TEMAS DE RECURSO REPETITIVO - TST 0009 - Repouso semanal remunerado - RSR - integração das horas extraordinárias habituais - repercussão nas demais parcelas salariais - bis in idem

Data da publicação:

Acordão - TST

Amaury Rodrigues Pinto Junior - TST



INCIDENTE DE RECURSO REPETITIVO. TEMA Nº 9. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 394 DA SBDI-1 DO TST. REPOUSO SEMANAL REMUNERADO. INTEGRAÇÃO DAS HORAS EXTRAS. REPERCUSSÃO NAS PARCELAS CALCULADAS COM BASE NO SALÁRIO. INCIDÊNCIA SOBRE FÉRIAS, DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO, AVISO PRÉVIO E DEPÓSITOS DO FGTS. BIS IN IDEM. NÃO OCORRÊNCIA.



INCIDENTE DE RECURSO REPETITIVO. TEMA Nº 9. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 394 DA SBDI-1 DO TST. REPOUSO SEMANAL REMUNERADO. INTEGRAÇÃO DAS HORAS EXTRAS. REPERCUSSÃO NAS PARCELAS CALCULADAS COM BASE NO SALÁRIO. INCIDÊNCIA SOBRE FÉRIAS, DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO, AVISO PRÉVIO E DEPÓSITOS DO FGTS. BIS IN IDEM. NÃO OCORRÊNCIA.

1. A majoração do valor do repouso semanal remunerado, decorrente da integração das horas extras habituais, deve repercutir no cálculo, efetuado pelo empregador, das demais parcelas que têm como base de cálculo o salário, não se cogitando de bis in idem por sua incidência no cálculo das férias, da gratificação natalina, do aviso prévio e do FGTS.

2. O item 1 será aplicado às horas extras trabalhadas a partir de 20.03.2023. (TST-IncJulgRREmbRep-10169-57.2013.5.05.0024, Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 31/032023)

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Incidente de Julgamento de Recurso de Revista e de Embargos Repetitivos - 10169-57.2013.5.05.0024, em que é Suscitante 6ª TURMA DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, Suscitado SUBSEÇÃO I ESPECIALIZADA EM DISSÍDIOS INDIVIDUAIS DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, Recorrente MIX IDEAL ATACADO E DISTRIBUIDORA DE ALIMENTOS LTDA., Recorrido JOSÉ AUGUSTO ARAÚJO DA SILVA e são AMICI CURIAE CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO SISTEMA FINANCEIRO e CONFEDERAÇÃO NACIONAL INDÚSTRIA.

Trata-se de incidente de recurso de revista repetitivo suscitado pela Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho em torno da controvérsia que gravita sobre o tema: "repouso semanal remunerado – RSR - integração das horas extraordinárias habituais – repercussão nas demais parcelas salariais – bis in idem – Orientação Jurisprudencial 394 da SbDI-1 do TST".

A motivação pautou-se, em síntese, no confronto entre o conteúdo da Súmula 19 do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região[1] e o teor da Orientação Jurisprudencial 394 da SbDI-1 do TST[2].

O feito foi inicialmente encaminhado à apreciação da SbDI-1 desta Corte, em sua composição plena, e distribuído ao Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro, na função de Relator, e ao Ministro Walmir Oliveira da Costa como Revisor. O Relator, nos termos do art. 5º, I, da Instrução Normativa nº 38/2015, identificou a questão a ser submetida a julgamento:

"A majoração do valor do repouso semanal remunerado, decorrente da integração das horas extras habituais, deve repercutir no cálculo das demais parcelas salariais?"

Ato contínuo, determinou-se a expedição de ofício aos Presidentes dos Tribunais Regionais do Trabalho para que prestassem informações relevantes ao exame da questão e remetessem a este Tribunal Superior recursos representativos da controvérsia,  conforme oportunidade e  conveniência.

Todos os Tribunais Regionais do Trabalho manifestaram-se nos autos, tendo os 1º, 4º, 5º, 6º, 7º, 21º e 23º Regionais indicado, no total, 12 (doze) processos como representativos da controvérsia. Tais propostas de afetação, porém, foram rejeitadas pelo Relator, na oportunidade, seja em razão da fase processual em que se encontravam os respectivos feitos, seja por não apresentarem particularidades que pudessem contribuir para a ampliação do debate  (decisão de fls. 969-972).

A Confederação Nacional do Sistema Financeiro - CONSIF e a Confederação Nacional da Indústria – CNI manifestaram-se sobre a controvérsia jurídica delimitada e requereram sua habilitação como amici curiae, o que foi deferido pelo Relator (fl. 971).

Já o Sindicato do Comércio Varejista de Bauru – SINDICOMERCIO prestou informações, sem, contudo, requerer seu ingresso no feito (fls. 970).

O Ministério Público do Trabalho, sobre a questão a ser submetida a julgamento, manifestou-se afirmativamente pela revisão da Orientação Jurisprudencial 394 da SbDI-1 do TST (fls. 935-946).

Encerrada a instrução processual, os autos foram encaminhados à SbDI-1 do TST para inclusão em pauta.

Depreende-se, da certidão de julgamento, que a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, por unanimidade, decidiu suspender a proclamação do resultado para, "nos termos do disposto no artigo 171, § 2º, do RITST, e, ouvida a Comissão de Jurisprudência e Precedentes Normativos desta Corte Superior, submeter à elevada apreciação do Tribunal Pleno a questão relativa à revisão ou cancelamento, se for o caso, da Orientação Jurisprudencial nº 394 SbDI-1 do TST, uma vez que a maioria dos Ministros votava em sentido contrário ao disposto na referida Orientação Jurisprudencial, após os Exmos. Ministros Márcio Eurico Vitral Amaro, relator, Walmir Oliveira da Costa, revisor, Augusto César Leite de Carvalho, José Roberto Freire Pimenta, Hugo Carlos Scheuermann, Cláudio Mascarenhas Brandão, Renato de Lacerda Paiva, Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira e Guilherme Augusto Caputo Bastos terem votado no sentido de ‘fixar, para o Tema Repetitivo nº 9, tese jurídica de observância obrigatória (arts. 896-C da CLT, 927, III, do CPC e 3º, XXIII, da Instrução Normativa nº 39/2015 do TST), enunciada nos seguintes termos: ‘A majoração do valor do repouso semanal remunerado, decorrente da integração das horas extras habituais, deve repercutir no cálculo das demais parcelas que se baseiam no complexo salarial, não se cogitando de ‘bis in idem’ por sua incidência no cálculo das férias, da gratificação natalina, do aviso prévio e do FGTS’, e os Exmos. Ministros Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, João Batista Brito Pereira e Ives Gandra Martins Filho terem votado pela manutenção do entendimento constante da mencionada Orientação Jurisprudencial." (fl. 1352).

