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Sentenças

Fábio Moterani - TRT/SP



A alegação da reclamante é de assédio moral, sustentando uma pressão de padrão estético, sendo a reclamante alvo de gordofobia a ponto de impulsioná-la a realizar intervenção cirúrgica bariátrica.



PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA DO TRABALHO

PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO

74ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO

ATOrd 1000878-63.2021.5.02.0074

RECLAMANTE: PATRICIA APARECIDA DE LIMA

RECLAMADO: OTICAS WANNY LTDA E OUTROS (2)

Reclamante(s): PATRICIA APARECIDA DE LIMA

Reclamada(s): OTICAS WANNY LTDA; ENVY OTICA LTDA - ME

Pelo MM. Juiz do Trabalho, Dr. FÁBIO MOTERANI, à análise a presente ação, prolatou-se a seguinte sentença:

I. RELATÓRIO.

A reclamante postula rescisão indireta e seus consectários, incluídas verbas rescisórias, férias em dobro, horas extraordinárias e reflexos, intervalo intrajornada, vale refeição, danos morais, multa normativa, além de condenação solidária da correclamada.

A defesa das reclamadas alega ilegitimidade passiva e impugna as pretensões.

Réplica (fls. 437).

Instrução com depoimentos das partes e testemunhas (fls. 458).

 Razões finais escritas (fls. 466 e fls. 474).

Nova proposta de conciliação rejeitada.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

ILEGITIMIDADE PASSIVA.

A pertinência subjetiva da ação mostra-se presente pela simples imputação de relação jurídica contida na peça inicial, concernente à formação de grupo econômico. Essa aferição ocorre no plano abstrato, relegando para o mérito a pertinência do direito material vindicado, no tocante à sua responsabilidade. Rejeito.

PROVA. ÁUDIO.

Necessários considerações iniciais sobre o áudio juntado pela parte autora, sobre o qual embasa parte de suas alegações objeto da demanda.

Primeiro, a captação do áudio mostrou-se totalmente irregular, tratando-se de um subterfúgio inaceitável como meio de prova de fatos da relação havida entre as partes, por se tratar de conversa entre particulares e não captação ambiental de conversa entre a pretensa vítima e seu interlocutor. A medida afeta sobremaneira a intimidade alheia, valor constitucionalmente garantido.

Mas também é imperioso analisar, em segundo plano, que o áudio indica uma conversa linear, sem indícios de cortes. Todavia, os argumentos de calúnia e difamação trazidas no bojo da inicial retratam um oportunismo retórico, porquanto deslocado do contexto da conversa. Não serve sequer como indício de fatos ilícitos que sustenta terem existido no ambiente de trabalho. Por se tratar de conversa entre particulares, resguardada pela intimidade e sob a perspectiva do subjetivismo de seus interlocutores, não é considerada inclusive na perspectiva ambivalente de seu teor, no que tange à conduta da reclamante nesse mesmo ambiente de trabalho.

Em síntese, o áudio é irregular e desprovido de qualidade probatória ao fim colimado.

RESCISÃO INDIRETA

A rescisão indireta se impõe quando a conduta ensejadora se revestir de relevante gravidade, a ponto de comprometer a continuidade do liame empregatício. Deve ser robustamente provada, porque o ordenamento protege o emprego, fonte de dignidade e sustento material.

Foram ouvidas duas testemunhas, além do próprio gerente Robson.

A alegação da reclamante é de assédio moral, sustentando uma pressão de padrão estético, sendo a reclamante alvo de gordofobia a ponto de impulsioná-la a realizar intervenção cirúrgica bariátrica.

Não identifico específica perseguição de colegas e o gerente sobre a pessoa da reclamante. É possível inferir que o ambiente de trabalho poderia ensejar tensão nas relações intersubjetivas porque estava em jogo vendas e recebimento de comissões correspondentes. Nada mais tão humano que a competição em busca de dinheiro. Intrigas decorrentes desse contexto são secundárias para dirimir a questão em análise.

