TST - INFORMATIVOS 2022 250 - de 01 a 25 de fevereiro

Data da publicação:

Acordão - TST

Maurício Godinho Delgado - TST



HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS - BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA - ART. 791-A, § 4º, DA CLT INCLUÍDO PELA LEI 13.467/2017.



RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DAS LEIS 13.015/2014 E 13.467/2017. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS - BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA - ART. 791-A, § 4º, DA CLT INCLUÍDO PELA LEI 13.467/2017. A Lei 13.467/2017 (Lei da Reforma Trabalhista) trouxe, no regramento contido no artigo 791-A da CLT, alterações impactantes no tocante ao regime de concessão dos honorários advocatícios de sucumbência. Nos termos do novo texto legal, os honorários advocatícios têm pertinência em distintas hipóteses de sucumbência:

a) na sucumbência total ou parcial do empregador;

b) na sucumbência total ou parcial do trabalhador;

c) na sucumbência do empregador ou do trabalhador em situações que envolvam reconvenção.

Seguindo a diretriz contida na IN 41/2018 desta Corte Superior, que dispõe sobre a aplicação das normas processuais da CLT alteradas pela Lei 13.467/2017, a condenação em honorários advocatícios sucumbenciais, prevista no art. 790-A da CLT, será aplicável às ações propostas após 11 de novembro de 2017 (Lei nº 13.467/2017). Contudo a aplicação da nova disciplina sobre a matéria, no plano processual trabalhista, deve ser realizada para além de uma simples leitura literal e isolada do dispositivo em análise, buscando uma interpretação lógico-racional, sistemática e teleológica, de forma a garantir a harmonia do novo regramento dos honorários advocatícios de sucumbência com o ordenamento jurídico pátrio, em especial, com as normas e princípios constitucionais. Importante pontuar que o reconhecimento do direito aos honorários de sucumbência ao advogado, nos termos do caput do artigo 791-A da CLT, conquanto impacte os custos da ação trabalhista, tornando-a mais onerosa para a Parte que os deva suportar, não apresenta, em si, uma barreira de acesso à Justiça aos segmentos sociais vulneráveis e hipossuficientes. Todavia, esse entendimento desaparece diante do regramento contido no § 4º do art. 791-A da CLT, que, ao estender ao beneficiário da justiça gratuita a responsabilidade pelo pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, trouxe uma patente, significativa e comprometedora redução dos direitos fundamentais ao acesso à Justiça e à justiça gratuita. No Brasil, a preocupação em torno da necessidade de proteção jurídica aos pobres e excluídos da sociedade culminou com o reconhecimento da assistência judiciária na Constituição de 1934, que, com exceção da Carta autoritária de 1937, teve assento nos textos constitucionais seguintes, consoante retratado por Peter Messitte, no artigo intitulado "Assistência judiciária no Brasil: uma pequena história". A Constituição da República considera como direito e garantia fundamentais, inseridos no Título II da CF ("Dos Direitos e Garantias Fundamentais"), o amplo acesso das pessoas ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF), além da prestação, pelo Estado, de "assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos" (art. 5º, LXXIV, CF). Para as pessoas economicamente (ou socialmente) vulneráveis, o amplo acesso à jurisdição somente se torna possível e real caso haja, de fato, a efetiva garantia da graciosidade dos atos judiciais. Ora, sabendo-se que a restrição monetária, relativamente aos segmentos sociais sem lastro econômico-financeiro (os segmentos sociais hipossuficientes e vulneráveis, enfatize-se), assume o caráter de restrição absoluta ou quase absoluta, percebe-se que os comandos constitucionais expressos nos incisos XXXV (princípio do amplo acesso à jurisdição) e LXXIV (instituto da justiça gratuita) do art. 5º da CF/88 se mostram flagrantemente desrespeitados pela nova sistemática trazida pela Lei 13.467/2017, em especial, quanto à responsabilização do beneficiário da justiça gratuita ao pagamento dos honorários advocatícios inserida no § 4º do art. 791-A da CLT. Note-se que os dispositivos legais referidos também agridem, de maneira direta, o princípio constitucional da igualdade, em seu sentido material, pois inviabilizam o remédio legal corretivo, pela lei processual, da situação profundamente desigual