TST - INFORMATIVOS 2021 235 - de 05 a 19 de abril

Data da publicação:

Acordão - TST

Alexandre de Souza Agra Belmonte - TST



RESPONSABILIDADE CIVIL – DANOS MORAIS “INDIRETOS OU EM RICOCHETE” – LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DOS SOBRINHOS DO TRABALHADOR FALECIDO NO ACIDENTE DO TRABALHO TÍPICO.



II - AGRAVOS DE INSTRUMENTO EM RECURSOS DE REVISTA DAS RECLAMADAS S.M.S. E B.B.B.L. (MATÉRIAS COMUNS). RESPONSABILIDADE CIVIL – DANOS MORAIS “INDIRETOS OU EM RICOCHETE” – LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DOS SOBRINHOS DO TRABALHADOR FALECIDO NO ACIDENTE DO TRABALHO TÍPICO.

A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho é a de que os familiares, os herdeiros e os sucessores do empregado vítima de acidente do trabalho são partes legítimas para pleitear em juízo a indenização pelos prejuízos extrapatrimoniais por eles sofridos em virtude do falecimento do ente querido. Trata-se do direito de postular reparação que a doutrina convencionou denominar de “danos morais indiretos ou em ricochete”. Ocorre que os presentes autos demandam uma análise pormenorizada da matéria, porque a controvérsia gravita em torno da legitimação dos sobrinhos para perseguir, em nome próprio, a indenização pelos prejuízos extrapatrimoniais decorrentes do infortúnio que ceifou a vida do seu tio. As reclamadas S.M.S. e B.B.B.L. alegam que o simples laço de parentesco não seria suficiente para autorizar o prosseguimento da ação reparatória, sob pena de banalização do dano moral e de alargamento demasiado da reparação. Argumentam que os beneficiários da indenização deveriam ser apenas os membros do núcleo familiar mais próximo, formado pelo cônjuge ou companheiro e pelos pais e filhos. Sendo assim, a hipótese concreta traz à baila o limite que deve ser objetivamente adotado na cadeia de legitimados para a ação indenizatória, mormente porque os autores se encontram posicionados na linha colateral de herdeiros do falecido. Há que se ter em mente que nem todo aquele que sofre pela perda de outrem deve encontrar a proteção do direito para perseguir uma compensação pela via judicial. Isso porque correr-se-ia o risco de que uma infinidade de indivíduos obtivessem a chancela do Poder Judiciário para, por exemplo, pleitear danos morais em razão do falecimento de uma pessoa famosa ou de alguém cuja tragédia tenha causado um sentimento geral de comoção. Portanto, quando o que se pretende em juízo é a compensação moral pela morte de alguém, a oportunidade de demonstrar o prejuízo íntimo deve ocorrer somente após a comprovação da existência de uma relação de natureza objetiva (notadamente familiar, de parentesco, de dependência econômica) entre o sujeito que pretende demandar e o falecido, mesmo porque a legitimidade ativa caminha pari passu com o próprio interesse de agir, sendo ambos pressupostos processuais, posicionados como requisitos admissibilidade da demanda. Ao contrário do que acontece no direito português, em que o artigo 496º, “2”, do CCP é expresso ao conferir legitimação ao cônjuge, aos descendentes, aos ascendentes, aos irmãos e aos sobrinhos, o direito brasileiro não contém uma norma legal específica, que discipline a titularidade do direito à indenização pelos danos morais sofridos pelos parentes do morto, cabendo à doutrina traçar as diretrizes teóricas da matéria, bem como à jurisprudência proceder à integração do ordenamento jurídico. Vale reiterar que já não existem maiores controvérsias a respeito da legitimidade do cônjuge e dos parentes em linha reta para perseguir os danos morais “indiretos ou em ricochete”, perseverando uma certa inquietação doutrinária e jurisprudencial sobre a legitimação dos colaterais e o limite a ser adotado na cadeia sucessória destes. Clóvis Beviláqua, citado por Luis Felipe Salomão, assevera que o sentimento de unidade da família e o vínculo de simpatia entre os parentes desaparece apenas após o quarto grau da linha de parentesco colateral (SALOMÃO, Luis Felipe. Direito Privado. Teoria e Prática. 3. ed., Saraiva. p. 423). Esse entendimento encontra-se em sintonia com o pensamento de outros autores, como, por exemplo, Carlos Alberto Bittar e o próprio Salomão, que traçam um paralelo entre os artigos 1.829 e 1.839 CCB – que limitam a linha sucessória colateral ao quarto grau – e os legitimados para perseguir os danos morais indiretos. Ancorar o rol de legitimados para propor ação de reparação moral pela morte de uma pessoa querida nos dispositivos que tratam da ordem e dos limites da vocação hereditária parece bastante razoável, sobretudo porque os valores jurídicos que subjazem o pleito reparatório confundem-se com aqueles que orientam as linhas sucessórias, cujo norte axiológico reside justamente nas relações de afeto presumidamente existentes entre quem se foi e os que ficaram. É importante ressaltar que os debates travados durante a V Jornada de Direito Civil, realizada pelo Conselho da Justiça Federal entre os dias 9 e 11/11/2011, contribuíram decisivamente para a elucidação do tema. A conclusão a que chegaram os doutrinadores e que resultou na edição do Enunciado nº 400 do CJF, foi a de que o artigo 12, parágrafo único, do CCB assegura aos parentes colaterais até o quarto grau não apenas a legitimidade para proteger a imagem do morto (ou preservar o resquício da personalidade daquele que partiu), mas, também, a prerrogativa de ingressar em juízo por direito próprio, a fim de perseguir a compensação pelos danos morais reflexos decorrentes do passamento do ente querido. Conclui-se, portanto, que os artigos 12, 1.829 e 1.839 do CCB garantem aos sobrinhos, posicionados no terceiro grau da linha sucessória colateral do de cujus, o direito de se socorrer do Poder Judiciário para perseguir, em nome próprio, a indenização pelos prejuízos extrapatrimoniais decorrentes do infortúnio que ceifou a vida do seu tio. