TST - INFORMATIVOS 2021 232 - de 01 a 26 de fevereiro

Data da publicação:

Subseção II Especializada em Dissídios Individuais

Delaíde Miranda Arantes - TST



Suspensão da Carteira Nacional de Habilitação – CNH. Retenção de passaporte.



Resumo do voto

Suspensão da Carteira Nacional de Habilitação – CNH. Retenção de passaporte. Artigos. 8º e 139, IV, do CPC de 2015. Ofensa a direito líquido e certo. Trata-se de mandado de segurança impetrado contra ato que determinou a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e do passaporte do executado, pois não foram encontrados meios para a satisfação do crédito exequendo. O artigo 139, IV, do CPC de 2015 tem aplicação subsidiária ao Processo do Trabalho, nos termos da Instrução Normativa nº 39/2016 do TST. Contudo, a sua aplicação exige cautela, porque implica em restrição ao direito fundamental de ir e vir do executado. No caso, a medida é desproporcional e sem afinidade com a obrigação do pagamento de créditos trabalhistas, pois não há garantia de que a restrição dos direitos, determinada pela autoridade coatora, viabilizará de forma eficiente a probabilidade de adimplemento do débito trabalhista. Portanto, não se percebe a relação de causa e efeito entre a aplicação da medida coercitiva pleiteada pela reclamante e o pagamento da dívida. Sob esses fundamentos, a SBDI-II, por unanimidade, conheceu do recurso ordinário e, no mérito, por maioria, negou-lhe provimento, mantendo a decisão da Corte de origem que concedeu a segurança para cassar a ordem de suspensão e recolhimento da Carteira Nacional de Habilitação - CNH e de recolhimento do passaporte do executado. Vencidos os Ministros Douglas Alencar Rodrigues, Luiz José Dezena da Silva e Renato de Lacerda Paiva.

ACORDÃO

RECURSO ORDINÁRIO EM AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA DA LITISCONSORTE PASSIVA NECESSÁRIA. SUSPENSÃO DA CNH. RETENÇÃO DE PASSAPORTE. ARTS. 8º E 139, IV, DO CPC DE 2015. OFENSA A DIREITO LÍQUIDO E CERTO DO IMPETRANTE.

1 - Hipótese em que o mandado de segurança impugna ato que, com amparo no art. 139, IV, do CPC de 2015, determinou a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação - CNH e do passaporte do executado, porque não encontrados meios para a satisfação do crédito exequendo.

2 – Observa-se que a medida é desproporcional e sem afinidade com a obrigação do pagamento de créditos trabalhistas, pois não há garantia de que a restrição dos direitos, determinada pela autoridade coatora, com a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação - CNH e do passaporte do executado viabilizará a probabilidade de adimplemento do débito trabalhista. Não se percebe a aventada relação de causa e efeito entre a aplicação da medida coercitiva pleiteada pela reclamante e credora das verbas trabalhistas e o pagamento da dívida.

3 – Constatada ofensa a direito líquido e certo do impetrante. Manutenção da decisão da Corte de origem. Recurso ordinário conhecido e não provido. (TST-RO-1412-96.2017.5.09.0000, SBDI-II, rel. Min. Delaíde Alves Miranda Arantes, 26/03/2021).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário n° TST-RO-1412-96.2017.5.09.0000, em que é Recorrente KELLY CRISTIANE SCHAFRUN e Recorrido RIVADAVIA GAVIÃO MARQUES GOMES PINHEIRO e Autoridade Coatora JUÍZA DA 14ª VARA DO TRABALHO DE CURITIBA - ROSÍRIS RODRIGUES DE ALMEIDA AMADO RIBEIRO.

Rivadávia Gavião Marques Gomes Pinheiro impetrou mandado de segurança, com pedido liminar, visando cassar ato do Juízo da 14ª Vara do Trabalho de Curitiba/PR que, nos autos da RTOrd-629000-75.2003.5.09.0014, em que ora figura como executado, determinou a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação - CNH e do passaporte, porque não encontrados meios para a satisfação do crédito exequendo.

