremo Tribunal, porque consistente na sucessão de decisões monocráticas sem oportunidade de acesso à Turma Recursal (aponto precedentes monocráticos específicos: RE 427.076, Min. Carlos Britto, DJ de 29/09/2004; RE 427.528, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 14/06/2004). Não, porém, no presente feito, que encerra uma seqüência de julgamentos monocráticos efetivamente excluídos à apreciação da Turma Recursal (negativa de seguimento ao recurso inominado, f. 100; agravo regimental recebido como embargos declaratórios rejeitados, f. 120 ).

Agravo de Instrumento nº 524.703, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 17.12.2004:

"[...] Esta Corte já declarou a constitucionalidade do art. 557, caput, e § 1º-A, do CPC, desde que aberta a possibilidade de reexame pelo órgão colegiado, mediante recurso, como se pode ver à seguinte ementa exemplar: "EMENTA: CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO: JULGAMENTO PELO RELATOR. CPC, art. 557, § 1º-A. POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO IMEDIATO DE OUTRAS CAUSAS, EM QUE VERSADO O MESMO TEMA, PELOS RELATORES OU PELAS TURMAS. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: VENCIMENTOS, REAJUSTE. MEDIDA PROVISÓRIA nº 1.053/95, CONVERTIDA NA LEI nº 10.192/2001, art. 9º. I - Legitimidade constitucional da atribuição conferida ao Relator para arquivar, negar seguimento a pedido ou recurso e dar provimento a esse (RI/STF, art. 21, § 1º; Lei 8.038/90, art. 38, CPC, art. 557, caput, e § 1º-A) desde que, mediante recurso, possam as decisões ser submetidas ao controle do Colegiado. Precedentes do STF." (RE nº 413.993-AgR, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ de 01.10.2004. No mesmo sentido, cf. RE nº 433.140, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 14.10.2004; RE nº 428.878, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJ de 22.10.2004; RE nº 426.201, Rel. Min. CARLOS BRITTO, DJ de 22.10.2004)".

Finalmente, em decisão proferida no Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº 612.359, a Ministra Ellen Gracie revisitou e reafirmou toda a sólida jurisprudência, ao citar os precedentes anteriores:

"1. A hipótese dos autos versa sobre o cabimento de agravo interno no âmbito dos Juizados Especiais. 2. Este Tribunal, no julgamento do RE 612.359, de minha relatoria, reconheceu a existência da repercussão geral da matéria para que os efeitos do art. 543-B do CPC possam ser aplicados. Esta Corte firmou o entendimento de que é possível que o relator decida monocraticamente o recurso, desde que tal decisão possa ser submetida ao órgão colegiado. Nesse sentido cito: MI 595, rel. Min. Carlos Velloso, Plenário, DJ 23.4.1999, RE 496.111, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ 6.8.2004; RE 459.227-AgR, rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, DJ 5.5.2006; AI 749.682, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 26.6.2009; RE 422.122, rel. Min. Celso de Mello, DJ 7.10.2004; RE 422.241-AgR, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 17.8.2004; AI 527.566, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 4.11.2009; AI 728.514, rel. Min. Cármen Lúcia, DJe. 3.6.2009; RE 418.918, de minha relatoria, Pleno, DJ 1º.7.2005; RE 427.076, rel. Min. Ayres Britto, DJ 29.9.2004; AI 524.703, rel. Min. Cezar Peluso, DJ 17.12.2004. O acórdão recorrido divergiu desse entendimento. 3. Ante o exposto, dou provimento ao recurso extraordinário. Publique-se. Brasília, 2 de setembro de 2010. Ministra Ellen Gracie Relatora". (RE 612359, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, julgado em 02/09/2010, publicado em DJe-207 DIVULG 27/10/2010 PUBLIC 28/10/2010) – grifos postos.

Mais recentemente, o Ministro Dias Toffoli, em decisão proferida no Agravo Regimental em Mandado de Segurança nº 35.054/DF, assentou que a ausência de recurso, nos casos de decisões unipessoais, caracteriza violação ao devido processo legal, inclusive em procedimentos administrativos. Confira-se:

"EMENTA Agravo regimental em mandado de segurança. Concessão da segurança. Vedação ao seguimento do recurso administrativo interposto perante o Conselho Nacional de Justiça. Violação da garantia do devido processo legal. Inobservância do art. 115, § 2º, do Regimento Interno do CNJ e do art. 61, § 2º, do Regulamento Geral da Corregedoria Nacional de Justiça. Prerrogativas indisponíveis do contraditório e da plenitude de defesa, com os meios e recursos a elas inerentes, mesmo em procedimentos de índole administrativa. Artigos 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal. Precedentes. Agravo regimental não provido. 1. A vedação, por decisão monocrática, ao prosseguimento de recurso interposto em face de decisão singular, com impedimento de submissão da insurgência ao colegiado do órgão, configura medida violadora do devido processo legal e está desconforme com o art. 115, § 2º, do Regimento Interno do CNJ e com o art. 61, § 2º, do Regulamento Geral da Corregedoria Nacional de Justiça. 2. Assistem ao interessado, mesmo em procedimentos de índole administrativa, como direta emanação da própria garantia constitucional do due process of law (CF, art. 5º, LIV) – independentemente, portanto, de haver previsão normativa nos estatutos que regem a atuação dos órgãos do Estado –, as prerrogativas indisponíveis do contraditório e da plenitude de defesa, com os meios e recursos a elas inerentes (CF, art. 5º, LV). Precedentes: MS nº 32.559-AgR/DF, Relator o Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJe de 9/4/15; e MS nº 32.937-AgR/DF, Segunda Turma, de minha relatoria, DJe de 29/2/16. 3. Agravo regimental não provido". (MS 35054 AgR, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 04/04/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-089 DIVULG 08-05-2018 PUBLIC 09-05-2018) – destaques postos;

Ademais, a relevância do princípio da colegialidade é ressaltada também para demonstrar a necessidade de preservação da jurisprudência do Tribunal até mesmo nos casos de teses jurídicas contrárias ao posicionamento individual do relator, como evidenciado pelo Ministro Edson Fachin, ao ressalvar o seu entendimento quanto à licitude da terceirização em atividade-fim no precedente que transcrevo:

"Por fim, apesar da concordar com a ponderação feita pela AGU que ressalva a distinção entre "atividade inerente" e "atividade fim", acolho, em homenagem à colegialidade, o entendimento manifestado nos precedentes acima, em especial, no julgamento do RE 958252, que entendeu também constitucional a terceirização da "atividade-fim", sendo, ao menos para fins trabalhistas, despicienda a distinção realizada no âmbito administrativo.

Assim, com a ressalva do entendimento que adotei nos precedentes firmados, e em atenção ao princípio da colegialidade, acato o entendimento majoritário deste Supremo Tribunal Federal, no sentido de reconhecer a possibilidade de terceirização, inclusive no âmbito das empresas concessionárias de serviço público, conforme autorização do dispositivo legal objeto da presente ação.

Julgo integralmente procedente o pedido, declarando, portanto, a constitucionalidade do art. 25, § 1º, da Lei nº 8.987/1995". (ADC 57, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 03/10/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-265  DIVULG 04-12-2019  PUBLIC 05-12-2019 – grifos postos).

O mesmo caminho é trilhado pelo Superior Tribunal de Justiça, que também reconhece a impossibilidade de ser suprimido o controle da decisão monocrática por órgãos colegiados. Cito, exemplificativamente, o julgamento do Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 417.169/RJ, em que se chancelou a atuação monocrática, desde que resguardada a possibilidade de interposição de agravo interno:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. POSSIBILIDADE DO JULGAMENTO MONOCRÁTICO DO RECURSO ESPECIAL. PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE RESPEITADO. DECISÃO AGRAVADA QUE SE SUSTENTA EM FUNDAMENTOS AUTÔNOMOS E SUFICIENTES. SÚMULA 182 DO STJ. APLICABILIDADE. AGRAVO INTERNO NÃO CONHECIDO.

1. O julgamento monocrático não viola o princípio da colegialidade, pois incidem harmonicamente os princípios da celeridade processual e presteza jurisdicional. Ademais, está "resguardada a possibilidade de interposição do agravo interno objetivando forçar o exame da matéria pelo Colegiado competente" (AgInt no AREsp 1.299.735/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 17/9/2018).

2. No caso em tela, a decisão monocrática consignou o seguinte fundamento suficiente e autônomo para obstar o recurso especial: incidência das Súmulas 7, 83 e 613 do STJ.

3. No agravo interno, o recorrente negligenciou a impugnação do óbice da Súmula 7 do STJ. Dessa forma, um dos fundamentos autônomos consignados no decisório recorrido não foi impugnado de forma específica, não se desincumbindo do ônus da dialeticidade recursal.

4. É inviável agravo interno que deixa de impugnar fundamento da decisão recorrida, por si só, suficiente para mantê-la. Incidência da Súmula 182 do STJ.

5. Agravo interno não conhecido". (AgInt no AREsp 417.159/RJ, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/03/2019, DJe 18/03/2019) – destaques postos.

 

Não se argumente com a impertinência do farto repertório jurisprudencial do Supremo sob o fundamento de que boa parte das decisões analisa impugnação apresentada a normas regimentais, e não a lei ordinária. Com efeito, interessa destacar o fundamento jurídico determinante e, em todas elas, a ratio decidendi sempre foi calcada na ausência ou impossibilidade de cabimento de recurso.

Ademais, a competência dos tribunais para elaboração dos seus regimentos internos equivalente à função legiferante e decorre de expressa outorga constitucional (artigo 96, I, "a").