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Agravos de instrumento conhecidos e desprovidos. PRESSUPOSTOS DO DEVER DE INDENIZAR. Discute-se os pressupostos da responsabilidade civil das rés pelos danos morais sofridos pelos sobrinhos em razão do acidente do trabalho que ceifou a vida de seu tio. É incontroverso nos autos que o de cujus foi soterrado pelo rejeito de minério enquanto dirigia caminhão pipa à jusante da barragem de Fundão, em MarianaMG. As reclamadas S.M.S. e B.B.B.L. alegam que os autores não comprovaram a existência de laços afetivos com o falecido e que o Tribunal Regional não poderia presumir o dano extrapatrimonial pela mera circunstância de os reclamantes residirem no mesmo município de seu tio. Argumentam que o artigo 7º, XXVIII, da CF veda a aplicação da responsabilidade civil objetiva do empregador em caso de acidente do trabalho, que o infortúnio ocorreu em razão de caso fortuito e que todas as normas de segurança foram estritamente observadas. Diferentemente do que acontece no direito das sucessões, em que os parentes mais próximos normalmente excluem os mais remotos, os danos morais decorrentes do falecimento de uma pessoa querida não seguem um padrão lógico de incidência ou de gradação. “Se no direito sucessório os parentes excluem-se gradativamente, o mesmo não ocorre no caso da ação indenizatória” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9. ed., Forense. p. 329). Evidentemente, presume-se que os membros do núcleo familiar íntimo (normalmente integrado pelo cônjuge, pelos filhos e pelos pais) sejam os que sofram as repercussões personalíssimas causadas pelo infortúnio e que este sofrimento se apresente de forma mais intensa que em outros parentes. Não por outro motivo, J. M. Carvalho Santos diz que a ordem natural das afeições familiares obedece a um padrão em que “o amor primeiro desce, depois sobe, e em seguida dilata-se” (CARVALHO SANTOS, J. M. Código Civil Brasileiro Interpretado. Vol. XXII. 13. ed., Freitas Bastos. p. 247). Porém, isto não significa que estes ou mesmo outros indivíduos que sequer tenham relação de parentesco com aquele que se foi não possam padecer das mesmas dores ou até mesmo de aflições mais intensas que as suportadas pelos familiares. A complexidade das relações e dos sentimentos humanos não permite que se chegue a uma conclusão estanque nesse sentido, embora a estreita via da legitimação ad causam restrinja sobremaneira o universo das pessoas com respaldo jurídico para provocar o Poder Judiciário a fim de fazer valer o seu direito à compensação pela ofensa moral em ricochete. Conforme ressaltado alhures, apenas os parentes em linha reta e os que figuram até o quarto grau colateral possuem essa prerrogativa, salvo em situações muito particulares. A partir do momento em que é demonstrado o vínculo objetivo de parentesco, a atenção do juiz deve voltar-se para o problema da prova do dano que a parte alega padecer. A presunção de que a morte possui a capacidade de desencadear sentimentos de profunda tristeza, de angústia e de sofrimento, é natural para os membros do núcleo familiar e para os parentes mais próximos. Porém, essa presunção hominis ou facti dissipa-se à medida em que o vínculo de parentesco se afasta da família em sentido estrito. Assim, os danos morais decorrentes do falecimento de um ente querido podem ser considerados in re ipsa apenas para os parentes posicionados até o terceiro grau nas linhas reta e colateral; a partir daí, o direito à reparação depende de que a parte demonstre uma relação de intimidade, de proximidade, de apadrinhamento ou de dependência econômica frustrada pelo perecimento. Depreende-se do acórdão recorrido que o de cujus desfrutava de uma convivência familiar com os autores, conclusão extraída pelo Tribunal Regional a partir do que ordinariamente acontece em cidades de interior. É de todo pertinente buscar amparo no artigo 375 do CPC para aplicar as regras da experiência comum no caso concreto, notadamente porque os depoimentos transcritos no corpo da decisão demonstram que os demandantes residem ou residiram na mesma localidade em que morava o trabalhador falecido: Morro da Água Quente, distrito do pequeno município de Catas Altas, cuja população total estimada pelo IBGE para o ano de 2020 era de apenas 5.421 habitantes (https://cidades.ibge.gov. br/brasil/mg/catas-altas/panorama). Ultrapassada a controvérsia relativa à existência do dano, vale recordar que o artigo 7º, XXVIII, da CF, que consagra a responsabilidade subjetiva do empregador pelos danos decorrentes de acidentes do trabalho, é incapaz de, por si só, afastar a aplicação da teoria do risco positivada no artigo 927, parágrafo único, do CCB. Destarte, sempre que a atividade econômica implicar, por sua própria natureza, perigo de dano aos trabalhadores em patamar superior a outras atividades normalmente desenvolvidas no mercado, haverá a obrigação de reparação dos prejuízos decorrentes daquela espécie de infortúnio, independentemente da existência de culpa do empresário. Essa é exatamente a hipóteses dos autos, tendo em vista que as atividades de suporte à mineração em barragens são de altíssimo risco. Os rompimentos em Mariana e em Brumadinho são exemplos dolorosos e bem ilustrativos desta compreensão. Ademais, pelo princípio do poluidor-pagador, as pessoas físicas ou jurídicas exploradoras de atividades nocivas ao meio ambiente – onde se insere o meio ambiente de trabalho – devem responder de forma objetiva e solidária pelos custos e prejuízos sociais diretos ou indiretos provenientes da degradação. Essa é a exegese que se extrai dos artigos 3º, IV, e 14, §1º, primeira parte, da Lei nº 6.938/1981, ao assentarem que o poluidor é aquele “responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”, sendo este “obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”. Acrescente-se que não se constata nos autos qualquer excludente de nexo de causalidade, notadamente caso fortuito ou força maior, tendo o Tribunal Regional salientado expressamente que o sinistro não decorreu de fato alheio ao controle das rés, mas de sua culpa grave pela falha estrutural da barragem. O Colegiado observou uma sucessão de eventos irregulares que comprometeram a segurança do ambiente de trabalho, bem como a insuficiência de medidas adequadas para a mitigação dos seus efeitos danosos, circunstâncias que atraem, também, a responsabilidade subjetiva prevista nos artigos 186 e 927, caput, do CCB. Desta feita, quer pela natureza da atividade econômica, quer pelo risco do empreendimento explorado, quer pela conduta antijurídica na administração dos riscos inerentes ao ambiente de trabalho, deve ser mantida a responsabilidade das rés pelos danos morais sofridos pelos sobrinhos do trabalhador falecido. Agravos de instrumento conhecidos e desprovidos.

