Data da publicação:
Subseção I Especializada em Dissídios Individuais
Renato de Lacerda Paiva - TST
INTERVALO INTRAJORNADA. REDUÇÃO. AUTORIZAÇÃO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO. HORAS EXTRAS PRESTADAS SEM HABITUALIDADE. PAGAMENTO DAS HORAS EXTRAORDINÁRIAS DECORRENTES DA REDUÇÃO DO INTERVALO INTRAJORNADA RESTRITO AOS DIAS EM QUE HOUVE EFETIVO TRABALHO EM SOBREJORNADA.
Resumo do voto.
Intervalo intrajornada. Redução. Autorização do Ministério do Trabalho. Horas extras prestadas sem habitualidade. Pagamento das horas extraordinárias decorrentes da redução do intervalo intrajornada restrito aos dias em que houve efetivo trabalho em sobrejornada. Não se admite a redução do intervalo intrajornada nos dias em que concomitantemente houver prestação de horas extras, ainda que presente a autorização do Ministério do Trabalho a que se refere o art. 71, § 3º, da CLT. Na hipótese, registrou-se que além de a empresa ter autorização para reduzir o intervalo intrajornada, o empregado não estava submetido a regime de trabalho prorrogado a horas suplementares, mas apenas prestava horas extras de forma esporádica. Assim, a SBDI-I, por unanimidade, conheceu dos embargos por divergência jurisprudencial, e, no mérito, por maioria, deu-lhes provimento parcial para limitar o pagamento das horas extras decorrentes da redução do intervalo intrajornada, no período em que havia autorização do Ministério do Trabalho, aos dias em que efetivamente houve prestação de horas extras. Vencidos parcialmente os Ministros Aloysio Corrêa da Veiga e Maria Cristina Irigoyen Peduzzi.
A C Ó R D Ã O
RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELA LEI Nº 11.496/2007. INTERVALO INTRAJORNADA - REDUÇÃO - AUTORIZAÇÃO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO - VALIDADE - HORAS EXTRAS PRESTADAS SEM HABITUALIDADE - INEXISTÊNCIA DE REGIME DE TRABALHO PRORROGADO A HORAS SUPLEMENTARES. O quadro fático delineado nos autos é no sentido de que existentes Portarias emitidas pelo Ministério do Trabalho autorizando a redução do intervalo intrajornada no âmbito da reclamada. Ademais, consta no acórdão recorrido que "a sobrejornada apontada nas fichas financeiras não tinha caráter habitual". Nesse contexto, nos termos do art. 71, § 3°, da Consolidação das Leis do Trabalho, o autor não estava submetido a regime de trabalho prorrogado a horas suplementares, mas antes prestava horas extras de maneira esporádica. Há diferença entre uma e outra forma de prestação de horas extras e a interpretação gramatical e teleológica do citado dispositivo consolidado ratifica esse entendimento. Por conta destes fundamentos, entendia, com base nos arts. 71, § 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho e 7º, inciso XXII, da Constituição Federal, que, na presente hipótese, não se vislumbrava o direito do autor à percepção de horas extras.
No entanto, reflui em minha posição original para concluir que, mesmo diante de autorização do Ministério do Trabalho e Emprego, nos dias em que efetivamente houve a prestação de horas extras, não seria possível haver a redução do intervalo intrajornada. Isto porque, este novo entendimento, a meu ver, parece melhor se coadunar com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como ao posicionamento da jurisprudência majoritária desta Corte que vem se consolidando no sentido de interpretar o artigo 71, § 3º, da CLT, de modo a não permitir a redução do intervalo intrajornada quando concomitantemente houver prestação de horas extras, mesmo havendo autorização do Ministério do Trabalho e Emprego. Assim, entendo que a condenação deve ser limitada ao pagamento das horas extras decorrentes da redução do intervalo intrajornada, no período em que havia autorização do Ministério do Trabalho e Emprego para que se reduzisse o aludido intervalo, aos dias em que efetivamente houve prestação de horas extras. Recurso de embargos conhecido e parcialmente provido. (TST-E-RR-168000-85.2009.5.02.0027, SBDI-I, rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, 03.08.2018).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Recurso de Revista n° TST-E-RR-168000-85.2009.5.02.0027, em que é Embargante MABE BRASIL ELETRODOMESTICOS LTDA e Embargado HAMILTON DA SILVA ALBERTO.
