TST - INFORMATIVOS 2012 2012 007 - 03 a 09 de maio

Data da publicação:

Subseção I Especializada em Dissídios Individuais

Ives Gandra Martins Filho - TST



04 -Estabilidade pré-aposentadoria. Previsão em norma coletiva. Despedida oito meses antes do implemento da condição. Dispensa obstativa. Configuração.



Estabilidade pré-aposentadoria. Previsão em norma coletiva. Despedida oito meses antes do implemento da condição. Dispensa obstativa. Configuração.

A dispensa do emprego oito meses antes de alcançar os vinte e quatro meses imediatamente anteriores à complementação do tempo para aposentadoria pela previdência social, conforme exigido por norma coletiva que previu a estabilidade pré-aposentadoria, configura óbice à aquisição do direito à garantia de emprego e transfere ao empregador o ônus de provar que não impediu o implemento da condição maliciosamente (art. 129 do CC), sobretudo no caso em que o trabalhador já preenchia outro requisito para o gozo da estabilidade, qual seja, contar com mais de vinte e oito anos de vínculo ininterrupto com o reclamado. Com esse entendimento, a SBDI-I, por unanimidade, conheceu dos embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, por maioria, vencidos os Ministros Ives Gandra Martins Filho, relator, Brito Pereira, Maria Cristina Peduzzi e Dora Maria da Costa, negou-lhes provimento. (TST-E-ED-RR-3779900-06.2007.5.09.0652, SBDI-I, rel. Min. Ives Gandra da Silva Martins Filho, red. p/ acórdão Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 14.03.2014).

 

RECURSO DE EMBARGOS – ESTABILIDADE PRÉ-APOSENTADORIA DE 24 (VINTE E QUATRO) MESES – AUTOLIMITAÇÃO DO JUS VARIANDI DO EMPREGADOR RELATIVO À DISPENSA IMOTIVADA DE SEUS EMPREGADOS – NORMA COLETIVA - CONDIÇÃO PURAMENTE POTESTATIVA – RESCISÃO ANTECIPADA DO CONTRATO DE TRABALHO OBSTATIVA À AQUISIÇÃO DA ESTABILIDADE – IMPLEMENTAÇÃO 8 MESES ANTES DA AQUISIÇÃO DA ESTABILIDADE - DEMONSTRAÇÃO DA MALÍCIA DE QUE TRATA O ART. 129 DO CÓDIGO CIVIL – INVERSÃO DO ONUS PROBANDI. Discute-se acerca do direito à reintegração decorrente da natureza obstativa da dispensa de empregado, realizada oito meses antes de adquirir o direito à estabilidade pré-aposentadoria de vinte e quatro meses, após ter implementado a condição suspensiva relativa à prestação de serviços ao empregador por mais de vinte e oito anos. A dispensa do empregado, em geral, insere-se dentro do jus variandi do empregador, observadas as restrições e a satisfação dos direitos legais e convencionais. No entanto, a partir do momento em que o empregador, mediante negociação coletiva, restringiu o seu direito de dispensar imotivadamente seus empregados, assegurando a estabilidade pré-aposentadoria mediante o atendimento de duas condições suspensivas, exigindo que o obreiro conte com 28 (vinte e oito) anos de serviços prestados ao banco e que o contrato em vigor tenha ingressado no período de pré-aposentadoria de 24 (vinte e quatro) meses, tinha dever legal de velar pelo implemento da condição suspensiva a que se obrigou, em respeito ao princípio da boa-fé objetiva. Assim não o fazendo, atraiu para si o ônus de provar que não agiu de forma maliciosa, prática vedada pelo art. 129 do Código Civil, e que não visava impedir que o reclamante adquirisse o direito à estabilidade. A ruptura unilateral do contrato de trabalho apenas 8 (oito) meses do período que antecedia a aquisição do direito evidencia a natureza puramente potestativa da condição estabelecida, o que reforça a necessidade de o empregador comprovar suas reais intenções, até por que a malícia dificilmente é materializada, de modo a ser demonstrada pelos meios comuns de prova, permanecendo, via de regra, nos recônditos da mente daquele que pratica o ato.