que se abate sobre os segmentos sociais hipossuficientes e vulneráveis. Com efeito, a efetividade da norma contida no caput do artigo 791-A da CLT não pode se sobrepor aos direitos fundamentais do acesso à Justiça e da justiça gratuita (art. 5º, XXXV e LXXIV, da CF) - integrantes do núcleo essencial da Constituição da República e protegidos pela cláusula pétrea disposta no art. 60, § 4º, da CF -, que visam equacionar a igualdade das partes dentro do processo e a desigualdade econômico-social dos litigantes, com o fim de garantir, indistintamente, a tutela jurisdicional a todos, inclusive aos segmentos sociais vulneráveis, hipossuficientes e tradicionalmente excluídos do campo institucionalizado do Direito. Assente-se, ainda, que a inclusão, pela Lei 13.467/2017, do regramento contido no § 4º do art. 791-A da CLT também desnatura o conceito de justiça social, alicerçada nos princípios da proteção, da progressividade social e da vedação do retrocesso. A vedação a qualquer medida de retrocesso social é diretriz decisiva para que os Direitos Humanos demonstrem seu caráter progressivo permanente, na perspectiva do denominado princípio da progressividade social. No Brasil, o princípio da progressividade dos direitos humanos, bem como o da vedação do retrocesso social estão incorporados na norma constante do § 2º do art. 5º da Constituição da República, que estatui explicitamente: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte". No plano internacional, a garantia do acesso à Justiça se encontra consagrada na Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. 10, no Pacto Internacional sobre Direitos Civil e Políticos, art. 14, 1, e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), art. 8, 1. Portanto, a norma insculpida no § 4º do art. 791-A da CLT, ao criar artifício de esvaziamento e corrosão do direito à justiça gratuita, acaba por diminuir o princípio da igualdade processual, além da redução das desigualdades reais, gerando um obstáculo ao acesso à Justiça, que, na lição de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, configura "o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos." Importante acentuar que parte significativa dos autores de ações trabalhistas no Brasil são trabalhadores desempregados que litigam contra seus ex-empregadores ou são trabalhadores com renda salarial relativamente modesta – ambos os grupos assumindo, nessa medida, o papel de lídimos destinatários da justiça gratuita. Nesse aspecto, a norma inserta no § 4º do art. 791-A da CLT, incluída pela Lei 13.467/2017, ao criar um mecanismo fictício de perda da condição de hipossuficiência econômica afronta o próprio direito fundamental à gratuidade da Justiça. A compatibilização da previsão contida no caput do art. 791-A da CLT, inserido pela Lei da Reforma Trabalhista, com a concessão da justiça gratuita ao litigante declarado hipossuficiente econômico, como realização do amplo acesso à Justiça, não pode ser alcançada mediante a utilização de artifício que se mostra incompatível, em si, com a ordem constitucional. Dessa forma, em consonância com os fundamentos anteriormente expostos, este Relator sempre entendeu pela flagrante inconstitucionalidade do § 4º do art. 791-A da CLT, por afronta direta ao art. 5º, XXXV, LXXIV, da CF/88. Em virtude disso, este Relator havia suscitado o incidente de inconstitucionalidade de referido dispositivo no âmbito desta 3ª Turma. Ocorre que com o advento da recentíssima decisão proferida pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI 5766, que julgou parcialmente procedente o pedido formulado na ação direta, para declarar inconstitucional o artigo 791-A, § 4º, da CLT, a matéria perdeu objeto no âmbito desta Corte Trabalhista. Assim, na presente hipótese, reconhecida pela Instância Ordinária a qualidade de hipossuficiente econômico do Reclamante, com a concessão do benefício da justiça gratuita, a condenação do Reclamante ao pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais implica ofensa direta ao artigo 5º, XXXV e LXXIV, da CF. Recurso de revista conhecido e provido.  (TST-RR-1000850-60.2018.5.02.0443, 3ª Turma, rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, julgado em 23/2/2022). 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-1000850-60.2018.5.02.0443, em que é Recorrente ALEXANDRE BASILIO DA SILVA e Recorridos MARIMEX DESPACHOS TRANSPORTES E SERVIÇOS LTDA.