A 7ª Turma do TST, em seq. 7 págs. 1/10, conheceu do recurso de revista do reclamante por violação do artigo 71, § 3º, da CLT, e, no mérito, deu-lhe provimento "para condenar a reclamada ao pagamento de horas extraordinárias pela não concessão do intervalo intrajornada e reflexos, no período em que havia autorização do Ministério do Trabalho e Emprego, mas o empregado era submetido a labor extraordinário".
A reclamada interpõe recurso de embargos em seq. 10 págs. 1/6, apontando divergência jurisprudencial.
O Ministro Presidente da 7ª Turma, por meio do Despacho de seq. 13, págs. 1/2, admitiu o recurso de embargos, por entender configurada divergência jurisprudencial específica.
Impugnação apresentada em seq. 15, págs. 1/4.
Sem remessa dos autos à Procuradoria-Geral do Trabalho, nos termos do art. 83, § 2º, inciso II, do RI/TST.
É o relatório.
V O T O
Recurso tempestivo (acórdão publicado em 21/3/2014, conforme certidão de seq. 8, e recurso de embargos protocolizado em 31/3/2014, seq. 11), representação processual regular (seq. 3, págs. 3/4), preparo regular (seq. 10, págs. 7/9), cabível e adequado, o que autoriza a apreciação dos pressupostos específicos de admissibilidade.
INTERVALO INTRAJORNADA – REDUÇÃO – AUTORIZAÇÃO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO – VALIDADE - HORAS EXTRAS PRESTADAS SEM HABITUALIDADE – INEXISTÊNCIA DE REGIME DE TRABALHO PRORROGADO A HORAS SUPLEMENTARES.
CONHECIMENTO
A reclamada sustenta que "impossível se torna se cogitar em pseudo invalidade das autorizações ministeriais para a redução do intervalo, posto que os recibos de pagamento abojados aos autos demonstram que a prestação de horas suplementares se deu apenas e tão-somente de forma esporádica e não habitual, sendo que, por esta razão, nos termos legais, inadmissível se falar em concessão de horas de horas extras e reflexos". Traz um aresto para indicar o conflito de teses.
A 7ª Turma do TST, ao julgar o recurso de revista do reclamante, deixou consignado, in verbis:
"1.1 - INTERVALO INTRAJORNADA – REDUÇÃO – AUTORIZAÇÃO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO – HORAS EXTRAORDINÁRIAS
O 2º Tribunal Regional do Trabalho deu provimento parcial ao recurso ordinário do reclamante, reformando a sentença a quo, para julgar procedente em parte a ação, sob os seguintes fundamentos delineados a fls. 204-205:
O autor, inconformado, requer a reforma do julgado, para ver a demandada condenada ao pagamento de uma hora extra diária, decorrente do intervalo intrajornada fruído a menor (30 minutos). Impugna as Portarias trazidas pela demandada e assevera que a realização constante de horas extras deslegitima a redução havida.
O Juízo a quo, acolhendo a tese da defesa, entendeu que a redução do intervalo amparou-se em autorização à ré, oriunda de Portarias do Ministério do Trabalho e Emprego e, rechaçando a arguição do autor de nulidade das autorizações em questão, deu por observados os termos legais (preconizados no artigo 71, parágrafo 3º da CLT) e, ainda, evocou a presunção de legitimidade de que gozam os atos da administração pública, não elidida por nenhum meio de prova trazido aos autos.
Inicialmente, verifico que é frágil a alegação do autor de que as horas extras realizadas com frequência deslegitimaram a redução em comento, tendo em vista que sua testemunha afirmou jornada das 14h00 às 22h30, coincidente com os controles trazidos com a defesa. Tal circunstância deixa entrever que a sobrejornada apontada nas fichas financeiras não tinha caráter habitual, apto a desconstituir a redução no intervalo havida.