O desembargador relator deferiu parcialmente o pedido liminar "para suspender a ordem de expedição de ofício à Receita Federal para o recolhimento do passaporte do impetrante".

O impetrante interpôs agravo regimental, que foi provido para deferir o pedido liminar também em relação à retenção da Carteira Nacional de Habilitação - CNH.

O Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região concedeu a segurança, para cassar a ordem de suspensão e recolhimento da Carteira Nacional de Habilitação - CNH e de recolhimento do passaporte do executado.

Inconformada, a litisconsorte passiva interpõe recurso ordinário.

O recurso foi admitido.

Foram apresentadas contrarrazões.

O Ministério Público do Trabalho oficia pelo prosseguimento do feito.

É o relatório.

V O T O

1 – CONHECIMENTO

Atendidos os pressupostos legais de admissibilidade, CONHEÇO do recurso ordinário.

2 – MÉRITO

Rivadávia Gavião Marques Gomes Pinheiro impetrou mandado de segurança, com pedido liminar, visando cassar ato do Juízo da 14ª Vara do Trabalho de Curitiba/PR que, nos autos da RTOrd-629000-75.2003.5.09.0014 em que ora figura como executado, determinou a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação - CNH e do passaporte, porque não encontrados meios para a satisfação do crédito exequendo. Assegurou que a reclamante, na reclamação trabalhista, requereu a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação - CNH e o bloqueio do passaporte, tendo em vista o não pagamento do crédito trabalhista no importe de R$ 405.129,29 (quatrocentos e cinco mil, cento e vinte e nove reais e vinte e nove centavos). Argumentou que apresentou proposta de conciliação, de acordo com as suas condições econômicas, no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), a qual foi rejeitada pela reclamante. Asseverou que, na sequência, a autoridade coatora determinou: a) a expedição de ofício ao Detran/PR solicitando a suspensão e o recolhimento da carteira de habilitação do impetrante, assim como, fosse proibida nova concessão ou renovação, pelo prazo de um ano, em todo o território nacional; e b) a expedição à Polícia Federal de ordem, solicitando que fosse recolhido o passaporte do executado e fosse proibida nova emissão ou renovação. Aduziu que o ato impugnado fere direito líquido e certo do impetrante, quanto à liberdade de locomoção. Asseriu que a restrição do direito de ir e vir viola de forma direta e literal o art. 5º, XV, da Constituição Federal, sendo certo que existem outros meios menos gravosos pelos quais a reclamante poderia buscar seus créditos. Mencionou que necessita da carteira de habilitação para manutenção de seu atual emprego, pois realiza visitas em obras situadas em várias cidades do Paraná. Sustentou que este emprego lhe garante o salário, que possui natureza alimentar. Disse que restaram preenchidos os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora para a concessão da liminar com a finalidade de suspender o ato impugnado.

O desembargador relator deferiu parcialmente o pedido liminar, nos seguintes termos:

O impetrante ajuizou anteriormente mandado de segurança em duas oportunidades (autos PJe-0001088-09-2017.5.09.0000 e 001094-16.2017.5.09.0000) em face do mesmo ato exarado pelo Juiz do Trabalho da 14ª Vara do Trabalho de Curitiba que determinou a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e do passaporte do executado, ora impetrante. Os feitos foram julgados extintos sem resolução do mérito, por irregularidade na formação e por litispendência, respectivamente.

O presente MS encontra-se regular, observando os requisitos legais. Conquanto não tenha apresentado a certidão de publicação da decisão atacada, essa foi proferida em 30.06.2017 (fls. 22-23), o que evidencia que não ocorreu o decurso do prazo previsto no art. 23 da Lei 12.016/2009.

O mandado de segurança tem sede constitucional, sendo seu objetivo primordial o de tutelar o direito subjetivo líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade pública ou de agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público (art. 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal). São pressupostos para a concessão de liminar em mandado de segurança, de aplicação cumulativa, nos termos do art. 7º, III, da Lei nº 12.016/2009: existência de fundamento relevante e se do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida.

O mandado de segurança foi impetrado em face da decisão transcrita a seguir:

"Vistos, etc.

