TST - INFORMATIVOS 2021 240 - de 21 a 30 de junho

Data da publicação:

Acordão - TST

Ives Gandra Martins Filho - TST



EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE - HIPÓTESES DE CABIMENTO – INTERPRETAÇÃO AMPLIATIVA DO ART. 803 DO CPC – TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL DE DUVIDOSA LEGALIDADE E NÃO SUBMETIDO AO CONTRADITÓRIO POR VÍCIO DE INTIMAÇÃO – PROVIMENTO.



I) AGRAVO DE INSTRUMENTO – TRANSCENDÊNCIA ECONÔMICA DA CAUSA – MITIGAÇÃO EXCEPCIONAL DOS PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS DO RECURSO DE REVISTA – VIOLAÇÃO DO ART. 5º, LIV E LV, DA CF – AFASTAMENTO DO ÓBICE DA SÚMULA 214 DO TST – PROVIMENTO.

1. Caracteriza a transcendência econômica da causa seu elevado valor ou da condenação (CLT, art. 896-A, I), como no caso, em que o título executivo extrajudicial, consubstanciado em multa imposta pela fiscalização do trabalho, monta a R$ R$ 1.204.955,12.

2. Reconhecida a transcendência da causa, é possível mitigar os pressupostos intrínsecos do recurso de revista, na esteira da jurisprudência do STF, que o faz privilegiando a aplicação das teses firmadas em precedentes vinculantes de repercussão geral. No caso, a excepcionalidade do procedimento se justifica diante da teratologia da hipótese dos autos, de multa astronômica calcada em auto de infração de duvidosa legalidade e não submetido ao contraditório. E o regime da transcendência existe justamente para permitir que o TST selecione os casos mais relevantes que julgará, para fixar teses jurídicas (transcendência jurídica), exercer controle sobre as decisões dos TRTs quanto ao respeito à sua jurisprudência sumulada ou pacificada (transcendência política), ou lidar com casos de especial relevância social ou impacto econômico (transcendências social e econômica).

3. Assim, afastado excepcionalmente o óbice erigido pelo despacho agravado - Súmula 214 do TST, quanto à irrecorribilidade de decisão interlocutória, verbete que, aliás, contempla exceções –, dada a manifesta violação do art. 5º, LIV e LV, da CF, por desrespeito às garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, é de se admitir o processamento do recurso de revista empresarial. Agravo de instrumento provido.  (TST-RR-478-48.2017.5.10.0021, 4ª Turma, rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, julgado em 01/07/2021).

II. RECURSO DE REVISTA – EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE - HIPÓTESES DE CABIMENTO – INTERPRETAÇÃO AMPLIATIVA DO ART. 803 DO CPC – TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL DE DUVIDOSA LEGALIDADE E NÃO SUBMETIDO AO CONTRADITÓRIO POR VÍCIO DE INTIMAÇÃO – PROVIMENTO.

1. A exceção de pré-executividade contemplada no art. 803 do CPC é admitida nos casos de inexigibilidade, incerteza ou não liquidez de título executivo extrajudicial, bem como por vício de citação no processo de execução, ou sua deflagração antes da ocorrência de termo ou condição. A característica especial e vantagem para o executado que o referido incidente ostenta é o fato de que pode ser arguido independentemente de garantia do juízo.

2. In casu, o estratosférico valor da duvidosa multa explica a via eleita pela Empresa Recorrente, de modo a não ser onerada com penhora de bens ou bloqueio de contas para garantir o juízo da execução.

3. Se o instituto da exceção de pré-executividade teve sua origem, sob a égide do CPC de 1973, em construção jurisprudencial sem base legal específica, poderá ter suas hipóteses de cabimento elencadas no CPC de 2015 interpretadas de forma mais ampla, de modo a albergar situações em que a execução com exigência de garantia do juízo trouxer excepcional gravame ao executado e o título executivo extrajudicial for de duvidosa legalidade ou calcado em procedimento administrativo viciado.

4. No caso dos autos, quer pelo elevado valor originário da multa, de R$ 1.204.955,12 (sem contar juros e correção monetária desde sua constituição em 2017), quer pela duvidosa legalidade do auto de infração (exigência de carteira assinada para 1.798 prestadores eventuais de serviços durante 5 ou menos jogos da Copa do Mundo de 2014 no Estádio Mané Garrincha em Brasília, em dias espaçados), quer ainda pelo vício de intimação quanto à autuação da fiscalização do trabalho (intimação editalícia, praticamente ficta, após devolução do registro postal sem cumprimento do aviso de recebimento pelos Correios), é de se acolher a exceção de pré-executividade oferecida pela Empresa Recorrente.

