TST - INFORMATIVOS 2021 247 - de 03 a 17 de novembro

Data da publicação:

Subseção II Especializada em Dissídios Individuais

Evandro Pereira Valadão Lopes - TST



Ação Rescisória. Art. 966, incisos II e V, do CPC. Pretensão de indenização por danos morais e materiais. Período de vínculo celetista com o ente público. Competência da Justiça do Trabalho. Decisão rescindenda em consonância com o entendimento firmado pelo STF à época. Tema de Repercussão Geral nº 928. Sinalização de mudança de entendimento em reclamações constitucionais. Não cabimento da ação rescisória. Óbice da Súmula nº 343 do STF e da tese fixada no Tema nº 136 de Repercussão Geral.



RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA INTERPOSTO PELA PARTE AUTORA. DECISÃO RESCINDENDA TRANSITADA EM JULGADO SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. PRETENSÃO DESCONSTITUTIVA FUNDAMENTADA NOS INCISOS II E V DO ART. 966 DA LEI PROCESSUAL. 1. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA DECORRENTE DE EVENTO DANOSO OCORRIDO EM PERÍODO CONTRATUAL DE NATUREZA EMPREGATÍCIA, ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº. 8.112/90. ACÓRDÃO RESCINDENDO CONSENTÂNEO COM ENTENDIMENTO PACÍFICO DO STF À ÉPOCA EM QUE PROFERIDO. TEMA 928 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL. IMPOSSIBILIDADE DE CORTE RESCISÓRIO. APLICAÇÃO EXCEPCIONAL, EM MATÉRIA CONSTITUCIONAL, DA RATIO DECIDENDI CONSUBSTANCIADA NA SÚMULA 343/STF. CONHECIMENTO E NÃO PROVIMENTO.

I. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ao tempo da prolação do acórdão rescindendo, era pacífica no sentido de que competia a esta Justiça Especial processar e julgar as ações relativas às verbas trabalhistas referentes ao período em que o servidor mantinha vínculo celetista com a Administração Pública, antes da transposição para o regime estatutário (ARE 1001075 RG/PI, Rel. Ministro Gilmar Mendes, publicação em 01/02/2017).

II. No caso dos autos, a controvérsia gravita em torno da competência ou não da Justiça do Trabalho para examinar a ação ajuizada pelo reclamante, servidor público, requerendo indenização por danos materiais e morais relativamente a período anterior à transmudação do regime celetista para estatutário (Lei 8.112/90), fundado em doença profissional causada pela manipulação do pesticida "DDT".

III. A parte autora ajuizou a presente ação rescisória em face do acórdão regional que reconheceu a competência dessa Justiça Especial para processar e julgar a causa, tendo em vista que relativa a período anterior à promulgação da Lei nº. 8.112/90.

IV. O Tribunal Regional a quo julgou improcedente o pleito rescisório sob os fundamentos de que não caberia ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais (Súmula 343 do STF).

V. Em face dessa decisão, a parte autora interpôs o presente recurso ordinário, alegando que, sendo a reclamada Fundação Pública Federal, a competência absoluta para processamento e julgamento da ação matriz é da Justiça Federal, nos termos dos arts. 109, I, e 114, I, da Constituição da República. Afirma, em suma, que antes do trânsito em julgado da ação principal, "a jurisprudência dos tribunais superiores já era firme" neste sentido. Aduz que, no julgamento das Reclamações nos. 31026/RO, 40860/RO e 40442/RO, ficou decidido que a competência para julgar as demandas envolvendo DDT propostas em face da FUNASA seria da Justiça Federal. Requer a aplicação desses precedentes ao caso concreto.

VI. Inicialmente, frise-que que esta Subseção firmou entendimento de que o parâmetro temporal para fins de cotejo da decisão rescindenda com a estabilidade da jurisprudência acerca da matéria é o momento em que proferida a decisão objeto de corte, e não aquele em que esta transita em julgado.

VII. No caso dos autos, o acórdão rescindendo foi proferido em 29/11/2018, época em que o entendimento sobre a matéria era pacífico na Suprema Corte a favor da competência desta Justiça Especial, como se verifica da tese fixada no Tema 928 da tabela de repercussão geral do STF (ARE 1001075 RG/PI), cujo teor dispõe que "compete à Justiça do Trabalho processar e julgar ações relativas às verbas trabalhistas referentes ao período em que o servidor mantinha vínculo celetista com a Administração, antes da transposição para o regime estatutário".

VIII. Tal circunstância atrai, inexoravelmente, a improcedência da pretensão de corte, na medida em que, consoante tese fixada pelo STF no Tema 136, "não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente".

IX. Ademais, não se desconhece que, a partir de 04/02/2020, quando do julgamento, em sede turmária, das Reclamações nos. 31026/RO, 40860/RO e 40442/RO, em que ficou decidido que a competência para julgar as demandas envolvendo DDT propostas em face da FUNASA seria da Justiça Federal, o STF passou a indicar possível tendência a revisitar seu entendimento sobre a matéria, o que, todavia, por ora, não tem aptidão para suprimir a decisão plenária fixada no Tema 928. Isso porque, deve ser sopesado que a utilização do instituto previsto no art. 988 do CPC/15 como instrumento apto a revisar, modificar ou suprimir precedentes da corte a quem se reclama encontra forte resistência na doutrina, e só tem sido admitido pela Corte Constitucional em casos pontuais, como, à guisa de exemplo, os acórdãos proferidos no acórdão proferido nas Reclamações nos 4.3741, 25.2362 e 21.4093.

X. Tal resistência, segundo abalizada doutrina, tem alicerce em inúmeras razões, dentre as quais se destaca o paradoxo de se utilizar ferramenta processual cuja finalidade é garantir a autoridade de determinada decisão, inclusive daquelas proferidas em sede de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida (art. 988, §5º, II do CPC/15) para, em julgamento procedente do mérito, infirmar a autoridade que deveria garantir. Ainda segundo a doutrina, outra questão relevante reside na competência do órgão julgador, na medida em que, desde 3/6/2014, quando alterado o Regimento Interno do STF, a competência interna para julgar as Reclamações deixou de ser do Pleno, passando a ser das Turmas. Assim, pelo princípio da simetria, ao menos em tese, em caso como o dos autos, não há como considerar que o precedente firmado no Tema 298 pelo Plenário foi superado por decisão Turmária nos autos de processo voltado a instrumentalizar a autoridade da própria tese fixada, repita-se, em sede plenária quando do julgamento do RE 590.809/RS.