Já foram tentadas todas as formas de satisfação do crédito exequendo, com a busca de bens dos executados, através de convênios eletrônicos disponíveis, sem resultado satisfatório.

Também não houve conciliação na audiência realizada para este fim.

Assim, em complemento ao despacho de f 248 e, com respaldo no art. 139, IV, do CPC/2015, determino a expedição de Mandado de Intimação aos executados, a ser cumprido em seus endereços, para que eles sejam intimados:

a) de que estão proibidos de efetuar novas contratações de empregados, seja como pessoa jurídica ou pessoa física, sob pena de multa de R$ 1.000,00 por empregado comprovadamente contratado a partir de sua intimação;

b) de que deverão, no prazo de 48 horas, efetuar a quitação do débito da presente execução ou nomear bens à penhora, livres e desembaraçados, sob pena de:

b.1) ser oficiado ao Detran-PR, solicitando que seja lançada a ordem de suspensão e recolhimento da Carteira Nacional de Habilitação do executado (caso ele possua), bem como seja proibida a sua concessão ou renovação, pelo prazo de um ano (em todo o território nacional, se possível);

b.2) ser oficiado à Polícia Federal, solicitando que seja recolhido o passaporte do executado (caso ele possua), bem como seja proibida a sua emissão ou renovação;

c) ser expedida certidão para fins de protesto perante os órgãos de créditos (cartório de protesto, Serasa, SPC).

Justifica-se a restrição dos direitos dos executados, acima elencados, em razão de que, se eles não possuem condições financeiras de quitar o débito da presente execução, também não terão condições de quitar créditos de novos empregados.

O mesmo se aplica à suspensão de sua CNH e passaporte, pois, antes de adquirir veículos ou viajar ao exterior, caberá ao executado quitar seus débitos de natureza alimentar, como a presente execução trabalhista.

Salienta-se que a presente execução é definitiva.

A restrição dos direitos ora determinada, poderá ser reconsiderada por este juízo, caso o executado prove, documentalmente e com a devida justificativa, de que são imprescindíveis e necessários ao caso específico.

Ressalta-se que a medida ora adotada trata-se de poder de efetivação concedido ao juiz, pelo Código de Processo Civil/2015, bem como pela Constituição Federal e pela Consolidação das Leis do Trabalho, com o objetivo de fazer o executado quitar com sua obrigação, já que todas as medidas convencionais utilizadas não foram suficientes para isso." (fls. 22-23).

De acordo com o entendimento predominante desta Seção Especializada, as medidas previstas no artigo 139, IV, do CPC para garantir o cumprimento da tutela jurisdicional são excepcionais e não comportam coerção pessoal, mas apenas patrimonial. Sua aplicação pode ser considerada nas hipóteses em que existam indícios de ocultação patrimonial pelo executado que, apesar da dívida trabalhista, possui alto padrão de vida, incompatível com o débito.

Extrai-se da manifestação da exequente acostada às fls. 11-12 que a execução se processa desde 2006, sem êxito nas tentativas de cumprimento da obrigação pecuniária e tampouco nomeação de bens à penhora pelo executado, que "não adimpliu o montante de que é devedor nesses autos, ao mesmo tempo que conseguiu blindar seu patrimônio e leva vida que está longe de caracterizar penúria financeira", justificando a tomada de medidas drásticas para garantir o cumprimento das decisões proferidas.

No caso em análise, o juízo de primeiro grau entendeu que foram esgotados todas as formas de satisfação do crédito trabalhista, mediante consulta aos convênios disponíveis nesta Justiça Especializada, sem êxito na tentativa de conciliação. Tal decisão se encontra devidamente fundamentada e não há demonstração de que a conduta do juízo de origem tenha violado direito líquido e certo do impetrante, pois coerente com asa peças trazidas com a inicial do mandado de segurança.

Não vislumbro ilegalidade na determinação de retenção da carteira nacional de habilitação. Tal medida não restringe de modo algum a liberdade de locomoção do impetrante, que pode exercer o seu direito de ir e vir, por qualquer meio de transporte. O fato de estar impedido de dirigir veículos automotores (situação comum a qualquer pessoa que não possui CNH) não o impede de se locomover através desses meios de transporte.