5. Não sendo hipótese de extinção da execução, por não terem sido esgrimidas causas extintivas (prescrição da ação ou decadência do direito), mas vícios que contaminam a execução do título extrajudicial, tornando-o duvidoso, é de se decretar a nulidade da execução, para que seja oferecida à Empresa Recorrente a oportunidade de apresentar sua defesa no processo administrativo que culminou com a imposição da multa e sua inscrição na dívida ativa da União. Recurso de revista provido. (TST-RR-478-48.2017.5.10.0021, 4ª Turma, rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, julgado em 01/07/2021).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-478-48.2017.5.10.0021, em que é Recorrente C.S.M. PROJETOS ORGANIZAÇÃO DE EVENTOS SPE LTDA. e Recorrido UNIÃO (PGFN).

R E L A T Ó R I O

Contra o despacho da Presidência do TRT da 10ª Região, que denegou seguimento ao seu recurso de revista com lastro na Súmula 214 do TST, em face da decisão regional ter caráter interlocutório (pág. 302-303), a Empresa interpõe o presente agravo de instrumento, sustentando nulidade de intimação, incompetência da SRT para impor a multa e inexistência de vínculo empregatício com os Reclamantes (págs. 309-351).

Oferecidas contrarrazões pela União (págs. 354-359), foi dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público, nos termos do art. 95, § 2º, II, do RITST.

É o relatório.

V O T O

I) AGRAVO DE INSTRUMENTO

Tratando-se de agravo de instrumento interposto contra despacho denegatório de recurso de revista referente a acórdão regional publicado após a entrada em vigor da Lei 13.467/17, tem-se que o apelo ao TST deve ser analisado à luz do critério da transcendência previsto no art. 896-A da CLT.

In casu, resta demonstrada a transcendência econômica da causa (CLT, art. 896-A, § 1º, I), uma vez que o valor da execução de dívida ativa da União contra a Empresa monta a R$ 1.204.955,12 (pág. 6).

Em seu recurso de revista (págs. 260-301), a Empresa Agravante suscita as seguintes questões de caráter constitucional, observado o fato de se tratar de apelo em processo de execução:

1) nulidade do processo administrativo que deu origem à multa administrativa a ela aplicada, uma vez que notificada pela via postal com devolução sem cumprimento do aviso de recebimento pelos Correios (violação do art. 5º, LIV e LV, da CF);

2) adequação da exceção de pré-executividade, uma vez que, tendo endereço certo, foi ilegalmente intimada por edital, e o incidente processual é cabível para se discutir a validade de citação (violação do art. 5º, LV, da CF);

3) usurpação de competência da fiscalização do trabalho quanto à interpretação do ordenamento jurídico trabalhista para efeito de reconhecimento de vínculo empregatício (violação do art. 5º, XXXV, da CF);

4) incompetência da Superintendência Regional do Trabalho para lavrar auto de infração reconhecendo a relação de emprego de 1.798 pessoas que prestaram serviços eventuais em 5 jogos da Copa do Mundo de 2014 no Estádio Mané Garrincha, e nem todas em todos os dias (violação dos arts. 5º, LIII, e 114 da CF).

O acórdão regional recorrido não conheceu do agravo de petição da Empresa, ao fundamento de que decisão que não acolhe exceção de pré-executividade não comporta recurso, por ser interlocutória (págs. 246-249). De qualquer forma, transcreveu em seu bojo a decisão do juízo de 1º grau, que assim decidiu a exceção:

Cuida-se de Exceção de Pré-Executividade interposta pela excipiente C.S.M. PROJETOS ORGANIZACAO DE EVENTOS SPE LTDA, na qual aduz, em síntese, que a CDA é nula pois não foi intimada do indeferimento de seu recurso administrativo; que houve usurpação da competência do Judiciário para o reconhecimento de vínculo empregatício; que não consta a motivação do ato administrativo e inexistente vínculo de emprego com seus prestadores de serviço, dentre outras matérias. Juntou aos autos procuração, documentos constitutivos e documentos relacionados à autuação e ao processo administrativo sob enfoque.