VALOR DA CONDENAÇÃO. O Tribunal Regional manteve a sentença, que arbitrou em R$ 30.000,00 os danos morais sofridos por cada um dos oito sobrinhos do trabalhador falecido. Por outro lado, depreende se do acórdão recorrido que os irmãos do de cujus – pais dos autores – homologaram acordo nesta Justiça Especializada, por meio do qual a empresa S.M.S. comprometeu-se a pagar a cada um deles a quantia de R$ 75.000,00, a título de reparação pelos danos extrapatrimoniais decorrentes do passamento do ente querido. A monetização dos prejuízos causados à esfera íntima de qualquer indivíduo certamente consubstancia-se em uma das tarefas mais tormentosas impostas ao magistrado. Isso porque, se já é difícil ao próprio ofendido quantificar a exata extensão daquilo que o aflige, que dirá ao juiz, possuidor de experiências de vida e entendimento de mundo evidentemente diversos. É certo que existem alguns critérios objetivos, comumente observados pela doutrina e pela jurisprudência, para a fixação econômica da responsabilidade civil do dano moral. A capacidade financeira dos envolvidos, a extensão da culpa de cada uma das partes e o caráter pedagógico e punitivo da medida auxiliam na formação de um entendimento sobre a questão, mas nenhum desses parâmetros deve atuar de forma isolada ou em desalinho com a efetiva repercussão do evento danoso no território privado e impenetrável que é a personalidade da vítima. Tendo em vista ser extremamente difícil à instância extraordinária construir juízo valorativo a respeito de uma realidade que lhe é distante, notadamente quando a análise envolve a difícil tarefa de quantificar a dor interna do indivíduo, foi pacificado o entendimento de que as quantias arbitradas a título de reparações por danos extrapatrimoniais devem ser modificadas no TST apenas nas hipóteses em que as instâncias ordinárias fixarem valores teratológicos, ou seja, desprovidos de qualquer sentido de razoabilidade e proporcionalidade, para mais ou para menos. No caso dos autos, o Tribunal levou em consideração a vultosa capacidade econômica das rés (capital social de até R$ 75.000.000.000,00 – setenta e cinco bilhões de reais), o caráter punitivo e pedagógico da medida, a gravidade e a grande extensão do prejuízo perpetrado pela conduta ilícita e a impossibilidade de que a reparação propicie o enriquecimento sem causa dos autores. Considerando os parâmetros observados pela Turma a quo, principalmente a notória opulência financeira das reclamadas e os devastadores reflexos do infortúnio na vida dos sobrinhos, integrantes de uma pequena comunidade interiorana, conclui-se que a importância chancelada se encontra em desarmonia com os princípios da ponderação e equilíbrio que devem nortear a atividade jurisdicional, no entanto, mantem-se a decisão regional neste particular, em observância ao princípio da non reformatio in pejus. Acrescente-se, por fim, que os fatos que instruem o presente processo são anteriores à denominada “reforma trabalhista”, razão pela qual não incide a tarifação dos danos morais incluída na CLT pela Lei nº 13.467/2017. Agravos de instrumento conhecidos e desprovidos.