O relator, inspirado no princípio da celeridade, deve atuar como "porta-voz" do colegiado e, nessa condição, antecipar-se ao que, em outro momento mais dilatado, este último fará. Não constitui – e efetivamente não é, como já afirmado – instância de julgamento. A sua atuação se volta exclusivamente para antecipar a decisão, dentro dos parâmetros fixados pela própria lei, mesmo porque o juiz natural do recurso é o órgão colegiado. Veja-se, mais uma vez, a lição de Wanessa Françolin:

"Pode-se equiparar o papel do relator ao de um ‘porta-voz avançado’: o que ele diz, supõe-se que o diga ‘antecipando’ a decisão do colegiado. Ao interessado ressalva-se o direito de desencadear um mecanismo de controle, capaz de mostrar se a ‘antecipação’ corresponde ou não ao entendimento ‘antecipado’; em outras palavras, se merece crédito o ‘porta-voz’". (FRANÇOLIN, Wanessa de Cássia. A ampliação dos poderes do relator nos recursos cíveis. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 53-54).

A citada autora, em trabalho no qual analisa, especificamente, a hipótese em questionamento, acentua os mesmos fundamentos, inclusive com base em José Carlos Barbosa Moreira:

"O ‘princípio do colegiado’ ou da ‘colegialidade’ está presente de forma inequívoca no ordenamento jurídico brasileiro. Quando a Constituição Federal estabelece a forma de composição dos tribunais nos artigos 92 e seguintes, não menciona relatores, de modo que as atribuições por ela conferidas aos Tribunais o são, em forma final, para o colegiado, e não para indivíduos que o compõem.

Barbosa Moreira registra esclarecimentos precisos sobre o tema: ‘Segundo já ficou dito, o pronunciamento do relator não deve constituir necessariamente a última palavra sobre o assunto. Assiste ao interessado (seja o recorrente, ou o recorrido, ou qualquer outro legitimado) o direito de reclamar que o julgamento se faça pelo colegiado, ao qual o ordenamento dá competência recursal, insuscetível de ser retirada’" (Os limites do julgamento monocrático nos tribunais superiores: discussão sobre a constitucionalidade da limitação prevista no art. 896-A, § 5º, da CLT. (Suplemento Trabalhista, nº 50/19. São Paulo: LTr, 2019, p. 318).

Essa afirmação ressoa na jurisprudência do STF, quando, em decisão do Plenário e a partir de julgamento de caso-piloto, se delega a competência aos demais relatores a julgarem monocraticamente outras ações que versem sobre a mesma questão jurídica, como ocorreu na questão de ordem acolhida na ACO 648, mencionada no julgamento da ACO 683:

"AGRAVO REGIMENTAL EM AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. DIREITO FINANCEIRO. FUNDO DE MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL E DE VALORIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO – FUNDEF. EMENDA CONSTITUCIONAL 14/1996. COMPLEMENTAÇÃO DA UNIÃO. FUNÇÃO SUPLETIVA. VALOR MÍNIMO NACIONAL POR ALUNO. FIXAÇÃO. LEI 9.424/1996. DECRETO 2.264/1997. FORMA DE PAGAMENTO. OBRIGAÇÃO DE PAGAR. SISTEMÁTICA DOS PRECATÓRIOS. VINCULAÇÃO À FINALIDADE CONSTITUCIONAL DE ENSINO. 1. O valor da complementação da União ao FUNDEF deve ser calculado com base no valor mínimo nacional por aluno extraído da média nacional. RE-RG 636.978, de relatoria do Ministro Cezar Peluso, Tribunal Pleno do STF. REsp 1.101.015, de relatoria do Ministro Teori Zavascki, 1ª Seção do STJ. Acórdão do Pleno TCU 871/2002. 2. A complementação ao FUNDEF realizada a partir do valor mínimo anual por aluno fixada em desacordo com a média nacional impõe à União o dever de suplementação de recursos, mantida a vinculação constitucional a ações de desenvolvimento e manutenção do ensino. ACOs 648, 660, 669 e 700, todas de relatoria do Ministro Marco Aurélio e com redação dos acórdãos a mim designada. 3. É ilegal o Decreto 2.264/1997 na medida em que extravasou da delegação legal oriunda do §1º do art. 6º da Lei 9.424/1996 e das margens de discricionariedade conferidas à Presidência da República para fixar, em termos nacionais, o Valor Mínimo Nacional por Aluno. 4. Em questão de ordem formulada pelo e. Ministro decano Celso de Mello e acolhida pela maioria do STF na ACO 648, deliberou-se por delegar aos Ministros Relatores a faculdade de decidirem monocraticamente as demais ações cíveis originárias que tratem da mesma matéria. Logo, não houve ofensa ao princípio da colegialidade e há autorização expressa do Tribunal para atuação monocrática quanto à controvérsia deduzida em juízo. 5. Não há óbice ao prosseguimento das fases cognitiva e executiva da presente demanda ou razão para o sobrestamento da ação, porquanto nos casos-piloto decidiu-se expressamente sobre a condenação da União em obrigação de pagar quantia certa, sujeita ao regime dos precatórios, mantida a vinculação constitucional das verbas a ações de desenvolvimento e manutenção do ensino. 6. No Tema 416 da sistemática da repercussão geral, cujo paradigma é o RE-RG 635.347, de relatoria atual do Ministro Luís Roberto Barroso, não se determinou a suspensão nacional dos feitos correlatos, nos termos do art. 1.035, §5º, do CPC/15. Conforme orientação do Tribunal Pleno do STF, ressalvada ótica pessoal, trata-se de atividade discricionária do Relator. RE-RG-QO 966.177, de relatoria do Ministro Luiz Fux, Tema 924. 7. Agravo regimental a que se nega provimento, com prejuízo do pleito de atribuição de efeito suspensivo". (ACO 683 AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-035  DIVULG 18-02-2020  PUBLIC 19-02-2020 – destaques postos).

Não há hipótese semelhante no exame da transcendência, em atuação monocrática, pois, como ressaltado, permanece no exclusivo critério adotado em cada agravo de instrumento por Ministro desta Corte, individualmente, portanto, sem o crivo do órgão que compõe.

Ressalte-se, ademais, que o STF tem reconhecido não ocorrer violação ao citado princípio nas situações em que o órgão atua em sua composição mínima, exigência necessária exatamente para privilegiá-lo, em face da garantia do juiz natural conferida ao órgão judicante, e não aos magistrados que o integram:

"AGRAVOS REGIMENTAIS EM AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. 1. SEGUNDOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS OPOSTOS EM FACE DE ACÓRDÃO CONDENATÓRIO. INSURGÊNCIAS MANIFESTAMENTE PROTELATÓRIAS. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. PREVISÃO REGIMENTAL. POSSIBILIDADE. 2. INSURGÊNCIA QUANTO À COMPOSIÇÃO DA SEGUNDA TURMA POR OCASIÃO DO JULGAMENTO DOS PRIMEIROS EMBARGOS. QUÓRUM REGIMENTAL RESPEITADO. AUSÊNCIA DE NULIDADE. 3. DETERMINAÇÃO DE CERTIFICAÇÃO DO TRÂNSITO EM JULGADO DAS CONDENAÇÕES. LEGALIDADE. 4. AGRAVOS REGIMENTAIS DESPROVIDOS. 1. O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal confere ao Relator poderes para ordenar e dirigir o processo (art. 21, I), atribuindo-lhe ainda competência para negar seguimento a pedidos ou recursos manifestamente inadmissíveis ou improcedentes (art. 21, §1°). Embora não caiba pronunciamento no campo individual que acarrete eventual acolhimento dos Embargos de Declaração para o fim de proceder-se à integração de acórdão proferido pelo órgão colegiado, incumbe ao Relator, por decorrência de atribuições regimentais próprias, a negativa de seguimento a recurso manifestamente inadmissível ou incabível. 2. A incompletude da composição do órgão colegiado, desde que observado o quórum mínimo previsto no art. 147 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, não desqualifica a prestação jurisdicional colegiada. A previsão regimental da possibilidade de prestação jurisdicional pelo órgão colegiado a partir da presença de, no mínimo, 3 (três) Ministros, no caso das Turmas, independentemente do recurso, ação ou incidente processual incluído na pauta de julgamentos, destina-se justamente a preservar o princípio da colegialidade, em nada afetando a garantia ao juiz natural, prevista no art. 5º, LIII, da Constituição Federal, que, no caso específico, repousa sobre o órgão judicante, e não sobre os magistrados que o integram. 3. Evidenciada a viabilidade do pronunciamento monocrático acerca do não cabimento dos segundos embargos declaratórios opostos pelos ora agravantes, tem-se, por conseguinte, a legalidade da determinação de certificação do trânsito em julgado das condenações, com expedição dos mandados de prisão para fins de início do cumprimento das penas privativas de liberdade que lhes foram impostas nos autos da AP 996. Corolário lógico do juízo de não cabimento dos embargos declaratórios, porque manifestamente protelatórios, é o esgotamento do procedimento cognitivo de mérito da pretensão penal acusatória, momento em que se torna efetivo o pronunciamento jurisdicional condenatório. 4. Agravos regimentais desprovidos". (Pet 8510 AgR-segundo, Relator(a): EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 22/06/2020, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-164  DIVULG 29-06-2020  PUBLIC 30-06-2020  destaques acrescidos).

Repiso que o órgão judicante, no caso em análise, é uma das Turmas desta Corte, por força de expressas previsões legal e regimental, e não um dos seus integrantes.

