Data da publicação:
Acordão - TST
Luiz José Dezena da Silva - TST
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 18 DA LEI Nº 7.347/85. PRECEDENTES.
AÇÃO RESCISÓRIA AJUIZADA SOB A ÉGIDE DO CPC DE 1973. RECURSO ORDINÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 4.ª REGIÃO. HIPÓTESE DE RESCINDIBILIDADE PREVISTA NO ART. 485, III, DO CPC/1973. LIDE SIMULADA. NÃO CONFIGURAÇÃO. 1. Segundo apurado pelo ‘Parquet’ em procedimento investigatório, as reclamações trabalhistas propostas pelos réus, resolvidas por meio de acordos homologados judicialmente, encerrariam indícios de lide simulada, nos seguintes termos: altos salários alegados por esses reclamantes em contraste com a crítica situação econômica declarada pelas reclamadas, e os altos valores dos acordos homologados (R$ 120.000,00 e R$ 173.000,00).
2. Em síntese, o que se verifica no caso é que, amparado em outros casos em que se constatou efetivamente a hipótese de lide simulada, o recorrente pretende alcançar os réus por meio de mera presunção. No entanto, o fato de se ter apurado a ocorrência de lide simulada em processos distintos e particularizados, por si só, não leva a concluir - automaticamente - que todos os acordos homologados judicialmente, envolvendo as rés Três Portos e Amaco estejam eivados do mesmo vício.
3. No caso, os reclamantes, ora réus, mantiveram contratos de trabalho extensos com a reclamada Três Portos, um com quase 37 anos de duração, outro com cerca de 26 anos, ocupando cargos de relevo no organograma empresarial e com salários efetivamente superiores à média; e, nesse sentido, não há absolutamente prova alguma a indicar que esses números seriam irreais, ou que a própria duração dos contratos teria sido forjada.
4. Logo, partindo dessa premissa, os valores ajustados nos acordos cujas homologações são atacadas nesta ação, apresentam-se razoáveis e condizentes com as peculiaridades dos pactos laborais correspondentes, ou seja, há razoável compatibilidade com os salários indicados pelos réus e com os valores das avenças.
5. E a menção à ação civil pública ajuizada pelo recorrente (Proc. n.º 0001483-45.2012.5.04.0281) também é irrelevante para o caso em tela. É que o fato de ter sido apurado a existência de lides simuladas envolvendo as rés, Três Portos e Amaco, não leva à automática conclusão de que todos os acordos homologados envolvendo essas empresas estariam impregnados com a mesma mácula. Não se configura, na espécie, a hipótese de rescindibilidade prevista no art. 485, III, do CPC de 1973. Recurso Ordinário conhecido e não provido.
RECURSOS ORDINÁRIOS DOS RÉUS. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. LIDE TEMERÁRIA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. A farta documentação carreada aos autos demonstra que o ajuizamento da ação de corte, precedido de procedimento investigatório contra as rés Três Portos e Amaco, justificou-se diante da própria função institucional do Parquet, a quem incumbe também a defesa da ordem jurídica. Basta registrar, nesse sentido, a constatação de que, de fato, as rés Três Portos e Amaco valeram-se do expediente das lides simuladas em, pelo menos, cinco casos referidos nestes autos. Logo, a conduta do MPT, longe de caracterizar-se como temerária, está amparada em elementos de plena razoabilidade, circunstância suficiente para afastar a pecha de litigância ímproba que os réus pretendem lhe atribuir. Recursos Ordinários conhecidos e não providos.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 18 DA LEI Nº 7.347/85. PRECEDENTES. A atuação do Ministério Público do Trabalho, sob a regência da Lei Complementar n.º 75/1993, atende a imperativo consagrado na Constituição Federal, que lhe incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, classificando-o como instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado (art. 127 da Constituição Federal). Logo, quando atua, o ‘Parquet’ não defende interesse próprio, mas sim a proteção da ordem jurídica e, no caso dos autos, os direitos sociais dos trabalhadores, cumprindo missão institucional que lhe foi constitucionalmente atribuída. Por essa razão, é de se lhe aplicar analogicamente o disposto no art. 18 da Lei n.º 7.347/85, que, embora trate especificamente da ação civil pública, trilha a mesma diretriz, ou seja, exime o Ministério Público dos ônus sucumbenciais, à exceção das hipóteses em que constatada litigância de má-fé, o que, como se constatou, não é o caso. Indevidos, portanto, os honorários advocatícios sucumbenciais. Recursos Ordinários conhecidos e não providos. (TST-RO-1066-62.2012.5.04.0000, Luiz José Dezena da Silva, DEJT 05/02/2021).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário em Ação Rescisória n.º TST-RO-1066-62.2012.5.04.0000, em que são Recorrentes e Recorridos MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 4.ª REGIÃO, AMACO INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE PAPÉIS E SERVIÇOS LTDA., TRÊS PORTOS S.A. INDÚSTRIA DE PAPEL, MIRIAN SALETTE DE VARGAS, JOÃO CARLOS DE AZEVEDO FEIJÓ e DANIEL VON HODENDORFF.
