INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA Instauração. Suspenção

Data da publicação:

Acordãos na integra

CSJT - Lelio Bentes Correia



INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, (CSJT-1000577-09.2018.5.00.0000, Lelio Bentes Correia, DEJT 06.02.19).



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CONSULTA nº 1000577-09.2018.5.00.0000

REQUERENTES: TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 18ª REGIÃO e TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 5ª REGIÃO

REQUERIDO: CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO

ASSUNTO: Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica da Sociedade

 

Trata-se de Consulta encaminhada pelo TRT da 18ª. Região, a respeito do tratamento do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ), previsto no artigo 855-A, da CLT. Na missiva introdutória, pondera-se:

"Tendo em vista que o Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica -IDPJ consta como classe nas tabelas processuais e também no sistema PJe como 'Novo Processo incidental', bem como está previsto no Manual de Orientações de 1º grau do Sistema e-Gestão Versão 1.2.2 nas fases de conhecimento, liquidação e execução (215-12119) - Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica) e que passou a ser contado estatisticamente a partir da última versão do extrator de dados do e-Gestão, e, por outro lado, o que prevê o novel Código de Processo Civil, relativamente ao incidente, especialmente quanto à possibilidade de ser requerido inclusive na petição inicial (§ 2° do artigo 134) e que deve ser decidido por decisão interlocutória (artigo 136), do que se poderia concluir que deveria ser processado nos próprios autos"...)

Diante dessa narrativa, o Consulente requereu que se "determine a adoção das providências necessárias ao esclarecimento das dúvidas abaixo, surgidas em reunião do Comitê Gestor Regional das Tabelas Processuais Unificadas da 18a Região:

a) o incidente deve ser cadastrado como "Novo processo incidental" ou deve ser processado nos próprios autos?

b) na primeira hipótese, o que fará com que o incidente seja contado nas diferentes fases?

c) na segunda situação, como o incidente será contabilizado estatisticamente, já que, salvo melhor juízo, não há tipo de petição correspondente e nem os movimentos relativos à respectiva decisão?"

No mesmo sentido, o TRT da 5ª. Região apresentou Consulta "a fim de Vossa Excelência esclareça se é possível a edição de ato administrativo determinando que os magistrados deste Regional recebam no PJe o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica como incidente próprio e autônomo para fins de processamento e levantamento estatístico."

Determinou-se a autuação do expediente como Consulta, que recebeu o nº 1000577-09.2018.5.00.0000.

O tema foi igualmente suscitado em reunião dos Juízes Auxiliares da Corregedoria-Geral com os Secretários de Corregedorias, tendo sido narrado que a diversidade de procedimentos tem ocasionado problemas em diversas unidades jurisdicionais, inclusive com desproporção na distribuição de feitos entre aquelas que processam o IDPJ como incidente processual e as que o fazem como Novo Processo Incidental.

Ao exame.

Nos termos do inciso IV do artigo 6º. Do Regimento Interno da Corregedoria-Geral, ao Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho, dentre outras atribuições, compete "dirimir dúvidas apresentadas em Consultas formuladas pelos Tribunais Regionais do Trabalho, seus Órgãos ou seus integrantes".

No caso apresentado, a dúvida relevante suscitada por dois Presidentes de Tribunais Regionais está relacionada à forma de processamento do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, preconizado no art. 855-A da CLT. Consoante aduzido no arrazoado originário do TRT da 18ª. Região, o referido incidente consta da Tabela de Classes Processuais do Conselho Nacional de Justiça, mas também está inserido como Incidente no Sistema e-Gestão. A circunstância acaba por permitir tratamentos procedimentais distintos em cada unidade judiciária, comprometendo a uniformidade necessária - justificando-se a atuação desta Corregedoria-Geral, nos termos do seu Regimento Interno. Por isso, conheço das Consultas formuladas.

O Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica foi introduzido na legislação processual brasileira com o advento do Código de Processo Civil de 2015 (Lei 13.105/2015), em seu artigo 133 e seguintes. Até então, não havia disciplina legal a respeito do tema, de modo que a desconsideração da personalidade jurídica poderia ser decidida sem qualquer procedimento formal.

Em março de 2016, o Tribunal Superior do Trabalho aprovou a Instrução Normativa no. 39, cujo artigo 6º. assimilou a aplicação, com algumas adaptações, do incidente preconizado no CPC. Em novembro de 2017, com a entrada em vigor da Lei no. 13.467, deu-se a inserção definitiva desse procedimento no processo do trabalho, mediante a inclusão, na CLT, do artigo 855-A. É certo que o novel dispositivo consolidado não trouxe qualquer disciplina procedimental, remetendo à aplicação dos artigos do CPC que regem o instituto.

Do exame dos dispositivos pertinentes, nota-se que a desconsideração da personalidade jurídica pode ser processada de duas formas: como postulação incidente ou juntamente com a petição inicial. Assim, embora o capítulo IV do Título III do Livro III da Parte Geral do Código se intitule "DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA", o art. 134, § 2º assinala que "dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica."

Dessa redação extrai-se que o legislador disciplinou o procedimento para a desconsideração da personalidade jurídica das sociedades empresariais de duas formas distintas: a) como postulação adicional à pretensão meritória, requerida desde a petição inicial; ou b) como incidente, quando o requerimento é feito no curso do processo, em fase de conhecimento ou de execução.