Ademais, não se pode considerar a transcendência como requisito meramente administrativo, diante da definitividade dos efeitos da decisão denegatória no processo. Recorro, mais uma vez, à lição da mencionada Autora no aludido trabalho:

"A prevalecer a tese da irrecorribilidade da questionada decisão, o jurisdicionado não terá a oportunidade, nesse caso, de submeter a questão controvertida ao órgão colegiado do tribunal em momento algum. No caso do agravo de instrumento em recurso de revista, o TST é o colegiado, pois se trata de recurso interposto contra decisão monocrática da Presidência do tribunal local, e não pode o órgão superior se furtar à apreciação da matéria.

A decisão unipessoal que define a existência ou não de transcendência não pode ser considerada de caráter meramente administrativo ou de encaminhamento do relator, pois tem conteúdo que pode causar dano irreparável ao jurisdicionado, à medida que impede o conhecimento do recurso e, por possuir caráter terminativo, também por esse motivo deverá ser passível de reapreciação pelo colegiado, caso a parte prejudicada assim deseje" (Obra citada, p. 318-319).

No mesmo sentido, manifesta-se Cláudio Gomes Carneiro:

"A restrição imposta pela referida legislação ao direito de recorrer, no caso específico da transcendência, fere, ainda, o princípio da colegialidade, que assegura às partes o direito de ver seu recurso apreciado pela Instância colegiada.

[...]

Note-se, que a manifestação acerca da transcendência é de extrema relevância, não se prestando o instituto como mero instrumento para obstar o trânsito de recurso de revista. Na verdade, ao decidir sobre a transcendência ou não de determinada matéria, estará o Tribunal Superior do Trabalho, na qualidade de Corte de Precedentes, como destacam os ilustres autores, definindo quais as matérias trabalhistas, por sua relevância, que merecerão exame e julgamento na esfera extraordinária. A definição desse rol de matérias reclama, sem dúvida, um posicionamento firme e unificado de todos os membros da Corte Superior, em atenção ao Princípio da Colegialidade" (A aplicação prática da transcendência no âmbito do tribunal superior do trabalho e a ofensa ao princípio da colegialidade. Revista LTr, v. 82, nº 4, Abril de 2018, p. 417).

A conclusão pela inconstitucionalidade é assentada na doutrina:

"A vedação expressa do art. 896-A, § 5º, da CLT, nesse sentido, traduz violação aos princípios constitucionais da ampla defesa, contraditório e devido processo legal, bem como aos princípios gerais da colegialidade, e está isolada em um conjunto legislativo que estabelece como regra geral a recorribilidade das decisões do relator" (FRANÇOLIN, Wanessa. Os limites do julgamento monocrático nos tribunais superiores: discussão sobre a constitucionalidade da limitação prevista no art. 896-A, § 5º, da CLT. (Suplemento Trabalhista, nº 50/19. São Paulo: LTr, 2019, p. 318).

Portanto, ao suprimir a possibilidade de revisão pela Turma e, em consequência, violar o Princípio da Colegialidade, tido como integrante da tradição histórica do Poder Judiciário e, por conseguinte, princípio constitucional implícito, decorrente do princípio do juiz natural (artigo 5º LIII, CF/88), além da firme e reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o dispositivo se revela inconstitucional.

II – VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL (ARTIGO 5º, LIII, DA CF/88)

Como salientado alhures, a Constituição definiu a estrutura dos órgãos da Justiça do Trabalho. Fê-lo no artigo 111 e, no inciso I, nominou o "Tribunal Superior do Trabalho".

De igual modo, afirmou-se, acima, a delegação, à lei ordinária, por força do artigo 113, também da Constituição, da regulamentação da estrutura, o que ocorreu, neste Tribunal, por intermédio da Lei nº 7.701, de 21 de dezembro de 1988, que previu a divisão em turmas e seções especializadas.

Acrescente-se a expressa previsão contida no artigo 702, § 2º, "c", da CLT, que confere às Turmas a competência para julgamento dos agravos de instrumento dos despachos que negarem seguimento a recursos de revista.

Assim, o órgão incumbido de julgar, ou seja, o juiz natural do julgamento dos agravos de instrumentos interpostos das decisões denegatórias dos recursos de revista é a Turma, e apenas a Turma, como reproduzido no Regimento Interno desta Corte, também anteriormente citado (artigo 79, II).

Elucidativas, nesse particular, as palavras de Vladmir Passos de Freitas, ao vincular a compreensão do juiz natural à prévia fixação da competência por lei:

"Juiz natural é aquele com competência fixada em lei para processar e julgar a controvérsia levada ao Poder Judiciário". (O princípio do juiz natural em um mundo em transformação. Conjur. Brasília, 23 set. 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-set-23/segunda-leitura-principio-juiz-natural-mundo-transformacao>. Acesso em: 09 dez. 2018.

Na mesma linha a jurisprudência do STF representada por trecho da decisão monocrática proferida pelo Ministro Celso de Mello no MS 28.712 MC, j. 6-5-2010, DJE de 11-5-2010:

""(...) o postulado do juiz natural deriva de cláusula constitucional tipicamente bifronte, pois, dirigindo-se a dois destinatários distintos, ora representa um direito do réu ou do indiciado/sindicado (eficácia positiva da garantia constitucional), ora traduz uma imposição ao Estado (eficácia negativa dessa mesma garantia constitucional). O princípio da naturalidade do juízo, portanto, encerrando uma garantia constitucional, limita, de um lado, os poderes do Estado (impossibilitado, assim, de instituir juízos ad hoc ou de criar tribunais de exceção) e assegura, ao acusado (ou ao sindicado/indiciado), de outro, o direito ao processo (judicial ou administrativo) perante autoridade competente, abstratamente designada na forma de lei anterior (vedados, em consequência, os juízos ex post facto)".

O relator atua por mera delegação, nos casos autorizados em lei ou dispositivo regimental, por não constituir instância julgadora.

Ao tornar definitiva a decisão proferida por órgão não investido por lei de tal competência, a questionada norma colide frontalmente com o artigo 5º, LIII, da Constituição da República, um dos pilares do Estado Democrático de Direito.

Em última análise, também o direito de acesso à justiça, na sua concepção substancial, na medida em que priva a parte prejudicada do direito de ter a decisão revista pelo órgão colegiado incumbido de tal mister.

III – VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA E DA ISONOMIA (ARTIGO 5º,CAPUT, CF/88)

Outro aspecto que fortalece a argumentação em torno da inconstitucionalidade da norma em referência consiste na violação ao Princípio da Segurança Jurídica, compreendido por Dirley da Cunha Júnior como modalidade de "garantia fundamental dos regimes democráticos, que consagra a proteção da confiança e a segurança de estabilidade das relações jurídicas constituídas" e se traduz na "garantia da certeza e estabilidade das relações ou situações jurídicas (vertente objetiva da segurança jurídica) e a proteção à confiança ou à confiança legítima (vertente subjetiva da segurança jurídica". (CUNHA JÚNIOR, Dirley. Curso de Direito Constitucional. 14ª ed. Salvador: Juspodivm, 2020. p. 663).

Aplicado no campo do processo, materializa-se no preceito contido no artigo 926 do CPC segundo o qual "Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente", preceito que confere os atributos da jurisprudência, inteiramente aplicáveis ao processo do trabalho por força do artigo 15 também do CPC.

Inaugurou-se, a partir do citado Diploma Processual, uma nova era na atividade jurisprudencial dos tribunais. Além da preservação do dever de uniformizar, isto é, definir a orientação decorrente da aplicação de suas decisões e fixar a interpretação definitiva para a norma jurídica trabalhista, ou seja, dar a última palavra em matéria trabalhista – ressalvada, como é óbvio, a competência do Supremo Tribunal Federal –, para cujo mister se utilizará dos diversos incidentes destinados à formação de precedentes judiciais, foram introduzidos três outros atributos qualificadores da jurisprudência: a estabilidade, compreendida como a necessidade de fiel observância da tese jurídica prevalecente e serem evitadas mudanças ocasionais; a integridade, a significar a ausência de inconsistências nas teses predominantes; e a coerência, a revelar o dever de autorreferência dos tribunais, de modo a manter a aplicação da mesma tese em casos semelhantes e, com isso, evitar a ocorrência de contradição.

Esclarece Eduardo Cambi, a respeito do significado de cada um desses atributos, tidos por ele como deveres impostos aos tribunais:

"O dever de coerência implica não apenas uma padronização de decisões, mas, também, que a jurisprudência esteja conectada a uma dimensão de moralidade comum.

[...]

Já o dever de integridade pode ser relacionado e explicado a partir do pensamento de Ronald Dworkin, que considera que existe um diálogo entre o que chama de teoria política utópica, tendo como referência o utopismo próprio do mundo renascentista, e os moldes desenvolvidos por Thomas Morus, denominado de política comum. A diferença entre essas duas concepções é que as projeções utópicas descritas nas obras clássicas do pensamento da filosofia política pressupõem acordos constitutivos de suas sociedades a partir de uma tábula rasa, enquanto que as comunidades reais possuem já referências históricas na composição de seus valores. No entanto, em relação às considerações comuns, Dworkin assinala que a ‘política comum compartilha com a teoria política utópica certos ideais políticos, os ideais de uma estrutura política imparcial, uma justa distribuição de recursos e oportunidades e um processo equitativo de fazer vigorar as regras e os regulamentos que os estabelecem’.

[...]

Além disso, o dever de estabilidade em relação à jurisprudência dos tribunais tem íntima relação com a concepção da stare decisis própria do Common Law. Porém, ao contrário da integridade e da coerência, que são variáveis que possuem um lastro doutrinário mais evidente, não existe um autor ou um sistema de pensamento que possa se relacionar de forma originária ou preponderante com o dever de estabilidade.