O Tribunal Regional do Trabalho de origem deu seguimento ao recurso de revista do Reclamante.

Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do art. 95, § 2º, do RITST.

PROCESSO SOB A ÉGIDE DAS LEIS 13.015/2014 E 13.467/2017.

É o relatório.

V O T O

I) CONHECIMENTO

Atendidos todos os pressupostos comuns de admissibilidade, examino os específicos do recurso de revista.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS - BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA - ART. 791-A, § 4º, DA CLT INCLUÍDO PELA LEI 13.467/2017

O Tribunal Regional, no que interessa, assim decidiu:

2 - Honorários advocatícios sucumbenciais

O reclamante sustenta que os benefícios da Justiça Gratuita que lhe foram deferidos abrangem a verba honorária. Diz que a sentença feriu o disposto na Lei 5584/70, além de violar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e acesso à justiça, previstos nos artigos 1º, III e 5º LXXIV da CF/88.

A r. sentença proferida na origem assim definiu:

"Em vista da sucumbência recíproca, condeno a reclamada ao pagamento, em favor do patrono do reclamante, de honorários advocatícios equivalentes a 10% do valor que resultar da liquidação de sentença, assim como condeno o(a) reclamante ao pagamento de honorários, em favor do patrono da reclamada, equivalentes a 10% da diferença entre o valor atribuído a causa e aqueles resultantes dos pedidos julgados procedentes, observados os mesmos critérios de juros e correção monetária. Nos termos da Súmula 18 do E. TRT da 2ª Região, inaplicáveis os arts. 389 e 404 do Código Civil."

Pois bem.

A presente ação foi ajuizada em 08/10/2018, na vigência da Lei 13.467/2017, com eficácia a partir de 11/11/2017.

Por outro lado, o C. TST editou a Instrução Normativa 41/2018, que em seu artigo 6º estabelece:

"Art. 6º Na Justiça do Trabalho, a condenação em honorários advocatícios sucumbenciais, prevista no art. 791-A, e parágrafos, da CLT, será aplicável apenas às ações propostas após 11 de novembro de 2017 (Lei nº 13.467/2017). Nas ações propostas anteriormente, subsistem as diretrizes do art. 14 da Lei nº 5.584/1970 e das Súmulas nºs 219 e 329 do TST."

Portanto, no caso, os honorários advocatícios obedecem ao novo regramento do artigo 791-A da CLT.

Além disso, a condenação observou os limites de 5 a 15% estabelecidos no "caput" do artigo 791-A da CLT, bem como decorre do fato do reclamante ter sido vencido parcialmente, ainda que beneficiário da justiça gratuita.

A concessão da benesse não o isenta de suportar o pagamento dos honorários sucumbenciais, ante os termos do artigo 791-A, § 4º, da CLT:

"Art. 791-A. Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.

(...)

§ 4º Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.

(...) "

Não se olvida que a constitucionalidade, ou não, do artigo 791-A da CLT é objeto de Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5766, proposta pela Procuradoria Geral da República, perante o Supremo Tribunal Federal. Contudo, enquanto não houver pronunciamento definitivo daquele órgão sobre a questão, não há como afastar a incidência integral do dispositivo.

Mantenho, pois, a condenação.

A Parte, em suas razões recursais, pugna pela reforma do acórdão regional, quanto ao tema em epígrafe.

Ao exame.

Quanto ao tema "honorários advocatícios sucumbenciais - beneficiário da justiça gratuita", a Instância Ordinária, considerando que a ação trabalhista foi proposta em 08/10/2018, portanto, sob a égide da Lei 13.467/2017, condenou o Reclamante, beneficiário da Justiça Gratuita, ao pagamento dos honorários advocatícios, em razão da sucumbência parcial obreira.

A Lei 13.467/2017 (Lei da Reforma Trabalhista) trouxe, no regramento contido no artigo 791-A da CLT, alterações impactantes no tocante ao regime de concessão dos honorários advocatícios de sucumbência.