XI. Ainda nesta linha de argumentação, insta salientar que o art. 11, II do RISTF estabelece que "a Turma remeterá o feito ao julgamento do Plenário independente de acórdão e de nova pauta quando, não obstante decidida pelo Plenário, a questão de inconstitucionalidade, algum Ministro propuser o seu reexame", o que não ocorreu nas Reclamações nos 4.3741, 25.2362 e 21.4093.

XII. Por derradeiro, não se deve permitir passe despercebido o fato de que a recorrente, em contestação apresentada nos autos da ação ajuizada perante a Justiça Federal, nos autos tombados sob o n. 2009.41.00.002801-9, afirmou expressamente naquela mesma oportunidade, ser a Justiça Federal "absolutamente incompetente para reconhecer qualquer pedido de indenização no período pleiteado pelo autor". Concluindo que seria competente "para processar e julgar as lides referentes ao período celetista, a Justiça do Trabalho, nos termos do artigo 114 da Constituição Federal", tese diametralmente oposta a ora defendida, o que denuda, de forma clarividente, o reprovável venire contra factum proprium processual.

XIII. Recurso ordinário de que se conhece e a que se nega provimento.

2. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO DO PERCENTUAL FIXADO PELO ÓRGÃO A QUO COM BASE NO ART. 791-A DA CLT. MATÉRIA REGIDA PELO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. FAZENDA PÚBLICA. PROVEITO ECONÔMICO DE 162 SALÁRIOS-MÍNIMOS. ART. 85, §3º, I, DO CPC/15. MANUTENÇÃO DO PERCENTUAL E DA BASE DE CÁLCULO.

I. Esta Corte Superior firmou o entendimento de que "na ação rescisória e nas lides que não derivem de relação de emprego, a responsabilidade pelo pagamento dos honorários advocatícios da sucumbência submete-se à disciplina do Código de Processo Civil (arts. 85, 86, 87 e 90)" (Súmula 219, IV, do TST).

II. Na hipótese vertente, o Tribunal Regional a quo, ao julgar improcedente a ação rescisória, fixou os honorários advocatícios em 10% do valor atribuído à causa pela própria autora, com arrimo no item IV da Súmula 219/TST.

III. O recorrente pretende a redução do percentual para 5% com lastro no art. 791-A, da CLT.

IV. Todavia, a regra prevista no art. 791-A da CLT não se aplica à ação rescisória, conforme entendimento pacífico desta Corte Superior consubstanciado no item IV da Súmula nº 219/TST, cujo teor dispõe que "na ação rescisória e nas lides que não derivem de relação de emprego, a responsabilidade pelo pagamento dos honorários advocatícios da sucumbência submete-se à disciplina do Código de Processo Civil (arts. 85, 86, 87 e 90)".

V. Por tal razão, não há falar em redução de percentual com arrimo no Texto Consolidado. Ademais, sendo sucumbente a Fazenda Pública, e a relação jurídico-processual regida pelo Código de 2015, a norma aplicável é aquela prevista no § 3º e incisos do art. 85 do referido Código.

VI. Outrossim, não há se falar em de redução do percentual de 10% aplicado pelo Órgão de origem, porquanto o caso em testilha atrai a hipótese prevista no inciso I do § 3º do art. 85 do CPC/15, cujo parâmetro mínimo é exatamente de 10%. Isso porque, o proveito econômico (que no caso dos autos equivale ao valor dado à causa) é de R$170.00,00 (correspondente, por seu turno, ao valor da condenação arbitrado na fase de conhecimento na qual proferida a decisão rescindenda) encontrando-se, portanto, aquém de 200 salários mínimos, cujo valor para cotejo com as faixas de escalonamento previstas na indigitada regra deve ser o corrente no momento da condenação, R$1.045,00, portanto (MP nº 919, de 2020).

VII. Por tal razão, mantém-se a condenação proferida pelo órgão a quo, nos termos do inciso I do § 3º do art. 85 do CPC/15, aplicável à matéria.

VIII. Ante o exposto, nego provimento ao recurso ordinário. (TST-ROT-200-94.2020.5.14.0000, SBDI-II, rel. Min. Evandro Pereira Valadão Lopes, DEJT 19/11/2021).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário Trabalhista n° TST-ROT-200-94.2020.5.14.0000, em que é Recorrente FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE - FUNASA e Recorrido ALMERINDO NERY BRITO.

A parte autora, ora recorrente, ajuizou ação rescisória, com arrimo no inciso II e V do art. 966 do CPC, visando desconstituir acórdão proferido em sede de recurso ordinário nos autos da reclamação trabalhista nº 181-47.2018.5.4.0004.

Em sua competência originária, o Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região julgou improcedente o pleito rescisório.

A parte autora interpôs o presente recurso ordinário, o qual foi admitido pelo Tribunal Regional às fls. 661/664.

Foram apresentadas contrarrazões às fls. 670/689.

O Ministério Público do Trabalho oficiou pelo conhecimento e não provimento do apelo (fls. 694/697).

É o relatório.

V O T O

1. CONHECIMENTO

Satisfeitos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade recursal quanto à tempestividade (fls. 631 e 4), à representação processual (Súmula 436 do TST), sendo a parte recorrente isenta do preparo, dele conheço.

2. MÉRITO

2.1. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. NOVO ENTENDIMENTO FIRMADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. NA RCL. Nº. 31026/RO E ADI. 3.395-MC

O trabalhador ajuizou a reclamatória trabalhista subjacente (nº. 181-47.2018.5.4.0004) pleiteando, dentre outros direitos, indenização por danos morais e materiais decorrentes de doença ocupacional configurada pela manipulação de pesticidas (DDT), relativo à época em que o autor possuía vínculo celetista com a FUNASA (antes da lei nº. 8.112/90) (fls. 76/80).