A Excepta defendeu a manutenção da autuação e correspondente CDA.

Feito esse breve relato, decido.

Deve-se considerar, inicialmente, que a exceção de pré-executividade tem campo deveras restrito, pois somente as matérias de ordem pública, basicamente aquelas concernentes aos pressupostos processuais e às condições da ação, são passíveis de arguição, podendo ainda serem alegadas a decadência e a prescrição, que dizem respeito ao mérito.

A CDA goza de presunção de liquidez e certeza, na forma dos arts. 202 e 203 do CTN e 2º, 885º e 6º da Lei n. 6.830/1980, desde que contenha todas as exigências legais, como a indicação da natureza do débito e sua fundamentação legal, bem como forma de cálculo de juros e de correção monetária e a lisura da autuação e do respectivo processo administrativo. O questionamentos desses elementos, contudo, deve se dar pela via adequada, qual seja pela interposição de embargos à execução.

Ressalto, outrossim, que o STJ pacificou o entendimento de que "a exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória" (Súmula 393/ST]).

Ante o exposto, julgo improcedente a Exceção de Pré-Executividade de id. 30d4923 (pág. 247 – grifos nossos).

A exceção de pré-executividade é tratada no art. 803 do CPC, que assim dispõe:

Art. 803. É nula a execução se:

I - o título executivo extrajudicial não corresponder a obrigação certa, líquida e exigível;

II - o executado não for regularmente citado;

III - for instaurada antes de se verificar a condição ou de ocorrer o termo.

Parágrafo único. A nulidade de que cuida este artigo será pronunciada pelo juiz, de ofício ou a requerimento da parte, independentemente de embargos à execução (grifos nossos).

In casu, em que pese a Empresa Executada tenha arguido nulidade do processo administrativo por vício de intimação e de usurpação de competência do órgão fiscalizador para lavrar o auto de infração e inscrever a multa na dívida ativa da União, como reconheceu o juízo de piso, este considerou que a exceção de pré-executividade somente poderia ser acolhida em relação a matérias de ordem pública e que não dependessem de dilação probatória.

Ora, nos termos da lei processual civil, aplicada subsidiariamente ao processo do trabalho, vício de citação e execução de título cuja condição não se cumpriu são hipóteses expressas de acolhimento da exceção de pré-executividade.

Nesse sentido, a intimação da Empresa para pagamento da multa do auto de infração se deu por edital, em face da devolução da notificação postal sem cumprimento do aviso de recebimento pelos Correios, quando teria endereço certo.

Diante desse simples fato, por se saber da ineficácia prática da citação editalícia, deveria ter o juízo de piso analisado com maior profundidade a exceção de pré-executividade. Mormente diante de outro fato incontroverso, pois que deu origem à multa imposta pela fiscalização do trabalho: contratação de 1.798 prestadores de serviços, para atuarem em alguns dos 5 dias de jogos da Copa do Mundo de 2014 no Estádio Mané Garrincha em Brasília.

Ora, chama notavelmente a atenção como a fiscalização do trabalho impôs multa por ausência de assinatura de CTPS de quase 2.000 prestadores eventuais de serviço, por no máximo 5 atuações em apoio a jogos de futebol de evento mundial raríssimo de ocorrer no Brasil e em dias espaçados (15/6, 19/6, 26/6, 30/6 e 5/7/14), ou seja, trabalho eventualíssimo.

Não tem sido incomum, especialmente em matéria de terceirização de serviços, encontrar autos de infração adentrando em atividade tipicamente jurisdicional, interpretando o ordenamento jurídico para concluir que determinada atividade seria finalística da empresa tomadora dos serviços, para, a seguir, determinar a contratação direta e impor multas por não assinatura das carteiras de trabalho, em notório desbordamento da competência funcional da fiscalização do trabalho. Já nos deparamos não poucas vezes com situações como a dos autos, podendo ser trazido como exemplo o seguinte precedente de nossa lavra:

AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO CONTRA EMPRESA COMERCIANTE DE MÓVEIS E ELETRODOMÉSTICOS – ATUAÇÃO DO AUDITOR FISCAL – RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DE EMPREGO – ANOTAÇÃO DA CTPS – TERCEIRIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE MONTAGEM DE MÓVEIS.