Entre a colisão de versões trazidas pelas testemunhas, chamou a atenção a informação de que havia monitoramento por câmeras pela proprietária Sueli, que também cobrava as vendedoras sobre suas vestimentas e cabelo. Sob a mesma perspectiva da intrusão da intimidade a que incorreu a reclamante com a captação de áudio em conversa particular, é necessário seguir o mesmo critério no que tange a essa conduta da proprietária. O monitoramento por câmeras em tempo real do ambiente de trabalho tem sido tolerado, mas não para situações fora do escopo da segurança que é a motivação desse monitoramento.

Não se afigura razoável que haja intervenção no ambiente de trabalho para questão estética a todo o momento, em tempo real, mediante monitoramento. Reflete comportamento que transcende o poder diretivo, uma química da intrusão à subjetividade do trabalhador.

Desse cenário é possível inferir e reconhecer que realmente havia pressão por padrão estético, incluindo o peso corporal.

Embora recomendações relacionadas à  aparência  pessoal das funcionárias, quando feitas de maneira generalizada a todo o quadro de colaboradoras, não configurem justa causa patronal ou enseja a rescisão indireta postulada, sobretudo considerando o ramo de atividade da empregadora, a narrativa trazida pela segunda testemunha ouvida conduz a realidade distinta, em que demonstrada habitual cobrança direcionada a funcionárias durante a prestação laboral.

A reclamada cometeu irregularidade agindo de forma a desgastar a relação jurídica ante conduta desproporcional que atingiu valores como honra e imagem da trabalhadora.  Entendo que o fato é suficientemente grave, implicando deterioração do ambiente laboral em razão dessa extrapolação apta a justificar o enquadramento dentre os motivos elencados no art. 483 da CLT.

Acolho a rescisão indireta postulada, com encerramento do vínculo em 23/07/2022.  A reclamada deverá proceder à anotação da CTPS digital e, subsidiariamente, em caso de comprovada impossibilidade, no documento físico correspondente. Para tanto, deverá observar o prazo de 10 (dez) dias, depois do trânsito em julgado, sob pena de multa de R$ 200,00 por dia de descumprimento, até o limite de 30 (trinta) dias, após os quais será aplicado o art. 39/CLT, ante o lapso. Diretamente ou por meio de seus procuradores constituídos nos autos, as partes deverão agir com mútua cooperação a esse fim, atendendo à diretriz do art. 6º/CPC.

A título de verbas rescisórias, observando-se a subsunção do fato à norma, defiro: aviso prévio (48 dias), saldo de salário de julho (23 dias); férias proporcionais (3/12), com o terço constitucional; 13º salário (8/12), multa de 40% sobre a totalidade dos recolhimentos fundiários.

A reclamada deverá entregar as guias para soerguimento dos depósitos fundiários, responsabilizando-se pela sua integralidade, e recebimento do Seguro-Desemprego, em 05 (cinco) dias após o trânsito em julgado, sob pena de indenização do valor correspondente.

Comprovados os fatos indicados na inicial, suficientemente graves a justificar a tutela adequada. Tais fatos representam aviltamento da dignidade da pessoa do trabalhador. Valores caros na Constituição da República são atingidos. Responde pela ilicitude, pelo art. 186 ou mesmo 187 do Código Civil. O dano moral é presumível “ipso facto”, porque suas consequências são sentidas diante da gravidade do fato confirmado.

A Lei 13.467/2017 intentou retroceder o processo interdisciplinar a respeito dos institutos envolvendo a reparação de dano, assim como construções jurisprudenciais.

Ignora a aplicação de regras gerais consignadas no Código Civil, instituto vocacionado a tratar do tema e irradiar seu regramento geral para as relações civis entre as quais identificamos, entre outras, as relações de trabalho.

Ignora a consolidação de jurisprudência a respeito da extensão do dano quanto a suas vítimas.