As Portarias que autorizaram a redução da pausa foram trazidas aos autos (Portarias 525 de 2003 e 976 de 2005 - vol de docs) pela ré, sem contraprova que as desconstituísse, pelo quê tomo-as por legítimas. Contudo, a demandada não apresentou a autorização para renovação, atinente à Portaria 976/2005 que, publicada em 25/10/2005, produziu efeitos somente até 25/10/2007, valendo ressaltar que a autorização trazida (doc. 5) diz respeito à Portaria anterior.
Assim, despida da autorização ministerial no período acima indicado, essa redução contraria as disposições legais estabelecidas no artigo 71 da CLT, que tornou obrigatória a concessão de intervalo de, no mínimo, uma hora, em qualquer trabalho contínuo, quando excedidas seis horas diárias, e o § 4º do mesmo dispositivo consolidado determina que, no caso de supressão da pausa, o período correspondente será pago com acréscimo de no mínimo 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho.
Com efeito, as horas trabalhadas, ainda que parcialmente, ante o desrespeito ao intervalo para alimentação e descanso, serão consideradas tal como pacificado no entendimento da Orientação Jurisprudencial n. 307 da SDI-I do c. TST, de seguinte teor:
"Após a edição da Lei no. 8.923/1994, a não concessão total ou parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, implica o pagamento total do período correspondente, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho (art. 71 da CLT)."
Considerando que o autor postulou as horas extras por intervalo fruído a menor até dezembro/2007, a ausência da renovação da Portaria 976/2005 autoriza o pagamento de 1 hora extra, no período compreendido entre 25/10/2007 e 20/12/2007 (em 21/12/2007 houve a transferência da ré para outro município), valendo ressaltar a natureza salarial desta verba, entendimento já pacificado pela OJ nº 354, do C. TST. Reformo parcialmente.
Dessa decisão, o reclamante interpôs recurso de revista, apontando violação dos arts. 1º, III e 7º, XXII, da Constituição Federal e 71, § 3º, da CLT, bem como contrariedade à Orientação Jurisprudencial nº 342 da SBDI-I, do TST (atual Súmula nº 437, II, do TST). Trouxe arestos ao confronto de teses.
Sustentou o autor, em suas razões recursais, que "prestava horas extras além do horário contratual de trabalho, conforme constou no bojo do acórdão, pouco importando se tais horas extras eram ‘habituais’ ou não, uma vez que a lei não questiona tal fato, a lei apenas diz que o trabalhador não pode laborar em regime de prorrogação da jornada para ter o horário de refeição e descanso reduzido, fato não observado com a devida cautela e retidão pelas instâncias ordinárias", fls. 219.
Conforme se verifica, a Corte regional registrou que "a sobrejornada apontada nas fichas financeiras não tinha caráter habitual, apto a desconstituir a redução no intervalo havida".
Com efeito, em toda jornada de trabalho superior a seis horas é obrigatório um intervalo mínimo de uma hora para repouso e alimentação, conforme disposto no art. 71, caput, da CLT.
É certo que o intervalo intrajornada é direito de ordem pública relacionado à medicina e segurança do trabalho, que não pode ser suprimido do empregado. Nem mesmo por norma coletiva é possível a negociação de direitos indisponíveis dos trabalhadores, concernentes à proteção de sua saúde física e mental. Essa é a tese estampada na Súmula nº 437, II, do TST.
Apenas excepcionalmente o art. 71, § 3º, da CLT permite a redução do intervalo intrajornada mínimo de uma hora, por meio de autorização expressa do Ministério do Trabalho. Essa autorização, no caso dos autos, encontra-se presente em parte do período laborado, conforme consignado no acórdão regional.
Entretanto, para a validade da diminuição do interregno intrajornada é imperiosa, além da chancela do órgão administrativo competente, a inexistência de trabalho em regime de prorrogação de jornada, ressalva esta constante da parte final do § 3º do art. 71 da CLT.
A finalidade precípua da norma contida no § 3º do art. 71 da CLT é permitir que os empregados se alimentem de modo adequado e ágil no âmbito da empresa e, uma vez reduzido o intervalo para alimentação e descanso, possam deixar o local de trabalho instantes antes do que normalmente sairiam.