[...] Portanto, o dever de estabilidade, contido no artigo 926 do CPC (LGL20151656), deve significar previsibilidade e condição para o tratamento igualitário, que se traduzem por respeito ao processo de desenvolvimento institucional do direito, que deve estar referendado pelos princípios e objetivos constitucionais. Tais parâmetros jurídicos impedem que haja um protagonismo irresponsável do Poder Judiciário que possa consagrar retrocessos na proteção dos direitos humano-fundamentais, isto é, um contrafluxo utópico por via jurisprudencial.

Por fim, o dever de uniformidade é um padrão decisório que permite a produção de efeitos semelhantes. Tem-se a preocupação em preservar um grau, ainda que variável, de efeitos similares produzidos na aplicação, por diferentes jurisdições, de normas jurídicas compartilhadas. Em outras palavras, o "direito uniforme" caracteriza-se por comportar regras concebidas para serem compartilhadas em diferentes jurisdições" (Levando a esperança a sério: os deveres dos tribunais em relação à jurisprudência (art. 926/CPC) e a efetivação da dignidade humana. Revista dos Tribunais, v. 1004/2019, Jun/2019, p. 10).

Daniel Amorim Assumpção Neves segue a mesma trilha doutrinária:

"Como ensina a melhor doutrina, a uniformização de jurisprudência atende à segurança jurídica, à previsibilidade, à estabilidade, ao desestímulo à litigância excessiva, à confiança, à igualdade perante a jurisdição, à coerência, ao respeito à hierarquia, à imparcialidade, ao favorecimento de acordos, à economia processual (de processos e despesas) e à maior eficiência.

[...]

A estabilidade da jurisprudência impede que os tribunais simplesmente abandonem ou modifiquem sem qualquer justificativa plausível (por vezes até mesmo sem qualquer justificativa) seus entendimentos consolidados. Não pode o tribunal, sob pena de violar o princípio da isonomia jurídica e, principalmente, da segurança jurídica, simplesmente deixar de aplicar um entendimento consolidado sem justificativa séria, palatável e devidamente exposta.

[...]

Jurisprudência íntegra é aquela construída levando-se em consideração o histórico de decisões proferidas pelo tribunal a respeito de uma mesma matéria jurídica, ou seja, para se formar uma jurisprudência íntegra devem ser considerados todos os fundamentos rejeitados e acolhidos nos julgamentos que versam sobre a mesma matéria jurídica.

[...]

A coerência exigida pelo art. 926, caput do Novo CPC, é da própria essência da ideia de uniformização de jurisprudência, porque assegura uma aplicação isonômica do entendimento consolidado em casos semelhantes, ou seja, que versem sobre a mesma questão jurídica". (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 8ª ed. v. único. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 1.300-1.303).

Esses novos atributos destinam-se a garantir os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia de tratamento entre os destinatários das decisões proferidas, de modo a instalar na sociedade a expectativa quanto à interpretação atribuída por este Tribunal à questão jurídica levada à sua apreciação, tal como previsto no § 4º do artigo 927 do CPC, e todos estarem sujeitos e de forma igual à mesma tese jurídica.

Aliás, quando da tramitação do projeto em que se converteu a Lei nº 13.467/2017, uma das justificativas de que mais se ouviu falar foi exatamente a busca da segurança jurídica, diante da possibilidade de interpretações conflitantes que se atribuía a esta Corte – injustificada e injustificadamente, digo eu – da instabilidade na sua jurisprudência, muitas vezes jocosamente adjetivada de "loteria jurídica". Como exemplo: "Segurança jurídica é pilar da modernização trabalhista", em "O Globo", dia 23/03/2018; "EMPRESAS ESTÃO OTIMISTAS COM REFORMA TRABALHISTA: Executivos dizem que reforma traz segurança jurídica; lojas já anunciam trabalho intermitente", Pequenas Empresas Grandes Negócios, dia 29/10/2017; "Reforma trabalhista melhora ambiente de negócios. Com mais segurança jurídica, empresários se mostram encorajados a contratar. Na avaliação de especialistas, a modernização das relações de trabalho será o motor da geração de empregos", Estado de Minas, 22/03/2018.

Ao comentar o dispositivo em análise, Teresa Arruda Alvim Wambier e outros esclarecem a necessidade da estabilização da jurisprudência:

"A alteração da jurisprudência pode, é claro, e deve mesmo ocorrer em certas circunstâncias. Mas não deve haver com a frequência em que tem ocorrido nas últimas décadas no Brasil. A prática que se tornou corriqueira nos nossos tribunais ofende o princípio da confiança, da segurança jurídica e da isonomia. Mais do que isso: causa tumulto, ensejando a recorribilidade irresponsável" (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil artigo por artigo. 2ª ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 1463.

A respeito do alcance e conteúdo desse princípio, valho-me de rica passagem em acórdão da 7ª Turma, da lavra do eminente Ministro Vieira de Mello Filho nos autos do ARR-11153-26.2015.5.03.0186, que, com amparo na doutrina de Humberto Ávila, os define com precisão:

"Dentro do mundo jurídico, a segurança também exige a estabilidade das relações jurídicas, considerando a durabilidade das leis, a anterioridade legal e a conservação dos direitos adquiridos.

A lei também deve ser igualitária, em seu conteúdo e aplicação, com soluções isonômicas para os destinatários legais em idêntica situação. A uniformidade da jurisprudência e o tratamento indiscriminado dos jurisdicionados também é um dos objetivos da segurança jurídica.

Ainda incipiente, o Direito brasileiro, aproximando-se do sistema da common law, passou a adotar a sistemática de precedentes e a construir um stare decisis brasileiro. Destaca-se o aumento de poderes do relator, o efeito vinculante das decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade, a súmula vinculante, a repercussão geral, a sistemática dos recursos repetitivos e o incidente de assunção de competência.

A propósito, a vinculação e a persuasão vertical dentro dos órgãos do Poder Judiciário (juízos de primeira instância e Tribunais revisores) são absolutamente dependentes da vinculação horizontal dentro do próprio Tribunal. Primeiramente, os Tribunais de cúpula precisam observar e respeitar os seus próprios precedentes, para somente depois exigir uniformidade de entendimento das instâncias ordinárias (PEIXOTO, Ravi. "Superação do Precedente e Segurança Jurídica". 2ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 121-124)

É extremamente importante a previsibilidade do julgamento e a solução igualitária dos litígios. Somente assim os jurisdicionados poderão compreender e aceitar a interpretação normativa definida pelas Cortes superiores, tomando decisões e comprometendo recursos baseados na confiança de estabilidade e de certeza da jurisprudência.

Novamente segundo Humberto Ávila, um dos objetos da segurança jurídica é a segurança comportamental, com a possibilidade de prever a reação dos órgãos jurídicos ao comportamento dos cidadãos, sendo possível antever os efeitos a serem atribuídos a uma ação. (ÁVILA, Humberto. "Teoria da Segurança Jurídica". São Paulo: Malheiros, 2016, p. 160-161)

A segurança jurídica também reside na previsibilidade dos comportamentos. As relações jurídicas dentro da sociedade - qualquer negócio jurídico público ou privado - devem ser passíveis de planejamento e confiáveis na prática".

Destaco a necessidade da estabilidade das relações jurídicas, como elemento integrante da segurança jurídica, o que somente se alcançará se as questões forem objeto de pacificação neste Tribunal, o que, com o devido respeito aos eminentes pares que se posicionam de maneira diferente, não mais ocorre a partir do momento em que se atribui absoluta e plena liberdade ao Ministro Relator de decidir e sem qualquer espécie de controle posterior pela Turma julgadora.

Em sentido semelhante, a abalizada doutrina de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero:

"A segurança jurídica não é um fim em si mesmo: a interpretação judicial do direito deve ser segura (cognoscível, estável e confiável) a fim de que seja possível a cabal realização dos princípios da liberdade e da igualdade. Tampouco a coerência é um fim em si mesmo: a coerência – junto com a universabilidade – constitui um postulado que visa a aferir a racionalidade do resultado interpretativo. E a racionalidade é um componente essencial do direito. O sistema jurídico deve ser seguro e as normas que o compõem devem ser coerentes (deve existir urna conexão de sentido que denote um suporte circular, complexo e gradual entre as normas: deve haver consistência e completude no plano formal e dependência recíproca e comunidade de elementos no plano substancial)" (Novo Código de Processo Civil Comentado. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 1.005).

Para que cada um dos órgãos julgadores possa escrever o "romance em cadeia", valendo-me, aqui, da metáfora de Dworkin, é necessário que todos preservem a coerência na aplicação do direito.

Cabe a advertência feita por Wanessa Françolin:

"Conquanto tenha o art. 896-A, § 1º, da CLT enumerado as circunstâncias que indicam a transcendência, é fácil perceber que há elevado grau de discricionariedade para a sua aferição, somado ao fato de que essa previsão foi recentemente introduzida no ordenamento jurídico (Lei nº 13.467/2017). Assim, não se recomenda o uso indistinto de julgamento monocrático, sem que se tenha formado entendimento prévio pelo colegiado, pois a decisão unipessoal deve sempre ser pautada em precedentes, ainda escassos nas hipóteses de transcendência.

A vedação expressa do art. 896-A, § 5º, da CLT, nesse sentido, traduz violação aos princípios constitucionais da ampla defesa, contraditório e devido processo legal, bem como aos princípios gerais da colegialidade, e está isolada em um conjunto legislativo que estabelece como regra geral a recorribilidade das decisões do relator" (Os limites do julgamento monocrático nos tribunais superiores: discussão sobre a constitucionalidade da limitação prevista no art. 896-A, § 5º, da CLT. (Suplemento Trabalhista, nº 50/19. São Paulo: LTr, 2019, p. 319).