Por outro lado, há evidente ilegalidade na decisão que determinou a retenção do passaporte do impetrante, justamente por restringir seu direito de ir e vir. Neste sentido, cito o seguinte precedente desta Seção Especializada (decisão proferida no HC nº 0002567-71.2016.5.09.0000, publicada em 11/04/2017, da lavra da Exma. Desembargadora Eneida Cornel):

"Conforme já fundamentado por ocasião da análise do pedido liminar, não se ignora que o ato ora atacado não viola os termos da Súmula Vinculante n. 25 do STF, porque não determinada a prisão civil do ora paciente e nem reconhecida a sua eventual condição de depositário infiel Todavia, ensejou a limitação do seu direito de ir e vir (sócio incluído no polo passivo da execução trabalhista que se processa na RTOrd n. 18707-2002-002-09-00-6), encontrando-se fundamentado exclusivamente no motivo de o mesmo ser devedor nos autos da ação trabalhista.

Entretanto, não há na legislação trabalhista, tampouco nos diplomas legais aplicáveis ao processo do trabalho de forma subsidiária, previsão de limitação ao direito do devedor de sair do país apenas por ostentar tal condição, restando configurado o constrangimento ilegal. Nem mesmo a aplicação dos princípios que regem a execução trabalhista e a natureza privilegiada do crédito, a meu ver, autorizam a restrição ao direito de liberdade da forma como posta. Conforme já assinalei anteriormente, o disposto no art. 320 do Código de Processo Penal, que trata de tal forma restrição de liberdade, diz respeito à medida cautelar diversa da prisão, ou seja, visando à aplicação da lei penal. Incide pela prática de crime, o que não é o caso do paciente. (Art. 320. A proibição de ausentar-se do País será comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional, intimando-se o indiciado ou acusado para entregar o passaporte, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas.)

Segue-se daí que, ausente previsão legal para a inclusão do nome do paciente no rol dos estrangeiros impedidos de sair do país por dívida trabalhista, o ato configura constrangimento ilegal e limita sua liberdade de ir e vir, violando o disposto no art. 5º, inciso XV, da Constituição Federal, segundo o qual:

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...) XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens; (..)".

Assim, houve violação ao artigo 5º, XV, da CF na decisão atacada ao determinar à Polícia Federal o recolhimento do passaporte do executado, proibindo sua emissão ou renovação.

Comprovada a ilegalidade parcial na decisão da autoridade apontada como coatora e sendo evidente que pode resultar do ato impugnado a ineficácia da segurança caso seja deferida apenas ao final, a pretensão do impetrante merece prosperar quanto ao ponto.

Diante do exposto, defiro parcialmente a liminar para suspender a ordem de expedição de ofício à Receita Federal para o recolhimento do passaporte do impetrante. (grifos no original)

O impetrante interpôs agravo regimental, que foi provido, in verbis:

Na petição inicial do mandado de segurança, o agravante postulou a concessão de liminar para cancelar a ordem de suspensão da sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e do seu passaporte. Informou que tal ordem judicial decorreu da tentativa frustrada de conciliação na execução que se processa nos autos de RTOrd nº 06290-2003-014-09-00-0 movida por Kelly Cristiane Schafrun, o que a seu ver fere direito líquido e certo quanto à liberdade de locomoção. Destacou que necessita de sua CNH para manutenção de seu atual emprego, no qual realiza visitas em obras em outras cidades do Paraná, emprego este que lhe garante o recebimento de salário, imprescindível para sua sobrevivência. Requereu a suspensão dos ofícios enviados ao Detran-Pr e à Polícia Federal para suspensão da CHN e recolhimento do passaporte, respectivamente.

Em 21-8-2017, foi deferida parcialmente a liminar postulada, nos seguintes termos:

(...)