III – RECURSOS DE REVISTA DAS RECLAMADAS S.M.S. E W.M.L. E AGRAVOS DE INSTRUMENTO EM RECURSOS DE REVISTA DAS RECLAMADAS V.S. E B.B.B.L. (MATÉRIA COMUM). RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA – GRUPO ECONÔMICO. CORRESPONSABILIDADE. DANOS EXTRAPATRIMONIAIS.

Depreende-se do inteiro teor do acórdão recorrido que as empresas V.S., S.M.S., W.M.L. e B.B.B.L. formavam conglomerado que reunia esforços para execução de um objetivo comum. As recorrentes defendem a inexistência de grupo econômico e que não interferiram nas atividades profissionais do de cujus. Independentemente da configuração ou não de grupo econômico, da existência de subordinação ou coordenação de interesses, a obrigação de indenizar as repercussões danosas de acidentes do trabalho não pode ser afastada pela mera vontade das partes, atingindo, de forma solidária, todas as empresas envolvidas no evento, nos termos do artigo 942 do CCB, não havendo sequer que se cogitar de subsidiariedade ou qualquer outro benefício de ordem entre as devedoras. Trata-se de corresponsabilidade por responsabilidade civil, no caso, por danos extrapatrimoniais. Corrobora tal entendimento o art. 223-E da CLT, inserido pela Lei nº 13.467/2017, que embora não seja aplicável aos fatos ocorridos nestes autos, por serem anteriores à vigência da lei, dispõe que “São responsáveis pelo dano extrapatrimonial todos os que tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado, na proporção da ação ou da omissão”, vindo ao encontro da jurisprudência que já admitia a aplicação das normas de direito civil para a responsabilidade civil do empregador. De mais a mais, mesmo que algumas empresas integrantes do conglomerado econômico não tenham atuado diretamente para o rompimento da barragem, todas devem responder pelos danos decorrentes da atividade nociva, pelo simples fato de que se beneficiavam, mesmo que indiretamente, da deterioração ambiental. Aliás, é importante reiterar que, conforme o princípio do poluidor-pagador insculpido nos artigos 3º, IV, e 14, §1º, primeira parte, da Lei nº 6.938/1981, as pessoas físicas ou jurídicas exploradoras de atividades nocivas ao meio ambiente devem responder de forma objetiva e solidária pelos custos e prejuízos sociais diretos ou indiretos provenientes da degradação. Recursos de revista das reclamadas S.M.S. e W.M.L. não conhecidos e agravos de instrumento das reclamadas V.S. e B.B.B.L. conhecidos e desprovidos. (TST-ARR-11559.02-2017.5.03.0140, 3ª Turma, rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, julgado em 9/4/2021)

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