Assim, deve caber à Turma decidir sobre a natureza transcendente ou não da causa, até para evitar que ocorram julgamentos contraditórios no âmbito do mesmo Colegiado e sem possibilidade de revisão, conduzidos pelo juízo discricionário e absoluto de cada um dos relatores que a integra em definir a causa que preencha ou não o questionado requisito.

Deslocar-se para o relator, na hipótese questionada, o controle pleno e absoluto da jurisprudência, sem a possibilidade de sofrer o devido reparo, quando necessário e cabível, pelo Colegiado de que faz parte, atenta contra os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, todos eles insculpidos no artigo 5º, caput, da Constituição.

IV – INCONGRUÊNCIA DOS PROCEDIMENTOS ADOTADOS PELA LEI NO JULGAMENTO DOS RECURSOS DE REVISTA E DE AGRAVOS DE INSTRUMENTO – FALTA DE RAZOABILIDADE DA INTERPRETAÇÃO LITERAL DO DISPOSITIVO – VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA (ARTIGO 5º, CAPUT, CF/88)

Merece ainda ser ressaltada a incongruência traçada pelo legislador no processamento dos recursos de revista e de agravos de instrumento.

Como salientado anteriormente, em ambos os casos, o Ministro Relator deverá promover o exame prévio da presença de transcendência na causa a ser por ele decidida e poderá fazê-lo em decisão unipessoal, a partir dos recursos interpostos.

Se se tratar de recurso de revista, a decisão por ele proferida poderá ser impugnada pela parte prejudicada, por meio de interposição de agravo interno expressamente previsto no § 2º do artigo 896-A, já mencionado.

Em se tratando de agravo de instrumento em recurso de revista, a decisão assumiria caráter de definitividade, o que não parece razoável, sobretudo porque a diferença maior entre as duas hipóteses recursais reside na aparente conformidade do acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho com a jurisprudência desta Corte ou na ausência de pressupostos de conhecimento do recurso de revista. Nas duas situações, contudo, o que está submetido à apreciação desta Corte é a possibilidade de ser admitido o recurso de revista, embora obstado inicialmente pelo Presidente do TRT, no caso do agravo de instrumento.

Não parece, pois, razoável que subsista essa inequívoca incongruência: se houve, na análise primeira e perfunctória, a aparente dissonância entre a decisão do TRT com a jurisprudência deste Tribunal ou aparente desconformidade com o sistema constitucional e legal, a decisão monocrática do relator que afasta a transcendência é recorrível; se houve aparente conformidade da decisão regional, a apreciação pelo relator é insuscetível de reexame pelo órgão colegiado.

Saliente-se que não cabe levar em consideração, como argumento, o fato de haver sido proferida uma primeira decisão denegatória de admissibilidade do recurso de revista, a qual, em tese, revelaria menor probabilidade de êxito quanto ao acatamento da tese do recorrente, porque os Presidentes dos Tribunais Regionais do Trabalho sequer examinam a transcendência em virtude de expressa vedação legal. Portanto, o exame da presença ou não dos indicadores da transcendência ocorre apenas neste Tribunal, seja em recurso de revista, seja em agravo de instrumento.

Tal interpretação, como visto, foge à razoabilidade e, nesse aspecto, o Supremo Tribunal Federal admite a possibilidade de ser adotado a violação ao princípio da razoabilidade como fundamento para proclamar-se a inconstitucionalidade de dispositivo de lei, como afirmado na ADI 1511 MC (Rel. Min. Carlos Velloso, Tribunal Pleno, julgado em 16/10/1996, DJ 06-06-2003 PP-00030  EMENT VOL-02113-01 PP-00071).

Ademais, a dicotomia dos procedimentos referidos acaba por ferir o princípio da isonomia (artigo 5º, caput, CF/88), pois, no caso do recurso de revista, haverá a possibilidade de interposição de agravo interno para a Turma, ao passo que, em agravos de instrumento, permanecerá a decisão solitária do relator.

V – DECISÕES IRRECORRÍVEIS

Argumento em sentido contrário à tese de inconstitucionalidade poderia decorrer do fato de o legislador, em circunstâncias específicas, conceber a existência de decisões irrecorríveis ou mesmo limitar as hipóteses de cabimento de recurso, a exemplo do que ocorre, no processo do trabalho, por exemplo, com os denominados "dissídios de alçada" (artigo 2°, §4° da Lei 5.584/70) e nos processos sujeitos ao rito sumaríssimo (artigo 896, § 2º, da CLT).

Contudo, em tais situações, o valor jurídico abraçado pelo legislador foi a duração razoável do processo em face do valor reduzido atribuído à causa (até dois salários mínimos no primeiro e até quarenta, no segundo), o que não pode ser estendido à transcendência, sobretudo porque não há parâmetros objetivos por ele fixados nos quais possa o relator se basear.

Ademais, veja-se que, em relação à instância recursal pertinente à atuação dos Juizados Especiais Cíveis, o Supremo Tribunal Federal, ao fixar a tese de repercussão geral no Tema nº 128, destacou, como fundamento determinante do acolhimento da tese do não cabimento de recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça, a circunstância peculiar de serem órgãos compostos por juízes de primeiro grau – e não,  tribunais, tampouco constarem entre os órgãos do Poder Judiciário. Confira-se:

"Observo, ainda, por oportuno, que a Constituição não arrola as Turmas Recursais dentre os órgãos do Poder Judiciário, os quais são por ela discriminados, em numerus clausus, no art. 92. Apenas lhes outorga, no art. 98, I, a incumbência de julgar os recursos provenientes dos Juizados Especiais. Vê-se, assim, que a Carta Magna não conferiu às Turmas Recursais, sabidamente integradas por juízes de primeiro grau, a natureza de órgãos autárquicos do Poder Judiciário, e nem tampouco a qualidade de tribunais, como também não lhes outorgou qualquer autonomia com relação aos Tribunais Regionais Federais. É por essa razão que, contra suas decisões,

não cabe recurso especial ao Superior Tribuna l de Justiça, a teor da Súmula 203 daquela Corte, mas tão somente recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, nos termos de sua Súmula 640. Isso ocorre, insisto, porque elas constituem órgãos recursais ordinários de última instância relativamente às decisões dos Juizados Especiais, mas não tribunais, requisito essencial para que se instaure a competência especial do STJ. (RE 590409, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 26/08/2009, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-204  DIVULG 28-10-2009  PUBLIC 29-10-2009 EMENT VOL-02380-07  PP-01403 RTJ VOL-00218-01 PP-00578 LEXSTF v. 31, n. 371, 2009, p. 275-288).

A premissa poderia ser aplicada ao julgamento monocrático pelos relatores que, tal como as Turmas Recursais aludidas, não são órgãos do Poder Judiciário e, em tal condição, não podem decidir senão nos casos de competência delegada pelo órgão colegiado.

VI – PRIMEIRAS "SINALIZAÇÕES" DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O TEMA

Em recentes decisões, o Supremo Tribunal Federal emitiu as "primeiras sinalizações" sobre o dispositivo em decisões que apreciaram pedidos formulados em reclamações constitucionais respaldadas na usurpação de sua competência.

Na primeira, proferida em 4 de julho do corrente ano na Reclamação nº 34.892/SP, o Ministro Relator, Edson Fachin, julgou ser inviável o cabimento da ação em virtude de não considerar haver sido caracterizada a usurpação afirmada ou sido atacada, por impertinente, a Súmula Vinculante 37, do seguinte teor: "Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento de isonomia".

Também proclamou o não cabimento da aludida ação em virtude de não ser substituta de recurso ou ação rescisória e que a fundamentação do relator, para o indeferimento da pretensão recursal, residiria no fato de ser matéria estritamente processual.

Observa-se, de logo, que nada foi dito sobre eventual constitucionalidade do dispositivo. Mais ainda, proclamou-se o não cabimento da reclamação por não ser substitutiva de recurso (ou de ação rescisória).

Certo é, porém, que poderia indicar, ainda que em sede provisória própria da liminar, um primeiro "sinal" afirmativo quanto à constitucionalidade do dispositivo.

Outra, porém, se verificou em direção distinta, de modo a indicar a possível – e por mim afirmada, data venia – inconstitucionalidade.

Isso ocorreu na Medida Cautelar na Reclamação nº 35.816, proposta em face de decisão proferida no Agravo de Instrumento no Recurso de Revista nº 16706-64.2016.5.16.0022, em que foi questionada a falta de observância dos pressupostos contidos no § 1º-A, I, do artigo 896 da CLT como obstáculo ao exame da transcendência e, em consequência, a determinação de imediata baixa dos autos, diante da ausência de recurso, como revela trecho da decisão impugnada, que ora transcrevo:

"Assim, no caso concreto, pelo prisma da transcendência, o recurso de revista não atende aos requisitos do art. 896-A, caput e § 1º, da CLT, uma vez que a controvérsia aqui emergente (inobservância do art. 896, § 1º-A, I, da CLT) não é nova no TST e encontra solução na jurisprudência reiterada desta Corte em desfavor do Recorrente (conforme os precedentes suprarreferidos), independentemente da questão jurídica esgrimida no recurso de revista (responsabilidade subsidiária da administração pública) ou do valor arbitrado à condenação (R$ 15.000,00 – pág. 85), importância de pouca relevância para a entidade pública.

Por outro lado, não sendo mais recorrível dentro deste Tribunal o despacho denegatório do agravo de instrumento, por falta de transcendência do recurso denegado, inclusive por embargos declaratórios, em face de sua natureza recursal (Súmula 421, II, do TST), e não sendo admissível recurso extraordinário para rediscussão dos requisitos de admissibilidade dos recursos de competência de outros tribunais, por ausência de repercussão geral (STF-RE 598.365 RG/MG, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 26/03/10; ARE 697.560 AgR/MG, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 05/03/13; ARE 733.114/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 03/04/13; ARE 646.574/PA, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 18/02/13), a consequência natural é a formação da coisa julgada, com a imediata baixa dos autos à origem" (grifos postos).