Intenciona, salvo melhor juízo, de forma equivocada, estabelecer número às violações possíveis, desconsiderando a abrangência do direito da personalidade, que não se limita à positivação e, assim, à literalidade de seus efeitos conforme opção legislativa do momento.

Intenciona tarifar dano, levando em consideração aspectos impróprios, como a qualificação da vítima e do ofensor, estabelecendo critério tarifário aleatório no que tange aos números estabelecidos, olvidando o caráter punitivopedagógico da medida. Dentro do tabelamento trazido, permite um alcance elevado de subjetividade, servindo os números apresentados apenas como forma de prestigiar o ofensor, que poderá avaliar custo, dano e benefício, equação incompatível com a reparação efetiva conforme o caso concreto vivenciado, observando os parâmetros estabelecidos pelo Constituição da República, que propugna a função social da propriedade, estabelece como objetivo fundamental da República a promoção do bem de todos, sem quaisquer formas de discriminação.

Sobre esse último ponto, além da discriminação intrínseca dos dispositivos, que estabelece entre seus parâmetros a condição da vítima e o salário recebido, sem considerar a possibilidade de extensão do dano que possa ir além da multiplicação de salário contratual, o corte discriminatório é evidente em perspectiva do próprio ordenamento, que não contempla qualquer precedente semelhante em outras searas jurídicas, como a consumeirista ou mesmo as relações civis puras. Em caso de se suceder uma lesão de proporções além da esfera jurídica trabalhista, alcançando consumidor, locatário, meio ambiente, o tratamento dispensado pelo legislador da Lei 13.467 é de menos valia ao trabalhador, como se seu corpo valesse menos; sua integridade tem menor importância; sua personalidade é mitigada, contexto que contraria os fundamentos da República, como a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho.

Portanto, quanto aos efeitos pretendidos de tarifação de dano extrapatrimonial, incompatível a Lei 13.467/2017 com a Constituição de República.

Aplicam-se as regras gerais, que não se limitam ao texto do Código Civil, como também na sedimentação jurisprudencial e, sobretudo, nas irradiações do texto constitucional.

Em se tratando de conduta ilegal (art. 9º da CLT), nos termos do art. 186 do CC, defiro indenização por dano moral, que neste caso é presumível “ipso facto”, no valor de R$ 5.000,00. A intenção não é enriquecer nem empobrecer, mas qualificar a ilicitude e descaso havido, para evitar novas temeridades.

FÉRIAS

Os recibos de concessão de férias apresentados pela reclamada e extratos bancários apresentados pela parte autora comprovam o pagamento extemporâneo das férias devidas pelos períodos aquisitivos de 2016/2017, 2017/2018, 2018/2019 e 2020/2021, com atraso médio de uma semana ao prazo conferido pelo artigo 145 da CLT.

Contudo, houve a conclusão do julgamento da ADPF 501 pelo C. STF em 05/08/22, que, por 7 votos a 4, decidiu pela inconstitucionalidade da Súmula 450 do TST , nos seguintes termos: “JULGO PROCEDENTE a arguição para: (a) declarar a inconstitucionalidade da Súmula 450 do Tribunal Superior do Trabalho; e (b) invalidar decisões judiciais não transitadas em julgado que, amparadas no texto sumular, tenham aplicado a sanção de pagamento em dobro com base no art. 137 da CLT”.

Logo, em se tratando de decisão com efeito vinculante, revejo entendimento anterior e indefiro o pagamento em dobro das férias pelo descumprimento do prazo previsto para pagamento no artigo 145 da CLT.

JORNADA

Em audiência, a reclamante confirmou que realizava a marcação de sua jornada por meio biométrico, embora sem emissão de recibo, reconhecendo a idoneidade dos espelhos apresentados por amostragem para o fim de comprovar os dias trabalhados e horário de ingresso, reafirmando, com relação ao intervalo e horário de saída, os fatos descritos na inicial.