1. Nos poderes do fiscal do trabalho se encontra o de impor multa por descumprimento da legislação laboral.

2. A conclusão a respeito da infração às normas trabalhistas não é infensa a uma eventual análise mais complexa da situação encontrada e de sua adequação à legislação vigente, como no caso de verificação da legalidade da terceirização adotada pela empresa fiscalizada.

3. In casu, o fiscal do trabalho autuou a Autora, com imposição de multa, por ausência de anotação na CTPS do vínculo empregatício de 143 montadores de móveis.

4. A Autora é empresa vendedora de móveis. O conteúdo ocupacional da atividade de seus empregados é de caráter burocrático e relacional. Já o conteúdo ocupacional da atividade de montador é de caráter técnico e braçal, mais ligado à indústria do que ao comércio.

5. Assim, não se pode, no caso, ter por ilegal a terceirização, uma vez que levada a cabo para atividade-meio da Autora, o que conduz à conclusão de que o auto de infração merecia a desconstituição promovida pelo TRT, ainda que por fundamento diverso.

Recurso de revista não conhecido (TST-RR-1929-90.2010.5.18.0002, 7ª Turma, Rel. Min. Ives Gandra, DEJT 19/12/12).

Por outro lado, diante de hipóteses teratológicas, temos admitido excepcionalmente a mitigação dos pressupostos estritos de admissibilidade de recursos, como forma única de exercer o controle de legalidade das decisões judiciais proferidas pelos TRTs, mormente quanto a matérias já pacificadas pelo TST ou STF, como é o caso do conhecimento de recurso de revista em execução de sentença ou rito sumaríssimo (em que se exige violação literal e direta da Constituição para sua admissão) por violação do art. 5º, II, da CF, notoriamente de vulneração indireta. Nesse sentido, podemos referir o seguinte precedente também de nossa lavra:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – RITO SUMARÍSSIMO - VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA LEGALIDADE - HIPÓTESE DE ADMISSÃO EXCEPCIONAL DO RECURSO DE REVISTA. Tratando-se de processo submetido ao rito sumaríssimo e diante da constatação excepcional de violação do princípio da legalidade (CF, art. 5º, II), tendo em vista que, no que tange à responsabilidade subsidiária de entidades da Administração Pública, há disposição legal expressa estabelecendo que a inadimplência do contratado não transfere à Administração Pública a responsabilidade pelo pagamento dos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais (art. 71 da Lei 8.666/93), que é norma cogente de ordem pública e não foi observada pela decisão regional, é de se acolher o agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista (TST-RR-230100-39.2009.5.02.0201, 7ª Turma, Rel. Min.  Ives Gandra, DEJT de 16/03/12).  

Sob o regime da transcendência, a possibilidade de mitigação de pressupostos intrínsecos de admissibilidade do recurso de revista passou a ser ainda mais comum, exatamente pelo novo perfil do recurso de revista, em que o Tribunal seleciona os casos mais relevantes que julgará, para fixar teses jurídicas (transcendência jurídica), exercer o controle das decisões dos TRTs quanto ao respeito à sua jurisprudência sumulada ou pacificada (transcendência política), ou lidar com casos de especial relevância social ou impacto econômico (transcendências social e econômica).

Nesse mesmo sentido tem se manifestado nossa Suprema Corte em relação à aplicação das teses fixadas em precedentes vinculantes de repercussão geral, exigindo que esta Corte mitigue os pressupostos de admissibilidade do recurso de revista, de modo a priorizar a tese de repercussão geral já definida pelo STF. E esta Turma tem seguido na esteira do Pretório Excelso, conforme se verifica no seguinte precedente:

AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS - MITIGAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DO RECURSO EM FACE DA PREVALÊNCIA DA TESE DE REPERCUSSÃO GERAL FIRMADA PELO STF - ÔNUS DA PROVA DA CULPA QUANTO À FISCALIZAÇÃO - JURISPRUDÊNCIA VINCULANTE DO STF - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE DESACERTO DO DESPACHO AGRAVADO - DESPROVIMENTO.