Ao determinar a suspensão dos efeitos da decisão impugnada, a Ministra Cármen Lúcia, Relatora, embora não tenha examinado diretamente a questão jurídica pertinente ao dispositivo objeto do presente incidente, tangenciou a apreciação da ausência de recurso da decisão unipessoal proferida, por obstar a possibilidade de exame da controvérsia pela Turma e, posteriormente, sob o prisma da questão constitucional, pelo Supremo Tribunal Federal. Veja-se:

"6. Daí a interposição do recurso de revista ao qual o Tribunal Superior do Trabalho reputou destituído de transcendência econômica, política, social e jurídica a justificar seu exame e determinou a certificação do trânsito em julgado, com a consequente baixa dos autos à origem. Ao fazê-lo, subtraiu da parte a possibilidade de impugnar a decisão monocrática no órgão colegiado daquele Tribunal e, em seguida, submeter o exame da controvérsia ao Supremo Tribunal em recurso extraordinário. Eventual recurso extraordinário, se interposto, conduziria o Presidente daquele Tribunal a cotejar a matéria recorrida com paradigma emanado no julgamento de repercussão geral. Se reconhecida a incompatibilidade e o órgão julgador do qual emanou a decisão recorrida não retratasse sua decisão, o recurso extraordinário seria encaminhado a este Supremo Tribunal para julgamento. Por outro lado, se aquela autoridade assentasse a compatibilidade com a matriz jurisprudencial, a parte disporia do instrumento da reclamação para arguir a harmonia, ou não, desta decisão com o paradigma de repercussão geral, podendo trazer a questão ao cuidado deste Supremo Tribunal em sede de reclamação, desde que esgotada a instância ordinária.

Agregue-se a isso que, enquanto pendesse de julgamento pela instância superior, a parte poderia ainda ter impugnado a decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho, por possível contrariedade a precedente jurisprudencial dotado de efeito vinculante e erga omnes ou por descumprimento de súmula vinculante.

7. Ao decretar a ausência de transcendência da matéria veiculada no recurso e a imediata certificação de trânsito em julgado e baixa à origem, a autoridade reclamada cuidou de suprimir, a um só tempo, todos os meios de submissão da questão constitucional controvertida ao órgão colegiado que integra e ao Supremo Tribunal Federal" (destaques postos) .

Destaco, pela importância, os trechos da decisão em que a eminente Ministra Relatora – que integra a mesma Turma do Ministro Edson Fachin – menciona a supressão do meio de submissão da decisão monocrática do relator ao órgão colegiado do qual faz parte como elemento relevante a ser considerado – como, de fato, o foi – para autorizar a concessão da medida postulada, em virtude impossibilitar o reexame e, também, inviabilizar a constatação de questão constitucional passível de ser examinada pela Suprema Corte, caso interposto e acolhido eventual recurso extraordinário.

Referiu-se, inicialmente:

"Ao fazê-lo, subtraiu da parte a possibilidade de impugnar a decisão monocrática no órgão colegiado daquele Tribunal e, em seguida, submeter o exame da controvérsia ao Supremo Tribunal em recurso extraordinário".

Depois:

"7. Ao decretar a ausência de transcendência da matéria veiculada no recurso e a imediata certificação de trânsito em julgado e baixa à origem, a autoridade reclamada cuidou de suprimir, a um só tempo, todos os meios de submissão da questão constitucional controvertida ao órgão colegiado que integra e ao Supremo Tribunal Federal".

Assinalo que a própria concessão da medida liminar revela a presença de um possível precedente forte, pois foi desconsiderado, de plano - embora ainda sujeita a revisão pelo colegiado do STF -, o ato do Ministro Relator do AIRR que declarou o trânsito em julgado da decisão, tanto que a Ministra Relatora admitiu o cabimento da reclamação, muito embora haja expressa vedação no artigo 988, § 5º, do CPC.

É certo que há julgados outros que rejeitam pretensões formuladas em reclamação, seja por proclamarem a tese da inocorrência do que se qualifica como "estrita aderência", em especial com a ADPF nº 324, alegada com frequência, seja por reconhecerem o descabimento da reclamação em virtude de a decisão haver transitado em julgado, mas são registrados precedentes na mesma linha dos já mencionados:

"Ementa: CONSTITUCIONAL, TRABALHISTA E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. OFENSA AO QUE DECIDIDO POR ESTE TRIBUNAL NO JULGAMENTO DA ADPF 324 E DO RE 958.252 (TEMA 725 DA REPERCUSSÃO GERAL). RECURSO PROVIDO. 1. A controvérsia, nestes autos, é comum tanto ao decidido no julgamento da ADPF 324, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, quanto ao objeto de análise do Tema 725 (RE 958.252, Rel. Min. LUIZ FUX), em que esta CORTE fixou tese no sentido de que: É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante. 2. Por esse motivo, apesar da decisão impugnada ter sido proferida antes da conclusão do julgamento da ADPF 324 (Rel. Min. ROBERTO BARROSO), verifico que o recurso interposto com base no Tema 725 foi obstado pela ausência de transcendência da matéria, segundo a compreensão da autoridade reclamada, a sugerir, consequentemente, que a solução do presente caso observe as diretrizes desta CORTE quanto ao ponto. 3. Recurso de Agravo ao qual se dá provimento". (Rcl 39351 AgR, Relator(a): ROSA WEBER, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 11/05/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-125  DIVULG 20-05-2020  PUBLIC 21-05-2020);

"Embargos de declaração no agravo regimental na reclamação. 2. Ausência de omissão, contradição, obscuridade ou erro material. 3. Reclamação contra decisão proferida pelo TST que negou seguimento ao AIRR por ausência de transcendência. 4. Incidência do tema 1.046, da repercussão geral. Matéria constitucional. Usurpação da competência do STF. Ocorrência. 5. Determinação de sobrestamento do Processo AIRR1001384-62.2017.5.02.0435, até ulterior pronunciamento desta Corte nos autos do ARE-RG 1.121.633. 6. Embargos de declaração rejeitados". (Rcl 38389 AgR-ED, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 24/08/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-226  DIVULG 11-09-2020  PUBLIC 14-09-2020).

Portanto, não pode esta Corte, diante de tão evidente sinalização emanada do Supremo Tribunal Federal, ainda que em sede de medida cautelar examinada em caráter monocrático, reforçada pelos diversos precedentes que mencionei, deixar de levá-la em consideração no exame da controvérsia constitucional em torno do indigitado dispositivo, causador de profunda insegurança jurídica.

Veja-se que, em milhares de casos julgados, houve a determinação de imediato trânsito em julgado da decisão com a consequente baixa dos autos, o que impediria, a rigor, até mesmo a interposição de recurso extraordinário.

VII – O TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO COMO CORTE DE PRECEDENTES OU COMO "ILHAS DE JURISDIÇÃO"

Não mais se discute no âmbito da doutrina e do sistema normativo ser este Tribunal uma Corte de Precedentes, no que se refere à interpretação e aplicação da legislação trabalhista. É o tribunal encarregado de dar a última e definitiva palavra sobre o tema, ressalvada a competência constitucional do STF. Equipara-se ao Superior Tribunal de Justiça em todas as competências e atribuições.

Carlos Eduardo Rangel Xavier (XAVIER, Carlos Eduardo Rangel. Reclamação constitucional e precedentes judiciais: contributo a um olhar crítico sobre o novo código de processo civil (de acordo com a Lei 13.256/2016). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 134) enumera fundamentos autorizadores dessa conclusão:

a) a similitude de funções com o STJ, no que tange à tutela do direito objetivo, com a única diferença de ser restrita à interpretação da lei trabalhista, ao passo que àquele incumbe fazê-lo quanto ao direito comum federal;

b) o cancelamento do item II da Súmula 221, em setembro de 2012, que permitiu o conhecimento do recurso de revista, ainda que a interpretação da lei feita pelo TRT fosse razoável. Para o citado autor, à semelhança do que ocorreu "na intimidade do Tribunal Constitucional italiano em 1956", o TST passou a apreciar violação de normas jurídicas e não apenas de textos legislativos, no que denomina de "transição da ideologia estática para a ideologia dinâmica";

c) a criação do incidente de julgamento dos recursos de revista repetitivos pela Lei n. 13.015/2014, cuja disciplina se assemelha aos recursos extraordinário e especial repetitivos e adota a Teoria dos Precedentes, inclusive ao consagrar as possibilidades de distinção e superação.

A atuação isolada dos ministros relatores é objeto de crítica pela doutrina:

"Em suma, não resta dúvida de que a irrecorribilidade das manifestações a respeito da transcendência, na forma como prevista nos § 4º e § 5º do art. 896-A, será danosa para a entrega da prestação jurisdicional, na medida em que produzirá decisões conflitantes no âmbito dos oito órgãos fracionários (Turmas) do Tribunal Superior do Trabalho, inviabilizando a formação de banco de dados uniforme, da maneira prevista no art. 249 do Regimento Interno do TST. Além disso, tratando-se, o Tribunal Superior do Trabalho, de órgão colegiado formado por 27 (vinte e sete membros) é preciso que haja uma representatividade razoável na manifestação da Corte a respeito dos temas que serão objeto de análise da transcendência, em respeito ao princípio da colegialidade, não podendo a norma legal restringir tal manifestação a um único membro da Corte Superior ou a órgãos atomizados. De alguma forma, eventuais posicionamentos divergentes quanto à transcendência deverão ser dirimidos, seja pela admissibilidade de recurso para a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, ante a flagrante inconstitucionalidade dos§ 4º e§ 5º do art. 896-A da CLT, seja pela manifestação por meio eletrônico de todos os membros do Tribunal ou, pelo menos, daqueles que compõem o órgão máximo de uniformização da jurisprudência no âmbito interno, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais. É preciso assegurar às partes igualdade de posicionamentos judiciais a respeito dos indicadores da transcendência, de modo que causas idênticas não sejam solucionadas de modo diferente, gerando insegurança jurídica e cerceamento do direito à jurisdição e à ampla defesa e contraditório" (CARNEIRO, Cláudio Gomes. A aplicação prática da transcendência no âmbito do tribunal superior do trabalho e a ofensa ao princípio da colegialidade. Revista LTr, v. 82, nº 4, Abril de 2018, p. 417).