R E L A T Ó R I O
Ministério Público do Trabalho da 4.ª Região, Amaco Indústria e Comércio de Papéis e Serviços Ltda., Três Portos S.A. Indústria de Papel, Miriam Salette de Vargas, João Carlos de Azevedo Feijó e Daniel Von Hodendorff interpuseram recursos ordinários contra acórdão proferido pela 2.ª SDI do Tribunal Regional do Trabalho da 4.ª Região, que julgou improcedente a ação rescisória ajuizada para desconstituir as sentenças homologatórias de acordo nas reclamações trabalhistas n.os 0000758-27.2010.5.04.0281 e 0000759-12.2010.5.04.0281, com fundamento no inciso III do art. 485 do CPC de 1973.
As partes ofereceram contrarrazões.
Dispensada a manifestação da Procuradoria-Geral do Trabalho, na forma regimental.
É o relatório.
V O T O
CONHECIMENTO
Conheço dos recursos, porquanto atendidos os pressupostos legais de admissibilidade.
RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 4.ª REGIÃO
MÉRITO
AÇÃO RESCISÓRIA - ART. 485, III, DO CPC DE 1973 – LIDE SIMULADA
Cuida-se de Recurso Ordinário interposto pelo Ministério Público do Trabalho da 4.ª Região contra acórdão proferido pela 2.ª SDI do Tribunal Regional do Trabalho da 4.ª Região, que julgou improcedente o pedido de corte de sentenças homologatórias de acordos, prolatadas nas Reclamações Trabalhistas n.os 0000758-27.2010.5.04.0281 e 0000759-12.2010.5.04.0281.
O acórdão recorrido encontra-se assim fundamentado, in verbis:
"1. Ação Rescisória. Colusão entre partes para fraudar a lei (art. 485, III, do CPC). Lide simulada.
O Ministério Público do Trabalho, autor da ação, sustenta que João Carlos de Azevedo Filho e Míriam Salette de Vargas, em conluio com os proprietários das rés Três Portos S.A. Indústria de Papel e Amaco Indústria e Comércio de Papéis e Serviços Ltda., simularam duas reclamatórias trabalhistas com a finalidade de desviar recursos em desfavor de legítimos credores, pela criação de títulos judiciais privilegiados, através de acordos fraudulentos nas ações referidas. Pede a desconstituição das decisões homologatórias, com base no inciso III do art. 485 do CPC, a extinção de ditas ações, sem resolução de mérito, e que os réus sejam compelidos a devolver os valores indevidamente recebidos até então.
O exame do conjunto probatório, no entanto, conduz a um juízo de improcedência, pelas razões que se passa a discorrer.
A colusão, que autoriza o corte rescisório fundado no dispositivo legal citado, nada mais é do que um ajuste confidencial e fraudulento, perpetrado entre duas ou mais partes, que, no caso, recorrem ao Poder Judiciário com o intuito velado de prejudicar terceiros. Pela via desse ilícito seus partícipes buscam mascarar ao extremo suas reais intenções, o que autoriza, na maioria das vezes, a identificação da fraude através de provas indiciárias.
O caso vertente traz histórico de uma empresa com décadas de atuação em seu ramo da atividade (Três Portos S.A.) e que ao enfrentar grave crise financeira loca seu parque fabril (máquinas, equipamentos, dependências, ...) a uma terceira pessoa jurídica (Amaco), na tentativa de manter viva a operação industrial. Assim que, no ano de 2008, não apenas as instalações, mas, também, os contratos dos empregados da Três Portos passaram a ser geridos pela Amaco.
Ao final do ano de 2009 verificou-se a impossibilidade da continuidade das atividades operacionais, o que redundou na demissão em massa de trabalhadores, com a consequente falta de pagamento de haveres trabalhistas. Até mesmo antes dessa data, conforme noticiado nos autos, atrasos no pagamento de salários e outras parcelas remuneratórias levaram o sindicato obreiro a ingressar em Juízo com ação coletiva, buscando a defesa de direitos dos trabalhadores substituídos.
A quebra das empresas referidas resultou no ajuizamento de diversas ações trabalhistas sendo que, dentre estas, foram apuradas tentativas de fraude, patrocinadas por pessoas que nem sequer detinham a condição de empregados das empresas Três Portos e Amaco. Conforme relatado na inicial, a Magistrada titular da Vara do Trabalho de Esteio à época, em diligente atuação, ao constatar os ilícitos, deixou de homologar os acordos fraudulentos.
Em um desses casos, o suposto reclamante, Colmar Dalivio de Lima Braga, ao ter rejeitado o pleito de homologação de seu acordo, interpôs recurso ordinário e, entre suas razões, insinuou que os acordos levados a efeito nos processos n.os 0000758-27.2010.5.04.0281 e 0000759- 12.2010.5.04.0281, dos réus João Carlos e Miriam, teriam ocorrido apenas porque o advogado defensor dos reclamantes naquelas ações seria outro, patrocinando ações de dirigente da empresa Três Portos, filho de um dos sócios, e de advogada responsável pelo departamento jurídico da mesma empresa (questionou, textualmente: Será que nesses dois casos a homologação se deu porque o advogado era outro?). Essa afirmação, dada a conhecer ao MPT, originou procedimento investigatório e o posterior ajuizamento da presente ação rescisória.