Em análise aos documentos, devidamente assinados, verificamse regulares apontamentos, incluídas prorrogações em padrões, por vezes, condizentes ou mais benéficos àqueles informados pela reclamante. A título de amostragem, cito os espelhos de fl. 349, em que consignados encerramentos de jornada às 21h21, 19h51 e 22h; e espelho de fl. 357, com registro de atuação até às 22h57 no dia 27/11/2020 e até às 22h no dia 28/11/2020. O mesmo padrão de prorrogação pode ser observado na integralidade dos registros.

Portanto, não se sustenta a alegação de inviabilidade de registro de sobrejornada.

Embora a mídia em vídeo apresentada pela reclamante indique a inserção de horários em planilha de ponto, tratam-se de meras alterações decorrentes de omissões em marcações ou inserção de justificativas tais quais “folgas” e “atestado médico”, sem que de evidenciem provas suficientes de inidoneidade no procedimento adotado para efetivo computo da jornada praticada.

Se há algum tipo de manipulação dos espelhos, da expressão semântica não se infere enviesamento de fatos tais como ocorridos. Manipular é manejar ou manusear, e isso pode ocorrer em fraude ou não. E pela análise dos documentos nos quais há os registros não permite reconhecer fraude.

Ao revés, diante do registro de horários variados, condizentes com o que ordinariamente ocorre e com a própria jornada descrita pela parte postulante, o resultado não poderia ser outro se não o acolhimento da idoneidade dos controles de horário apresentados para o fim de demonstrar a real jornada em que se ativou a reclamante, inclusive no tocante ao intervalo.

Neste ponto, não há indícios de impossibilidade de gozo de uma hora intervalar, tampouco de orientação dirigida por sua empregada para desfrute reduzido da pausa. Considerando o informado pela autora, poderia gerir a pausa como melhor lhe aprouvesse, não havendo indícios de impedimento para gozo de uma hora intervalar.

Válidos os apontamentos de jornada juntados com a defesa, analisando os demonstrativos de pagamento, evidencia-se a quitação de grande quantidade de horas extraordinárias, inclusive com adicional normativo mais benéfico de 60% e de 100%. A reclamante não indicou diferenças idôneas a justificar tutela, a considerar o teor da planilha juntada em réplica. Indefiro.

VALE REFEIÇÃO

Embora não demonstrada a existência de norma que vincule a reclamada ao pagamento mensal de quantias a título de vale refeição, a reclamada comprovou seu adimplemento, independentemente da efetiva atuação em dias de domingo e feriado, condição mais benéfica e que suplanta a previsão normativa acerca de seu pagamento em caso de atuação em domingos e feriados, observada a mesma natureza entre as parcelas. Indefiro. Prejudicado o pedido de multa normativa.

FOLGAS NORMATIVAS

Incontroverso o inadimplemento. Por se tratar de trabalho em folga, defiro o pagamento em dobro, considerando três folgas por ano de trabalho, a ser apurada adotando-se todas as verbas salariais como base de cálculo (salário base, adicionais e gratificações); progressão salarial do período; adicional normativo e divisor de 220 horas, com reflexos em DSR, aviso prévio, férias com o terço, 13º salário, FGTS mais 40%.

RESPONSABILIDADE. CORRECLAMADA

A formação de grupo econômico entre as reclamadas é inequívoca. Além de constituídas pelos mesmos sócios, as empresas possuem o mesmo objeto social, como se verifica nos respectivos contratos sociais, sendo inclusive representadas pelo mesmo patrono e preposto. Respondem solidariamente, portanto, pelas verbas ora deferidas.

LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

O art. 77 do CPC, por conter norma sancionatória, comporta interpretação restritiva, de modo que a condenação em litigância de má-fé requer a prova do dolo da parte, que no caso não se logrou provar. Indefiro.

OFÍCIOS DENUNCIADORES

Indefiro a expedição de ofício à Ordem dos Advogados do Brasil. A reclamante poderá encaminhar à entidade suas denúncias pessoalmente ou por meio de seu patrono (artigo 72, Lei 8.906/1994).