1. O Supremo Tribunal Federal, ao aplicar a sistemática da repercussão geral aos recursos extraordinários que aprecia, tem entendido que, uma vez fixada a tese de caráter vinculante, sua aplicação aos casos concretos se faz priorizando o tema de fundo e relevando eventual desatendimento a pressupostos do recurso próprio da instância a quo . Nesse sentido, em inúmeras reclamações constitucionais, o STF tem superado diversos óbices processuais, apontados pelo TST para denegar seguimento a agravos de instrumento em recurso de revista, quando verifica que a questão de fundo tratada na origem se refere a tema de repercussão geral já pacificado, como é o caso do Tema 246, relativo à responsabilidade subsidiária da administração pública (cfr. Rcl 37.809 MC-SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 19/11/19; Rcl 37.465 MC-MA, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 11/11/19; Rcl 37.536-RJ, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 24/10/19, inter alia ).

2. In casu, independentemente da eventual existência dos óbices alegados pelo Sindicato Autor quanto ao recurso de revista e ao agravo de instrumento interpostos pelo 2º Reclamado (suposta inobservância do art. 896, § 1º-A, I, da CLT e da Súmula 422 do TST) , o fato é que a insistência do Estado Reclamado em ver aplicada ao seu caso a tese de repercussão geral é o que basta, na ótica do Pretório Excelso, para que o precedente vinculante seja prestigiado e a decisão reformada.

3. Quanto ao tema da responsabilidade subsidiária, interpretando os precedentes do STF quanto ao Tema 246 de repercussão geral, ambas a Turmas da Suprema Corte, em reclamações, têm assentado a tese do ônus da prova do reclamante quanto à ausência de fiscalização do contrato, para efeito de reconhecimento da responsabilidade subsidiária da administração pública. As ementas não poderiam ser mais claras: "3. A leitura do acórdão paradigma revela que os votos que compuseram a corrente majoritária no julgamento do RE 760.931 (Tema 246 da sistemática da repercussão geral) assentaram ser incompatível com reconhecimento da constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/1993 o entendimento de que a culpa do ente administrativo seria presumida e, consectariamente, afastaram a possibilidade de inversão do ônus probatório na hipótese" (AgRg-Rcl 40.137, 1ª Turma, Red. Min. Luiz Fux, DJe de 12/08/20, vencida a Min. Rosa Weber, relatora) e "3. Terceirização. Responsabilidade subsidiária da Administração Pública. Art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93. 4. Violação ao decidido na ADC 16 e ao teor da Súmula Vinculante 10. Configuração. Reclamação julgada procedente. (...) 6. Inversão do ônus da prova em desfavor da Administração Pública. Impossibilidade. Precedentes de ambas as Turmas" (AgRg-Rcl 40.505-SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, julgado em 17/11/20, vencidos os Min. Ricardo Lewandowski e Edson Fachin).

4. Na decisão ora agravada, deu-se provimento ao agravo de instrumento e ao recurso de revista do 2º Reclamado, Estado da Bahia, para afastar a condenação subsidiária a ele imposta. A decisão arrimou-se no entendimento vinculante do STF, que prevalece sobre decisões em sentido contrário da SBDI-1 do TST.

5. No agravo, o Sindicato Autor não trouxe nenhum argumento que infirmasse os fundamentos do despacho hostilizado, motivo pelo qual este merece ser mantido.

Agravo desprovido (TST-Ag-RR - 1220-86.2014.5.05.0031, 4ª Turma, Rel. Min. Ives Gandra, DEJT de 09/04/21).

No caso, a própria Súmula 214 do TST, erigida como óbice pelo despacho agravado, admite exceções ao seu princípio de irrecorribilidade, quando dispõe:

Súmula 214. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. IRRECORRIBILIDADE. Na Justiça do Trabalho, nos termos do art. 893, § 1º, da CLT, as decisões interlocutórias não ensejam recurso imediato, salvo nas hipóteses de decisão: a) de Tribunal Regional do Trabalho contrária à Súmula ou Orientação Jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho; b) suscetível de impugnação mediante recurso para o mesmo Tribunal; c) que acolhe exceção de incompetência territorial, com a remessa dos autos para Tribunal Regional distinto daquele a que se vincula o juízo excepcionado, consoante o disposto no art. 799, § 2º, da CLT (grifos nossos).

A hipótese de situações reconhecidamente teratológicas, em que a atuação do TST se faz necessária de imediato, também pode ser considerada como de exceção ao rigor da súmula.

Assim sendo, em face da transcendência econômica da causa e da teratologia do caso em apreço, com aplicação e execução de multa por fato não passível de ser enquadrado como ilegal e sem a devida intimação da empresa autuada, é de se afastar o óbice da Súmula 214 do TST, esgrimido pelo despacho agravado, e reconhecer a ocorrência de violação ao art. 5º, LIV e LV, da CF, em face do desrespeito patente às garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.