Na mesma assentada restou designado como Relator no Tribunal Pleno o Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro, conforme disposto no § 6º do art. 171 do RITST.

A Comissão de Jurisprudência e Precedentes Normativos, por unanimidade, opinou pela alteração da Orientação Jurisprudencial 394 da SbDI-1 do TST, nos seguintes termos:

REPOUSO SEMANAL REMUNERADO – RST. INTEGRAÇÃO DAS HORAS EXTRAS. REPERCUSSÃO NAS PARCELAS CALCULADAS COM BASE NO SALÁRIO. INCIDÊNCIA SOBRE FÉRIAS, DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO, AVISO PRÉVIO E DEPÓSITOS DO FGTS. BIS IN IDEM. NÃO OCORRÊNCIA. (alterada em razão do julgamento do processo TST-IRR-10169-57.2013.5.05.0024)

A partir da data de julgamento do processo TST-IRR-10169-57.2013.5.05.0024 (inclusive), a majoração do valor do repouso semanal remunerado, decorrente da integração das horas extras habituais, deve repercutir no cálculo, efetuado pelo empregador, das demais parcelas que têm como base de cálculo o salário, não se cogitando de bis in idem por sua incidência no cálculo das férias, da gratificação natalina, do aviso prévio e do FGTS." (fls. 1355/1359).

Considerando o afastamento definitivo dos Ministros Relator e Revisor, os registros do sistema foram atualizados para a designação, respectivamente, como Relator e Revisor, dos Exmos. Ministros Amaury Rodrigues Pinto Junior e Alberto Bastos Balazeiro.

É o relatório.

V O T O

1. CONFIGURAÇÃO DA CONTRARIEDADE. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 394 DA SBDI-1 DO TST

Discute-se, nos autos, se as diferenças dos repousos semanais remunerados decorrentes da integração das horas extras habituais devem, ou não, repercutir no cálculo das demais parcelas salariais.

A Orientação Jurisprudencial nº 394 da SbDI-1 do TST, aprovada em junho de 2010, tem a seguinte redação:

"REPOUSO SEMANAL REMUNERADO - RSR. INTEGRAÇÃO DAS HORAS EXTRAS. NÃO REPERCUSSÃO NO CÁLCULO DAS FÉRIAS, DO DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO, DO AVISO PRÉVIO E DOS DEPÓSITOS DO FGTS.

A majoração do valor do repouso semanal remunerado, em razão da integração das horas extras habitualmente prestadas, não repercute no cálculo das férias, da gratificação natalina, do aviso prévio e do FGTS, sob pena de caracterização de ‘bis in idem’." (DEJT divulgado em 09, 10 e 11.06.2010).

Porém, como já registrado no relatório, a própria SbDI-1, ao apreciar o Incidente de Julgamento de Recurso de Revista e de Embargos Repetitivos n° TST-IRR-10169-57.2013.5.05.0024 - Tema Repetitivo nº 9, aprovou, por ampla maioria, tese jurídica de observância obrigatória (arts. 896-C da CLT, 927, III, do CPC e 3º, XXIII, da Instrução Normativa nº 39/2015 do TST), enunciada nos seguintes termos:

"A majoração do valor do repouso semanal remunerado, decorrente da integração das horas extras habituais, deve repercutir no cálculo das férias, da gratificação natalina, do aviso prévio e do FGTS, sem que se configure a ocorrência de bis in idem"

Em observância ao procedimento previsto na Resolução nº 235/2016, do Conselho Nacional de Justiça, foi determinada a suspensão da proclamação do resultado para, ouvida a Comissão de Jurisprudência e Precedentes Normativos desta Corte Superior, submeter à elevada apreciação do Tribunal Pleno a proposta de cancelamento/alteração da Orientação Jurisprudencial 394 da SbDI-1 do TST.

Diante do exposto, tenho por configurada a contrariedade, na forma do § 8º do art. 171 do Regimento Interno deste Tribunal Superior do Trabalho, em relação à tese consubstanciada na Orientação Jurisprudencial nº 394 da SbDI-1 do TST.

2. DELIBERAÇÃO DAS TESES EM CONFLITO

Por razão de economia e celeridade, peço vênia para reproduzir o bem fundamentado voto proferido pelo eminente Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro no julgamento do Incidente de Recurso de Revista e de Embargos Repetitivos e que muito bem resolve o conflito de teses, motivo pelo qual o incorporo e subscrevo como razão de decidir:

"A Orientação Jurisprudencial 394 desta Subseção, ao prever que a majoração do valor do repouso semanal remunerado, decorrente da integração das horas extras habituais, não deva repercutir no cálculo das férias, da gratificação natalina, do aviso prévio e do FGTS, funda-se, expressamente, no axioma jurídico que veda a ocorrência de "bis in idem".

Tal princípio, de origem marcantemente penalística, não possui, na seara trabalhista, expressa previsão legal ou constitucional, mas se relaciona, em sua dimensão material, aos princípios constitucionais da legalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, corroborando, em sua acepção semântica, a lógica de rejeitar-se a repetição de efeitos jurídicos decorrentes dos mesmos fatos e sob os mesmos fundamentos.