Em contestação, a FUNASA arguiu incompetência material da Justiça do Trabalho (fl. 115).

O magistrado de primeiro grau rejeitou a incompetência absoluta da Justiça do trabalho, e, no mérito, condenou-a, em suma, ao pagamento de indenização no valor de R$ 50.000,00 (fl. 249).

Ambas as partes interpuseram recurso ordinário ao Tribunal Regional, que manteve a competência desta Justiça Trabalhista. Relativamente à indenização, deu provimento ao apelo do reclamante para majorar a indenização por danos morais ao importe de R$ 150.000,00 (fls. 160/178).

Transcrevo o trecho do acórdão regional que a parte busca rescindir:

2.2. PRELIMINAR DE INCOMPETENCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO

A reclamada argui a preliminar em epígrafe ao argumento de que o Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de decidir que, nos casos envolvendo pedido de indenização por danos morais e materiais supostamente causados pelo manuseio do DDT, a competência é da Justiça Federal, em razão do critério "ratione personae" previsto no art. 109, I, da Constituição Federal, dada a presença de Entidade da Administração Pública Federal no polo passivo da ação.

Conclui pela competência da Justiça Federal, já que se trata de lide em face de fundação pública federal, pelo que requer seja reconhecida a incompetência da Justiça obreira e consequentemente remetidos os autos a Justiça Federal.

Pois bem.

Em abril de 2009, o Sindicato dos Servidores Públicos Federais no Estado de Rondônia — SINDSEF, em substituição processual de vários servidores (dentre eles o ora reclamante) ajuizou ação ordinária na Justiça Federal (Seção Judiciária do Estado de Rondônia) dando conta de que os substituídos haviam sido contratados pela antiga SUCAM, hoje FUNASA, no período compreendido entre os anos de 1980 a 1990, para trabalhar no combate a endemias existentes no Estado de Rondônia, e que, para desempenho dessa atividade, manusearam e mantiveram contato com o pesticida Dicloro Difenil Tricloroetano - DDT.

Relatou ainda que, pela conduta omissiva da SUCAM ao não fornecer treinamento e equipamentos de proteção individuais necessários para a manipulação de pesticidas, os agentes de combate a endemias foram contaminados pelo DDT.

Por esse motivo, requereu a condenação da FUNASA ao pagamento de indenização por danos materiais, compreendidas as despesas com tratamentos médicos e laboratoriais, danos morais e honorários assistenciais.

Em ato contínuo, a FUNASA apresentou contestação arguindo a incompetência da justiça comum para apreciar o feito. Esclareceu que, como o próprio sindicato delimitou o período em que os substituídos trabalhavam diretamente com o DDT, além de ser fato notório que a Coordenação da FUNASA em Rondônia cessou a utilização do produto em 1990, ou seja, dentro do período em que a relação jurídica mantida com os substituídos era regida pela CLT, falecia a competência da Justiça Federal para apreciar o feito, sendo devida a remessa do feito a Justiça do Trabalho para julgar a demanda.

Analisando essas informações, o Juízo Federal deu razão ao ente público e declinou a competência para esta Especializada (Id 209b4f5 — Pág. 1/3).

Já na Justiça do Trabalho, a vista do conflito negativo de competência n.

0011057—12.2014.5.14.0001 suscitado da 1ª Vara do Trabalho de Porto Velho — RO, com lide semelhante a presente, a magistrada oficiante determinou o sobrestamento do feito até a deliberação do STJ (Id 209b4f5 — Pág. 14). Reconsiderando, no entanto, a referida decisão, e com o intuito de operacionalizar a efetividade da prestação jurisdicional, a magistrada trabalhista determinou o desmembramento do feito em grupos limitados a cinco substituídos e a redistribuição dessas reclamatórias trabalhistas por prevenção (Id 209b4f5 — Pág. 16).

Após regular processamento, o juízo de origem, reconhecendo a competência dessa Especializada, proferiu sentença (Id 01ddd00) na qual, em suma, condenou a FUNASA ao pagamento de indenizações por danos materiais e morais relativas a exposição e contaminação dos obreiros ao pesticida DDT.

Diante desse contexto, sem embargos à tese recursal, não há como acolhê—la, haja vista não restar dúvidas de que cabe a Justiça do Trabalho processar e julgar reclamatória em que, malgrado ajuizada por servidor público federal presentemente sujeito ao regime estatutário, tem por objeto benefícios salariais ou vantagens de ordem jurídica decorrentes de contrato individual de trabalho celebrado com a União Federal em período anterior ao da instituição de regime jurídico único, conforme se extrai da iterativa, notória e atual jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho sedimentado na OJ nº 138 SDI do TST: COMPETÉNCIA RESIDUAL. REGIME JURÍDICO ÚNICO. LIMITAÇÃO DA EXECUCAO.

Compete a Justiça do Trabalho julgar pedidos de direitos e vantagens previstos na legislação trabalhista referente a período anterior a Lei nº 8.112/90, mesmo que a ação tenha sido ajuizada após a edição da referida lei. A superveniência de regime estatutário em substituição ao celetista, mesmo após a sentença, limita a execução ao período celetista.

No mesmo sentido, está o verbete sumular nº 97 do Superior Tribunal de Justiça, "in verbis": Competência. Justiça do Trabalho. Servidor público. Vantagem anterior ao regime jurídico único. CF/88, arts. 39 e 114.

Compete a Justiça do Trabalho processar e julgar reclamação de servidor público relativamente a vantagens trabalhistas anteriores a instituição do regime jurídico único.

Ora, a presente relação jurídica discutida em juízo tem relação com a admissão de trabalhadores sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho pela antiga SUCAM, entidade atualmente conhecida como FUNASA, na década de 1980, período anterior ao advento da Lei nº 8.112/90.

Destarte, como se trata de conflito relativo ao período anterior a entrada em vigor da lei que transmutou o regime, esta caracterizada a competência dessa Especializada para dirimir o caso da exposição/contaminação de agente de combate a endemias pelo pesticida DDT.