De fato, as ações de Míriam e João Carlos, patrocinadas pelo advogado Daniel Von Hohendorff, culminaram nos acordos colacionados às fls. 51 (Míriam) e 83 (João Carlos). Míriam conciliou sua demanda por R$ 120.000,00, em 05/05/2010, valor ao qual foi atribuída, integralmente, natureza indenizatória, sob o título de ‘diferenças de FGTS com 40%’. O mesmo se verifica em relação a João Carlos, sendo que o valor do seu acordo foi de R$ 173.000,00, ambos acrescidos de honorários advocatícios (R$ 12.000,00 e R$ 17.300,00, respectivamente). A homologação dos acordos deu-se também pela Magistrada Luciane Cardoso Barzotto, mesma Juíza que detectou e inibiu as fraudes em outras ações, fato antes referido, sendo que as petições iniciais (conforme se observa, por exemplo, à fls. 74) foram protocoladas em abril de 2010, tendo sido alcançado o consenso na primeira audiência, no mês seguinte. As empresas demandadas, por sua vez, após o encerramento das atividades, tiveram todo o seu ativo vendido, por via judicial em ação civil, na qual foram integralmente reservados os valores da alienação para a quitação, primeiramente, dos créditos trabalhistas, conforme transferências de recursos que eram feitas ao Juízo trabalhista a medida que requisitados ao Juízo civel.
Delineado o quadro fático, passa-se ao exame dos argumentos deduzidos pelas partes, referindo, desde já, que, embora existam indícios favoráveis à hipótese aventada pelo parquet, é inarredável que sobejam elementos em sentido contrário, confortando a tese das defesas, sendo que estes últimos, quando examinado o conjunto da prova, se destacam e determinam a conclusão pela improcedência.
Primeiramente, há o fato de que a mesma Magistrada a identificar e coibir tentativas fraudulentas de lide simulada homologou os acordos nos processos dos réus Míriam e João Carlos, sem qualquer ressalva. Certamente, havendo razões para desconfiança, a ilustre Juíza, além de não ter homologado tais acordos, teria, oportunamente, informado o fato ao Ministério Público para as providências cabíveis, como fez em relação a outras demandas. Corrobora esse aspecto, a circunstância de que o procedimento instaurado pelo Ministério Público, e que desaguou na presente ação, decorreu de insinuação de terceiro, com ânimo obviamente comprometido, especialmente em relação à Juíza que obstara seu intento fraudatório, conformo visto linhas atrás, o que, por si, recomenda cautela.
No que respeita à existência de contratos de trabalho entre as empresas e os réus Míriam e João Carlos, a farta prova documental mostra que a primeira foi contratada pela Três Portos em 06/06/1973 (fls. 222-v/ss) como ‘auxiliar de escritório’, tendo sido demitida e recontratada várias vezes, praticamente sem quebra de continuidade na relação jurídica de emprego. Alçada ao cargo de ‘secretária executiva’ em 1975, passou a ‘assessora da diretoria’ em 1991 (fl. 253) e a ‘assessora jurídica’ em 1997 (fl. 253-v). Rescindiu seu contrato em 06/01/2010 (fl. 248). Documento juntado aos autos (fl. 220), emitido pela Previdência Social, confirma as contratações em questão. Além disso, a cópia da declaração de ajuste do imposto de renda de Míriam (documento resguardado em Secretaria por força do sigilo fiscal), relativa ao ano-calendário de 2008, revela que suas únicas fontes de renda eram a remuneração paga pela ré Três Portos e um benefício concedido pelo INSS. A remuneração aproximada, proveniente apenas da empresa, alcançava o valor de R$ 5.521,80 por mês no lapso telado (2008).
O réu João Carlos, a seu turno, foi contratado como ‘auxiliar de escritório’ em 02/07/1984 (fl. 195). Saiu da empresa em outubro de 1994 e foi recontratado como ‘superintendente de vendas’ em maio de 1995, ocorrendo sua demissão em 06/01/2010 (fl. 195-v). Os extratos de conta vinculada junto ao FGTS, colacionados às fls. 202/205, confirmam a contratação desde, pelo menos, maio de 1995, demonstrando a existência de depósitos contemporâneos a esta data e ao longo de todo o contrato de trabalho. O último depósito registrado refere-se à competência fevereiro de 2008, no montante de R$ 760,94, o que indica o recebimento, naquele mês, de uma remuneração de pelo menos R$ 9.511,75, paga pela empresa Três Portos.
Os réus e então reclamantes eram, portanto, efetivamente empregados das reclamadas, desde longa data, recebendo salários compatíveis com os cálculos demonstrativos dos haveres trabalhistas apresentados nas contestações (fls. 208/209 e 235/236), os quais não sofreram qualquer impugnação por parte do autor. Deste fato decorre o convencimento de que os valores acordados, em que pese pudessem ser superiores aos dos demais acordos realizados com outros empregados das empresas, não se mostram excessivos ou desarrazoados, uma vez que se tratava de dois dos empregados com os maiores salários nas rés e que, no dizer da testemunha Luis Fernando Daudt (fl. 465), teriam sofrido os maiores atrasos no pagamento, porque a Três Portos ... nos últimos anos, veio enfrentando dificuldades, tendo parado de recolher o FGTS e iniciado a atrasar os salários, dando preferência ao pagamento dos salários menores em detrimento dos salários de maior valor ....