Em definição dicionarizada, "bis in idem" vem a ser "duas vezes a mesma coisa. Dualidade, repetição, realização de dois atos a propósito da mesma coisa. Ex.: a aplicação de duas penalidades em épocas diferentes a um empregado"[3].

Trasladando o destacado princípio para a discussão de que ora se cuida, conclui Ari Pedro Lorenzetti decorrer o bis in idem da "dupla incidência da mesma parcela sobre o valor de outra", circunstância distinta daquela definida como "círculo vicioso", que, na formulação do magistrado, se caracterizaria "se determinada parcela sofresse os reflexos de outra verba e ao mesmo tempo repercutisse no valor desta"[4]. De toda sorte, a vedação alcança, indistintamente, ambas as hipóteses, restando perquirir se nelas se enquadra a específica questão tratada pela OJ 394 da SbDI-1 do TST.

Consoante se extrai das manifestações das entidades habilitadas como amici curiae, como também da leitura dos precedentes que originaram o comentado verbete, a conclusão a respeito da suposta ocorrência de bis in idem ou círculo vicioso parte, basicamente, das seguintes premissas:

1. haveria dupla incidência de reflexos das horas extras caso as diferenças de repouso semanal remunerado, decorrentes da integração das horas extraordinárias habitualmente prestadas, também repercutissem no cálculo das férias, da gratificação natalina, do aviso prévio e do FGTS;

2. no valor do salário-hora, sobre o qual se calculam as horas extras, está embutido valor proporcional do repouso semanal remunerado, o que tornaria indevida nova repercussão dessa mesma parcela sobre verbas já enriquecidas pelos reflexos das horas extras.

Examinando-se, inicialmente, a primeira dessas premissas, cumpre indagar se, de fato, a repercussão vedada pelo verbete ensejaria a cumulação de reflexos da mesma natureza, inseridos em momentos distintos.

No entender deste Relator, a resposta é negativa, pois os reflexos sucessivos incidentes nessa operação não se revestem de idêntica natureza. Na realidade, tais reflexos derivam de causas diversas, sendo a primeira repercussão decorrente do labor extraordinário e a segunda, ao seu turno, resultante da remuneração do repouso.

Na primeira repercussão, portanto, o fato gerador é a remuneração do trabalho; na segunda, a remuneração do descanso.

A questão fora muito bem posta pelo Ministro Vieira de Mello Filho ao ressalvar seu entendimento em um dos precedentes que informaram a edição do verbete em tela:

"A partir do momento em que as horas extraordinárias refletem no repouso semanal remunerado, essa parcela perde a sua natureza jurídica de remuneração do trabalho extraordinário e passa a ser tratada como diferenças de repouso semanal remunerado. São estas diferenças de repouso, que não se confundem com as horas extraordinárias originais, que, por sua vez, repercutirão, por força de lei, no cálculo das férias, 13º salário, aviso prévio e FGTS." (TST-E-ED-RR-4900-20.2001.5.02.0031, SbDI-1, Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT de 30/03/2010).

De fato, os valores reflexos não conservam a natureza da verba que os gerou, mas, diversamente, assumem a identidade da parcela sobre a qual incidiram, passando, efetivamente, a "integrá-la", na mais plena acepção do vocábulo.

Dessa forma, quando, por exemplo, as horas extras refletem sobre o 13º salário, os respectivos valores passam a caracterizar-se como parte da remuneração da gratificação natalina, e não mais como contraprestação pelo sobrelabor. Igualmente, os reflexos das horas extras sobre o FGTS assumem a identidade dessas contribuições, devendo, exatamente por isso, serem depositados na conta vinculada do trabalhador.

Mais além, sabe-se que o adicional de periculosidade repercute no cálculo das horas extras. A partir dessa integração, os respectivos valores, na linha do quanto se expôs, perdem sua identidade originária e passam a caracterizar-se como remuneração do sobrelabor, razão por que se somam ao próprio adicional de periculosidade e ao salário básico para, em conjunto, refletirem sobre férias + 1/3, 13º salário, aviso prévio e FGTS + 40%, sem que se cogite de "dupla incidência de reflexos do adicional de periculosidade".

Com a devida vênia, a hipótese é a mesma! E se se admite que a majoração das horas extras, quando decorrente da integração do adicional de periculosidade, repercuta, juntamente com este, no cálculo das demais parcelas salariais, por que razão se vedam os reflexos da majoração dos repousos semanais remunerados quando decorrentes da integração das horas extraordinárias?

Em ambos os casos, não há "identidade" (bis in idem), mas "sucessividade" de reflexos. E essa sucessividade, conquanto possa causar estranheza, constitui mera decorrência do chamado "efeito expansionista circular dos salários", definido por GODINHO como sua "(...) aptidão de produzir repercussões sobre outras parcelas de cunho trabalhista e, até mesmo, de outra natureza, como, ilustradamente, previdenciária"[5]. Ao exemplificar esse efeito, o perito judicial contábil Dimas Costa Pereira toma como base o adicional por tempo de serviço, ponderando:

"Referida verba comumente é paga com habitualidade e sendo assim, tem natureza salarial, e sobre o valor mensal pago deve o empregador recolher FGTS. Podemos dizer que por ser de natureza salarial, ocorreu o primeiro reflexo ou repercussão. Por ser habitual, o referido adicional integra as remunerações dos 13º Salários, sendo que sobre estes, deve também ocorrer recolhimento de FGTS (segundo reflexo); reflete também no que a Previdência chama de salário de contribuição (melhor seria dizer que sobre a paga há tributação pelo INSS), equivalendo a dizer, ao final, que repercute no cálculo da aposentadoria do empregado. (...) este valor mensal também repercute no cálculo das horas extras (artigo 457 e Súmula 264 do TST), quando há o labor extraordinário. E assim, o ‘efeito expansionista circular dos salários’ não para, pois se ‘expandiu’ para as horas extras, estas se expandem para uma nova base de FGTS e também novamente torna a integrar nas remunerações 13º Salários, Férias e Aviso.