Aliás, beira a ma-fé processual o comportamento contraditório da FUNASA ao alegar a incompetência da Justiça do Trabalho para julgar o feito, haja vista que ela mesma reconheceu, em sua peça de defesa apresentada a 3ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Rondônia, que a esse ramo do poder judiciário cabia apreciar a demanda, consoante se verifica no seguinte excerto da referida contestação (Id c85f707 — Pág. 2): Preliminarmente Da incompetência absoluta da Justiça Federal O autor alega que os substituídos foram contratados pela FUNASA no período compreendido entre os anos de 1970 e 1990, portanto, pelo regime da CLT e, ao final, requer indenização por ano de trabalho efetivo com as substâncias químicas.

Como é sabido, com a edição da Lei nº 8.112/90 houve a conversão do regime da CLT para o regime estatutário, assim, conforme os fatos expostos na inicial, os substituídos trabalharam na FUNASA sob dois regimes diferentes.

Ademais o próprio autor delimitou o período em que os substituídos trabalharam diretamente com o DDT, além de ser fato notório que a Coordenação da FUNASA em Rondônia cessou a utilização do produto em 1990, ou seja, dentro do período em que a relação jurídica entre as partes era regida pela CLT, razão pela qual a Justiça Federal é incompetente para reconhecer o pedido inicial.

Além disso, anota—se, oportunamente, que a tese de que esta Especializada não poderia apreciar a demanda por não se poder precisar se a contaminação de trabalhadores pelo pesticida DDT se deu na época do regime celetista ou do estatutário não merece prosperar, uma vez que, desde 1987 foi utilizado o pesticida DDT no combate a endemias existentes no Estado de Rondônia pela SUCAM, hoje FUNASA.

Com efeito, não há falar em imprecisão quanto ao início da exposição dos trabalhadores ao agente intoxicante, já que, evidentemente, tal fato ocorreu antes da transmudação do regime contratual.

Outrossim, o raciocínio da Administração Pública de que a fixação do marco de consolidação das lesões decorrentes da exposição dos trabalhadores ao DDT em 2013 afasta a competência da Justiça do Trabalho está equivocado. O infortúnio que acometeu os trabalhadores surgiu no curso do contrato individual de trabalho dos reclamantes, pelo que não resta alternativa senão rejeitar a preliminar em referência. (fls.163/165 – Visualização Todos PDFs).

A FUNASA interpôs, sequencialmente, recurso de revista, o qual teve seu seguimento denegado (fls. 197/203).

Ante a ausência de interposição de novos recursos, ocorreu o trânsito em julgado em 29/01/2019 (certidão de fl. 207).

A parte autora ajuizou Ação Rescisória, em 15/04/2020, calcada nos incisos II e V do art. 966 do CPC/2015. Sustentou, em suma, a incompetência absoluta desta Justiça Especial para processar e julgar a ação matriz. Aduziu que o STF e o STJ já decidiram pela competência da Justiça Federal no mesmo contexto-jurídico apresentado na lide principal, a qual se cingiu à responsabilidade por danos materiais e morais gerados pela intoxicação do então Reclamante decorrente da exposição à substância "DDT – Dicloro Difenil Tricoletano", na função de combate a endemias, ao manusear agentes biológicos nocivos à saúde.

Apontou como violados os arts. 109, I, e 114, I, da Constituição da República (fls. 18/19).

A Desembargadora Relatora deferiu parcialmente a tutela provisória pleiteada para obstar eventual pagamento do precatório até que houvesse o julgamento da ação rescisória (fls. 421/423).

O Tribunal Pleno do TRT da 14ªRegião assim decidiu, ipsis litteris:

2.1.2 DA PRELIMINAR DE NÃO CABIMENTO DA AÇÃO RESCISÓRIA EM RAZÃO DO ACÓRDÃO ESTAR BASEADO EM TEXTO LEGAL DE INTERPRETAÇÃO CONTROVERTIDA NOS TRIBUNAIS (SÚMULA N. 343 DO E. STF)E NÃO CABIMENTO DA RESCISÓRIA COM BASE EM PRECEDENTE POSTERIOR AO TRÂNSITO EM JULGADO - RE N. 590.809/RS

A parte ré, em sua contestação, e o MPT, em seu parecer, argumentam não ser cabível o ajuizamento de ação rescisória em razão da matéria versada ser controvertida no âmbito do STF, amparando sua preliminar no texto da Súmula nº 343 do STF.

Arguiu, ainda, o réu a preliminar de não cabimento da rescisória, aduzindo que o pleito autoral baseia-se em decisão proferida pela 2ª Turma do STF posteriormente ao trânsito em julgado da decisão rescindenda, em dissonância com a jurisprudência daquela própria Corte.

A razão de ambas as preliminares suscitadas pela parte ré serem analisadas em conjunto decorre do fato de estarem interligadas, diante do quanto julgado pelo próprio excelso STF no RE n. 590809, consoante ementa a seguir:

AÇÃO RESCISÓRIA VERSUS UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA. O Direito possui princípios, institutos, expressões e vocábulos com sentido próprio, não cabendo colar a sinonímia às expressões "ação rescisória" e "uniformização da jurisprudência". AÇÃO RESCISÓRIA - VERBETE Nº 343 DA SÚMULA DO SUPREMO. O Verbete nº 343 da Súmula do Supremo deve de ser observado em situação jurídica na qual, inexistente controle concentrado de constitucionalidade, haja entendimentos diversos sobre o alcance da norma, mormente quando o Supremo tenha sinalizado, num primeiro passo, óptica coincidente com a revelada na decisão rescindenda. (RE 590.809/RS; Relator: Ministro Marco Aurélio Mello, julgamento: 22-10-2014 e publicação: 24-11-2014).

A citada Súmula n. 343 do STF dispõe o seguinte:

Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.

Além disso, o Tema 136 da Repercussão Geral assentou o seguinte:

Não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente.