Embargos conhecidos e desprovidos.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Embargos de Declaração em Recurso de Revista n° TST-E-ED-RR-3779900-06.2007.5.09.0652, em que é Embargante HSBC BANK BRASIL S.A. - BANCO MÚLTIPLO e Embargado ROBERTO BENYK.

R E L A T Ó R I O

Adoto o relatório elaborado pelo Ministro Relator originário do feito:

"A 7ª Turma do TST, em acórdão da lavra da Juíza Convocada Maria Doralice Novaes, negou provimento ao recurso de revista do Banco Reclamado, mantendo decisão do 9º Regional que entendeu obstativa da aquisição da estabilidade pré-aposentadoria prevista em norma coletiva a dispensa promovida 8 meses antes da implementação do direito (fls. 298-301 e 310-311).

Inconformado, o Reclamado interpõe o presente recurso de embargos para a SBDI-1, postulando a reforma do julgado, calcado em arestos:

a) da 4ª Turma do TST, da lavra do Min. Horácio de Senna Pires, que, para o mesmo lapso temporal de 8 meses, entendeu não obstativa a dispensa promovida antes da aquisição da estabilidade prevista em norma coletiva para quem contasse com 28 anos de serviço;

b) da 5ª Turma do TST, da lavra do Juiz Convocado José Pedro de Camargo, entendendo legítima a dispensa quando faltavam apenas 40 dias para se alcançar a garantia de estabilidade pré-aposentadoria de 24 meses contemplada em norma coletiva (fls. 314-328).

Oferecida impugnação aos embargos (fls. 330-336), não foram os autos ao Ministério Público.

É o relatório."

V O T O

1 - CONHECIMENTO

"Tempestivos os embargos (cfr. fls. 312 e 314), regular a representação (fls. 294-296) e efetuado o depósito recursal (fl. 319), preenche os pressupostos de admissibilidade comuns a qualquer recurso".

1.1 - DISPENSA OBSTATIVA À AQUISIÇÃO DA ESTABILIDADE PRÉ-APOSENTADORIA DE 24 MESES – IMPLEMENTAÇÃO 8 MESES ANTES DA AQUISIÇÃO DA ESTABILIDADE - DEMONSTRAÇÃO DA MALÍCIA DE QUE TRATA O ART. 129 DO CC

Adoto os fundamentos do voto originário quanto ao conhecimento, aprovados à unanimidade pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais:

"Tenho por específica a divergência de teses entre a 7ª Turma e as 4ª e 5ª Turmas, na medida em que, para lapso de tempo igual ou menor a 8 meses da data da aquisição da estabilidade pré-aposentadoria ou por tempo de serviço, a decisão turmária entendeu que a dispensa seria  obstativa da aquisição da estabilidade, enquanto os arestos dissonantes sustentam a legitimidade da dispensa.

Nesses termos, CONHEÇO dos embargos."

2 - MÉRITO

A Turma de origem negou provimento ao recurso de revista do reclamado, mantendo decisão regional que entendeu obstativa da aquisição da estabilidade pré-aposentadoria de 24 (vinte e quatro) meses prevista em norma coletiva a dispensa promovida 8 meses antes da implementação do direito, consignando os seguintes fundamentos (fls. 298-301 e 310-311):