Ou seja: se um adicional tempo de serviço repercute tanto, como é a previsão legal, não há razão de um DSR não repercutir."[6]

O mesmo fenômeno, aliás, é definido por José Aparecido dos Santos como fruto da "concepção vertical" das bases de cálculo[7], amplamente adotada pela jurisprudência pátria e sufragada por esta Subseção, exemplificativamente, mediante a edição da Orientação Jurisprudencial 259 ("O adicional de periculosidade deve compor a base de cálculo do adicional noturno, já que também neste horário o trabalhador permanece sob as condições de risco."), firmemente contraposta à ideia de ilicitude na incidência de adicional sobre adicional ("concepção horizontal").

Na concepção horizontal, todas as parcelas salariais situam-se no mesmo plano, devendo ser calculadas sobre uma mesma base, consistente no salário básico. Já na concepção abraçada nacionalmente, "(...) há uma verticalização da base de cálculo, cujo início se dá com a verba mais independente de todas as demais (salário-base) até a verba mais dependente das demais [FGTS]"[8].

Nessa concepção, portanto, reconhecem-se legítimos os intrigantes "reflexos sucessivos". E assim, ilustrativamente, o adicional de periculosidade incide sobre o "salário básico"; as horas extras, sobre o "salário básico + adicional de periculosidade"; o aviso prévio, sobre o "salário básico + adicional de periculosidade + horas extras"; o FGTS, sobre o "salário básico + adicional de periculosidade + horas extras + aviso prévio". Reflexos sucessivos, como se vê, mas aceitos sem qualquer questionamento, porquanto decorrentes da própria estrutura piramidal da composição remuneratória.

Dir-se-á, então, que, no caso da majoração do repouso semanal remunerado pela integração das horas extras, os reflexos não são meramente "sucessivos", mas "recíprocos". Novamente, porém, há equívoco na proposição!

Com efeito, reciprocidade haveria se as horas extras incidissem sobre o repouso semanal remunerado e essa majoração repercutisse no cálculo das próprias horas extras. Aí, sim, restaria configurado o chamado "círculo vicioso". Aqui, diversamente, somente as horas extras refletem sobre o repouso, mas o repouso não constitui base de cálculo das horas extras. E ainda que fosse verídica a afirmação de que "no valor do salário-hora, sobre o qual se calculam as horas extras, está embutido valor proporcional do repouso semanal remunerado" – o que apenas se admite em respeito à dialética –, a situação não ensejaria, propriamente, a vedação preconizada na Orientação Jurisprudencial 394. Antes, imporia a supressão dos próprios reflexos das horas extras sobre o repouso semanal remunerado, em nítida oposição à lei[9]  e à Súmula 172 deste Tribunal, segundo a qual "Computam-se no cálculo do repouso remunerado as horas extras habitualmente prestadas".

Sob outro ângulo, essa mesma súmula, acorde com a legislação, rechaça a premissa de que o salário-hora englobe, proporcionalmente, o valor do repouso semanal remunerado. Fosse assim, não se autorizariam, logicamente, reflexos reversos.

A bem da verdade, o salário-hora é expresso em "valor seco", não aditivado do repouso hebdomadário. E assim se conclui porque, embora o valor correspondente ao repouso semanal remunerado componha o salário mensal do trabalhador ("dividendo"), as horas de repouso a serem remuneradas também integram o "divisor" a ser utilizado para o cálculo do salário-hora, de modo a delir-se do "quociente" (salário-hora) o pretenso incremento.

Para que o salário-hora abrangesse parcela do valor do repouso, teríamos que dividir o salário mensal do empregado pelo número de horas trabalhadas, e não pela soma das horas de trabalho e de descanso. É essa, também, a compreensão externada por Richard Furtado, que, objetivamente, ressalta: "Considerando-se que, de fato, no valor de salário básico encontra-se incluída a parcela remuneratória normal relativa aos dias de RSR do mês (conforme art. 7º, §2º, da Lei 605/49), o argumento principal da OJ 394 poderia mostrar-se pertinente se (e somente se) o número divisor expressasse exclusivamente o quantitativo mensal de horas normais de trabalho"[10].

Nessa conjectura, apuraríamos o novo divisor a partir da seguinte equação matemática: 1) divisão da carga horária ordinária semanal pelo número de dias úteis da semana[11]; 2) multiplicação do resultado pelo número de dias úteis do mês.

Tomando-se como exemplo a mais comum das hipóteses, dividiríamos, inicialmente, 44 (quarenta e quatro) horas semanais por 6 (seis) dias úteis, multiplicando-se, em seguida, o resultado dessa divisão (7,33, ou 7h20) pelos 26 (vinte e seis) dias úteis do mês. O divisor fictício, portanto, equivaleria a 190,66.

Ao utilizarmos esse novo divisor, no qual compreendidas, exclusivamente, as horas de trabalho, obteríamos – aí, sim! – um salário-hora enriquecido pela remuneração do descanso, pois os repousos semanais remunerados apenas estariam incluídos no "dividendo" (salário mensal), e não mais no "divisor". E como consequência desse procedimento, não haveria sequer reflexos das horas extras sobre os repousos (reflexos recíprocos), muito menos reflexos de uma virtual majoração do repouso sobre outras parcelas salariais, sob pena de configurar-se, especificamente nesse cálculo hipotético, evidente afronta ao princípio que veda a ocorrência de "bis in idem".

Quando, porém, dividimos o salário mensal pela soma das horas de trabalho com as de descanso (divisor 220), acabamos por anular a repercussão dos repousos, que, então, passam a sofrer os reflexos das horas extras (artigo 7º, "a", da Lei nº 605/1949), sem que se possa falar em reciprocidade. E constatado o aumento da média remuneratória, seguem-se como mero corolário as repercussões dessa majoração sobre férias + 1/3, 13º salário, aviso prévio e FGTS + 40%, pois o repouso semanal remunerado, agora expandido, integra o salário mensal, sobre o qual se calculam as parcelas em questão.