O autor da ação ainda aponta para o fato de que haveria discrepância no valor atribuído à rubrica consignada nas conciliações (‘diferenças de FGTS com 40%’), em relação ao pleito formulado nas reclamatórias. Entretanto, o uso de expediente em que as partes acordantes resolvem, de comum acordo, atribuir natureza indenizatória à integralidade do valor acordado é tema conhecido, em face dos recursos interpostos pela União, questionando esta eleição das partes por parcela que não se integra no conceito de salario-de-contribuição. Este aspecto, portanto, não constitui indício de lide simulada, não cabendo aqui nem sequer perquirir sobre sua legalidade, ou não.
O mesmo ocorre em relação à alusão de que a ré Míriam teria declarado ao Fisco o recebimento de valores que posteriormente reclamou, conforme a declaração de imposto de renda já referida. Neste aspecto, prevalece o próprio depoimento do dirigente sindical à época, Sr. Luis Fernando Daudt (fl. 465), quando disse poder ... afirmar, com convicção, que a ré Míriam não recebeu os décimos terceiros salários dos últimos dois anos, uma vez que acompanhou o processo, tendo a aludida ré (Míriam) lhe procurado e feito esta queixa ....
Com relação ao argumento do autor, de que o acordo foi feito em somas expressivas e sem qualquer oposição da empresa, vale reiterar que a expressividade dos valores somente seria observável em relação a empregados que recebiam salários menores. Isto porque Míriam era assessora jurídica da empresa, com aproximadamente 30 anos de serviços prestados, recebendo um salário de aproximadamente R$ 5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais) mensais, isso no ano de 2008. Logo, razoável o valor do acordo alcançado, como fica claro, inclusive, do depoimento da testemunha Luis Fernando Daudt (fl. 465), dirigente do sindicato obreiro à época, verbis:
de início a empresa tinha uma posição em relação aos acordos e depois de um tempo mudou, passando a oferecer valores mais baixos; que o acordo da ré Míriam, do qual tomou conhecimento depois, é datado dessa segunda época, considerando o depoente que é um valor baixo até pelas circunstâncias noticiadas
João Carlos, a seu turno, tinha uma remuneração comprovada ainda maior, de aproximadamente R$ 9.500,00 (nove mil e quinhentos reais), em 2008, o que também empresta razoabilidade ao valor do acordo por ele alcançado.
Nesse aspecto ainda, foram vários os acordos alcançados junto ao corpo funcional demitido, a maioria em montantes justos, como referiu a própria testemunha Luis Fernando em seu depoimento, o que afasta a alegação de que a ausência de defesa das reclamadas na ações trabalhistas de Miriam e João Carlos pudesse sugerir o conluio alegado.
Destaca-se, ainda, que o fato de existirem fraudes comprovadas em outras ações não gera presunção automática de irregularidade em relação aos acordos sobre os quais se refere a presente ação. Neste sentido, releva o aspecto de que os então reclamantes tiveram como patrono o advogado Daniel Von Hohendorff, o qual, na qualidade de procurador do sindicato obreiro, patrocinou a maioria das causas dos empregados demitidos, inclusive atuando ativamente na denúncia das suspeitas de fraude, juntamente com o presidente do sindicato dos empregados (testemunha Luis Fernando), perante a Juíza titular da VT de origem. Refira-se que, quando aludido procurador percebeu que dois de seus clientes estariam incidindo no ilícito da lide simulada (Ivan Winter e Ani Gisele do Amaral), desistiu das ações e denunciou o fato à Juíza, o que, somados aos demais elementos de prova constantes dos autos, contribui para que se reconheça idoneidade aos acordos de Míriam e João Carlos.
Ainda, dentre os argumento declinados na inicial, estão o parentesco de João Carlos com um dos sócios da Três Portos (José Carlos Chagas Feijó) e o fato de que Míriam atuava em causas cíveis envolvendo as empresas demandadas. Este segundo aspecto não impressiona, considerando que a ré, na condição de advogada das empresas, tinha, obviamente, a obrigação de atuar em processos integrados por suas empregadoras. Já a condição de filho de um dos sócios (réu João Carlos), analisada no contexto dos fatos, não se qualifica nem mesmo como prova indiciária de lide simulada, haja vista o incontroverso contrato de trabalho de longa duração que este réu manteve com as empresas e o valor acordado.
No mesmo sentido o depoimento da testemunha Cleusa Eunice dos Santos Abon Zahr (fl. 456), arrolada pelos réus Míriam e João Carlos, que era diretora de secretaria na VT de Esteio à época dos fatos que fundam a discussão na presente ação. Do seu interrogatório, destaco os seguintes trechos:
‘os juízes que atuavam naquela Vara notaram que alguns acordos ou ações estavam sendo patrocinados por advogados diferentes dos que estavam tratando da questão e os autores eram pessoas que representavam a empresa anteriormente, sendo que a importância das ações ou dos acordos era alto e fora do normal; (...) o procurador dos réus presente nesta audiência não atuou como advogado nesses processos; o procurador dos réus teve dois processos contra as próprias empresas, patrocinando empregados, e desistiu desses processos, em função de ter percebido que os reclamantes não eram empregados e comunicou esse fato à juiza; a ré Mirian, o procurador das rés e o sindicato profissional da categoria procuraram a juiza e a direção da vara informando sobre o ajuizamento de ações que eram lides simuladas através de ‘laranjas’; Mirian atuou como preposta da Três Portos e depois passou a advogada da mesma empresa; (...) a depoente recorda que em uma oportunidade seis processos foram extintos conjuntamente por lide simulada; na época do fechamento da Três Portos houve mais de 100 audiências excepcionalmente marcadas para agilizar a liberação de verbas rescisórias; o sindicato, o procurador dos réus e Mirian atuaram tentando viabilizar o pagamento dos valores devidos aos empregados; (...) Sob os protestos da procuradora do MPT, inquirida a depoente informa que a Dra. Luciane conversou com o pessoal da unidade sobre homologação dos acordos celebrados em processos de Mirian e João. (...) a depoente notou que os processos que pareciam lides simulada e que foram extintos eram patrocinados por outro advogado que não o que habitualmente ajuizava estas ações’.