A prática de horas extraordinárias, ainda que não habituais, demonstra que nem sempre os empregados podiam se beneficiar de uma das vantagens da redução do intervalo, qual seja, o retorno prematuro para o desempenho de atividades fora do local de trabalho.
E exatamente nesses dias em que o reclamante permanecia trabalhando em um período superior, a ausência de descanso no tempo de uma hora, previsto no art. 71, caput, da CLT, é ainda mais significativa, o que causa, indubitavelmente, efeitos deletérios na saúde do trabalhador e pode aumentar o risco de lesões e acidentes de trabalho.
Destaque-se, outrossim, que o art. 71, § 3º, da CLT, dispõe que a autorização para a redução do intervalo intrajornada será concedida por ato do Ministério do Trabalho e "quando os respectivos empregados não estiverem sob regime de trabalho prorrogado a horas suplementares".
Realizando-se, portanto, interpretação teleológica ou filológica do art. 71, § 3º, da CLT, percebe-se que a prática de horas extraordinárias, habituais ou eventuais, não se compatibiliza com a redução do intervalo intrajornada mediante a autorização do Poder Executivo. Na hipótese, não obstante a presença de autorização emitida pelo órgão público competente, o Tribunal Regional consignou expressamente que havia o extrapolamento da jornada do reclamante, sendo descabida a redução da duração do intervalo intrajornada.
Nesse passo, conheço do recurso de revista, por violação do art. 71, § 3º, da CLT.
2 - MÉRITO
2.1 - INTERVALO INTRAJORNADA – REDUÇÃO – AUTORIZAÇÃO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO – HORAS EXTRAORDINÁRIAS
Conhecido o recurso por violação do art. 71, § 3º, da CLT, dou-lhe provimento para condenar a reclamada ao pagamento de horas extraordinárias pela não concessão do intervalo intrajornada e reflexos, no período em que havia autorização do Ministério do Trabalho e Emprego, mas o empregado era submetido a labor extraordinário" (seq. 7, págs. 6/9) (g.n.).
O aresto paradigma de seq. 10, pág. 5 (AIRR-1946-78.2011.5.02.0086), oriundo da 6ª Turma do TST, colacionado na íntegra em seq. 10, págs. 12/16, viabiliza o conflito pretoriano, nestes termos:
"(...).
A concessão do intervalo intrajornada é uma regra de caráter imperativo e cogente, cuja observância não pode ser mitigada, nem mesmo por meio de convenções e acordos coletivos do trabalho, que são a expressão máxima de autonomia da vontade das partes, constituindo, inclusive, fonte formal do direito do trabalho.
A única hipótese de redução do intervalo intrajornada prevista no artigo 71 da CLT encontra-se inserida em seu § 3º e está sujeita à prévia autorização do Ministro do Trabalho e Emprego, desde que observados determinados requisitos, demandando, portanto, um ato administrativo composto, cuja existência restou demonstrada nos autos.
Acrescente-se que, no caso vertente, conforme delimitado no v. acórdão regional, não houve prestação habitual de horas extraordinárias o que afasta, de plano, a alegação de afronta ao artigo 71 da CLT.
Ileso o art. 7º, XXVI, da CF bem como a Súmula 437, II, desta Corte uma vez que no caso não se discute validade de norma coletiva, mas sim a possibilidade de redução do intervalo intrajornada mediante autorização expressa do Ministério do Trabalho, o que ocorreu, in casu.
Tendo havido expressa autorização para a redução do intervalo para descanso e alimentação pela autoridade competente e uma vez cumpridas as exigências ministeriais pela reclamada, não há falar em ofensa aos arts. 1º, III e 7º, XXII, da CF." (g.n.).
Conheço, assim, do recurso, por divergência de teses.
MÉRITO
No caso dos autos, consoante se infere da transcrição supra, o quadro fático delineado pelo Tribunal Regional, soberano na análise de fatos e provas, a teor da Súmula/TST n° 126, é no sentido de que "As Portarias que autorizaram a redução da pausa foram trazidas aos autos (Portarias 525 de 2003 e 976 de 2005 - vol de docs) pela ré, sem contraprova que as desconstituísse, (...)". Narrou, ainda, a Corte de origem, que "é frágil a alegação do autor de que as horas extras realizadas com frequência deslegitimaram a redução em comento, tendo em vista que sua testemunha afirmou jornada das 14h00 às 22h30, coincidente com os controles trazidos com a defesa. Tal circunstância deixa entrever que a sobrejornada apontada nas fichas financeiras não tinha caráter habitual, apto a desconstituir a redução no intervalo havida".