A complexidade do raciocínio matemático reclama exemplos. E retornando às proposições de Richard Furtado, vejamos a seguinte comparação[12]:

Utilização do divisor 190,66

Valor total (HE + RSR) = [(R$ 3.000,00 / 190,66) + 50%] x 26 horas extras = R$ 613,64[13]

Utilização do divisor 220

HE  =  [(R$ 3.000,00 / 220) + 50%]  x  26 horas extras =  R$ 531,82[14]

RSR  =   R$ 531,82 / 26 dias úteis x 4 dias de repouso  =  R$   81,82[15]

                                                 Valor total (HE + RSR)  =  R$ 613,64

Note-se que na primeira conta, como adverte o calculista, "(...) os reflexos das Horas Extras em 13º Salários, em Férias, em Aviso Prévio Indenizado e em FGTS abrangeriam automaticamente os reflexos do RSR decorrentes de tais Horas Extras e, por tal motivo, promover outro cálculo em separado de reflexos de RSR naquelas verbas suscitaria, de fato, a alegada duplicidade". Já na segunda, o cálculo em separado é de rigor, pois a utilização do divisor 220, como já se afirmou anteriormente, exclui a repercussão do repouso semanal remunerado, que passará, então, a recepcionar os reflexos das horas extraordinárias, os quais se repercutirão sucessivamente, com amplo amparo legal.

De qualquer forma, adotando-se um ou outro divisor, o resultado, como se viu, é, exatamente, o mesmo (R$ 613,64), distinguindo-se os procedimentos apenas em relação ao número de repercussões, pois enquanto, no primeiro caso, o valor apurado já engloba os repousos – e, por isso, a repercussão sobre férias, 13º salário, aviso prévio e FGTS é direta -, no segundo há reflexos indiretos, fracionando-se o cálculo, mas com idênticos efeitos.

O ordenamento jurídico pátrio, por certo, adota o segundo método (artigo 64, caput, da CLT), legitimando a sucessividade das repercussões. Todavia, a referência ao primeiro dera-se como forma de demonstrar o equívoco da segunda premissa em que se fundam os defensores do entendimento consagrado na OJ 394 da SbDI-1 do TST, segundo os quais o valor do salário-hora englobaria parcela do repouso semanal remunerado. E demonstrado matematicamente esse equívoco, passa-se a examinar, no plano concreto, as consequências da adoção da diretriz estabelecida no verbete enfocado.

Inicialmente, tomemos como exemplo a situação de um trabalhador que tenha laborado por 12 (doze) meses (02/01/2016 a 31/12/2016), recebendo um salário mensal de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Suponhamos, então, que esse mesmo trabalhador, ao longo de todo o período, tenha prestado, mensalmente, cerca de 50 (cinquenta) horas extras. Ao utilizarmos o divisor 220, apuraríamos um salário-hora de R$ 22,72, que, multiplicado pelas 50 (cinquenta) horas extras mensais, indicaria um crédito de R$ 1.136,00 (um mil cento e trinta e seis reais), ao qual se somaria o adicional de 50%, resultando no valor de R$ 1.704,00 (um mil setecentos e quatro reais), a ser pago a título de horas extras. Por força do disposto no artigo 7º, "a", da Lei nº 605/1949 – previsão, esta, reiterada na Súmula 172 deste Tribunal –, tal valor, correspondente a horas extras habituais, deveria repercutir sobre a remuneração dos dias de repouso semanal remunerado. Supondo-se, então, que em cada mês houvesse, entre domingos e feriados, 5 (cinco) dias de descanso, concluiríamos que o valor dessa repercussão equivaleria a R$ 340,80 (trezentos e quarenta reais e oitenta centavos). Dessa forma, o valor mensal devido a esse trabalhador corresponderia a R$ 7.044,80 (sete mil e quarenta e quatro reais e oitenta centavos), assim discriminados:

Salário mensal                  : R$ 5.000,00

Horas extras + 50%         : R$ 1.704,00

Reflexos em RSR              : R$   340,80

Valor total                        : R$ 7.044,80

Ocorre que, ao aplicarmos a diretriz estabelecida na OJ 394 desta Subseção, a gratificação natalina a ser paga a esse trabalhador corresponderá a apenas R$ 6.704,00 (seis mil setecentos e quatro reais), valor, este, visivelmente inferior ao montante pago em cada mês do ano 2016. E isso, data maxima venia, constitui flagrante violação da letra do artigo 1º, § 1º, da Lei nº 4.090/1962, cujo teor se transcreve:

"Art. 1º - No mês de dezembro de cada ano, a todo empregado será paga, pelo empregador, uma gratificação salarial, independentemente da remuneração a que fizer jus.

§ 1º - A gratificação corresponderá a 1/12 avos da remuneração devida em dezembro, por mês de serviço, do ano correspondente." (g. n.).

Constitui, ainda, grave ofensa à própria Constituição da República, que, em seu artigo 7º, VIII, prevê, de modo expresso, que o 13º salário será apurado com base na "remuneração integral" (sim, integral!) do trabalhador.

Da mesma forma, supondo-se que esse trabalhador goze férias no mês de janeiro/2017, o valor correspondente, na linha da diretriz ora posta em xeque, terá como base o valor de R$ 6.704,00 (seis mil setecentos e quatro reais), ao qual se acrescerá o adicional de 1/3. Todavia, essa aferição viola frontalmente o caput do artigo 142 da CLT, segundo o qual "O empregado perceberá, durante as férias, a remuneração que lhe for devida na data da sua concessão".

Também o aviso prévio indenizado, à luz da OJ 394 desta Subseção, será pago em valor inferior aos salários correspondentes aos meses anteriores, em relação aos quais terá havido a regular incidência de reflexos das horas extras a majorarem o valor dos dias de repouso (Súmula 172 do TST).