A segunda testemunha ouvida, Júlio Cesar Pereira da Cunha (fl. 456-v), era advogado das empresas rés nos dois últimos anos que antecederam o fechamento. Disse que:
‘o procurador dos réus atuou nas ações trabalhistas ajuizadas pelos empregados para a percepção das verbas rescisórias; o procurador dos réus era advogado do sindicato; o sindicato profissional coordenou o ajuizamento dessas ações; (...) João Carlos de Azevedo Feijó era diretor comercial da Três Portos e depois continuou trabalhando para a Amaco; a ré Mirian foi advogada das duas empresas rés; Mirian é advogada das rés há 30 anos; João Carlos é filho de um dos sócios e já trabalhava em uma empresa do grupo há 30 anos atrás.’
Por fim, também depôs na qualidade de testemunha o presidente do sindicato dos trabalhadores à época dos fatos, Luiz Fernando Daudt (fl. 465), de cujo depoimento se destaca os aspectos abaixo, além daqueles já referidos anteriormente:
‘que o depoente participou de todo o processo envolvendo o encerramento das atividades da empresa Amaco, que havia assumido, mediante arrendamento, a atividade econômica da Três Portos S/A; que em dado momento, o sócio Marcos, da Amaco, chamou o depoente, enquanto presidente do sindicato, e informou que a empresa tinha quebrado e iria encerrar as atividades e não teria condições de fazer os pagaementos aos empregados; (...) que na época o depoente contatou o advogado Daniel, ora presente, e combinaram com os empregados o ajuizamento das ações, visando ao recebimento das parcelas trabalhistas; (...) que acredita que eram uns duzendos e vinte empregados despedidos na época, mas nem todos procuraram o sindicato, embora a maioria o tenha feito; que as ações entraram quase todas conjuntamente, acreditando que umas 180, aproximadamente, na época; que bem depois, quando já haviam sido acordadas as ações referidas, o depoente tomou conhecimento de que as pessoas da Amaco estariam entrando com ações sem ter vínculo com a empresa; que tomou conhecimento desse fato na própria JT de Esteio, tendo conversado com a Juíza Dra. Luciane respeito, na época; que várias vezes conversou com a referida Juíza, sempre na presença do advogado Daniel e, quase que todas as vezes, também na presença da ré Míriam; que na época discutiam a forma de melhor viabilizar a satisfação dos créditos trabalhistas devidos, uma vez que a Amaco foi arrematada em leilão; que a ré Míriam foi funcionária da empresa Três Portos, com CTPS anotada, por muitos anos, negociava dissídios, podendo afirmar que nos 21 anos que o depoente atua no sindicato, ela era empregada da empresa, referindo que segundo informações que tem de outro colega mais antigo, ela teria mais de 30 anos de trabalho como empregada junto àquela empresa (Três Portos); que não acompanhou a reclamatória trabalhista realizada pela ré Míriam e o processo que levou ao acordo naquela ação; que pelo que o depoente pode afirmar, pelo acompanhamento da situação na empresa Três Portos, nos últimos anos, veio enfrentando dificuldades, tendo parado de recolher o FGTS e iniciado a atrasar os salários, dando preferência ao pagamentos dos salários menores em detrimento dos salários de maior valor; que o atraso nos salários começou nos últimos 3 anos de funcionamento, aproximadamente e o FGTS um pouco antes; que o atraso envolvia não somente salários estritamente, mas outras parcelas como férias de décimo terceiro; que o depoente pode afirmar, com convicção, que a ré Míriam não recebeu os décimos terceiros salários dos últimos dois anos, uma vez que acompanhou o processo, tendo a aludida ré lhe procurado e feito esta queixa; que o processo de arrematação da empresa antes referido se deu no Juízo Cível e o depoente participou de reuniões com o Juiz responsável, visando a agilizar a liberação do dinheiro, das quais participaram não só o procurador Daniel, com também a ré Míriam; que o dinheiro arrematado no Cível era transferido à Justiça do Trabalho para pagamento dos trabalhadores; que entende, na condição de presidente do sindicato, que os acordos realizados nas reclamatórias trabalhistas antes referidas foram justos; que tomou conhecimento por informação do procurador Daniel de que Ivan, antes já referido, havia lhe procurador para o ajuizamento de ação trabalhista; que Daniel prestou tais informações ao depoente depois que já havia retirado o aludido processo uma vez que houve desconfiança porque Ivan não teria tido efetivo vínculo com a empresa Amaco; que o depoente e Daniel comunicaram o fato à Juíza do Trabalho de Esteio, Luciane; (...) que João Carlos Feijó é filho do diretor da empresa Três Portos, José Carlos Feijó; que tem conhecimento de que João Carlos tinha CTPS anotada, já que o seu processo também passou pelo sindicato; que sobre outros processos ajuizados por pessoa sem vínculo com a Amaco, o depoente recorda do processo de Marcos, mas não era processo ajuizado pelo procurador Daniel, não sabendo indicar quem era o procurador; que foram feitas várias pautas especiais para viabilizar a liberação do FGTS e seguro-desemprego dos trabalhadores representados pelo sindicato, referindo o que a Juíza Luciane foi muito dedicada nesse sentido; (...) que acredita que a Amaco explorou as atividades da Três Portos por cerca de três anos, aproximadamente; que João Carlos trabalhou no período da Amaco, era gerente de fábrica.’