De inicio é preciso ressaltar que o artigo 71, § 3o, da Consolidação das Leis do Trabalho foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e está vigente, preceituando o seguinte:
"Art. 71 - Em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de 6 (seis) horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de 1 (uma) hora e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de 2 (duas) horas.
(...)
§3º O limite mínimo de uma hora para repouso ou refeição poderá ser reduzido por ato do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, quando ouvido o Serviço de Alimentação de Previdência Social, se verificar que o estabelecimento atende integralmente às exigências concernentes à organização dos refeitórios, e quando os respectivos empregados não estiverem sob regime de trabalho prorrogado a horas suplementares."
Sobre a razão de ser desse dispositivo, assim ensina Eduardo Gabriel Saad:
"... À primeira vista, o dispositivo parece que irá permitir abusos nocivos à saúde do trabalhador. Observadas certas cautelas, a medida torna-se favorável ao empregado. Em cidades de grandes proporções, como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Porto Alegre, Belo Horizonte e outras, o empregado, na maioria das vezes, não tem possibilidade de ir a seu domicílio alimentar-se, repousar e retornar ao serviço antes que se escoe o prazo de uma hora (de notar que a imensa maioria das empresas nacionais não têm restaurantes próprios). Se a empresa, interessada nem reduzir para menos de uma hora o tempo para alimentação, conseguir provar que tem condições para oferecer alimentação saudável ao empregado em poucos minutos, temos de concluir que, aí, a solução é mais atraente e aceitável que aquela outra já citada. Em suma, é imprescindível que o Ministério do Trabalho examine, por todos os ângulos, cada caso de redução do prazo de uma hora para alimentação e repouso, para autorizá-la, tão-somente, quando ficar cabalmente comprovado que o trabalhador não será prejudicado..."(SAAD, Eduardo Gabriel et ai. Consolidação das Leis do Trabalho comentada, 36a ed. São Paulo: LTr, 2006, pág. 142).
Dito isso, saliente-se que o legislador foi claro, no citado art. 71, § 3º, Consolidado, a condicionar a diminuição do intervalo intrajornada, por autorização do Ministério do Trabalho, a dois fatores: a empresa deve atender certas exigências quanto à organização de refeitórios e seus empregados não podem estar sujeitos a "regime de trabalho prorrogado a horas suplementares".
Embora não seja a questão ora discutida, não é demais observar que esta Corte já decidiu que o trabalho prorrogado com a adoção da jornada de oito horas em turnos ininterruptos (e não em razão de horas suplementares), não invalida a autorização ministerial para a redução do citado intervalo, desde que sua previsão origine-se de regular negociação coletiva.
In casu, devo registrar que, inicialmente, entendia pela possibilidade de se chegar à mesma conclusão, embora o ponto nodal a ser discutido seja outro: o fato de o reclamante ativar-se, esporadicamente, em trabalho extraordinário tem o condão de invalidar todas as autorizações para redução do intervalo intrajornada conseguidas pela reclamada, de modo que a trabalhadora faça jus a horas extras antes de 25/10/2007?
Pois bem, para chegar a alguma resposta é preciso saber o que o legislador quis afirmar ao utilizar a expressão "regime de trabalho prorrogado a horas suplementares".
A palavra "regime", segundo o dicionário Aurélio, concerne a "1. Regimento. 2. Sistema político pelo qual se rege um país. 3. Dieta. 4. Modo de viver, ou de exercer ou organizar certa(s) atividade(s)" (FERRERIA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio – o minidicionário da língua portuguesa, 7ª ed. Curitiba: Ed. Positivo, 2008 - grifei).
Ou seja, um "regime de trabalho prorrogado a horas suplementares" implica um modo de exercer/organizar as atividades que é o da prorrogação a horas suplementares.