Em suas razões de agravo regimental o impetrante reforçou não ser o único devedor da ação originária e que está sendo excessivamente penalizado; a medida imposta pelo juízo de primeiro grau lhe acarretará em prejuízos maiores, pois sem a CNH poderá ficar desempregado e sem condições de honrar com verbas de sua subsistência. Apontou decisão da Seção Especializada em agravo de petição no sentido de reconhecer a suspensão da CNH como forma de ofensa à liberdade de locomoção.

A litisconsorte, credora no processo sob execução, em sua manifestação de fls. 50-54 informou que desde 2006 busca sem sucesso a efetivação dos direitos reconhecidos em sentença transitada em julgado e que jamais houve nomeação de bens a penhora pelo executado, sendo necessária a adoção de medidas drásticas para garantir o cumprimento das decisões. Alegou que não há violação do direito de locomoção pois o agravante pode se deslocar por meio de transporte público e eventual discussão sobre a necessidade de uso da CNH para seu sustento dependeria de produção de prova, não permitida em mandado de segurança.

Entendo que a liberdade de locomoção somente sofre violação com o efetivo impedimento de deslocamento do cidadão em território nacional ou estrangeiro. A retenção da Carteira Nacional de Habilitação não restringe a mobilidade do devedor e não se mostra excessiva ou ilegal, por tratar de medida de coerção aplicada excepcionalmente, a exemplo da hipótese ora analisada em que a execução se processa há mais de 10 anos sem êxito nas tratativas de conciliação ou de constrição de bens para quitação do débito trabalhista.

Não há, portanto, violação a direito líquido e certo do devedor, pois ainda que a medida lhe cause infortúnios, não lhe impede de fazer uso de outros meios de locomoção, a exemplo do transporte coletivo, no qual não se exige habilitação para conduzir veículo.

Aponto precedente desta Seção Especializada em que houve reconhecimento da possibilidade de adoção de medidas excepcionais se demonstrada intenção de ocultação patrimonial ou de ignorar a execução, sem indicação de bens a penhora, deixando o exequente sem possibilidade de satisfazer seu crédito. Cito a decisão proferida pela Exma. Desembargadora Thereza Cristina Gosdal, nos autos de TRT-PR-AP 02621-1997-022-09-00-8, publicado em 31.3.2017:

"[...] Não se ignora que a medida pretendida, assim como outras semelhantes, como o bloqueio de CNH ou a restrição de passaporte, tem sido ocasionalmente adotadas nas mais variadas esferas judiciais a partir da vigência do novo Código de Processo Civil, mas ainda sem um respaldo jurisprudencial sólido a confirmar a possibilidade de seu uso.

Neste contexto, entendo que a medida em questão somente se justifica de forma excepcional, quando evidenciado nos autos que, apesar da dívida trabalhista, os executados ostentam alto padrão de vida, incompatível com este débito, ignorando de forma nitidamente voluntária a execução em curso e apresentando índicos de ocultação patrimonial.

Isto porque é certa a impenhorabilidade do salário (além de alguns outros bens), razão pela qual a pessoa na condição de devedor não se encontra completamente excluída da possibilidade de realizar as pequenas transações comerciais relativas a sua subsistência, utilizando-se justamente destes valores que lhe são licitamente preservados. Assim, considerando que o cartão de crédito não é uma aplicação financeira, mas tão somente um meio de pagamento, não se justifica seu bloqueio de forma automática e irrestrita em qualquer situação.

No presente caso não há nos autos qualquer indicativo de que os executados apresentam padrão de vida luxuoso, incompatível com a existência da dívida trabalhista, razão pela qual penso não ser cabível a medida pretendida." (destaques acrescentados).

Nesse contexto, não há ilegalidade na decisão que determina a suspensão da CNH e sua renovação enquanto o executado não indicar bens passíveis de penhora, ou ainda enquanto não demonstrado "documentalmente e com a devida justificativa, de que são imprescindíveis e necessários ao caso específico", como ressaltou a julgadora da execução. Há, na decisão atacada, clara ponderação de forma a permitir que a parte devedora se interesse pela quitação da dívida sob sua responsabilidade, seja mediante proposta viável de conciliação, seja pela indicação de bens em penhora.