JUSTIÇA GRATUITA

Em se tratando de trabalhador que vive-do-trabalho  e sem qualquer elemento presuntivo de hiperssuficiência a justificar o pagamento de custas e de emolumentos, concede-se o pedido de gratuidade processual, por entender existente a impossibilidade de demandar sem o prejuízo da subsistência própria ou de sua família. Interpretação sistemática e teleológica do artigo 4º, 7.115/83, artigo 1º, 5.584/70, artigo 14º, art. 790/CLT e art. 5º, incisos XXXV e LXXV, da Constituição Federal.

De efeito imediato e vinculante (art. 102, § 2º, da CFR; art. 28, § único, da Lei 9.868/99), conforme decisão em ADI 5766, proferida pelo STF em 20.10.2021, a gratuidade não se compatibiliza com a condenação de honorários de sucumbência e honorários periciais nos moldes retratados pela Lei 13.467/2017.

HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA

Na forma do art. 791-A/CLT, a parte ré arcará com os honorários de sucumbência à razão de 5% sobre o valor da condenação, a ser apurada em regular liquidação de sentença na forma do art. 879/CLT.

Declarada a inconstitucionalidade do art. 791-A, § 4º, da CLT, (ADI 5766 – STF, julgamento 20.10.2021), incabíveis honorários sucumbenciais em desfavor da parte beneficiária da justiça gratuita.

Descontos Previdenciários

Nos termos do art. 832, § 3º, da CLT, a contribuição previdenciária incidirá sobre verbas de natureza salarial, conforme art. 28 da Lei 8.212 /91 e Decreto 3048/99.

A indenização decorrente de garantia provisória de emprego, nos termos do art. 832, § 3º, da CLT e art. 28 da Lei 8.212/91, assim como do art. 214, § 9º, V, “h”, do Decreto 3.048/99, não há contribuição previdenciária.

Assim, com base no artigo 43 da Lei 8.212/91, a reclamada deverá efetuar os recolhimentos previdenciários, mas autorizada a dedução dos valores cabíveis ao reclamante, porque o art. 33, § 5º, da Lei 8.212/91 não repassa ao empregador a responsabilidade pelo pagamento do valor relativo ao empregado, mas tão somente a responsabilidade pelo recolhimento (Súmula 368 do TST e OJ 363 da SDI1).

Por oportuno, eventual imunidade conforme a condição jurídica de entidade pública ou equiparada, ou isenção tributária decorrente de política fiscal (p. ex., SIMPLES), em fase própria, a parte ré deverá comprovar os parâmetros legais a lhe conferir tratamento diferenciado para os fins de recolhimento previdenciário, em todo o caso, alcançando exclusivamente a sua cota-parte.

DESCONTOS FISCAIS

O art. 12-A da Lei n. 7.713/88 dispõe sobre a obrigatoriedade de retenção do imposto sobre o montante dos rendimentos pagos, fazendo uso de tabela progressiva. Portanto, trata da tributação de rendimentos do trabalho e proventos de aposentadoria recebidos acumuladamente.

Em caso de indenização decorrente de garantia provisória de emprego, nos termos do artigo 6°, V, da Lei n. 7.713/88 e artigo 39, XX, do Decreto 3000 /99, não há incidência de imposto de renda.

A Secretaria da Receita Federal do Brasil regulamentou citado dispositivo legal (Instrução Normativa n.º nº 1127/2011). Reforçou sua redação, por força do que dispôs em seu art. 3º. Estabelece a tributação pelo regime de competência (mês a mês), observando-se a tabela progressiva do imposto de renda.

Assim, o cálculo do imposto de renda observa o regime de competência.