Em outras palavras, o uso do vocábulo "regime" resulta no entendimento de que as atividades seriam organizadas e exercidas de um dado modo, que é o do "trabalho prorrogado a horas suplementares". E se a atividade é desse modo organizada/exercida, somente se pode concluir que o trabalhador presta horas extras com habitualidade ou certa habitualidade.
Tanto é assim que, não raro, é possível encontrar decisões em que a validade ou não da redução do intervalo intrajornada com esteio no art. 71, § 3º, da CLT é discutida à luz da prestação habitual de horas extras.
Eis alguns exemplos:
"RECURSO DE REVISTA. INTERVALO INTRAJORNADA. REDUÇÃO PREVISTA EM ACORDO COLETIVO E AUTORIZAÇÃO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO. PRESTAÇÃO DE HORAS EXTRAS. A concessão do intervalo intrajornada constitui medida de higiene, saúde e segurança do empregado, infenso à negociação coletiva, nos termos do item II da Súmula 437 do TST e, ainda que haja a autorização do Ministério do Trabalho a que alude o art. 71, § 3.º, da CLT, a prestação de horas extras habitual invalida a redução. Recurso de revista conhecido e provido". (RR - 761-88.2011.5.12.0033 Data de Julgamento: 12/12/2012, Relatora Ministra: Delaíde Miranda Arantes, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 19/12/2012 - grifei).
"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - INTERVALO INTRAJORNADA - REDUÇÃO - AUTORIZAÇÃO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO. O art. 71, § 3º, da CLT prevê a possibilidade de redução do intervalo intrajornada quando houver autorização do Ministério do Trabalho, após verificação de que o estabelecimento atende integralmente às exigências concernentes à organização dos refeitórios e quando os respectivos empregados não estiverem sob regime de trabalho prorrogado a horas suplementares. Na hipótese, não obstante o Tribunal Regional tenha consignado que houve autorização para redução do intervalo intrajornada por ato do Ministério do Trabalho, havia a exigência habitual de prestação de horas extraordinárias. Logo, nessas circunstâncias, afigura-se inviável a redução da duração do intervalo intrajornada, conforme preceituado no art. 71, § 3º, da CLT. Precedentes. Agravo de instrumento desprovido." (AIRR - 1423-05.2010.5.15.0130 Data de Julgamento: 05/09/2012, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 14/09/2012 - grifei).
"INTERVALO INTRAJORNADA. REDUÇÃO POR MEIO DE AUTORIZAÇÃO DA DELEGACIA REGIONAL DO TRABALHO. ART. 71, § 3º, DA CLT. O Regional consignou, expressamente, que, -considero inválida a redução dos intervalos por meio de convenção coletiva, sendo válido apenas o lapso autorizado pelo MTE. Assim, nos lapsos não autorizados pelo Ministério do Trabalho, devido o intervalo (e não apenas o adicional, como deferido na sentença-. Registrou ainda que -a condenação imposta na sentença deve ser mantida porque, no período de 1º a 23.5.2005, não há autorização do Ministério do Trabalho para a redução do intervalo intrajornada. A previsão normativa contida na cláusula 53 da CCT 2005 (fl. 49 do vol. 2 de docs.) não é suficiente para admitir a redução do intervalo nesse período, já que o art. 71, § 3º, da CLT exige a autorização do TEM-. Verifica-se, portanto, que o Tribunal Regional deu a exata subsunção da descrição dos fatos à norma contida no artigo 71, § 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho. Além disso, para se concluir de maneira diversa da do Regional, seria necessário reexaminar as premissas fáticas nas quais se baseou para concluir que, no período de 1º a 23/5/2005, não houve autorização do Ministério do Trabalho para redução do intervalo intrajornada, estando, pois, o autor submetido a habitual extrapolamento de jornada, procedimento esse vedado nesta fase recursal de natureza extraordinária, nos termos da Súmula nº 126 desta Corte. Recurso de revista não conhecido." (RR - 97600-44.2008.5.12.0046. Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 19/12/2012 - grifei).