  PRESSUPOSTOS ESPECÍFICOS

                     ESTABILIDADE PRÉ-APOSENTADORIA

                     Tese Regional: A cláusula coletiva prevê estabilidade provisória pré-aposentadoria por 24 (vinte e quatro) meses imediatamente anteriores à complementação do tempo para aposentadoria proporcional ou integral pela previdência social, respeitados os critérios estabelecidos pela legislação vigente, para os empregados que tiverem o mínimo de 28 (vinte e oito) anos de vinculação empregatícia ininterrupta com o mesmo banco. Em consulta ao Ministério da Previdência Social, constatou-se que faltava, para o Autor adquirir o direito à aposentadoria integral, dois anos, oito meses e 6 dias de trabalho. Ainda que o Autor não tivesse, à época da dispensa, idade para a aposentadoria, contava com tempo de contribuição para a concessão da aposentadoria integral. Por ocasião da dispensa, o Reclamante não estava inserido no período de estabilidade de 24 meses que antecedem a aposentadoria integral. Todavia, não se pode negar que faltavam 8 meses para ingressar no período estabilitário, constituindo a dispensa ato obstativo do direito, pois, na hipótese vertente, depois de trinta e um anos e sete meses de serviço, faltava 1% do tempo (2 anos e 8 meses) para completar a idade prevista para o benefício. Por certo que detém o Empregador direito potestativo de dispensa, embora não absoluto, porém não se diga que essa faculdade relegue a incidência dos postulados constitucionais de valorização do trabalho, função social da empresa e busca do pleno emprego, inscritos nos arts. 1º, IV, 5º, XXIII, e 170, VIII, da CF. O Reclamado não atua em conformidade com a forma anunciada pela ordem econômica pautada pela valorização do trabalho (art. 170, caput), quando procede à dispensa de empregado que lá já trabalhou por mais de 30 anos, estando este prestes a ingressar no período de estabilidade conferida convencionalmente, que lhe asseguraria o direito à complementação da aposentadoria, além do pagamento de abono ao aposentado. Ocorrendo a necessidade de redução do quadro, a empresa teria que optar por empregados mais recentemente admitidos, preservando os contratos mais antigos de empregados na véspera do implemento da condição mais benéfica, não só pela existência do benefício, mas também pela maior dificuldade destes últimos de se recolocarem no mercado de trabalho (fls. 236-238).

                     Antítese Recursal: A despedida sem justa causa de empregado não estável é válida e eficaz, diante da inexistência de qualquer previsão legal em sentido contrário, além de constituir direito potestativo do empregador. A dispensa não ocorreu de forma obstativa da aquisição do direito à complementação de aposentadoria, uma vez que não se deu no período previsto em norma coletiva para a estabilidade pré-aposentadoria, mas 8 meses antes. Havia mera expectativa de direito quanto à futura aquisição da estabilidade convencional. Houve violação dos arts. 5º, II, e 7º, XXVI, da CF, 188, I, e 487 da CLT, 114, 129, 188 e 1090 do CCB, assim como divergência jurisprudencial (fls. 278-287).

                     Síntese Decisória: O Reclamado logrou êxito em demonstrar o pretendido dissenso de teses com o aresto colacionado à fl. 263, no seguinte sentido: "Incogitável a pretendida alegação de despedida obstativa à garantia normativa de estabilidade pré-aposentadoria, quando o empregado não comprova perante a empresa que preenche os requisitos da cláusula normativa que lhe confere o direito".

                     CONHEÇO, pois, do recurso de revista, por divergência jurisprudencial.

II) MÉRITO

ESTABILIDADE PRÉ-APOSENTADORIA

                     De acordo com o ordenamento jurídico positivo, a ruptura imotivada do vínculo de emprego constitui, efetivamente, direito potestativo do empregador, o que significa dizer, como se recorda, que contra o seu exercício o empregado não pode se opor, restando-lhe apenas curvar-se ante a vontade manifestada pela outra parte.

                     Entretanto, muito embora se reconheça a natureza potestativa de tal direito, não se cuida, como no caso de qualquer outra garantia que se possa extrair do direito posto, de faculdade de caráter absoluto, uma vez que a lei prevê uma série de limitações ao seu exercício, como é o caso, v.g., do aviso prévio e das denominadas -estabilidades provisórias-.

                     Nesse contexto, convém lembrar que a legislação civil, nos termos do art. 8º da CLT, pode ser invocada, quando houver lacuna na legislação trabalhista e compatibilidade com os princípios do Direito do Trabalho.