Nesse contexto, considerando que a parte autora da presente ação rescisória sustenta em sua causa de pedir o argumento de que a decisão rescindenda afrontaria os artigos 109, I, e 114, I, da Constituição Federal, até mesmo transcrevendo textos das referidas normas e indicando, sob sua ótica, qual seria a correta interpretação de referidos dispositivos constitucionais, resta demonstrada a interligação entre as teses de incompetência material (CPC, art. 966, II) e de violação de norma jurídica (CPC, art. 966, V).

Esclareço que o inciso I da Súmula n. 83, do TST, que trata sobre hipótese de não cabimento da rescisão por violação literal de lei em caso de embasamento da decisão em texto legal infraconstitucional de interpretação controvertida nos Tribunais, encontra-se desatualizado com o atual entendimento do STF prestado no RE n. 590809, conforme ementa acima transcrita, não mais se restringindo a vedação de rescisão apenas em caso de texto legal infraconstitucional de interpretação controvertida nos Tribunais.

Nesse passo, verifico que a presente ação rescisória tem como fundamento a decisão proferida pela 2ª Turma do STF na RCl n. 31.026/RO no dia 04/02/2020, que, mudando de posicionamento, passou a considerar a Justiça do Trabalho incompetente para apreciar demandas análogas àquela relativa ao feito principal (mudança do regime celetista para o estatutário).

Entretanto, como se denota, a referida mudança de posicionamento do e. STF, além de não retratar o entendimento unificado de ambas as colendas Turmas daquele Pretório Excelso, estando, portanto, controvertida no âmbito daquele Tribunal, é muito posterior à própria decisão que a presente ação busca rescindir, incidindo, portanto, o conteúdo do Tema 136 de Repercussão do STF ("não cabe ação rescisória contra decisões com trânsito em julgado, proferidas em harmonia com a jurisprudência do STF, mesmo que ocorra alteração posterior do entendimento da Corte sobre a matéria").

Saliento que o entendimento atual do STF é de que a ação rescisória não serve como uniformização de jurisprudência de um Tribunal sobre os dispositivos Constitucionais, consoante o voto do eminente Ministro Marco Aurélio de Melo nos autos do RE n. 590809, Tema 136 da Repercussão Geral, valendo a citação do respectivo trecho da fundamentação:

A rescisória deve ser reservada a situações excepcionalíssimas, ante a natureza de cláusula pétrea conferida pelo constituinte ao instituto da coisa julgada. Disso decorre a necessária interpretação e aplicação estrita dos casos previstos no artigo 485 do Código de Processo Civil, incluído o constante do inciso V, abordado neste processo. Diante da razão de ser do verbete, não se trata de defender o afastamento da medida instrumental - a rescisória - presente qualquer grau de divergência jurisprudencial, mas de prestigiar a coisa julgada se, quando formada, o teor da solução do litígio dividia a interpretação dos Tribunais pátrios ou, com maior razão, se contava com óptica do próprio Supremo favorável à tese adotada. Assim deve ser, indiferentemente, quanto a ato legal ou constitucional, porque, em ambos, existe distinção ontológica entre texto normativo e norma jurídica. Esta é a lição do professor Luiz Guilherme Marinoni:

"Imaginar que a ação rescisória pode servir para unificar o entendimento sobre a Constituição é desconsiderar a coisa julgada. Se é certo que o Supremo Tribunal Federal deve zelar pela uniformidade na interpretação da Constituição, isso obviamente não quer dizer que ele possa impor a desconsideração dos julgados que já produziram coisa julgada material. Aliás, se a interpretação do Supremo Tribunal Federal pudesse implicar na desconsideração da coisa julgada - como pensam aqueles que não admitem a aplicação da Súmula 343 nesse caso -, o mesmo deveria acontecer quando a interpretação da lei federal se consolidasse no Superior Tribunal de Justiça." (MARINONI, Luiz Guilherme. Processo de Conhecimento. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 657).

Dessa forma, visível a insegurança jurídica criada ao se admitir ação rescisória tendente a desconstituir decisão de mérito, transitada em julgado, calcada em entendimento jurisprudencial uniforme junto ao e. STF à época de sua prolatação.

O princípio da segurança jurídica tem como base a própria necessidade de resguardar a coisa julgada material, a qual se encontra disposta como cláusula pétrea pela Constituição Federal, consoante prevê o seu art. 5º, XXXVI ("a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada").

Logo, se a própria lei nova não desconstituirá a coisa julgada material, igualmente, não se poderia admitir que uma reformulação de jurisprudência, sequer unânime, assim fizesse.

Vale ressaltar que o art. 966 do CPC não prevê a rescisão de julgado por novel entendimento do STF que modifica a competência material.

Para corroborar, colho os seguintes julgados do e. STF:

AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO RESCISÓRIA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 590.809/RS. TEMA 136. ALTERAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA POSTERIOR AO ACÓRDÃO RESCINDENDO NÃO AUTORIZA O AJUIZAMENTO DE AÇÃO RESCISÓRIA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (AR 2605 AgR/PR; Relatora: Ministra Carmen Lúcia; Revisor: Ministro Luiz Fux; Julgamento: 20-9-2019; Publicação: 4-10-2019);

AGRAVO REGIMENTAL EM AÇÃO RESCISÓRIA. ENTENDIMENTO ADOTADO NA AÇÃO ORIGINÁRIA EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE À ÉPOCA. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 343/STF. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DA NORMA JURÍDICA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Conforme tese fixada no julgamento do Tema 136 da Gestão por Temas da Repercussão Geral (RE nº 590.809/RS), "não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente". 2. Cabível a negativa de seguimento à ação rescisória por incidência do óbice contido na Súmula nº 343/STF. 3. Agravo regimental não provido. (AR 2280 AgR, Relator: Ministro Dias Toffoli, julgamento: 18-12-2017 e publicação: 7-3-2018).

Diante do exposto, acolho as preliminares em epígrafe, a fim de não admitir a presente ação rescisória, extinguindo-a sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, IV, do CPC, revogando a decisão liminar que suspendeu o trâmite do feito principal. (fls. 586/594 – Visualização Todos PDFs)

A recorrente, em seu desiderato, argumenta que, sendo a reclamada Fundação Pública Federal, a competência absoluta para processamento e julgamento da ação matriz é da Justiça Federal, nos termos dos arts. 109, I, e 114, I, da Constituição Federal.