"3. INTERVALO INTRAJORNADA. REDUÇÃO. ATO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO. O egrégio Tribunal Regional registrou que não havia prestação habitual de horas extraordinárias, sendo que restou incontroverso nos autos que a vigência das portarias do Ministério do Trabalho que autorizaram a redução do intervalo intrajornada na ré, não abrangem todo período da contratualidade do autor. Em razão disso, deferiu o pagamento de horas extraordinárias relativas aos períodos não abarcados pelas portarias do Ministério do Trabalho. Violação do artigo 71, § 3º, da CLT e divergência jurisprudencial não demonstrada. Recurso de revista não conhecido." (RR-47400-51.2007.5.12.0019. Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 30/11/2012 – grifei).
Também em recente julgado, em que entendi pela invalidade da redução do intervalo intrajornada havida (RR-2131300-64.2002.5.09.0015), embora o Tribunal Regional tenha se limitado a afirmar, no tópico pertinente, que houve "regime de trabalho prorrogado" a invalidar as autorizações do MTE, em outro há notícia de prestação de horas extras habituais.
De todo modo, no caso em apreço (e para retomar o sentido da palavra "regime"), o trabalho do reclamante não estava organizado (nem era exercido) com base em prestação de horas extras habituais (com base em regime de trabalho prorrogado a horas suplementares). Na esteira do acórdão regional, ele era prestado do seguinte modo: "jornada das 14h00 às 22h30, coincidente com os controles trazidos com a defesa", com 30 minutos de intervalo para refeição e descanso", constando, ainda, que "a sobrejornada apontada nas fichas financeiras não tinha caráter habitual".
Sendo assim, em consonância com o decisum regional, entendo que as autorizações do Ministério do Trabalho expedidas antes de 25/10/2007 não devem ser invalidadas em face da existência, in casu, de horas extras esporádicas – que não se podem confundir com regime de trabalho prorrogado a horas suplementares, como se viu.
Nesse sentido, aliás, cito o seguinte precedente, da lavra do Exmo. Ministro Pedro Paulo Manus (muito embora, naquele caso, tenha havido entendimento de que existente o direito às horas extras nos dias – esporádicos - de elastecimento da jornada):
"INTERVALO INTRAJORNADA. O Tribunal Regional, soberano na análise do conjunto probatório, registrou que a redução do intervalo intrajornada, de 1 hora para 40 minutos, foi autorizada pelo Ministério do Trabalho. Consignou, ainda, que o labor extraordinário era apenas esporádico. Assim, condenou a reclamada ao pagamento de 20 minutos extras, apenas nos dias em que houve prorrogação da jornada. Tal decisão contraria a Orientação Jurisprudencial nº 307 da SBDI-1 desta Corte Superior, que é clara, ao determinar que a fruição irregular do intervalo intrajornada acarreta o pagamento da integralidade do intervalo, como labor extraordinário. Todavia, não prospera a pretensão da recorrente, de que a condenação seja estendida para toda a contratualidade, ao invés de ficar restrita aos dias em que, excepcionalmente, houve o elastecimento da jornada. A sujeição do empregado ao regime de horas extras, referida no artigo 71, § 3º, da CLT, não se confunde com o cumprimento esporádico de labor extraordinário. Recurso de revista de que se conhece parcialmente e a que se dá provimento parcial. (RR - 72000-19.2007.5.18.0004 Data de Julgamento: 29/06/2011, Relator Ministro: Pedro Paulo Manus, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 01/07/2011 – grifei).
Além de não se poder confundir a prestação esporádica de horas extras com o regime de trabalho prorrogado a horas suplementares, observe-se que a questão da reclamada possuir refeitório devidamente organizado não é controversa. Assim, o reclamante, além de ter usufruído de intervalos intrajornadas nesse local (legalmente reduzidos), repita-se, não estava submetida a regime de trabalho prorrogado a horas suplementares (como, por exemplo, o previsto no art. 59 Consolidado).
Por conta destes fundamentos, conclui, em um primeiro momento, com base nos arts. 71, § 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho e 7º, inciso XXII, da Constituição Federal, que, na presente hipótese, não se vislumbrava o direito do autor à percepção de horas extras.
Este meu posicionamento já havia sido adotado, inclusive, no julgamento do processo nº TST-RR-143700-79.2009.5.02.0085, de minha lavra (decisão por maioria), publicado no DEJT de 7/2/2014, ocorrido no âmbito da 2ª Turma.