                      Ora, como se sabe, o art. 129 do Código Civil assim estabelece:

    Art. 129. Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer, considerando-se, ao contrário, não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveita o seu implemento.

                     Tal preceito, como é cediço, com o objetivo evidente de repudiar a má-fé na execução de negócios jurídicos, comina de nulidade os atos obstativos do exercício de direito a respeito do qual se estabeleça alguma condição que seja, intencionalmente, obstaculizada por aquele a quem tal condição desfavoreça.

                     Assim, também o ato jurídico consistente na dispensa de empregado deve obediência às restrições impostas por tal dispositivo legal, razão pela qual, se o rompimento do ajuste laboral se der com a finalidade de frustrar o adimplemento de condição para exercício de um direito, deve ser considerado nulo.

                     Na hipótese dos autos, consoante registrou o Tribunal -a quo-, o Reclamante foi dispensado quando lhe faltavam apenas cerca de 8 meses para ingressar no período de estabilidade pré-aposentadoria, previsto em norma coletiva. Considerando-se, ainda, o tempo de serviço prestado ao Reclamado, mais de 30 anos, segundo consignou o Regional, revela-se inexorável a conclusão de que a dispensa configurou ato obstativo da aquisição do direito à estabilidade, tal como bem concluiu a decisão regional.

                     Nesse mesmo sentido, segue a jurisprudência predominante desta Corte, a qual, em situações análogas à descrita no presente feito, reconheceu a caracterização da dispensa obstativa, consoante ilustram, dentre outros, os seguintes precedentes:

(…)

                     Por conseguinte, diante de tais fundamentos, NEGO PROVIMENTO à revista.

A tese recursal ventilada nos embargos é no sentido de que, não implementadas todas as condições para fazer jus à estabilidade convencional, a dispensa do obreiro inseriu-se dentro do poder potestativo da empregadora, pois realizada oito meses antes de alcançada a garantia fixada em negociação coletiva, que deve ser observada, sob pena de malferimento dos arts. 5º, inciso II, e 7º, XXVI, da Magna Carta. Aduz, ainda, que a má-fé não pode ser presumida, devendo ser provada nos autos.

No caso, é irrelevante perquirir se o prazo de oito meses que mediou a data da dispensa e o implemento da garantia de pré-aposentadoria de vinte e quatro meses mostrava-se razoável ou não, para fins de regularidade da dispensa.

A condenação imposta tampouco decorre da presunção absoluta da má-fé, de modo a impingir uma condenação imediata da reclamada. Ao contrário, a presunção da dispensa obstativa repercute apenas na esfera da distribuição do ônus da prova, invertendo-o em desfavor do reclamado, conforme será demonstrado.

A dispensa do empregado, em geral, insere-se dentro do jus variandi do empregador, observadas as restrições e a satisfação dos direitos legais e convencionais.

No presente caso, no entanto, o reclamado, mediante pactuação coletiva, restringiu o seu direito de rescindir imotivadamente os contratos de trabalho, assegurando a estabilidade para os empregados cujos vínculos de emprego se estendam até o período de pré-aposentadoria.

Para a aquisição da referida estabilidade, a cláusula coletiva estabeleceu duas condições suspensivas para a aquisição do direito pelo empregado, sendo a primeira relativa à exigência de que o obreiro conte com 28 (vinte e oito) anos de serviços prestados ao banco, enquanto a segunda de que o contrato em vigor tenha ingressado no período de pré-aposentadoria de 24 (vinte e quatro) meses.

Um aspecto relevante para o deslinde da controvérsia reside no fato de que o reclamante já havia implementado uma das condições suspensivas acima apontadas, na medida em que prestou serviços ao Banco por mais de 30 (trinta) anos. Sendo assim, para que adquirisse o direito à estabilidade pré-aposentadoria bastava que o contrato atingisse o período de 24 (vinte e quatro) meses que antecedia a sua aposentadoria.