Os depoimentos somam-se aos demais aspectos referidos para demonstrar, à saciedade, a verossimilhança das teses das defesas. Míriam e João Carlos eram empregados das reclamadas, havia muitos anos, e, dada a posição hierárquica que ocupavam na empresa, recebiam salários que os distinguiam dos demais empregados, o que explica os valores dos salários e os montantes acordados. Também a postura da ré Míriam na condução dos acordos e na viabilização dos pagamentos aos demais credores trabalhistas e o encaminhamento dado pelo advogado Daniel Von Hohendorff ao levar ao conhecimento da Justiça suas suspeitas de fraude e desistir de patrocinar ações suspeitas, somam-se aos demais elementos de prova analisados, apontando para a lisura dos acordos celebrados pelos réus.
Em decorrência, julgo improcedente a ação."
Em suas razões recursais, o ‘Parquet’ insiste na tese de lide simulada, pugnando pela reforma do aresto.
Ao exame.
O MPT da 4.ª Região ajuizou a presente ação de corte com amparo nas seguintes alegações:
a) a ré Três Portos, com problemas econômicos, arrendou a empresa para a ré Amaco em 2008, incluindo na operação a totalidade dos bens imóveis e móveis, máquinas, equipamentos, estoque e mão de obra;
b) em 2009 a Amanco, sem conseguir arcar com as despesas, promoveu o encerramento das atividades e a dispensa coletiva de mais de 100 empregados, que ajuizaram reclamação trabalhista coletiva perante a 1.ª Vara do Trabalho de Esteio (proc. n.º 1711/2009);
c) ainda em 2009, o complexo industrial da ré Três Portos foi arrematado em hasta pública realizada pela Justiça Comum, com os valores arrecadados pelo Juízo Cível de Esteio sendo remetidos ao Juízo Trabalhista, em razão da natureza privilegiada dos créditos.
Nesse contexto, várias reclamações trabalhistas teriam sido propostas por "reclamantes laranjas" contra as rés Três Portos e Amaco, resolvidas mediante acordos homologados judicialmente, com o intuito de resguardar patrimônio dos credores trabalhistas, o que levou, inclusive, ao reconhecimento da ocorrência de lide simulada relativamente aos reclamantes Colmar Dalivio de Lima Braga, Ani Gisele do Amaral, Matheus Scherer Camargo, Marcos Rogério da Costa Camargo e Ivan Winter.
Segundo apurado pelo ‘Parquet’ em procedimento investigatório, as reclamações trabalhistas propostas pelos réus Miriam Salette de Vargas e João Carlos de Azevedo Feijó encerrariam indícios de lide simulada, nos seguintes termos: altos salários alegados por esses reclamantes, o que contrasta com a crítica situação econômica demonstrada pelas reclamadas, e os altos valores dos acordos homologados (R$ 120.000,00 e R$ 173.000,00, respectivamente).
O Ministério Público ainda salientou o fato de o réu João Carlos de Azevedo Feijó ser filho do diretor da ré Três Portos, José Carlos Chagas Feijó, como indício da simulação.
E com relação à ré Miriam Salette, o recorrente apontou, como indício da suposta lide simulada, o fato de ainda receber intimações em nome da ré Três Portos, mesmo após o término de seu vínculo empregatício, e a circunstância de ter alegado, na petição inicial de sua reclamação trabalhista, o não recebimento, entre outros, da gratificação natalina de 2008, embora a declarado regularmente à Receita Federal em sua declaração de ajuste anual do ano-calendário 2008.
A análise detida dos elementos trazidos aos autos, contudo, leva a concluir pelo acerto do acórdão recorrido.
Com efeito. O que se vê no caso, em síntese, é que, amparado em outros casos em que se constatou efetivamente a hipótese de lide simulada, o recorrente pretende alcançar os réus por meio de mera presunção, olvidando-se de que o fato de se ter apurado a ocorrência de lide simulada em processos distintos e particularizados não leva a concluir automaticamente que todos os acordos homologados judicialmente que envolvem as rés Três Portos e Amaco estejam eivados pelo mesmo vício.
Basicamente são dois pontos centrais em que o ‘Parquet’ finca sua argumentação: o fato de os réus Miriam Salette e João Carlos receberem salários considerados elevados, mesmo diante da situação de crise econômica vivenciada pelas rés Três Portos e Amaco, e os valores dos acordos, significativamente elevados.
Ocorre, contudo, que esses pontos são infirmados pela prova coligida nestes autos. Com relação à ré Miriam Salette, a prova dos autos dá notícia de que sua contratação, pela ré Três Portos, se deu em 6/6/1973, com a dispensa ocorrendo em 6/1/2010, ou seja, foram quase 37 anos de contrato de trabalho vigente, sendo que, em 2008, no cargo de assessora jurídica, recebia salário de R$ 5.521,80 mensais.