No primeiro caso, não se identificam maiores dificuldades, pois sendo a desconsideração mero pedido acessório à pretensão principal, é natural que se dê a distribuição da ação trabalhista como um caso novo, segundo os critérios próprios da competência funcional, sem necessidade de instauração do incidente.

A situação é distinta quando se requer a desconsideração já no curso do processo, em qualquer das suas fases. Nessas situações, o tratamento normativo é claro ao considerá-lo um incidente, e não um processo novo. A distinção feita pelo texto legal, antes mencionada, evidencia tal caracterização, não havendo qualquer margem para interpretação no sentido de que, nesses casos, deva-se proceder nova autuação para cada pedido de desconsideração da personalidade jurídica.

Essa prática, aliás, poderia acarretar grandes distorções estatísticas, mediante o incremento artificial de litígios meramente incidentais como se fossem novas ações. Afinal, se para cada sócio de cada demandado fosse autuado um novo processo incidental, seriam produzidos dados de litigiosidade completamente dissonantes da realidade.

Tal situação poria em risco a credibilidade dos dados estatísticos produzidos pela Justiça do Trabalho, levando à falsa impressão da existência de um número muito maior de demandas do que as efetivamente existentes. Daí resultaria o comprometimento de todo o planejamento estratégico da Justiça do Trabalho, que em boa parte se baseia no número de ações distribuídas. Vale lembrar que a quantidade de casos novos recebidos a cada ano é um paradigma objetivo para propostas de criação de novas unidades judiciárias; serve de parâmetro para distribuição da força de trabalho (Resolução nº 219, do CNJ) e é usada como parâmetro para o pagamento aos magistrados Gratificação por Exercício Cumulativo de Jurisdição (Resolução no. 155, do CSJT).

Dessa maneira, a se admitir o reconhecimento como "caso novo" de cada incidente instaurado em face de sócios de pessoas jurídicas que figuram nas ações trabalhistas permitir-se-ia a projeção de um cenário artificial, passível até de eventual manipulação. Isso sem contar que tal fato pode contribuir para acentuar, injustificadamente, as críticas à legislação trabalhista e à Justiça do Trabalho, frequentemente atacadas em razão de um suposto "excesso de litigiosidade".

Conclui-se, portanto, que os requerimentos de desconsideração da personalidade jurídica aviados no curso dos processos de conhecimento ou de execução já iniciados ou mesmo em fase recursal, devem ser recebidos e processados como INCIDENTES, devendo ser instruídos e decididos nos mesmos autos.

Ressalte-se que, considerando o disposto no § 2º do art. 855-A, da CLT, a instauração do incidente suspende o curso do processo principal, de modo que não haverá possibilidade, mesmo em casos de interposição de recurso (art. 855-A, § 1º, II e III), da prática de atos no processo, à exceção das tutelas provisórias. De tal sorte, a tramitação do incidente nos mesmos autos não causará nenhum prejuízo ao fluxo natural do processo, visto que, se for ajuizado na fase de conhecimento, a decisão não comportará recurso algum (art. 855-A, § 1º, I) e, nas demais situações, o feito estará suspenso.

Assim, entendo que o incidente não deve ser cadastrado como "novo processo incidental", mas processado nos próprios autos.

De outra parte, mostra-se oportuno que o Sistema de Gerenciamento de Informações Administrativas e Judiciárias da Justiça do Trabalho (e-Gestão) contenha funcionalidade que permita o cômputo estatístico dos IDPJs, a fim de registrar não apenas seu recebimento mas também seu fluxo e a prolação da decisão correspondente, ainda que não comporte, em determinadas situações, recurso imediato. Para esse fim, a Corregedoria-Geral expedirá ato normativo determinando a adequação do referido sistema para o fim indicado.

Ante o exposto, passa-se a responder articuladamente às questões apresentadas pelos Consulentes:

a) o incidente deve ser cadastrado como "Novo processo incidental" ou deve ser processado nos próprios autos?

O entendimento da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho é de que o processamento do IDPJ se dê nos próprios autos.

b) na primeira hipótese, o que fará com que o incidente seja contado nas diferentes fases?

Prejudicada, em razão da solução adotada. Registra-se que o incidente será computado na fase em que for instaurado.

c) na segunda situação, como o incidente será contabilizado estatisticamente, já que, salvo melhor juízo, não há tipo de petição correspondente e nem os movimentos relativos à respectiva decisão?

A Corregedoria-Geral editará ato determinando que o Sistema e-Gestão seja alterado a fim de registrar a instauração do IDPJ, seu fluxo e a decisão correspondente.

d) é possível a edição de ato administrativo determinando que os magistrados deste Regional recebam no PJe o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica como incidente próprio e autônomo para fins de processamento e levantamento estatístico?

Conforme exposto na fundamentação, o entendimento da Corregedoria-Geral é de que o IDPJ deve ser processado como incidente processual, nos próprios autos.

Em razão da presente manifestação, em sede de Consulta, será expedido o competente ato destinado à disciplinar o recebimento e o processamento do IDPJ.

Dê-se ciência do teor da presente decisão aos Consulentes, bem como a todos os demais Tribunais Regionais do Trabalho.

Brasília, 6 de fevereiro de 2019.

LELIO BENTES CORRÊA

Ministro Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho

Assinatura

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