No entanto, o reclamado, sponte própria, resolveu por fim ao contrato de trabalho do reclamante aproximadamente 8 (oito) meses antes do implemento desta condição.

Diante desse contexto, é preciso averiguar se a despedida imotivada, realizada apenas oito meses antes de atingir esse intervalo, visou obstar maliciosamente o implemento da segunda condição, prática vedada pelo art. 129 do Código Civil, que dispõe:

Art. 129. Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer, considerando-se, ao contrário, não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveita o seu implemento.

Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes, em sua obra Código Civil Interpretado, vol. I, pág. 258, ao comentar o aludido preceito legal, invocam as lições de Zeno Veloso, segundo as quais todo aquele que se obrigou a transferir um direito, sob condição suspensiva, tem o dever de não impedir a verificação da condição, verbis:

O aspecto principal do dispositivo consiste na caracterização de um ato voluntário capaz de obstar ou fazer realizar a condição em proveito próprio. Segundo Zen o Veloso, "quem se obrigou a transferir um direito sob condição suspensiva, ou que adquiriu um direito sob condição resolutiva, tem o dever de não impedir a verificação da condição, não podendo fazer qualquer coisa para frustrar ou obstar a realização do evento, não podendo, também, com dolo ou malícia, fazer com que se produza o fato previsto que, normalmente, não teria ocorrido" (Condição, p . 62).

Assim como no regime anterior, costuma-se considerar que o advérbio maliciosamente traduza (e torne indispensável) o requisito do dolo na aplicação da regra em análise (por todos, Carvalho Santos, Código Civil, p. 78). Entretanto, a cláusula geral da boa-fé impede que se mantenha este entendimento, já que impõe um comportamento pró-ativo de cooperação por parte do credor. Por tal circunstância, a expressão maliciosamente, informada pelo princípio da boa-fé objetiva, adquire novo significado, não já associado ao elemento intencional, mas restrito à culpa (imputabilidade da conduta ao agente). O ato de quem obsta a ocorrência da condição deve ser voluntário, para que seja deflagrado o dispositivo. Não basta a sua atuação involuntária, embora não se deva exigir a intencionalidade dolosa, de difícil comprovação e que, como se disse, tornou-se despicienda no sistema atual. O credor que não colabora com o devedor para o adimplemento da obrigação viola dever contratual, por afrontar a boa-fé objetiva. Ao interferir na relação obrigacional (mediante ato voluntário que lhe seja imputável) no sentido de impedir o implemento da condição que lhe desfavoreceria, age culposamente; e eis o bastante para que o ordenamento considere a condição verificada. A malícia constitui-se, portanto, na interferência voluntária para o fim reprovado pelo ordenamento, sendo dispensável, por isso mesmo, a presença do dolo.

Neste particular, ganha relevo definir a quem compete provar se o reclamado, ao rescindir o contrato de trabalho do obreiro, obstou, seja culposa, seja dolosamente, a satisfação da referida condição e, consequentemente, a aquisição do direito vindicado.

Com efeito, a partir do momento em que o demandado dispensou imotivadamente o empregado, faltando apenas 8 (oito) meses para a aquisição do direito, rompeu, a princípio, com o dever de velar pelo implemento da condição suspensiva a que se obrigou, conforme destaca Zeno Veloso na referida passagem, atraindo para si o ônus de provar que não agiu com malícia, a fim de obstar que o reclamante adquirisse o direito à estabilidade a que se obrigou espontaneamente.

Outro elemento a ser considerado quanto à distribuição do ônus probatório em torno do caráter obstativo da dispensa refere-se à natureza da condição suspensiva, frente à atitude do empregador em antecipar o término da relação de emprego 8 (oito) meses do período de pré-aposentadoria. Neste particular, a partir do momento em que o empregador resolveu por termo ao contrato, retirou da condição suspensiva o elemento essencial da incerteza, submetendo a eficácia desse ajuste ao seu puro arbítrio, o que é vedado pelo art. 122 do Código Civil, em sua parte final, verbis:

Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.