Já o réu João Carlos foi contratado pela ré Três Portos em 2/7/1984 e dispensado em outubro de 1994, para ser recontratado, como superintendente de vendas, em maio de 1995, com a dispensa também em 6/1/2010. E de acordo com os recolhimentos fundiários realizados em 2008 – os últimos providenciados pela ré Três Portos – verifica-se que seu salário, na ocasião, era de R$ 9.511,75 mensais.
É dizer, trata-se de dois contratos de trabalho extensos, um com quase 37 anos de duração, outro com cerca de 26 anos, e salários efetivamente superiores à média, em que seus titulares ocupavam cargos de relevo no organograma empresarial. E nesse sentido, não há absolutamente prova alguma a indicar que esses números seriam irreais, ou que a própria duração dos contratos teria sido forjada; não há absolutamente nada a infirmar a veracidade desses números.
Partindo dessa premissa, os valores ajustados nos acordos cujas homologações são atacadas nesta ação apresentam-se razoáveis, condizentes com as peculiaridades dos pactos laborais correspondentes.
É dizer, o argumento de que o vulto dos salários indicados pelos réus e dos valores acertados para as avenças é desconstituído pela prova contida nos autos.
Quanto às intimações judiciais endereçadas à ré Três Portos e ainda recebidas pela ré Miriam Salette mesmo após o término de seu contrato de trabalho, registre-se que tal fato não guarda pertinência temática alguma com o vício apontado pelo ‘Parquet’ para buscar a rescisão das sentenças homologatórias, até porque nada impede legalmente a ré de voltar a prestar serviços para sua antiga empregadora, nos termos que lhe forem mais convenientes.
E com relação à discrepância anotada pelo MPT sobre a gratificação natalina de 2008, tampouco constitui elemento capaz de robustecer a tese de lide simulada: a uma, porque a declaração de ajuste anual do imposto de renda é feita com base nos holerites emitidos pelo empregador, de modo que, havendo rubrica referente à gratificação natalina, essa parcela deve ser reportada à Receita Federal, ainda que se discuta seu efetivo pagamento; a duas, porque, ainda que se admita como verdadeiro o fato alegado, no sentido de que a reclamante postulou parcela paga pelo seu empregador, a consequência jurídica seria a incidência da regra contida no art. 940 do CC e e não o reconhecimento de lide simulada, que é vício que atua em outra dimensão processual.
Ademais, cumpre registrar, nesse ponto, o depoimento prestado nestes autos pela testemunha Luiz Fernando Daudt, presidente do sindicato da categoria profissional dos réus Miriam Salette e João Carlos, no sentido de que "o depoente pode afirmar, com convicção, que a ré Míriam não recebeu os décimos terceiros salários dos últimos dois anos, uma vez que acompanhou o processo, tendo a aludida ré lhe procurado e feito esta queixa". (Fl. 927-e do PDF.)
No que se refere ao réu João Carlos, o fato de se tratar de filho de diretor da ré Três Portos, por si só, não afeta a validade do negócio jurídico homologado perante a 1.ª Vara do Trabalho de Esteio, porque, como foi reportado anteriormente, a prova dos autos indica a existência de um contrato de trabalho entre as partes que perdurou por quase 26 anos.
Quanto ao mais, não há elemento algum capaz de demonstrar eventual conexão entre as rés Três Portos e Amaco e o advogado Daniel Von Hodendorff, que patrocinou os réus Miriam Salette e João Carlos em suas reclamações trabalhistas; ao revés, a prova destes autos demonstra que o referido causídico atuava para o Sindicato da categoria profissional a que pertenciam.
E, por fim, a menção à ação civil pública ajuizada pelo recorrente (Proc. n.º 0001483-45.2012.5.04.0281) também é irrelevante para o caso em tela, conforme afirmado anteriormente: não se questiona o fato de ter sido constatada a prática de lides simuladas pelas rés, Três Portos e Amaco, mas sim o raciocínio desenvolvido na petição inicial destes autos, por meio do qual essa constatação, em casos distintos, implicaria necessariamente reconhecimento da mácula em todos os acordos homologados envolvendo essas empresas.
Portanto, reputo correto o acórdão recorrido, e nego provimento ao recurso do Ministério Público do Trabalho.
DOS RECURSOS DOS RÉUS MIRIAM SALETTE DE VARGAS, JOÃO CARLOS DE AZEVEDO FEIJÓ, TRÊS PORTOS S. A. INDÚSTRIA DE PAPEL E AMACO INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE PAPÉIS E SERVIÇOS LTDA. DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 4.ª REGIÃO
Os réus Miriam Salette e João Carlos sustentam que o MPT teria agido de forma temerária e incorrido em litigância de má-fé ao ajuizar a presente ação rescisória, sem base fática ou legal.
Sem razão.
A farta documentação carreada aos autos demonstra que o ajuizamento da ação de corte, precedido de procedimento investigatório contra as rés Três Portos e Amaco, justificou-se diante da própria função institucional do Parquet, a quem incumbe também a defesa da ordem jurídica – basta registrar, nesse sentido, a constatação de que, de fato, as rés Três Portos e Amaco valeram-se do expediente das lides simuladas em, pelo menos, cinco casos referidos nestes autos.