Não se pode deixar de considerar ser significativamente maior o número de agravos de instrumento interpostos, quando comparado com as demais espécies de recursos. Dados colhidos no sistema de estatística desta Corte indicam permanecer, historicamente, em torno de 82% de todos os recursos recebidos: em 2017, foram 166.258 (80,4%); em 2018, 199.410 (82,8%); em 2019, 275.169 (82,8%).

Repito, de passagem, que não há parâmetros minimamente objetivos para que os relatores possam basear-se a fim de avaliarem a presença dos indicadores previstos no § 1º do artigo 896-A da CLT, o que aumenta, ainda mais, a discricionariedade de cada um.

O exercício dessa relevante competência – aliás, a sua principal e mais importante - é inteiramente obstado nos inúmeros casos em que o Ministro Relator impede o processamento do recurso de revista, por meio do desprovimento do agravo de instrumento, independentemente do seu conteúdo, da questão jurídica ou do resultado, e mais ainda se agrava considerando a interpretação vigente em alguns Tribunais Regionais do Trabalho que consideram não mais subsistir o dever de uniformização de sua jurisprudência, a partir da revogação dos §§ 3º a 6º do artigo 896 da CLT, que disciplinava o incidente de uniformização de jurisprudência.

O prestígio de sua atuação e a força dos seus precedentes, nesse relevante mister, resulta não do agir isolado de cada um dos seus integrantes, por mais relevante que seja a causa que decide, mas quando expressa a interpretação majoritária do coletivo, este representativo da sua própria existência, a sua essência mesmo, pois um Tribunal não constitui a soma do conjunto de individualidades, mas a expressão monolítica de sua jurisprudência.

Caberá, pois, a este Tribunal, definir qual modelo pretende seguir: ser, verdadeiramente, uma Corte de Precedentes, ou correr o sério risco de se transformar em "ilhas de jurisdição", mais precisamente, "um arquipélago composto por 24 ilhas de jurisdição" em que cada um dos seus Ministros com atuação nas Turmas, inclusive eu, poderá definir, de modo isolado e sem qualquer espécie de parâmetro objetivo, qual causa é transcendente ou não, o que contribuirá, ainda com o devido respeito, para que não seja exercitada a sua principal função de fixar a interpretação definitiva sobre a norma trabalhista em território nacional. A decisão caberá à sábia maioria, no caso presente.

Poderia aqui concluir o meu voto. Contudo, tal não se mostra possível porque ainda restam alguns argumentos a serem enfrentados.

Refiro-me às referências a este julgamento feitas pelo Ministro Ives Gandra em texto publicado na última quarta-feira (Confronto entre TST e STF: uma análise psicológica do Direito. Conjur, 21 out. 2010. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2020-out-21/gandra-filho-tst-stf-analise-psicologica-direito>. Acesso em 21. out. 2020). Disse Sua Excelência:

"Em que pese o Órgão Especial do TST já haver se pronunciado no sentido da constitucionalidade do referido dispositivo de lei (Ag-MS-1000354-22.2019.5.00.0000, Rel. Min. Breno Medeiros, julgado em 02/12/19), a 7ª Turma da Corte insistiu em arguir sua inconstitucionalidade para que fosse discutida no Pleno do TST (ArgInc-1000845- 52.2016.5.02.0461), naquilo que vislumbramos um andar para trás na prestação jurisdicional, pois atualmente a quase totalidade dos processos que se encontram no TST para julgamento já estão no regime da transcendência ...".

Custa-me crer, diante de tal afirmação, que Sua Excelência tenha faltado com a verdade. Por isso, prefiro acreditar haver sido mero lapso de memória pois, por haver participado da sessão realizada no dia 2 de dezembro do ano passado, sabe perfeitamente que o Órgão Especial rejeitou a arguição de inconstitucionalidade por compreender ser necessário pedido autônomo formulado no mandado de segurança, e não causa de pedir, como registra a ementa que transcrevo, da relatoria do Ministro Breno Medeiros:

"INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 896-A, § 5º, DA CLT. CABIMENTO EM SEDE DE MANDADO DE SEGURANÇA. Segundo a Jurisprudência do STJ, é possível a arguição de inconstitucionalidade de norma em sede de mandado de segurança, desde que tal pedido seja deduzido como causa de pedir. No caso concreto, a lei indicada como inconstitucional trata da irrecorribilidade da decisão monocrática proferida em sede de agravo de instrumento em que não se reconhece a transcendência da matéria suscitada no recurso de revista. O objeto do presente mandamus , entretanto, é a declaração de inconstitucionalidade do art. 896-A, § 5º, da CLT e a concessão da segurança apenas para que seja, de pronto, reconhecida a transcendência política da matéria e julgado o mérito do recurso, não se buscando a recorribilidade da decisão indicada como ato coator. Nesse contexto, a referida arguição de inconstitucionalidade traduz-se em pedido autônomo, referente a lei em tese, desconectado do objeto do mandamus , e não causa de pedir, consubstanciando o manejo do mandado de segurança como sucedâneo de ação direta de inconstitucionalidade, o que desafia a diretriz da Súmula 266 do STF (" Não cabe mandado de segurança contra lei em tese "). Arguição de inconstitucionalidade rejeitada. (...) " (Ag-MS-1000354-22.2019.5.00.0000, Órgão Especial, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 19/08/2020).

Não rejeitou o incidente por considerar a lei constitucional; sequer chegou a analisar o mérito da proposta.

Aliás, consulta às notas degravadas da sessão revela a exata compreensão pelo Ministro Ives Gandra quanto a esse aspecto processual, como evidenciam passagens de sua manifestação que transcrevo:

"Como bem lembrado pelo Ministro Breno na sua divergência, pelo Ministro Dezena e pelo Ministro Douglas, a via do mandado de segurança não é a melhor para se discutir essa questão da inconstitucionalidade do § 5.º."

(...)

Assim, Sr. Presidente, primeiro, neste caso, como muito bem colocado pelo Relator, Ministro Dezena, e pelos Ministros Douglas, Aloysio e Cristina – todos deixaram isso claro – o mandado de segurança não é o processo adequado para discutir Inconstitucionalidade".

Assim, ao contrário do afirmado por Sua Excelência, o Órgão Especial, em nenhum momento, se pronunciou "no sentido da constitucionalidade do referido dispositivo de lei" e,  portanto, a 7ª Turma não agiu, como insinua Sua Excelência, motivada por mera insistência ou buscando "andar para trás", afirmações que reputo ofensivas aos seus integrantes, inclusive a mim próprio. A proposta foi longamente debatida pelos seus integrantes, inclusive contou com voto divergente do eminente Ministro Evandro Valadão.

Ainda sobre esse tema, Sua Excelência afirmou, em mensagem subliminar, que haveria motivos outros e de natureza não jurídica a justificar a presente arguição, tidos, com suas palavras, como "motivação subjacente". Disse:

"O que impressiona, ao constatar a motivação subjacente à arguição de inconstitucionalidade do § 5º do art. 896-A da CLT é a dupla vertente que assume, configurada, por um lado, no incômodo da rápida redução de acervo por parte de alguns ministros causado em outros, e, por outro lado, na busca de imposição hegemônica de uma visão do direito do trabalho, pelo controle sobre a totalidade das decisões exaradas por ministros da Corte".

Para Sua Excelência, portanto, os fundamentos que implicitamente estariam a amparar a proposta aprovada pela 7ª Turma seriam, de um lado, o "incômodo da rápida redução de acervo por parte de alguns ministros" e, de outro, a "busca de imposição hegemônica de uma visão do direito do trabalho, pelo controle sobre a totalidade das decisões exaradas por ministros da Corte".

Quanto ao primeiro, diz:

"A desculpa para acervos elevadíssimos de processos, no sentido de que se zela mais pela qualidade da prestação jurisdicional, olvida a exigência constitucional da celeridade processual (CF, art. 5º, LXXVIII), e de que o que cabe ao juiz é, fundamentalmente, dizer ‘sim’ ou ‘não’ à pretensão recursal e ‘porque’".

Em primeiro lugar, não vejo em Sua Excelência a qualidade de censor da 7ª Turma, como órgão colegiado, ou de qualquer dos seus integrantes. Por isso, reputo ofensiva a afirmação de que nós, os seus integrantes, estaríamos incomodados com a "rápida redução de acervo por parte de alguns ministros" e, por isso, a proposta de instauração do incidente seria uma forma concertada de reação.

De igual modo, considero indigno afirmar que Ministros desta Corte se valem de desculpas para justificar o que Sua Excelência qualifica como acervos elevadíssimos. A autonomia e independência é atributo inerente à atividade de cada um neste Tribunal, incompatíveis com reprimendas, veladas ou ostensivas.