Aturde notar, ainda, que o verbete em questão induz ao descumprimento da literalidade do artigo 15, caput, da Lei nº 8.036/1990 (Lei do FGTS), expresso ao dispor que, "Para os fins previstos nesta lei, todos os empregadores ficam obrigados a depositar, até o dia 7 (sete) de cada mês, em conta bancária vinculada, a importância correspondente a 8 (oito) por cento da remuneração paga ou devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas na remuneração as parcelas de que tratam os arts. 457 e 458 da CLT e a gratificação de Natal a que se refere a Lei nº 4.090, de 13 de julho de 1962, com as modificações da Lei nº 4.749, de 12 de agosto de 1965" (g. n.), excetuadas apenas "(...) as parcelas elencadas no § 9º do art. 28 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991" (§ 6º do próprio artigo 15 da Lei do FGTS). E para que não pairem dúvidas, transcreve-se o inteiro teor do preceito a que remete o dispositivo supratranscrito:

"Art. 28. (...)

(...)

§ 9º Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente:

a) os benefícios da previdência social, nos termos e limites legais, salvo o salário-maternidade;

b) as ajudas de custo e o adicional mensal recebidos pelo aeronauta nos termos da Lei nº 5.929, de 30 de outubro de 1973;

c) a parcela ‘in natura’ recebida de acordo com os programas de alimentação aprovados pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social, nos termos da Lei nº 6.321, de 14 de abril de 1976;

d) as importâncias recebidas a título de férias indenizadas e respectivo adicional constitucional, inclusive o valor correspondente à dobra da remuneração de férias de que trata o art. 137 da Consolidação das Leis do Trabalho-CLT;

e) as importâncias:

1. previstas no inciso I do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; 

2. relativas à indenização por tempo de serviço, anterior a 5 de outubro de 1988, do empregado não optante pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço-FGTS;

3. recebidas a título da indenização de que trata o art. 479 da CLT;

4. recebidas a título da indenização de que trata o art. 14 da Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973;

5. recebidas a título de incentivo à demissão;

6. recebidas a título de abono de férias na forma dos arts. 143 e 144 da CLT;

7. recebidas a título de ganhos eventuais e os abonos expressamente desvinculados do salário;

8. recebidas a título de licença-prêmio indenizada;

9. recebidas a título da indenização de que trata o art. 9º da Lei nº 7.238, de 29 de outubro de 1984;

f) a parcela recebida a título de vale-transporte, na forma da legislação própria;

g) a ajuda de custo, em parcela única, recebida exclusivamente em decorrência de mudança de local de trabalho do empregado, na forma do art. 470 da CLT;

h) as diárias para viagens, desde que não excedam a 50% (cinqüenta por cento) da remuneração mensal;

i) a importância recebida a título de bolsa de complementação educacional de estagiário, quando paga nos termos da Lei nº 6.494, de 7 de dezembro de 1977;

j) a participação nos lucros ou resultados da empresa, quando paga ou creditada de acordo com lei específica;

l) o abono do Programa de Integração Social-PIS e do Programa de Assistência ao Servidor Público-PASEP;

m) os valores correspondentes a transporte, alimentação e habitação fornecidos pela empresa ao empregado contratado para trabalhar em localidade distante da de sua residência, em canteiro de obras ou local que, por força da atividade, exija deslocamento e estada, observadas as normas de proteção estabelecidas pelo Ministério do Trabalho;

n) a importância paga ao empregado a título de complementação ao valor do auxílio-doença, desde que este direito seja extensivo à totalidade dos empregados da empresa;

o) as parcelas destinadas à assistência ao trabalhador da agroindústria canavieira, de que trata o art. 36 da Lei nº 4.870, de 1º de dezembro de 1965;

p) o valor das contribuições efetivamente pago pela pessoa jurídica relativo a programa de previdência complementar, aberto ou fechado, desde que disponível à totalidade de seus empregados e dirigentes, observados, no que couber, os arts. 9º e 468 da CLT;

q) o valor relativo à assistência prestada por serviço médico ou odontológico, próprio da empresa ou por ela conveniado, inclusive o reembolso de despesas com medicamentos, óculos, aparelhos ortopédicos, despesas médico-hospitalares e outras similares, desde que a cobertura abranja a totalidade dos empregados e dirigentes da empresa;

r) o valor correspondente a vestuários, equipamentos e outros acessórios fornecidos ao empregado e utilizados no local do trabalho para prestação dos respectivos serviços;

s) o ressarcimento de despesas pelo uso de veículo do empregado e o reembolso creche pago em conformidade com a legislação trabalhista, observado o limite máximo de seis anos de idade, quando devidamente comprovadas as despesas realizadas;

t) o valor relativo a plano educacional, ou bolsa de estudo, que vise à educação básica de empregados e seus dependentes e, desde que vinculada às atividades desenvolvidas pela empresa, à educação profissional e tecnológica de empregados, nos termos da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e:

1. não seja utilizado em substituição de parcela salarial; e

2. o valor mensal do plano educacional ou bolsa de estudo, considerado individualmente, não ultrapasse 5% (cinco por cento) da remuneração do segurado a que se destina ou o valor correspondente a uma vez e meia o valor do limite mínimo mensal do salário-de-contribuição, o que for maior;

u) a importância recebida a título de bolsa de aprendizagem garantida ao adolescente até quatorze anos de idade, de acordo com o disposto no art. 64 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990;

v) os valores recebidos em decorrência da cessão de direitos autorais;

x) o valor da multa prevista no § 8º do art. 477 da CLT.

y) o valor correspondente ao vale-cultura."

Particularmente nesse ponto, causa espécie perceber que, embora a base de incidência do FGTS coincida, grosso modo, com o salário-de-contribuição, a Orientação Jurisprudencial 394 da SbDI-1 do TST distingue, aparentemente, o tratamento a ser dispensado às contribuições previdenciárias, preservando sua incidência sobre a majoração dos repousos semanais remunerados decorrente da integração das horas extraordinárias. Tal distinção, data maxima venia, revela-se, no mínimo, incoerente, sendo oportuno lembrar, nesse passo, que, à luz do artigo 926 do atual Código de Processo Civil, "coerência" é um dos atributos exigíveis da nossa jurisprudência.