Nesses termos, DOU PROVIMENTO ao agravo de instrumento patronal, para determinar o processamento do recurso de revista.

II) RECURSO DE REVISTA

1) CONHECIMENTO

Tempestivo o apelo, regular a representação e efetuado o preparo, preenche os pressupostos de admissibilidade comuns a qualquer recurso.

Quanto aos seus pressupostos intrínsecos, conforme já exposto quando da análise do agravo de instrumento, a hipótese dos autos se enquadra naquelas em que há transcendência econômica da causa, nos termos do art. 896-A, § 1º, da CLT, e na qual se verifica violação do art. 5º, LIV e LV, da CF, em face do desrespeito patente às garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, razão pela qual CONHEÇO do recurso de revista.

2) MÉRITO

A exceção de pré-executividade, construção jurisprudencial sobre o CPC de 1973 e prevista, ainda que sem essa denominação, no art. 803 do CPC de 2015, é por este admitida nos casos de inexigibilidade, incerteza ou não liquidez de título executivo extrajudicial, bem como por vício de citação no processo de execução, ou sua deflagração antes da ocorrência de termo ou condição.

A característica especial e vantagem para o executado que o referido incidente ostenta é o fato de que pode ser arguido independentemente de garantia do juízo.

In casu, o estratosférico valor da descabida multa explica a via eleita pela Empresa Recorrente, de modo a não ser onerada com penhora de bens ou bloqueio de contas para garantir o juízo da execução.

Ora, se o instituto teve sua origem, sob a égide do CPC de 1973, em construção jurisprudencial sem base legal específica, poderá ter suas hipóteses de cabimento elencadas no CPC de 2015 interpretadas de forma mais ampla, de modo a albergar situações em que a execução com exigência de garantia do juízo trouxesse excepcional gravame ao executado e o título executivo extrajudicial fosse de duvidosa legalidade ou calcado em procedimento administrativo viciado, como é o caso dos autos.

Com efeito, quer pelo elevado valor originário da multa, de R$ 1.204.955,12 (sem contar juros e correção monetária desde sua constituição em 2017), quer pela duvidosa legalidade do auto de infração (exigência de carteira assinada para quase 2.000 prestadores eventuais de serviços durante 5 ou menos jogos da Copa do Mundo de 2014 no Estádio Mané Garrincha em Brasília, em dias espaçados), quer ainda pelo vício de intimação quanto à autuação da fiscalização do trabalho (intimação editalícia, praticamente ficta, após devolução do registro postal sem cumprimento do aviso de recebimento pelos Correios), é de se acolher a exceção de pré-executividade oferecida pela Empresa Recorrente.

Os possíveis desfechos da exceção, em caso de acolhimento, são a decretação de nulidade da execução ou a sua extinção. In casu, como não se está diante de causas extintivas da execução (prescrição da ação ou decadência do direito), mas de vícios que contaminam a execução do título extrajudicial, tornando-o duvidoso, é de se decretar a nulidade da execução, para que seja oferecida à Empresa Recorrente a oportunidade de apresentar sua defesa no processo administrativo que culminou com a imposição da multa e sua inscrição na dívida ativa da União.

Assim sendo, conhecido o recurso por violação constitucional, seu PROVIMENTO é mero corolário, no sentido de admitir a exceção de pré-executividade, de modo a decretar a nulidade da execução da multa baseada em auto de infração não submetido ao contraditório, para que seja facultada à Empresa Recorrente a oportunidade de oferecer sua defesa na esfera administrativa.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, à unanimidade: I – dar provimento ao agravo de instrumento, em face da transcendência econômica da causa, nos termos do art. 896-A, § 1º, I, da CLT, e da possível violação do art. 5º, LIV e LV, da CF, para determinar o processamento do recurso de revista; II – conhecer do recurso de revista, com base em violação do art. 5º, LIV e LV, da CF, para acolher a exceção de pré-executividade e decretar a nulidade da execução, de modo a oportunizar à Empresa Recorrente o oferecimento de defesa no processo administrativo que resultou no título executivo extrajudicial, com imposição de multa baseada em auto de infração não submetido ao contraditório.

Brasília, 29 de junho de 2021.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO

Ministro Relator 

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