Nos termos do novo texto legal, os honorários advocatícios têm pertinência em distintas hipóteses de sucumbência: a) na sucumbência total ou parcial do empregador; b) na sucumbência total ou parcial do trabalhador; c) na sucumbência do empregador ou do trabalhador em situações que envolvam reconvenção.

Seguindo a diretriz contida na IN 41/2018 desta Corte Superior, que dispõe sobre a aplicação das normas processuais da CLT alteradas pela Lei 13.467/2017, a condenação em honorários advocatícios sucumbenciais, prevista no art. 791-A da CLT, será aplicável às ações propostas após 11 de novembro de 2017 (Lei nº 13.467/2017).

Ressalte-se, contudo, que a aplicação da nova disciplina sobre a matéria, no plano processual trabalhista, deve ser realizada para além de uma simples leitura literal e isolada do dispositivo em análise, buscando uma interpretação lógico-racional, sistemática e teleológica, de forma a garantir a harmonia do novo regramento dos honorários advocatícios de sucumbência com o ordenamento jurídico pátrio, em especial, com as normas e princípios constitucionais.

Dispõe o artigo 791-A da CLT, inserido pela Lei 13.467/2017:

Art. 791-A. Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.

§ 1º Os honorários são devidos também nas ações contra a Fazenda Pública e nas ações em que a parte estiver assistida ou substituída pelo sindicato de sua categoria. 

§ 2º Ao fixar os honorários, o juízo observará:

I - o grau de zelo do profissional;

II - o lugar de prestação do serviço;

III - a natureza e a importância da causa;

IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

§ 3º Na hipótese de procedência parcial, o juízo arbitrará honorários de sucumbência recíproca, vedada a compensação entre os honorários.

§ 4º Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.

§ 5º  São devidos honorários de sucumbência na reconvenção.

Importante pontuar que o reconhecimento do direito aos honorários de sucumbência ao advogado, nos termos do caput do artigo 791-A da CLT, conquanto impacte os custos da ação trabalhista, tornando-a mais onerosa para a Parte que os deva suportar, não apresenta, em si, uma barreira de acesso à Justiça aos segmentos sociais vulneráveis e hipossuficientes.

Todavia, esse entendimento desaparece diante do regramento contido no § 4º do art. 791-A da CLT, que, ao estender ao beneficiário da justiça gratuita a responsabilidade pelo pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, trouxe uma patente, significativa e comprometedora redução dos direitos fundamentais ao acesso à Justiça e à justiça gratuita.

A atenção e proteção da assistência judiciária aos segmentos sociais hipossuficientes e vulneráveis - de modo a garantir, sem distinção e de forma efetiva, o acesso de todos os segmentos da sociedade à Justiça - têm sido, nas palavras de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, progressivamente reconhecidas "como sendo de importância capital para a realização dos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação" (Acesso à Justiça, Tradução de Ellen Grace Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, págs. 11-12).

No Brasil, a preocupação em torno da necessidade de proteção jurídica aos pobres e excluídos da sociedade culminou com o reconhecimento da assistência judiciária na Constituição de 1934, que, com exceção da Carta autoritária de 1937, teve assento nos textos constitucionais seguintes, consoante retratado por Peter Messitte, no artigo intitulado "Assistência judiciária no Brasil: uma pequena história".

A Constituição da República considera como direito e garantia fundamentais, inseridos no Título II da CF ("Dos Direitos e Garantias Fundamentais"), o amplo acesso das pessoas ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF), além da prestação, pelo Estado, de "assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos" (art. 5º, LXXIV, CF).

Para as pessoas economicamente (ou socialmente) vulneráveis, o amplo acesso à jurisdição somente se torna possível e real caso haja, de fato, a efetiva garantia da graciosidade dos atos judiciais.

Ora, sabendo-se que a restrição monetária, relativamente aos segmentos sociais sem lastro econômico-financeiro (os segmentos sociais hipossuficientes e vulneráveis, enfatize-se), assume o caráter de restrição absoluta ou quase absoluta, percebe-se que os comandos constitucionais expressos nos incisos XXXV (princípio do amplo acesso à jurisdição) e LXXIV (instituto da justiça gratuita) do art. 5º da CF/88 se mostram flagrantemente desrespeitados pela nova sistemática trazida pela Lei 13.467/2017, em especial, quanto à responsabilização do beneficiário da justiça gratuita ao pagamento dos honorários advocatícios inserida no § 4º do art. 791-A da CLT.