Aduz que, no julgamento das Reclamações nos. 31026/RO, 40860/RO e 40442/RO (dentre outras), ficou decidido que a competência para julgar as demandas envolvendo DDT propostas em face da FUNASA seriam da Justiça Federal. Requer a aplicação desse precedente ao caso concreto.

Argumenta que o STF, na ADI 3.395-MC, deferiu liminar em 2006 no sentido de que seria competência da Justiça Federal julgar as causas entre o Poder Público e seus servidores estatutários.

Afirma que, em 16/04/2020 (posteriormente ao trânsito em julgado, que se deu em 29/01/2019), o STF julgou o mérito da causa confirmando a liminar anteriormente deferida. Alega que antes do trânsito em julgado da ação principal, "a jurisprudência dos tribunais superiores já era firme" no sentido da tese da recorrente (fl. 641).

Alega que "a presente ação rescisória não é fundada em alegação de ofensa manifesta em lei", mas, "na ofensa ao art. 114, I, e 109, I, ambos da Constituição Federal", razão pela qual não se aplicaria a Súmula 343 do STF (fl. 643).

Ao exame.

Segundo Barbosa Moreira (2013, p.99) "chama-se rescisória à ação por meio da qual se pede a desconstituição da sentença trânsita em julgado. O direito brasileiro, à semelhança de outros ordenamentos, conhece dois tipos de remédios utilizáveis contra decisões judiciais: os recursos e as ações autônomas de impugnação. Em nosso sistema, o traço distintivo consiste em que, através do recurso, se impugna decisão no próprio processo em que foi proferida, ao passo que o exercício da ação autônoma de impugnação dá sempre lugar à instauração de outro processo. A ação rescisória é exemplo clássico dessa segunda espécie".  

Trata-se de ação na qual a pretensão, necessariamente, visa pronunciamento judicial de natureza constitutiva negativa. Há, todavia, hipóteses em que haverá cumulação de pedidos, sendo o segundo lastreado na natureza da causa matriz, onde proferido o decisum dito inválido ou injusto.

Destarte, o instituto abriga, em regra, dois pedidos de naturezas distintas, que, inclusive, desafiam procedimentos e limites distintos de cognição. No juízo rescindente (judicium rescindens), a pretensão visa a desconstituição do julgado; já no juízo rescisório (judicium rescisorium), a pretensão segue a natureza da causa de origem.

Nas lições de Didier (2019, p.514) "o pedido de rescisão é sempre desconstitutivo; o pedido de rejulgamento assume a natureza que a causa originária, que se pretende rejulgada, tiver: declaratório, constitutivo, condenatório".

Quanto ao objeto de desconstituição, pronuncia o art. 966 do Código de Processo Civil que "a decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida". Com irretocável precisão, adverte Pontes de Miranda: "Não há relação jurídica nula, nem direito nulo, nem pretensão nula, nem ação nula, nem pretensão anulável, nem direito anulável, nem pretensão anulável, nem ação anulável. Nulo ou anulável ou rescindível é o ato jurídico, inclusive o ato jurídico processual, como a sentença." (MIRANDA, 1998, p. 110).

Como é cediço, a ação desconstitutiva prevista no art. 966 do CPC/2015 revela-se como o meio processual de impugnação a decisões judiciais exceptivo por natureza, visto que sua finalidade objetiva desconstituir o instituto processual da preclusão máxima - a coisa julgada – cuja proteção constituiu-se no alicerce nuclear de viabilidade das sociedades modernas estruturadas politicamente em estados democráticos de direito.

Por conseguinte, todas as vias previstas no art. 966 do CPC para atacar o direito fundamental constitucionalmente previsto no art. 5º, XXXVI, da Constituição da República devem ser percorridas por corredores sumariamente estreitos, sob pena de o Poder judiciário se permitir atuar em inaceitável e paradoxal conjuntura na qual a jurisdição atuaria em desfavor da pacificação dos conflitos sociais, na medida em que faria as vezes de fonte de insegurança jurídica.

É sob este espírito restritivo que a normatividade deve ser criada no caso concreto por intermédio da interpretação das regras positivadas no Capítulo VII, Título I, Livro III da Parte Especial do Código de Processo Civil/2015.

A controvérsia dos autos gravita em torno da competência da Justiça do Trabalho para examinar a ação ajuizada pelo reclamante, servidor público, requerendo indenização por danos materiais e morais relativamente a período anterior à transmudação do regime celetista para estatutário (Lei 8.112/90), fundado em doença profissional causada por manipulação do pesticida "DDT".

Ora, conforme se verifica da sentença proferida nos autos da ação matriz (fls. 242/252), cujos fundamentos, embora substituídos pelo acórdão que conheceu do recurso ordinário, mantiveram-se íntegros, o direito do trabalhador foi declarado com arrimo em pretensão indenizatória cujo ato ilícito ocorrera antes da promulgação da Lei nº. 8.112/90, época em que a prestação de serviço entre o trabalhador e o Poder público era abalizada pelas regras da CLT, o que, indubitavelmente, atrai a competência prevista no art. 114, I da Constituição da República, sem a excepcionalidade hermenêutica derivada do que decidido na ADI 3.395-MC.

Isso porque, ao tempo da prolação do acórdão rescindendo (29/11/2018) a jurisprudência do STF era pacífica quanto à competência desta Justiça Especial para processar e julgar ações trabalhistas referentes ao período anterior à transposição do regime jurídico, de celetista para estatutário, tal qual o caso dos autos.