A ruptura do contrato de trabalho por parte do empregador apenas 8 (oito) meses do período que antecedia a aquisição do direito transformou a condição em puramente potestativa, conforme ensinamentos doutrinários colhidos da obra de Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes, Código Civil Interpretado, vol. I, pág. 247, ao comentar o art. 122 do Código Civil e referir à classificação das condições conforme a vontade, verbis:

4. Classificação conforme a vontade. O exame do grau de participação do sujeito do negócio informa esta categoria de condições e destaca a necessidade da presença do elemento incerteza para a sua configuração. Sob tal perspectiva, uma condição será casual quando o evento tratar-se de fortuito, pois sua verificação não depende das partes do negócio jurídico (Serpa Lopes, Curso, p. 496), mas do acaso ou da vontade exclusiva de terceiro, p. ex., "se não chover nos próximos três meses" (Zeno Veloso, Condição, p. 25); potestativa quando a condição depender da vontade de uma das partes, p. ex., "se fores a Jerusalém", "se tirares o primeiro lugar", ou "se escalares o Everest" (Zeno Veloso, Condição, p. 27); mista quando conjugar ambos os sentidos, tanto o aspecto fortuito quanto a vontade das partes, p. ex., "perdoarei a dívida se constituíres sociedade com Pedro", ou doarei a casa se fores eleito senador" (Zeno Veloso, Condição, p . 25). As condições potestativas, por seu conteúdo, exigem uma análise mais detida.

Submeter a eficácia do negócio jurídico ao puro arbítrio de uma das partes torna defesa a condição. Trata-se da chamada condição puramente potestativa ou potestativa pura, em que não há o elemento "incerteza", assentando sua verificação exclusivamente no arbítrio de uma das partes. A propósito, a decisão do STJ acerca de cessão de passe de jogador de futebol diante da presença de cláusula que "confere excessivos poderes ao cessionário, em prejuízo do cedente" (STJ, 3ª T., REsp. 29l.631 , ReI. Min. Castro Filho, julg. 04.10.2001 , publ. DJ 15.04.2002). Anteriormente, o STF já havia decidido que "a reversão, in natura, de imóvel vendido pelo sócio à sociedade, prevista no contrato social, na hipótese de dissolução da sociedade antes do decurso de cinco anos da data de sua constituição C.) não consubstancia condição potestativa pura" (STF, 2ª T., RE 65619, ReI. Min. Eloy da Rocha, julg. 27.04.1970, publ. DJ 02.10.1970). A razão da proibição das condições puramente potestativas se baseia na sua inutilidade e não no ilícito stricto Sensu (Serpa Lopes, Curso, p. 495).

Quando a condição depende seja da vontade de um dos sujeitos, seja do cumprimento de um evento que está fora de sua alçada, tem-se uma condição "simplesmente potestativa" ou potestativa, que é admitida pela lei. Sílvio Rodrigues exemplifica com a renovação da locação, deixada ao arbítrio do locatário, mas que também depende de circunstâncias externas, como a conveniência de se manter no imóvel locado (Direito Civil, p. 245). Sobre as condições simplesmente potestativas, o STJ, em litígio sobre o direito de voto de associados de clube, manifestou-se no sentido de que a lei não veda as condições simplesmente potestativas: "Inexiste, pois, proibição a que a eficácia do ato esteja condicionada a acontecimento futuro, cuja realização dependa do devedor ou possa ser por ele obstada. Defesa é a condição meramente potestativa, correspondente a fórmula 'si volam', que retira a seriedade do ato, por inadmissível que alguém queira, simultaneamente, obrigar-se e reservar-se o direito de não se obrigar" (STj, 3ª T., REsp. 20.982, ReI. Min. Dias Trindade, julgo 10.11.1992, publ. DJ 22.03.1993).

(...)