Quanto à base de cálculo, deve ser observado o disposto no artigo 46, § 2°, da Lei 8.541/92, combinado com artigo 6° da Lei n. 7.713/88, no qual se excluem verbas indenizatórias e previdenciárias, assim como valores relativos ao FGTS. Não há tributação sobre as férias indenizadas, conforme entendimento sedimentado na S. 125 do C. STJ. O mesmo no tocante à sua incidência sobre os juros, tendo em vista sua natureza jurídica indenizatória, ainda que oriundos de condenação em pecúnia deferida em sentença (OJ nº 400 da SDI-1).

JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA

O julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) n.º 58, em 18.12.2020, estabeleceu uniformidade acerca do tema atinente à correção e recomposição do valor, adotando interpretação vinculante envolvendo os artigos 879, §7º e 899, §4º da CLT.

Assim composta pela correção monetária e pelos juros de mora, a atualização dos créditos trabalhistas reconhecidos observará o índice IPCA-e do vencimento da obrigação (adotando-se entendimento contido na Súmula 381 do TST) até o ajuizamento da ação (fase pré-judicial) e, a partir de então, será observada a taxa SELIC (art. 13 da lei 9.065/95), nos termos do voto vencedor do relator Min. Gilmar Mendes (decisão de embargos de declaração).

O entendimento exarado pelo STF aplica-se de forma imediata aos processos em curso, em fase de conhecimento.

O critério único acima adotado aplica-se independentemente da condição de ente de natureza pública,  como pressuposto lógico de decisão antecedente, emanada pelo próprio  Supremo Tribunal Federal, guiando-se pela inconstitucionalidade do art. 1º F da Lei 9497/97, sem ressalvas. Pelo princípio constitucional da isonomia, concluiu que os índices a serem aplicados para a Fazenda Pública devem ser os mesmos adotados com quem se relaciona e lhes possa exigir o crédito, nos termos da ADI 4.425-DF.

Em se tratando de indenização por dano moral, para a aferição do termo inicial da correção monetária, não há falar-se em época própria senão o momento do arbitramento, em decisão judicial, momento em que constituiu em mora o devedor, aplicando-se o índice correspondente.

LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA E PROCEDIMENTO EXECUTÓRIO

Vigente, aplica-se o disposto no art. 879 da CLT no tocante à liquidação de sentença, de forma a (1) atender à grande demanda processual em fase de conhecimento deste Regional, (2) evitar equívocos no cálculo, ou na liquidação com base nos valores indicados pela inicial e (3) permitir o contraditório específico sobre o tema.

Por oportuno, o valor atribuído à causa ou aos pedidos constitui apenas estimativa a partir da qual serão gerados efeitos para o fim de custas ou honorários sucumbenciais, não podendo ser confundido com o valor real a ser alcançado que somente poderá ser aferido em liquidação.

A aplicação dos trâmites processuais atinentes à execução (p. ex.: art. 523 do CPC ou art. 880 da CLT) não é pertinente em fase de conhecimento. Trata-se de entendimento jurídico do Juízo, na ocasião de ingresso do feito na fase de execução. Entendo indevido conferir força de coisa julgada a procedimento processual.

EMBARGOS DECLARATÓRIOS

Importa observar que: (1) não há prequestionamento em primeira instância; (2) os embargos declaratórios não se prestam a rebater argumentos ou servem de instrumento de dialeticidade da sentença. Para o controle de eventual injustiça que entende sofrer há recurso próprio; (3) o magistrado não fica adstrito aos fundamentos declinados pelas partes.

III. CONCLUSÃO.

Pelo exposto, rejeito a preliminar arguida e, no mais, julgo PROCEDENTES EM PARTE as pretensões de  PATRICIA APARECIDA DE LIMA contra  OTICAS WANNY LTDA; ENVY OTICA LTDA - ME, para:

– declarar a rescisão indireta postulada, com encerramento do vínculo em 23/07/2022.  A reclamada deverá proceder à anotação da CTPS digital e, subsidiariamente, em caso de comprovada impossibilidade, no documento físico correspondente. Para tanto, deverá observar o prazo de 10 (dez) dias, depois do trânsito em julgado, sob pena de multa de R$ 200,00 por dia de descumprimento, até o limite de 30 (trinta) dias, após os quais será aplicado o art. 39/CLT, ante o lapso. Diretamente ou por meio de seus procuradores constituídos nos autos, as partes deverão agir com mútua cooperação a esse fim, atendendo à diretriz do art. 6º/CPC.