Logo, a conduta do MPT, longe de caracterizar-se como temerária, está amparada em elementos robustos, circunstância suficiente para afastar a pecha de litigância ímproba que os réus pretendem lhe atribuir.
Nego provimento aos Recursos.
DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS
Os réus batem-se pela reforma do acórdão recorrido, para o fim de obterem a condenação do autor em honorários advocatícios sucumbenciais.
Muito bem.
Saliento, inicialmente, que a alegação feita pelo Ministério Público do Trabalho em contrarrazões, no sentido de que as rés Três Portos e Amaco careceriam de legitimidade e de interesse recursal quanto à impugnação do acórdão recorrido acerca dos honorários advocatícios, não merece guarida; o art. 20 do CPC de 1973 é explícito ao estabelecer que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser pagos ao vencedor, constatação que basta para fazer assentar a legitimidade e interesse recursal das referidas rés.
No mais, com relação às rés Três Portos e Amaco, saliento que, embora não tenha havido pedido de condenação do autor em honorários sucumbenciais em suas contestações, a verba honorária é devida unicamente em face da sucumbência, sendo desnecessário pedido expresso, à luz do que dispõe o art. 20 do CPC de 1973.
Entretanto, a questão que se apresenta é diversa. Isso porque, como se sabe, a atuação do Ministério Público do Trabalho, sob a regência da Lei Complementar n.º 75/1993, atende a imperativo consagrado na Constituição Federal, que lhe incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, classificando-o como instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado (art. 127 da Constituição Federal).
Logo, quando atua, o ‘Parquet’ não defende interesse próprio, mas sim a ordem jurídica e, no caso dos autos, os direitos sociais dos trabalhadores, cumprindo missão institucional que lhe foi constitucionalmente atribuída.
Por essa razão, é de se lhe aplicar analogicamente o disposto no art. 18 da Lei n.º 7.347/85, que, embora trate especificamente da ação civil pública, encerra a mesma ratio, ou seja, exime o Ministério Público dos ônus sucumbenciais, à exceção das hipóteses em que constatada litigância de má-fé, aplicação que se justifica precisamente porque a atuação do Ministério Público decorre se sua função institucional.
E como não se vislumbrou, no caso, a configuração de hipótese de litigância de má-fé, são indevidos os honorários advocatícios sucumbenciais.
Trago, nessa linha, precedentes desta SBDI-2:
"RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELO TERCEIRO PREJUDICADO - ADVOGADO DOS RÉUS EXCLUÍDOS DA LIDE. AÇÃO RESCISÓRIA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO SOB A ÉGIDE DO CPC DE 1973. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. AUSÊNCIA DE SUCUMBÊNCIA DO PARQUET E DE MÁ-FÉ. 1 - A jurisprudência da SBDI-2 firmou-se no sentido de que o Ministério Público do Trabalho, ao postular a rescisão de sentença homologatória de acordo com amparo em colusão, atua com o fim de preservar a ordem jurídica, na defesa de interesse público primário. 2 - Em sendo assim, o tratamento jurídico do art. 20 do CPC de 1973 não se revela bastante e adequado para tutelar a singularidade do caso, caracterizando lacuna axiológica que atrai a aplicação analógica da Lei 7.347/85, que disciplina a atuação do Ministério Público em ação civil pública e estabelece, em seu art. 18, que a condenação dos honorários advocatícios somente é devida no caso de má-fé, o que não ocorreu . 3 - Ademais, no caso, não houve sucumbência do Ministério Público em relação ao pedido desconstitutivo, pois, em que pese à exclusão da lide do terceiro e do quarto réus, a ação rescisória foi julgada procedente, de modo que o art. 20 do CPC de 1973 e a Súmula 219 do TST em nada auxiliam a tese recursal. Recurso ordinário não provido." (RO-10019-67.2013.5.08.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relatora: Ministra Delaide Miranda Arantes, DEJT 1.º/6/2018.)
"RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA INTERPOSTO ANTERIORMENTE À VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. (...) CONDENAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E CUSTAS. INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ. I - Vê-se que o Ministério Público do Trabalho está tutelando a ordem jurídica, buscando evitar a utilização do processo com intuito fraudulento, não se verificando eventual má-fé, vindo à baila o teor do artigo 18 da Lei n.º 7.347/1985, segundo o qual ‘Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais. II - Considerando o papel constitucional do Ministério Público do Trabalho, nos moldes do art. 127, na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses individuais indisponíveis, essencial à função jurisdicional do Estado, materializada no ajuizamento de ação rescisória com o fim de desconstituir decisão homologatória de acordo em que, supostamente, havia colusão das partes, conclui-se ser possível a aplicação analógica do artigo 18 da Lei n.º 7.347/1985. III - No mais, considera-se incabível a imputação ao Parquet do recolhimento de custas, nos termos do art. 790-A da CLT. IV - Recurso ordinário parcialmente provido." (RO-426-03.2013.5.12.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relator: Ministro Antonio Jose de Barros Levenhagen, DEJT 17/6/2016.)
Logo, com apoio em tais fundamentos, nego provimento aos Recursos dos réus.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, à unanimidade, conhecer dos Recursos Ordinários e, no mérito, negar-lhes provimento.
Brasília, 2 de fevereiro de 2021.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
LUIZ JOSÉ DEZENA DA SILVA
Ministro Relator
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