No entanto, prevaleceu o entendimento da maioria dos integrantes da Seção Especializada, no sentido de deferir a liminar também com relação à retenção da CNH, por caracterizar restrição à liberdade de locomoção do executado no contexto atual, com viés de punição que extrapola os limites da responsabilidade patrimonial.

Nesse sentido o julgado nos autos de AP 30870-2010-041-09-00-0, publicado no DJ-PR em 28.04.2017 da relatoria da Exmo. Desembargador Ricardo Tadeu Marques da Fonseca e AP 19147-2011-004-09-0-0, publicado no DJ-PR em 27.10.2017, da relatoria do Emo. Desembargador Adilson Luiz Funez.

Diante do exposto, dou provimento ao agravo regimental para deferir liminar também com relação à retenção da CNH, na forma da fundamentação. (grifos no original)

O Tribunal Regional concedeu a segurança pleiteada, sob os seguintes fundamentos:

SUSPENSÃO E RECOLHIMENTO DA CNH E DO PASSAPORTE

O impetrante apresentou a presente medida visando afastar a determinação de suspensão e recolhimento da sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e de recolhimento do seu passaporte, proferida pelo do juízo da 14ª Vara do Trabalho de Curitiba, na execução de crédito trabalhista nos autos originários (RTOrd nº 06290-2003-014-09-00-0).

Alegou que a execução importa R$ 405.129,29, que foi designada audiência de conciliação, na qual sua proposta de R$ 15.000,00 foi rejeitada, sobrevindo a ordem de suspensão e recolhimento da Carteira Nacional de Habilitação do Impetrante, com proibição de sua concessão ou renovação pelo prazo de um ano, bem como expedição de ofício à Polícia Federal para recolhimento do passaporte do executado, com proibição de renovação.

Argumentou que tal conduta fere direito líquido e certo quanto à liberdade de locomoção, direito fundamental assegurado no art. 5º, XV da Constituição Federal, sendo certo que existem outros meio menos gravosos pelos quais a exequente poderia buscar seus créditos. Houve extrapolação dos limites da coerção patrimonial, ferindo liberdades individuais conquistadas, notadamente em razão da execução também se processar em face de outros seis sócios, igualmente responsáveis pela execução trabalhista.

Sustentou necessitar de sua CNH para manutenção de seu atual emprego, no qual realiza visitas em obras em outras cidades do Paraná, emprego este que lhe garante o recebimento de salário, imprescindível para sua sobrevivência e requereu a suspensão da ordem judicial.

O mandado de segurança foi impetrado em face da decisão a seguir transcrita:

(...)

A liminar requerida em MS foi parcialmente deferida, sob os seguintes fundamentos:

(...)

Foi interposto agravo regimental pelo impetrante contra a referida decisão monocrática, para ampliar os efeitos da liminar concedida de modo a alcançar também o cancelamento da ordem de suspensão da CNH, acolhido pela Seção Especializada nos seguintes termos:

(...)

Em vista da decisão proferida pelo Órgão Colegiado, no sentido de afastar a ordem de suspensão da CNH do impetrante, cujos fundamentos e razões de decidir integram a presente decisão, amplio os efeitos da decisão liminar para cassar a determinação de suspensão e recolhimento da CNH do impetrante e concedo integralmente a segurança postulada.

Assim sendo, em sessão extraordinária realizada nesta data, sob a presidência do excelentíssimo Desembargador Arion Mazurkevic, presente a excelentíssima Procuradora Regional Renée Araujo Machado, representante do Ministério Público do Trabalho; computados os votos dos excelentíssimos Desembargadores Luiz Eduardo Gunther, Célio Horst Waldraff, Eneida Cornel, Arion Mazurkevic, Benedito Xavier da Silva, Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, Thereza Cristina Gosdal, Aramis de Souza Silveira, Ney Fernando Olivé Malhadas e Adilson Luiz Funez; ausentes, em férias, os excelentíssimos Desembargadores Rosalie Michaele Bacila Batista, Marco Antonio Vianna Mansur e Cássio Colombo Filho;

Pelo que,

ACORDAM os Desembargadores da Seção Especializada do Tribunal

Regional do Trabalho da 9ª Região, por unanimidade de votos, ADMITIR O MANDADO DE SEGURANÇA. No mérito, por maioria de votos, parcialmente vencido o excelentíssimo Desembargador Ney Fernando Olivé Malhadas (relator), CONCEDER A SEGURANÇA, em caráter definitivo, para cassar a ordem de suspensão e recolhimento da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e de recolhimento do passaporte do executado, na forma da fundamentação.