– determinar à reclamada a entrega das guias para soerguimento dos depósitos fundiários, responsabilizando-se pela sua integralidade, e recebimento do Seguro-Desemprego, em 05 (cinco) dias após o trânsito em julgado, sob pena de indenização do valor correspondente;

– conceder justiça gratuita a reclamante nos termos do artigo 790, § 3º, da CLT. De efeito imediato e vinculante (art. 102, § 2º, da CFR; art. 28, § único, da Lei 9.868/99), conforme decisão em ADI 5766, proferida pelo STF em 20.10.2021, a gratuidade não se compatibiliza com a condenação de honorários de sucumbência e honorários periciais nos moldes retratados pela Lei 13.467/2017;

– condenar a primeira reclamada e, solidariamente, a segunda reclamada no pagamento dos seguintes créditos:

a) aviso prévio (48 dias), saldo de salário de julho (23 dias); férias proporcionais (3/12), com o terço constitucional; 13º salário (8/12), multa de 40% sobre a totalidade dos recolhimentos fundiários;

b) dano moral no valor de R$ 5.000,00;

c) folgas em dobro mais reflexos.

Na forma do art. 791-A/CLT, a parte ré arcará com os honorários de sucumbência à razão de 5% sobre o valor da condenação, a ser apurada em regular liquidação de sentença na forma do art. 879/CLT.

Declarada a inconstitucionalidade do art. 791-A, § 4º, da CLT, (ADI 5766 – STF, julgamento 20.10.2021), incabíveis honorários sucumbenciais em desfavor da parte beneficiária da justiça gratuita.

Os valores serão apurados em regular liquidação de sentença (art. 879/CLT), conforme fundamentação, autorizando o abatimento das importâncias pagas sob o mesmo título das verbas ora deferidas, desde que comprovadas nos autos na fase de conhecimento. Em caso de condenação de horas extraordinárias, adota-se o entendimento contido na OJ 415 da SDI-1.

Assim composta pela correção monetária e pelos juros de mora, a atualização dos créditos trabalhistas reconhecidos observará o índice IPCA-e do vencimento da obrigação (adotando-se entendimento contido na Súmula 381 do TST) até o ajuizamento da ação (fase pré-judicial) e, a partir de então, será observada a taxa SELIC (art. 13 da lei 9.065/95), remetendo-se, no mais, aos termos da fundamentação.

O desconto previdenciário respeitará a cota do trabalhador, o salário de contribuição e o teto (Súmula 368, III, do TST e OJ n. 363 da SDI-1), observando-se o regime de competência, conforme fundamentação.

Nos termos do art. 832, § 3º, da CLT, a contribuição previdenciária incidirá sobre verbas de natureza salarial, conforme art. 28 da Lei 8.212 /91 e Decreto 3048/99.

Autoriza-se a retenção do Imposto de Renda. A tributação observará o regime de competência (mês a mês), observando-se a tabela progressiva do imposto de renda, conforme fundamentação. Base de cálculo de acordo com artigo 46, § 2°, da Lei 8.541/92, combinado com artigo 6° da Lei n. 7.713/88, e entendimentos sedimentados nas Súmulas 125/STJ e OJ 400 da SDI-1.

A correclamada responderá solidariamente pelos créditos trabalhistas, recolhimentos legais e despesas processuais.

Custas a cargo da reclamada, sobre R$ 40.000,00, no importe de R$ 800,00.

 Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. Data supra.

SAO PAULO/SP, 24 de agosto de 2022.

FABIO MOTERANI

Juiz do Trabalho Substituto

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