Note-se que o dispositivo legal referido também agride, de maneira direta, o princípio constitucional da igualdade, em seu sentido material, pois inviabiliza o remédio legal corretivo, pela lei processual, da situação profundamente desigual que se abate sobre os segmentos sociais hipossuficientes e vulneráveis. O princípio da igualdade em sentido material (muito além da vetusta concepção da igualdade em sentido formal) está bastante claro também na Constituição de 1988, quer em seu Preâmbulo (onde a igualdade emerge, simbolicamente, ao lado da justiça), quer em seu art. 1º (implicitamente) e em seu art. 2º (também implicitamente), quer em seu art. 5º, caput, explicitamente.

Com efeito, a efetividade da norma contida no caput do artigo 791-A da CLT não pode se sobrepor aos direitos fundamentais do acesso à Justiça e da justiça gratuita (art. 5º, XXXV e LXXIV, da CF) - integrantes do núcleo essencial da Constituição da República e protegidos pela cláusula pétrea disposta no art. 60, § 4º, da CF -, que visam equacionar a igualdade das partes dentro do processo e a desigualdade econômico-social dos litigantes, com o fim de garantir, indistintamente, a tutela jurisdicional a todos, inclusive aos segmentos sociais vulneráveis, hipossuficientes e tradicionalmente excluídos do campo institucionalizado do Direito.

A hipossuficiência econômica ensejadora do direito à gratuidade judiciária consiste na insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios, sem comprometer o mínimo dispensável à própria subsistência ou de sua família, expressão do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF).

Assente-se, ainda, que a inclusão, pela Lei 13.467/2017, do regramento contido no § 4º do art. 791-A da CLT também desnatura o conceito de justiça social, alicerçada nos princípios da proteção, da progressividade social e da vedação do retrocesso. A vedação a qualquer medida de retrocesso social é diretriz decisiva para que os Direitos Humanos demonstrem seu caráter progressivo permanente, na perspectiva do denominado princípio da progressividade social. No Brasil, o princípio da progressividade dos direitos humanos, bem como o da vedação do retrocesso social estão incorporados na norma constante do § 2º do art. 5º da Constituição da República, que estatui explicitamente: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

No plano internacional, a garantia do acesso à Justiça se encontra consagrada na Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. 10, no Pacto Internacional sobre Direitos Civil e Políticos, art. 14, 1, e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), art. 8, 1, a seguir transcritos:

Declaração Universal dos Direitos Humanos:

Artigo 10

Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele

Pacto Internacional sobre Direitos Civil e Políticos

Artigo 14

1. Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com devidas garantias por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. A imprensa e o público poderão ser excluídos de parte da totalidade de um julgamento, quer por motivo de moral pública, de ordem pública ou de segurança nacional em uma sociedade democrática, quer quando o interesse da vida privada das Partes o exija, que na medida em que isso seja estritamente necessário na opinião da justiça, em circunstâncias específicas, nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença proferida em matéria penal ou civil deverá torna-se pública, a menos que o interesse de menores exija procedimento oposto, ou processo diga respeito à controvérsia matrimoniais ou à tutela de menores.

Convenção Americana sobre Direitos Humanos:

Artigo 8

1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

Portanto, a norma insculpida no § 4º do art. 791-A da CLT, ao criar artifício de esvaziamento e corrosão do direito à justiça gratuita, acaba por diminuir o princípio da igualdade processual, além da redução das desigualdades reais, gerando um obstáculo ao acesso à Justiça, que, na lição de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, configura "o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos." (Acesso à Justiça, Tradução de Ellen Grace Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, pág. 12).

Destaca-se ainda que, no âmbito do direito processual do trabalho, a realização do acesso à Justiça ao trabalhador hipossuficiente e beneficiário da justiça gratuita busca assegurar, no plano concreto, a efetividade dos direitos sociais trabalhistas, conferindo-lhes real sentido, com a consequente afirmação da dignidade da pessoa humana, da paz social e da redução das desigualdades sociais.