Sem custas. (grifos no original)

Contra essa decisão a litisconsorte passiva, Kelly Cristiane Schafrun, interpõe recurso ordinário. Alega que não há ilegalidade na suspensão da CNH e do passaporte do impetrante. Aduz que "Ao longo da execução, ficou nítida a intenção do executado Rivadavia Gavião Marques Pinheiro de não cumprir a obrigação pecuniária pela qual é responsável", sendo que "Desde 2006, a exequente busca sem sucesso a efetivação dos direitos reconhecidos judicialmente por sentença transitada em julgado, o que resultou sempre em tentativas infrutíferas". Assere que diante do abuso de direito do impetrante "é necessário que o Juízo adote medidas drásticas para garantir o cumprimento de suas decisões". Afirma que há autorização legal para que o juízo adote as medidas necessárias para garantir que a execução seja satisfeita e foi esse o procedimento adotado pela autoridade coatora, tendo em vista o inadimplemento dos créditos trabalhista. Argumenta que é "possível ao Juízo apreender a CNH do executado, com o intuito de estimular a satisfação dos créditos devidos, sem que isso caracterize violação do direito de ir e vir ou qualquer violação legal". Pugna pela reforma do acórdão recorrido. Indica ofensa aos arts. 5º, XXXV, da Constituição Federal e 139, IV, do CPC de 2015, além de contrariedade ao Entendimento n º 48 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - Enfam.

O mandado de segurança visa proteger direito líquido e certo, não amparado por qualquer outra medida judicial, contra ato abusivo praticado ou ameaçado de ser violado por qualquer das autoridades mencionadas no art. 1º da Lei 12.016/2009.

Direito líquido e certo é aquele "comprovado de plano", aquele que "se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração" (Hely Lopes Meirelles, Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes. Mandado de Segurança e Ações Constitucionais. 35ª ed., atual. e ampl. Malheiros Editores, 2013, p. 37).

Como visto, Rivadávia Gavião Marques Gomes Pinheiro impetrou mandado de segurança, contra decisão que determinou a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação - CNH e do passaporte.

O art. 139, IV, do CPC de 2015, de aplicação subsidiária ao Processo do Trabalho, nos termos da Instrução Normativa 39/2016 do TST, dispõe:

O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

(...)

IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;

Mauro Schiavi posiciona-se da seguinte forma acerca do supracitado dispositivo constitucional:

O referido dispositivo, que consagra o que a doutrina denominou de princípio da atipicidade dos meios executivos, se encaixa perfeitamente ao processo trabalhista (arts. 15 do CPC, 769 e 889, da CLT), propiciando ao Juiz condutor da execução trabalhista maleabilidade do procedimento, e tomar posturas processuais que não estão catalogadas na lei, mas necessárias à materialização do direito. O art. 139, IV, do CPC ainda será explorado pela doutrina e jurisprudência. No entanto, deve ser aplicado com justiça, equilíbrio e razoabilidade pelo Juiz no caso concreto. Já há decisões em primeiro grau, por exemplo, deferindo pedidos de retenção de CNH ou passaporte, para forçar o devedor contumaz a cumprir a decisão. Os juízes devem ter muita sensibilidade ao aplicar o princípio da atipicidade dos meios executivos, principalmente, as medidas de restrição de direito, devendo considerar de um lado, o direito fundamental à tutela executiva, considerando-se a utilidade e efetividades da medida, bem como os direitos fundamentais do devedor. O art. 139, IV, do CPC, deve ser aplicado em conjunto com o art. 8º, do CPC, que assim dispõe:

"Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência".