Incoerências, aliás, detectamos não apenas ao compararmos os tratamentos reservados ao FGTS e às contribuições previdenciárias, como também ao contrastarmos o verbete em comento com outras hipóteses de manifestação do efeito expansionista das parcelas salariais, pacificamente referendadas por esta Corte Superior (vide, exemplificativamente, os casos de incidências reflexas do adicional por tempo de serviço e do adicional de periculosidade, ilustrados acima). E já finalizando, grassa a incoerência à medida que o verbete em questão, conquanto vede os reflexos da majoração do repouso semanal remunerado sobre férias, 13º salário, aviso prévio e FGTS, não obsta, em linha de congruência, a incidência do FGTS sobre a própria majoração das férias, da gratificação natalina e do aviso prévio, decorrente da integração das horas extras. A respeito dessa mesma constatação, discorre, didaticamente, LORENZETTI:

"A seguir o entendimento condutor da orientação jurisprudencial 394 do TST/SDI-1, também se haveria de sustentar a ocorrência de bis in idem na incidência do FGTS sobre os reflexos das horas extras em 13º salário, férias + 1/3 e aviso prévio indenizado. Com efeito, se já houve incidência de FGTS sobre o valor das horas extras, não se poderia novamente fazê-lo incidir sobre seus reflexos em outras verbas, sob pena de incorrer em duplicidade. Se os reflexos das horas extras em RSR não pudessem repercutir sobre o valor do 13º salário, os reflexos das horas extras sobre o 13° salário também não poderiam acarretar a majoração do valor devido a título de FGTS. O raciocínio é exatamente o mesmo. Pela mesma razão que os reflexos das horas extras sobre a remuneração repouso impediria a inclusão do valor total deste na base de cálculo do 13° salário, os reflexos das horas extras sobre a gratificação natalina também deveriam ser excluídos da base de cálculo do FGTS."[16].

Como se vê, todas as considerações até aqui tecidas induzem à inequívoca conclusão de que a diretriz enunciada na Orientação Jurisprudencial 394 da SbDI-1 do TST, inspirada em falsas premissas, culmina por malferir preceitos expressos de lei e por suscitar incoerências perturbadoras, a recomendarem sua imediata revisão, com a fixação de tese contrária à ali aclamada".

O bem elaborado voto proferido pelo Eminente Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro esgota o tema e demonstra, não apenas jurídica, mas também aritmeticamente, que o cálculo das horas extras é elaborado mediante a utilização de um divisor que isola o valor do salário-hora, excluindo de sua gênese qualquer influência do repouso semanal remunerado pelo salário mensal, de modo que estão aritmeticamente separados os valores das horas extras e das diferenças de RSR apuradas em decorrência dos reflexos daquelas horas extras (cálculos elaborados separada e individualmente).

Assim, as horas extras e as respectivas diferenças de RSR constituem parcelas autônomas e que congregam o espectro remuneratório do trabalhador, merecendo, ambas, ser consideradas no cálculo de parcelas que têm como base de cálculo a remuneração do empregado, como é o caso das férias e respectivo terço, gratificação natalina, aviso prévio e FGTS.

3.  TESE JURÍDICA EXTRAÍDA DO INCIDENTE DE RECURSO REPETITIVO

Esgotada a análise da controvérsia e afastadas as premissas que justificaram a edição da Orientação Jurisprudencial 394 da SbDI-1 do TST, resta considerar a hipótese de seu cancelamento ou sua alteração.

A Comissão de Jurisprudência e Precedentes Normativos, por unanimidade, opinou pela alteração da Orientação Jurisprudencial 394 da SbDI-1 do TST, nos seguintes termos:

REPOUSO SEMANAL REMUNERADO – RST. INTEGRAÇÃO DAS HORAS EXTRAS. REPERCUSSÃO NAS PARCELAS CALCULADAS COM BASE NO SALÁRIO. INCIDÊNCIA SOBRE FÉRIAS, DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO, AVISO PRÉVIO E DEPÓSITOS DO FGTS. BIS IN IDEM. NÃO OCORRÊNCIA. (alterada em razão do julgamento do processo TST-IRR-10169-57.2013.5.05.0024)

A partir da data de julgamento do processo TST-IRR-10169-57.2013.5.05.0024 (inclusive), a majoração do valor do repouso semanal remunerado, decorrente da integração das horas extras habituais, deve repercutir no cálculo, efetuado pelo empregador, das demais parcelas que têm como base de cálculo o salário, não se cogitando de bis in idem por sua incidência no cálculo das férias, da gratificação natalina, do aviso prévio e do FGTS." (fls. 1355/1359).

Proferi voto no sentido de acolher a modulação proposta pela Comissão de Regimento Interno, pois compreendi que a partir daquele julgamento não haveria mais instabilidade à segurança jurídica, ainda que formalmente não se tivesse proclamado o seu resultado, entretanto, a douta maioria do Colegiado decidiu que a modulação de efeitos deverá observar a data de julgamento da matéria pelo Tribunal Pleno, dia 20/03/2023, por ser o momento em que se definiu a tese jurídica, já que o julgamento na SbDI-1 do TST não foi concluído.

Diante do exposto, a redação da Orientação Jurisprudencial 394 da SbDI-1 do TST contará com a seguinte tese e respectiva modulação:

1. A majoração do valor do repouso semanal remunerado, decorrente da integração das horas extras habituais, deve repercutir no cálculo, efetuado pelo empregador, das demais parcelas que têm como base de cálculo o salário, não se cogitando de bis in idem por sua incidência no cálculo das férias, da gratificação natalina, do aviso prévio e do FGTS.