Além disso, encontrava respaldo nos seguintes precedentes oriundos desta SBDI1, que, examinando a mesma matéria, tratam de situação em que os empregados também não estavam submetidos a regime de trabalho prorrogado a horas suplementares:
RECURSO DE EMBARGOS. INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DA LEI 11.496/2007. INTERVALO INTRAJORNADA. REDUÇÃO. AUTORIZAÇÃO MINISTERIAL. PRESTAÇÃO EVENTUAL DE HORAS EXTRAS. VALIDADE. 1. A prestação eventual de horas extras não tem o condão de invalidar a autorização para redução do intervalo mínimo intrajornada concedida pelo Ministério do Trabalho, na medida em que o art. 71, § 3º, da CLT, que estabelece regra proibitiva para a validade da autorização ministerial na hipótese em que o empregado estiver "sob regime de trabalho prorrogado a horas suplementares", o que pressupõe uma rotina de trabalho, uma habitualidade, uma prática ordinária, não se podendo incluir na proibição legal a prestação eventual de horas extras, hipótese dos autos. Precedentes. Recurso de embargos conhecido e não provido.
(Processo: E-ED-RR - 94100-80.2009.5.03.0079 Data de Julgamento: 16/03/2017, Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 24/03/2017).
"AGRAVO CONTRA DECISÃO DENEGATÓRIA DE RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELA LEI 11.496/2007. INTERVALO INTRAJORNADA. REDUÇÃO POR MEIO DE NORMA COLETIVA. AUTORIZAÇÃO PELO MINISTÉRIO DO TRABALHO. PORTARIA Nº 57/2004 EXPEDIDA PELA DRT/RN. VALIDADE. Nos exatos termos do artigo 71, § 3º, da CLT, é permitida a redução do intervalo intrajornada, mediante autorização do Poder Executivo, desde que a empresa possua refeitório o qual atenda às exigências de organização, e os empregados não estejam submetidos a regime de trabalho prorrogado a horas suplementares. O Tribunal Regional consignou que a redução ocorreu por autorização do Ministério do Trabalho, consoante Portaria 57/2004, expedida pela DRT/RN, constando, ainda, de previsão expressa em norma coletiva. Destacou, ademais, não estar a empregada sujeita a regime de sobrejornada, além de atendidas as condições necessárias para estruturação do refeitório e fornecimento de alimentação aos empregados. A controvérsia, portanto, diz respeito à exceção prevista no § 3º do art. 71 da CLT e a regulamentação contida na aludida portaria do MTE, não estando afeta à Súmula 437, item II, do TST. Há precedentes. Agravo não provido. (Processo: Ag-E-RR - 91000-08.2013.5.21.0005 Data de Julgamento: 30/10/2014, Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 07/11/2014).
No entanto, reflui em minha posição original para entender que, mesmo diante de autorização do Ministério do Trabalho e Emprego, nos dias em que efetivamente houve a prestação de horas extras, não seria possível haver a redução do intervalo intrajornada.
Isto porque, este novo entendimento, a meu ver, parece melhor se coadunar com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como ao posicionamento da jurisprudência majoritária desta Corte que vem se consolidando no sentido de interpretar o artigo 71, § 3º, da CLT, de modo a não permitir a redução do intervalo intrajornada quando concomitantemente houver prestação de horas extras, mesmo havendo autorização do Ministério do Trabalho e Emprego.
Ante o exposto, dou provimento parcial ao recurso de embargos para limitar o pagamento das horas extras decorrentes da redução do intervalo intrajornada, no período em que havia autorização do Ministério do Trabalho e Emprego para que se reduzisse o aludido intervalo, aos dias em que efetivamente houve prestação de horas extras.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de embargos por divergência de teses, e, no mérito, dar-lhe provimento parcial para limitar o pagamento das horas extras decorrentes da redução do intervalo intrajornada, no período em que havia autorização do Ministério do Trabalho e Emprego para que se reduzisse o aludido intervalo, aos dias em que efetivamente houve prestação de horas extras.
Brasília, 24 de maio de 2018.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
RENATO DE LACERDA PAIVA
Ministro Vice-Presidente do TST
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