 Ao aplicar o princípio da atipicidade dos meios executivos deve o magistrado sopesar:

a) a efetividade da medida escolhida;

b) o comportamento das partes durante a fase executiva;

c) a dificuldade de se materializar a execução;

d) os direitos fundamentais do devedor;

e) os princípios da dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência". (in Manual de Direito Processual do Trabalho, 14ª Ed., LTr Editora, pp. 1.132/1.133 – grifos nossos)

O STJ já se pronunciou acerca da possibilidade de adoção de medidas executivas atípicas, mas desde que observadas balizas ou meios de controle efetivos, consoante se pode aferir do seguinte precedente:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL E REPARAÇÃO POR DANO MATERIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. QUANTIA CERTA. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. ART. 139, IV, DO CPC/15. CABIMENTO. DELINEAMENTO DE DIRETRIZES A SEREM OBSERVADAS PARA SUA APLICAÇÃO. 1. Ação distribuída em 10/6/2011. Recurso especial interposto em 25/5/2018. Autos conclusos à Relatora em 3/12/2018. 2. O propósito recursal é definir se, na fase de cumprimento de sentença, a suspensão da carteira nacional de habilitação e a retenção do passaporte do devedor de obrigação de pagar quantia são medidas viáveis de serem adotadas pelo juiz condutor do processo. 3. O Código de Processo Civil de 2015, a fim de garantir maior celeridade e efetividade ao processo, positivou regra segundo a qual incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária (art. 139, IV). 4. A interpretação sistemática do ordenamento jurídico revela, todavia, que tal previsão legal não autoriza a adoção indiscriminada de qualquer medida executiva, independentemente de balizas ou meios de controle efetivos. 5. De acordo com o entendimento do STJ, as modernas regras de processo, ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável. Precedente específico. 6. A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade. 7. Situação concreta em que o Tribunal a quo indeferiu o pedido do exequente de adoção de medidas executivas atípicas sob o singelo fundamento de que a responsabilidade do devedor por suas dívidas diz respeito apenas ao aspecto patrimonial, e não pessoal. 8. Como essa circunstância não se coaduna com o entendimento propugnado neste julgamento, é de rigor - à vista da impossibilidade de esta Corte revolver o conteúdo fático-probatório dos autos – o retorno dos autos para que se proceda a novo exame da questão. 9. De se consignar, por derradeiro, que o STJ tem reconhecido que tanto a medida de suspensão da Carteira Nacional de Habilitação quanto a de apreensão do passaporte do devedor recalcitrante não estão, em abstrato e de modo geral, obstadas de serem adotadas pelo juiz condutor do processo executivo, devendo, contudo, observar-se o preenchimento dos pressupostos ora assentados. Precedentes. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (REsp 1782418 / RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, STJ, 3ª Turma, DJe 26/4/2019 – grifos nossos)

Embora a execução seja feita no interesse da parte exequente, a medida pleiteada nos autos da reclamação trabalhista nº 629000-75.2003.5.09.0014 exige cautela na aplicação, porque implica em restrição ao direito fundamental de ir e vir do executado.

Observa-se que, no caso concreto, a medida é desproporcional e sem afinidade com a obrigação do pagamento de créditos trabalhistas, pois não há garantia de que a restrição dos direitos, determinada pela autoridade coatora, com a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação - CNH e do passaporte do executado viabilizará de forma eficiente a probabilidade de adimplemento do débito trabalhista.

Portanto, não se percebe a aventada relação de causa e efeito entre a aplicação da medida coercitiva pleiteada pela reclamante e credora das verbas trabalhistas e o pagamento da dívida.

Nesse cenário, correta a decisão da Corte de origem que concedeu a segurança para cassar a ordem de suspensão e recolhimento da Carteira Nacional de Habilitação - CNH e de recolhimento do passaporte do executado.

Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso ordinário.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso ordinário e, no mérito, por maioria, vencidos os Exmos. Ministros Douglas Alencar Rodrigues, Luiz José Dezena da Silva e Renato de Lacerda Paiva, negar-lhe provimento.

Brasília, 23 de fevereiro de 2021.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

DELAÍDE MIRANDA ARANTES

Ministra Relatora

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