O próprio Tribunal Pleno do STF, no julgamento do Tema 928 da Tabela da Repercussão Geral (ARE 1001075 RG/PI, Rel. Ministro Gilmar Mendes, publicação em 01/02/2017), reafirmou esse entendimento, assim ementado:

1. Recurso extraordinário. Repercussão geral. 2. Competência da Justiça do Trabalho. Mudança de regime jurídico. Transposição para o regime estatutário. Verbas trabalhistas concernentes ao período anterior. 3. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar ações relativas às verbas trabalhistas referentes ao período em que o servidor mantinha vínculo celetista com a Administração, antes da transposição para o regime estatutário . 4. Recurso não provido. Reafirmação de jurisprudência. (ARE 1001075 RG, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 08/12/2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-017 DIVULG 31-01-2017 PUBLIC 01-02-2017) (destaquei)

Embora a Autora sustente que houve mudança de entendimento da Suprema Corte a seu favor (a partir de 04/02/2020), é fato que o acórdão rescindendo, quando da sua prolação, estava em perfeita harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo (ARE 1001075 RG), bem como com a Orientação Jurisprudencial 138 da SBDI-1 desta Corte Superior Trabalhista, de modo que não há espaço para o corte rescisório pretendido.

Frise-se que esta Subseção firmou entendimento de que o parâmetro temporal para fins de cotejo da decisão rescindenda com a estabilidade da jurisprudência acerca da matéria é o momento em que proferida a decisão objeto de corte, e não aquele em que esta transita em julgado.

Por tal razão, eventual violação ao inciso I do art. 114 da Constituição da República, apta a ensejar a desconstituição de decisão com lastro no inciso II do art. 966 do CPC (envolvendo direitos de trabalhadores que prestem serviço ao poder público), deve ser realizada com amparo na decisão proferida na ADI 3.395-MC.

Ademais, não se desconhece que, a partir de 04/02/2020, quando do julgamento, em sede turmária, das Reclamações nos. 31026/RO, 40860/RO e 40442/RO, em que ficou decidido que a competência para julgar as demandas envolvendo DDT propostas em face da FUNASA seria da Justiça Federal, o STF passou a indicar possível tendência a revisitar seu entendimento sobre a matéria, o que, todavia, por ora, não tem aptidão para suprimir a decisão plenária fixada no Tema 928. Isto porque, deve ser sopesado que a utilização do instituto previsto no art. 988 do CPC/15 como instrumento apto a revisar, modificar ou suprimir precedentes da corte a quem se reclama encontra forte resistência na doutrina, e só tem sido admitido pela Corte Constitucional em casos pontuais, como, à guisa de exemplo, os acórdãos proferidos nas , no acórdão proferido nas Reclamações nos 4.3741, 25.2362 e 21.4093.

Tal resistência, segundo abalizada doutrina, tem alicerce em inúmeras razões, dentre as quais se destaca o paradoxo de se utilizar ferramenta processual cuja finalidade é garantir a autoridade de determinada decisão, inclusive daquelas proferidas em sede de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida (art. 988, § 5º, II do CPC/15) para, em julgamento procedente do mérito, infirmar a autoridade que deveria garantir. Ainda segundo a doutrina, outra questão relevante reside na competência do órgão julgador, na medida em que, desde 3/6/2014, quando alterado o Regimento Interno do STF, a competência interna para julgar as Reclamações deixou de ser do Pleno, passando a ser das Turmas. Assim, pelo princípio da simetria, ao menos em tese, em caso como o dos autos, não há como considerar que o precedente firmado no Tema 298 pelo Plenário foi superado por decisão Turmária nos autos de processo voltado a instrumentalizar a autoridade da própria tese fixada, repita-se, em sede plenária quando do julgamento do RE 590.809/RS.

Ainda nesta linha de argumentação, insta salientar que o art. 11, II do RISTF estabelece que "a Turma remeterá o feito ao julgamento do Plenário independente de acórdão e de nova pauta quando, não obstante decidida pelo Plenário, a questão de inconstitucionalidade, algum Ministro propuser o seu reexame", o que não ocorreu nas Reclamações nos 4.3741, 25.2362 e 21.4093.

Por derradeiro, não se deve permitir passe despercebido o fato de que a recorrente, em contestação apresentada nos autos da ação ajuizada perante a Justiça Federal, nos autos tombados sob o n. 2009.41.00.002801-9, afirmou expressamente naquela mesma oportunidade, ser a Justiça Federal "absolutamente incompetente para reconhecer qualquer pedido de indenização no período pleiteado pelo autor". Concluindo que seria competente "para processar e julgar as lides referentes ao período celetista, a Justiça do Trabalho, nos termos do artigo 114 da Constituição Federal", tese diametralmente oposta a ora defendida, o que denuda de forma clarividente o reprovável venire contra factum proprium processual.

Precedente específico desta Subseção corrobora esse entendimento, in verbis:

RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA AJUIZADA NA VIGÊNCIA DO CPC/15. COMPETÊNCIA RESIDUAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL RELACIONADO A PERÍODO ANTERIOR À MUDANÇA DE REGIME JURÍDICO. PRETENSÃO DESCONSTITUTTIVA AMPARADA NO ART. 966, II E V, DO CPC/15. CORTE RESCISÓRIO INDEVIDO.

1. Trata-se de pretensão desconstitutiva amparada no art. 966, II e V, do CPC/15 e dirigida contra o v. acórdão proferido pelo eg. TRT da 14ª Região que, com fundamento na Orientação Jurisprudencial 138 da SBDI-1/TST, manteve a r. sentença que declarou a competência da Justiça do Trabalho para examinar pretensão relacionada a período anterior à transmudação do regime celetista para estatutário (Lei 8.112/90), qual seja, pagamento de indenização por dano moral e material decorrente de doença profissional causada por exposição ao pesticida DDT. Há registro no v. acórdão rescindendo de que o contato com o pesticida DDT ocorreu dentro do período em que a relação era regida pela CLT.

2. O eg. Tribunal Regional, prolator da decisão recorrida, acolheu a preliminar de não cabimento da ação rescisória arguida pelo Réu e extinguiu o feito sem resolução do mérito, com fulcro no Tema 136 da Tabela de Repercussão Geral (RE nº 590.809/RS), explicitando que, à época da prolação do acórdão rescindendo, inexistia posicionamento em torno da incompetência da Justiça do Trabalho para examinar pedido relacionado ao período anterior à transmudação do regime, de celetista para estatutário.