Sua Excelência ofendeu ainda mais, mediante a grave acusação de haver neste Tribunal uma estratégia voltada a estabelecer a hegemonia da jurisprudência na SbDI-I "pela corrente protecionista" – as palavras não são minhas – e a forma para alcançá-la seria por meio de "permutas sucessivas de membros dessa corrente entre subseções" e do não reconhecimento de transcendência em questões pacificadas pela mencionada Subseção. Segue o trecho:

"A estratégia para se estabelecer a hegemonia jurisprudencial dentro do TST pela corrente protecionista tem seguido dois caminhos: através de permutas sucessivas de membros dessa corrente entre subseções, conseguiu-se estabelecer confortável maioria no órgão uniformizador da jurisprudência interna corporis do TST, que é a SBDI-1; e pelo não reconhecimento de transcendência das questões que estão pacificadas pela SDI-1 (mesmo que estejam pelo STF em sentido contrário), impede-se o controle do STF quanto à observância de sua jurisprudência em temas de repercussão geral".

A permuta entre Ministros constitui direito incondicionado, respeitada a salutar precedência da antiguidade e a garantia constitucional da inamovibilidade, e tem sido praticada entre os vários órgãos colegiados desta Corte.

Fui consultar os atos administrativos e, nos últimos 4 anos, consoante as respectivas resoluções administrativas que referendaram atos da Presidência, as remoções e permutas, apenas entre as Seções e Subseções, atingiram os seguintes Ministros e Ministras: a) em outubro de 2017: Aloysio Silva Corrêa da Veiga, da SbDI-1 para a SbDI-2 (remoção); Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, da SbDI-2 para a SbDI-1 (remoção);   b) em dezembro de 2017: Cristina Peduzzi, da SDC para a SbDI-1 (remoção); Aloysio Corrêa a Veiga, da SbDI-II para a SDC (remoção); Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira e Alexandre de Souza Agra Belmonte (entre as Subseções I e II da SbDI); c) em março de 2018: Ministro Ives Gandra, SbDI-1 para a SDC (remoção); do Ministro Breno Medeiros, da SbDI-2 para a SbDI-1 (remoção); d) em agosto de 2018: Ministro Emmanoel Pereira, da SbDI-2 para a SDC (remoção); e) em dezembro de 2018: Ministro Caputo Bastos, da SbDI-1 para a SDC (remoção); Ministro Alexandre Ramos, da SbDI-2 para a SbDI-1 (remoção); f) Ministros Renato de Lacerda Paiva e Emmanoel Pereira, entre a SDC e SbDI-2 (permuta).

Não imagino que todas essas movimentações entre os Ministros desta Corte, inclusive do próprio Ministro Ives Gandra, tenham sido com o nefasto objetivo de criar a "confortável maioria no órgão uniformizador da jurisprudência interna corporis do TST", segundo suas palavras.

Prosseguiu Sua Excelência enumerando situações em que, a seu juízo, estaria este Tribunal a afrontar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e citou precedente deste Tribunal Pleno que declarou ser inconstitucional a aplicação da TR como índice de atualização monetária dos débitos trabalhistas, julgamento unânime, friso.

Curioso notar, em relação a esse precedente específico, a afirmação de que teria ocorrido "o aproveitamento parcial das decisões do STF quanto à matéria, ficando com a parte que reconhecia o desrespeito ao direito de propriedade, pela utilização de índice de correção monetária que não recompunha adequadamente o poder aquisitivo da moeda, e fazendo vista grossa para a parte que também reconhecia o desrespeito ao princípio da isonomia em matéria de juros de mora, impondo ao Poder Público que utilizasse para os precatórios o mesmo índice aplicado aos créditos tributários da Fazenda Pública, para efeito de compensação entre uns e outros".

Com essas palavras, Sua Excelência, que também chancelou a mesma tese ao consagrá-la com o seu voto, critica a decisão, amparada, ainda segundo o seu texto, "no desejo de proteger cada vez mais o trabalhador".

Não retorno ao tema por se encontrar sob a jurisdição do Supremo Tribunal Federal, mas apenas registro que, até agora, no julgamento mencionado por Sua Excelência em andamento na Excelsa Corte, todos os Ministros declararam a TR inconstitucional e os eminentes Ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Rosa Weber chancelaram a interpretação atribuída por esta Corte ao tema, com destaque para a afirmação da Ministra Rosa Weber: "enquanto não a matéria não for solucionada pelo Congresso Nacional, há de ser observada a solução adotada pelo TST, "intérprete maior da legislação trabalhista e da CLT", que é a aplicação do IPCA-E".

Não me parece que Suas Excelências, os Ministros que proferiram votos divergentes, estejam imbuídos de qualquer outro fundamento, exceto a interpretação constitucional.

Sua Excelência, ao longo de todo o texto, desqualifica diversas teses consagradas na jurisprudência e enumera acórdãos da relatoria de vários Ministros, os quais são alvo de adjetivos como: "crescente ativismo judiciário", "prodigalidade na concessão e ampliação de direitos", "braço de ferro", "excessos protetivos desse ramo do Judiciário ...", "os perigos de se lhe atribuir competência para dirimir todas as espécies de relações de trabalho", "postura superlativamente protecionista", "voluntarismo jurídico", "argumentos de natureza sentimental". Não é, Sua Excelência, juiz dos juízes.

Em trecho do citado texto, Sua Excelência valeu-se de metáfora a partir do filme "A ponte do Rio Kwai" para, em mais uma mensagem subliminar, lançar suspeitas infundadas até quanto à imparcialidade dos Ministros desta Corte, a qual, de tão absurda que é, sequer merece qualquer comentário, salvo a mais veemente repulsa.

Mas, para finalizar, valho-me da mesma metáfora para demonstrar a Sua Excelência que o mesmo fenômeno pode ser visto de várias formas. O filme também transmite outras mensagens, apenas vistas com olhos de quem quer ver.

Nele, também se vê: a importância do trabalho humano inclusive de pessoas humildes; trabalho análogo à condição de escravo e trabalho degradante, inclusive de mulheres; ego superlativo; desprezo por normas internacionais; agressão injustificada, inclusive por intermédio de palavras; pessoas que vivem em um mundo próprio, distante da realidade; orgulho e preconceito; obsessão; maniqueísmo do bem e do mal; enfim, há muitas outras mensagens no clássico de 1957 que, na crítica feita por Ritter Fan, é, na verdade, uma história "universal e lida sobre paixão que se torna obsessão e, por isso, completa e perigosa cegueira, com pitadas de patriotismo e obediência a todo custo". 

Os seus roteiristas, Carl Foreman e Michael Wilson, ainda segundo o mencionado autor, "trabalharam em segredo por estarem na maldita lista negra de Hollywood, não tendo podido sequer receber o Oscar".[1] O filme, em 1958, venceu em 7 categorias entre as quais a de melhor ator para o britânico Alec Guinness; aliás, David Niven não atuou nele. A menção equivocada no texto talvez seja mais um lamentável equívoco.

Sob outro viés, Juliano Mion[2] diz ser "muito mais do que um filme de crítica à guerra, ou ainda simplesmente uma grandiosa produção; é uma obra de ironia ...", que lida com sarcasmo e "a fábula da ponte serve de exemplo da face trágica do século 20, com suas guerras, ditaduras e massacres. O surgimento de estruturas de poder voltadas para uma forma de dominação e a destruição dos laços éticos entre os homens".

Concluo, Srª Presidente, Senhores Ministros, Senhoras Ministras, como comecei. Poderia me referir a várias passagens do filme, recentemente por mim novamente assistido, e sei de várias falas.

Poderia até encerrar, sobre como penso ser o artigo, com a resposta à última fala do Coronel Nicholson quando, a si mesmo, faz a seguinte pergunta: "O que eu fiz"? Deixo a resposta para quem quiser ver o filme.

Contudo, apenas submeto a proposta aprovada pela 7ª Turma à elevada e sempre sábia consideração do Plenário deste Tribunal.

DA CONCLUSÃO

Por todo o exposto, voto por declarar, em controle difuso, a inconstitucionalidade do artigo 896-A, § 5º, da CLT, a fim de que se admita, no caso, a interposição de agravo interno contra a decisão unipessoal do Relator, que negou provimento ao agravo de instrumento em recurso de revista, por ausência de transcendência da causa.

Comunique-se o teor desta decisão à Comissão de Regimento Interno deste Tribunal, a fim de que adote providências acerca do artigo 248 do Regimento Interno desta Corte, que reproduz o conteúdo daquela norma.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros do Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria, acolher o presente incidente e declarar a inconstitucionalidade do artigo 896-A, § 5º, da CLT, a fim de que se admita, no caso, a interposição de agravo interno contra a decisão unipessoal do Relator - que negou seguimento ao agravo de instrumento em recurso de revista, por ausência de transcendência da causa -, por violação dos artigos 5º, caput, LIII, LIV e LV, 111 e 113 da Constituição Federal, além do Princípio da Colegialidade, inscrito na tradição do sistema constitucional brasileiro. Comunique-se o teor desta decisão à Comissão de Regimento Interno deste Tribunal, a fim de que adote providências acerca do artigo 248 do Regimento Interno desta Corte, que reproduz o conteúdo daquela norma.

Brasília, 6 de novembro de 2020.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

CLÁUDIO BRANDÃO

Ministro Relator

 


[1] FAN, Ritter. Crítica | A Ponte Do Rio Kwai. Plano Crítico, 09 abr. 2020. Disponível em: <https://www.planocritico.com/critica-a-ponte-do-rio-kwai-2/>. Acesso em 26 out. 2020.

[2] MION, Juliano. A ironia e as contradições sob a ótica da guerra.  Cineplayers. 16 fev. 2012. Disponível em: <2020https://www.cineplayers.com/criticas/ponte-do-rio-kwai-a>. Acesso em 26 out. 2020.

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