Importante acentuar que parte significativa dos autores de ações trabalhistas no Brasil são trabalhadores desempregados que litigam contra seus ex-empregadores ou são trabalhadores com renda salarial relativamente modesta – ambos os grupos assumindo, nessa medida, o papel de lídimos destinatários da justiça gratuita.

Referido cenário se confirma com a publicação do livro: Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2019, divulgado pelo IBGE, a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Contínua do IBGE (disponível no endereço eletrônico: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101678.pdf), em que se encontram expostos pelos índices oficiais do governo (IBGE) as condições de vida da população brasileira, a estrutura econômica, o mercado de trabalho, a distribuição de renda, pobreza monetária e o acesso da população em múltiplas dimensões, a demonstrar a vulnerabilidade social e monetária de grande parcela da classe trabalhadora brasileira.

Nesse aspecto, a norma inserta no § 4º do art. 791-A da CLT, incluída pela Lei 13.467/2017, ao criar um mecanismo fictício de perda da condição de hipossuficiência econômica afronta o próprio direito fundamental à gratuidade da Justiça. A compatibilização da previsão contida no caput do art. 791-A da CLT, inserido pela Lei da Reforma Trabalhista, com a concessão da justiça gratuita ao litigante declarado hipossuficiente econômico, como realização do amplo acesso à Justiça, não pode ser alcançada mediante a utilização de artifício que se mostra incompatível, em si, com a ordem constitucional. Pois, quando a atuação dos segmentos sociais vulneráveis e hipossuficientes é restringida pela imposição de estratégias legislativas que criam embaraços à realização do conteúdo das garantias constitucionais previstas no art. 5º, XXXV, LXXIV, da CF, as desigualdades sociais ficam ainda mais aparentes e severas.

E reconhecida a incapacidade da Parte Reclamante de suportar os custos de uma demanda judicial, caberia ao Estado, como forma de suprir a deficiência do poder público de assegurar aos hipossuficientes o direito à assistência judiciária integral e gratuita (art. 5º, LXXIV, CF) e o amplo acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, CF), a responsabilização pelo pagamento dos honorários advocatícios, utilizando-se, por analogia, da sistemática de remuneração dos honorários periciais (Súmula 457/TST), devendo a União arcar com a despesa na linha já assentada pela Resolução CSJT Nº 66, de 10/06/2010.

Dessa forma, em consonância com os fundamentos anteriormente expostos, este Relator sempre entendeu pela flagrante inconstitucionalidade do § 4º do art. 791-A da CLT, por afronta direta ao art. 5º, XXXV, LXXIV, da CF/88.

Em virtude disso, este Relator havia suscitado o incidente de inconstitucionalidade de referido dispositivo no âmbito desta 3ª Turma. Ocorre que com o advento da recentíssima decisão proferida pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI 5766, que julgou parcialmente procedente o pedido formulado na ação direta, para declarar inconstitucional o artigo 791-A, § 4º, da CLT, a matéria perdeu objeto no âmbito desta Corte Trabalhista.

Assim, na presente hipótese, reconhecida pela Instância Ordinária a qualidade de hipossuficiente econômico do Reclamante, com a concessão do benefício da justiça gratuita, a condenação do Reclamante ao pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais implica ofensa direta ao artigo 5º, XXXV, e LXXIV, da CF.

Ante todo o exposto, CONHEÇO do recurso de revista do Reclamante por violação do artigo 5º, XXXV e LXXIV, da CF.

II) MÉRITO

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS - BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA - ART. 791-A, § 4º, DA CLT INCLUÍDO PELA LEI 13.467/2017

Como consequência lógica do conhecimento do recurso por violação do art. 5º, XXXV e LXXIV, da CF, DOU-LHE PROVIMENTO para excluir a condenação do Reclamante ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, à unanimidade, conhecer do recurso de revista por violação do art. 5º, XXXV e LXXIV, da CF, e, no mérito, dar-lhe provimento para excluir a condenação do Reclamante ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais.

Brasília, 23 de fevereiro de 2022.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

Mauricio Godinho Delgado

Ministro Relator

 

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