3. Em pesquisa feita ao sítio eletrônico do STF, verifica-se que à época da prolação do v. acórdão rescindendo (11/12/2019), a jurisprudência da Suprema Corte se apresentava uniforme quanto à competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações trabalhistas referentes ao período anterior à transposição do regime jurídico, de celetista para estatutário.

4. O próprio Tribunal Pleno, quando da apreciação do Tema 928 da Tabela da Repercussão Geral (ARE ARE 1001075 RG/PI, Rel. Ministro Gilmar Mendes), publ. 01/02/2017 ), reafirmou a jurisprudência no sentido de que " compete a Justiça do Trabalho para processar e julgar ações relativas às verbas trabalhistas referentes ao período em que o servidor mantinha vínculo celetista com a Administração, antes da transposição para o regime estatutário".

5. Apenas em momento posterior ao trânsito em julgado do v. acórdão rescindendo (6/03/2020), é que se verifica a existência de precedente da Suprema Corte, em caso idêntico, em sentido diverso (Rcl 31026 AgR, pub. 18-02-2020).

6. Ainda que a Autora afirme que referido julgado apenas corrobora a viabilidade de sua pretensão desconstitutiva fundada no art. 966, II e V, do CPC/15, o fato é que o julgado rescindendo, à época de sua prolação, estava em harmonia não apenas com a OJ 138 da SBDI-1 desta Corte, mas, também, com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo (ARE 1001075 RG), de forma que não há como se alterar a decisão recorrida que julgou extinto o feito sem resolução do mérito, com base na tese fixada no julgamento do Tema 136 da Tabela de Repercussão Geral (RE nº 590.809); " não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente".

7 . Em situações como a dos autos, a Suprema Corte entende aplicável a Súmula 343/STF, ainda que a discussão no feito tenha natureza constitucional (AR 2572 AgR, Relator DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado PUBLIC 21-03-2017). Recurso ordinário conhecido e desprovido.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONDENAÇÃO NA AÇÃO RESCISÓRIA. PRETENSÃO DE REDUÇÃO DO PERCENTUAL FIXADO COM BASE NO ART. 791-A DA CLT.

1. Os honorários advocatícios sucumbenciais, na ação rescisória, são disciplinados pelo Código de Processo Civil, e não pela Lei 13.467/2017, conforme inteligência da Súmula 219, IV, desta Corte. É o que ficou decidido por esta c. Subseção, na sessão do dia 22/11/2019, na ocasião do julgamento do RO-10899-07.2018.5.18.0000, de relatoria da Exma. Ministra Maria Helena Mallmann.

2. Dessa forma, não procede a pretensão de que seja reduzida a verba honorária com base no art. 791-A da CLT.

3. Acresça-se que a Súmula 219, VI/TST, nos causas em que a Fazenda Pública é parte, remete a fixação do percentual dos honorários advocatícios à observância da legislação processual civil, de forma que, uma vez fixados pelo Julgador no percentual de 10%, dentro dos parâmetros estabelecidos pelo art. 85, § 3º, I, do CPC/15, não há justificativa para a sua redução. Recurso ordinário conhecido e desprovido. [...] (ROT-195-72.2020.5.14.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 16/04/2021).

Ante o exposto, nego provimento ao recurso ordinário.

2.2. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PEDIDO DE REDUÇÃO PARA 5% DO VALOR DA CAUSA

O Tribunal Pleno do TRT da 14ª Região condenou a Fazenda Pública ao pagamento de honorários advocatícios no importe de 10% do valor da causa, ipsis litteris:

Diante da improcedência da pretensão vindicada na presente ação rescisória, é cabível a condenação da parte autora em honorários advocatícios sucumbenciais, com fulcro no item IV da Súmula n. 219 do c. TST, in verbis:

219. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CABIMENTO(alterada a redação do item | e acrescidos os itens IV a VI em decorrência do CPC de 2015) - Res. 204/2016, DEJT divulgado em 17, 18 e21.03.2016

[...]

IV - Na ação rescisória e nas lides que não derivem de relação de emprego, a responsabilidade pelo pagamento dos honorários advocatícios da sucumbência submete-se à disciplina do Código de Processo Civil (arts. 85, 86, 87 e 90).

(...)

Como consequência, condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios em prol do autor, no montante de 10% (dez por cento) sobre o valor ora corrigido da causa (R$170.000,00), no importe de R$ 17.000,00 (dezessete mil reais), acrescidos de juros e correção, na forma da lei. (fl. 624 – Visualização Todos PDFs)

Em suas razões recursais, a parte autora pleiteia pela redução dos honorários advocatícios fixados para 5% do valor da causa, nos termos do art. 791-A da CLT (fl. 655/656).

Sem razão, contudo.

Inicialmente, observo que a norma prevista no art. 791-A da CLT não se aplica à ação rescisória, conforme entendimento pacífico desta Corte Superior consubstanciado no item IV da Súmula nº 219/TST, aplicada pelo Tribunal Regional.

Por tal razão, não há falar em redução de percentual com arrimo no Texto Consolidado.

Ademais, sendo sucumbente a Fazenda Pública, e a relação jurídico-processual regida pelo Código de 2015, a norma aplicável é aquela prevista no § 3º e incisos do art. 85 do referido Código.

Não há se falar em de redução do percentual de 10% aplicado pelo órgão de origem, porquanto o caso em testilha atrai a hipótese prevista no inciso I do § 3º do art. 85 do CPC/15, cujo parâmetro mínimo é exatamente de 10%.

Isso porque, o proveito econômico (que no caso dos autos equivale ao valor dado à causa) é de R$170.000,00, encontrando-se, portanto, aquém de 200 salários mínimos, cujo valor para cotejo com as faixas de escalonamento previstas na indigitada regra deve ser o corrente no momento da condenação, R$1.045,00, portanto (MP nº 919, de 2020).

Por tal razão, mantém-se a condenação proferida pelo órgão a quo, nos termos do inciso I do § 3º do art. 85 do CPC/15, aplicável à matéria.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso ordinário.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, à unanimidade, conhecer do recurso ordinário e, no mérito, negar-lhe provimento.

Brasília, 9 de novembro de 2021.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

EVANDRO VALADÃO

Ministro Relator

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