Francisco Amaral especifica o sentido da condição puramente potestativa ao afirmar que sua vedação se dá somente se o poder de efetivação estiver relacionado ao arbítrio do devedor e se ela for suspensiva (Direito Civil, pp. 458-459). Neste sentido, a crítica de Rose Vencelau à inércia do recodificador: "Nem o Código Civil de 1916, nem o atual, ao proibir as condições puramente potestativas, distingue as condições suspensivas das resolutivas, diferentemente do que tem sido o posicionamento da doutrina. O novo CC poderia tê-lo feito, invalidando o negócio apenas quando a condição puramente potestativa fosse suspensiva, considerando-o válido e i inexistente a condição quando resolutiva, tendo em vista a proteção do credor condicional" ("O Negócio Jurídico", p. 210). Relembre-se, ainda, a posição de Orlando Gomes: "somente invalida o negócio a condição suspensiva, ou a que o sujeita ao arbítrio do devedor, ou do alienante. Se resolutiva não o vicia, uma vez que não impede sua formação, nem a produção dos efeitos, como, por exemplo, na retrovenda. Se o negócio fica subordinado à vontade do credor, a obrigação persiste, dado que seu cumprimento não depende do devedor, como na promessa de venda ou na opção. Do mesmo modo se depende da vontade do adquirente" (Introdução, p. 392).

 

Não resta dúvida de que a condição relativa ao ingresso no período de pré-aposentadoria não foi implementada por arbítrio do reclamado, que rompeu antecipadamente o vínculo de emprego. Trata-se, pois, de condição puramente potestativa, recaindo, por isso mesmo, sobre o empregador, o ônus de provar que a dispensa imotivada do obreiro não visava obstar a aquisição do direito à estabilidade, na medida em que a presunção, segundo as lições acima apreendidas, era no sentido da ilicitude da conduta do empregador. Nesse sentido, incumbe-lhe provar que não estava presente a malícia vedada pelo art. 129 do Código Civil, acima transcrito.

É preciso ter em conta, por outro lado, que a malícia dificilmente é materializada, de modo a ser demonstrada pelos meios comuns de prova. Na maioria das vezes ela se encontra nos recônditos da mente daquele que pratica o ato, no caso, a dispensa imotivada do empregado pouco antes de adquirir o direito à estabilidade convencional.

Assim, diante dessas particularidades que circundam o caso, a distribuição do ônus da prova não pode impor ao empregado o encargo de demonstrar em juízo se o empregador, ao promover a sua dispensa oito meses antes de alcançar o direito à estabilidade pré-aposentadoria, visava, maliciosamente, obstar a implementação e o exercício desse direito, notadamente quando o reclamante já havia implementado o outro requisito para a aquisição do direito, qual seja a prestação de serviços por mais de vinte e oito anos para a empresa.

Dessa forma, diante da autolimitação da dispensa dos empregados que contassem com mais de 28 (vinte e oito) anos de serviços prestados ao Banco, condição já atendida pelo autor, e que estivessem a menos de 24 (vinte e quatro) meses da aposentadoria, estabelecida por norma coletiva, a prova quanto à regularidade da dispensa do obreiro é, nitidamente, do empregador, que ostenta plenas condições de demonstrar em juízo as razões que o levaram a romper o vínculo de emprego com o trabalhador, sejam elas de ordem econômica, financeira, disciplinar, organizacional, etc., de modo a afastar a presunção relativa formada, naturalmente, em torno da natureza obstativa da dispensa do empregado.

A presunção acerca da malícia no rompimento do contrato de trabalho nas condições acima exaustivamente delineadas não importa em condenação prima facie, mas apenas em redistribuição do ônus da prova segundo critérios de equidade, evitando atribuir ao trabalhador o encargo de produzir prova diabólica.

Pelo exposto, nego provimento ao recurso de embargos.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer dos embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, por maioria, negar-lhes provimento.

Brasília, 3 de Maio de 2012.

Firmado por Assinatura Eletrônica (Lei nº 11.419/2006)

Ministro Vieira de Mello Filho

Redator Designado

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