2. O item 1 será aplicado às horas extras trabalhadas a partir de 20.03.2023.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros do Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, reconhecer o conflito de teses a justificar a submissão do incidente ao Tribunal Pleno e, por maioria, alterar a redação da Orientação Jurisprudencial nº 394 da SBDI-I do TST, atribuindo à referida orientação a seguinte redação:

"REPOUSO SEMANAL REMUNERADO. INTEGRAÇÃO DAS HORAS EXTRAS. REPERCUSSÃO NO CÁLCULO DAS FÉRIAS, DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO, AVISO PRÉVIO E DEPÓSITOS DO FGTS. I - A majoração do valor do repouso semanal remunerado, decorrente da integração das horas extras habituais, deve repercutir no cálculo, efetuado pelo empregador, das demais parcelas que têm como base de cálculo o salário, não se cogitando de ‘bis in idem’ por sua incidência no cálculo das férias, da gratificação natalina, do aviso prévio e do FGTS; II - O item I será aplicado às horas extras trabalhadas a partir de 20/3/2023".

Vencidos os Exmos. Ministros Ives Gandra da Silva Martins Filho, Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Dora Maria da Costa e Sergio Pinto Martins, que votaram no sentido da manutenção da orientação jurisprudencial com a sua redação atual. Vencidos, parcialmente, em relação à modulação dos efeitos da decisão, os Exmos. Ministros Amaury Rodrigues Pinto Junior, Relator, Alberto Bastos Balazeiro, Augusto César Leite de Carvalho, José Roberto Freire Pimenta, Alexandre de Souza Agra Belmonte, Douglas Alencar Rodrigues e Breno Medeiros, que votaram no sentido da aplicação da tese fixada no item I da Orientação Jurisprudencial nº 394 da SBDI-I do TST, a partir de 14/12/2017.

Observação 1: o Ex.mo Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho juntará justificativa de voto vencido.

Observação 2: os autos serão restituídos à Subseção I da Seção Especializada em Dissídios Individuais, para prosseguir no julgamento dos embargos como entender de direito.

Observação 3: ausentes, justificadamente, o Ex.mo Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, a Ex.ma Ministra Delaíde Alves Miranda Arantes, o Ex.mo Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão e a Ex.ma Ministra Maria Helena Mallmann.

Brasília, 20 de março de 2023.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

AMAURY RODRIGUES PINTO JUNIOR

Ministro Relator

 


[1] "REPOUSO SEMANAL REMUNERADO. DIFERENÇAS DECORRENTES DAS HORAS EXTRAS EM OUTROS CONSECTÁRIOS LEGAIS. INTEGRAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. Deferida a repercussão das horas extras habituais no repouso semanal remunerado, na forma autorizada na súmula n.º 172 do C. TST, a incidência das diferenças daí advindas na remuneração obreira é direito inquestionável, tratando-se, na verdade, de consequência reflexa lógica, pois, se a base de cálculo da parcela do repouso semanal se modifica, a composição da remuneração também deverá sofrer a mesma alteração, sem que se cogite, nesse procedimento, de bis in idem." (Resolução Administrativa nº 0065/2015 – Divulgada no Diário Eletrônico do TRT da 5ª Região, edições de 28, 29 e 30.10.2015, de acordo com o disposto no art. 187-B do Regimento Interno do TRT da 5ª Região).

[2] REPOUSO SEMANAL REMUNERADO - RSR. INTEGRAÇÃO DAS HORAS EXTRAS. NÃO REPERCUSSÃO NO CÁLCULO DAS FÉRIAS, DO DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO, DO AVISO PRÉVIO E DOS DEPÓSITOS DO FGTS. (DEJT divulgado em 09, 10 e 11.06.2010) A majoração do valor do repouso semanal remunerado, em razão da integração das horas extras habitualmente prestadas, não repercute no cálculo das férias, da gratificação natalina, do aviso prévio e do FGTS, sob pena de caracterização de "bis in idem"

[3] DICIONÁRIO JURÍDICO PIRAGIBE. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 185.

[4] LORENZETTI, Ari Pedro. A natureza das parcelas reflexas, bis in idem e a OJ 394 do TST/SDI-I. O Trabalho, nº 173. Curitiba: DT, 2011. p. 6220-6221.

[5] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 693.

[6] PEREIRA, Dimas Costa. Orientação Jurisprudencial 394 do TST. Análise crítica da jurisprudência. Disponível em: <http://www.furlanetopereira.com.br/2013/Download?file=Analise-Critica-da-OJ-394-do-TST.pdf&pasta=artigos>. Acesso em: 08 nov. 2017.

[7] SANTOS, José Aparecido dos. Estrutura e desenvolvimentos dos cálculos. 5. ed. Curitiba: IESDE Brasil S/A, 2011. p. 15-16.

[8] Ibidem, p. 16.

[9] Lei nº 605/1949: "Art. 7º A remuneração do repouso semanal corresponderá: a) para os que trabalham por dia, semana, quinzena ou mês, à de um dia de serviço, computadas as horas extraordinárias habitualmente prestadas;"

[10] FURTADO, Richard. O equívoco da Orientação Jurisprudencial nº 394 SDI-1 do TST. Disponível em: http://blog.cursobeta.com.br/equivoco-orientacao-jurisprudencial-no394-sdi-1-do-tst/>. Acesso em: 08 nov. 2017.

[11] Supõe-se, na hipótese, não ter havido trabalho em dia não útil.

[12] Cálculos efetuados a partir dos seguintes parâmetros: a) salário mensal de R$ 3.000,00; b) 26 (vinte e seis) dias úteis mensais; c) 1 (uma) hora extra por dia.

[13] O valor total apurado repercutirá diretamente sobre o valor das férias + 1/3, 13º salário, aviso prévio e FGTS + 40%, sem reflexos sobre o RSR e, obviamente, sem reflexos da majoração do RSR sobre essas mesmas parcelas salariais.

[14] O valor das horas extras deverá refletir sobre o RSR e sobre férias + 1/3, 13º salário, aviso prévio e FGTS + 40%, passando-se, então, à equação seguinte.

[15] O valor da majoração do RSR, decorrente da integração das horas extras, deverá repercutir sobre férias + 1/3, 13º salário, aviso prévio e FGTS + 40%.

[16] Ibidem, p. 6224.

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