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Acordão - TST

Evandro Pereira Valadão Lopes - TST



Fraude na terceirização de serviços com seguradora define vínculo de corretora com banco



AGRAVO INTERNO INTERPOSTO PELA RECLAMADA ICATU SEGUROS S/A. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI Nº 13.467/2017.

1. TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS. EMPRESAS PRIVADAS.  SEGURADORA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EM INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. FRAUDE. SUBORDINAÇÃO JURÍDICA. CONSTATAÇÃO.

I. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida nº RE-958.252, fixou a tese de que: "É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante" (Tema 725 da Tabela de Repercussão Geral).

II. Todavia, no caso concreto, é fato incontroverso que a parte reclamante, admitida pela seguradora (Icatu Seguros S/A), prestava seus serviços nas dependências do banco reclamado, em benefício deste. Além disso, o Tribunal a quo registrou a existência de subordinação jurídica aos prepostos do banco.

III. Tais premissas evidenciam a circunstancia de que os reclamados visaram tão somente descaracterizar o vínculo empregatício, fraudando o direito do empregado e impedindo a aplicação das normas do Direito do Trabalho (artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho). Diante desse quadro jurídico-factual, para alcançar conclusão em sentido contrário, necessário seria revolver fatos e provas, óbice de natureza processual sedimentado na Súmula nº 126 do TST. Desta feita, a decisão vinculante do STF, que enaltece a ampla liberdade para a contratação de serviços terceirizados no âmbito das empresas privadas, não alcança a parte reclamante, tendo em vista a fraude na contratação, revelada pela subordinação direta à empresa tomadora de serviços.

IV. Agravo interno de que se conhece e a que se nega provimento.

2. INTERVALO PREVISTO NO ART. 384 DA CLT. RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. TEMA 528 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL.

I. No que tange ao "intervalo do art. 384 da CLT - recepção pela Constituição da República", o Tribunal Regional proferiu acórdão em plena conformidade com a tese fixada pelo STF no julgamento do RE 658.312, no sentido de que "o art. 384 da CLT, em relação ao período anterior à edição da Lei n. 13.467/2017, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, aplicando-se a todas as mulheres trabalhadoras" (Tema 528 da Tabela de Repercussão Geral). Incidência do art. 896, § 7º, da CLT e da Súmula nº 333 do TST.

II. Agravo interno de que se conhece e a que se nega provimento.

AGRAVO INTERNO INTERPOSTO PELO RECLAMADO BANCO CITIBANK S.A.. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI Nº 13.467/2017. TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS. EMPRESAS PRIVADAS.  SEGURADORA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EM INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. FRAUDE. SUBORDINAÇÃO JURÍDICA. CONSTATAÇÃO.

I. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida nº RE-958.252, fixou a tese de que: "É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante" (Tema 725 da Tabela de Repercussão Geral).

II. Todavia, no caso concreto, é fato incontroverso que a parte reclamante, admitida pela seguradora (Icatu Seguros S/A), prestava seus serviços nas dependências do banco reclamado, em benefício deste. Além disso, o Tribunal a quo registrou a existência de subordinação jurídica aos prepostos do banco.

III. Tais premissas evidenciam a circunstancia de que os reclamados visaram tão somente descaracterizar o vínculo empregatício, fraudando o direito do empregado e impedindo a aplicação das normas do Direito do Trabalho (artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho). Diante desse quadro jurídico-factual, para alcançar conclusão em sentido contrário, necessário seria revolver fatos e provas, óbice de natureza processual sedimentado na Súmula nº 126 do TST. Desta feita, a decisão vinculante do STF, que enaltece a ampla liberdade para a contratação de serviços terceirizados no âmbito das empresas privadas, não alcança a parte reclamante, tendo em vista a fraude na contratação, revelada pela subordinação direta à empresa tomadora de serviços.

IV. Agravo interno de que se conhece e a que se nega provimento. (TST-Ag-AIRR-12082-31.2014.5.15.0131, Evandro Pereira Valadão Lopes, DEJT 03/03/2023)

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo em Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n° TST-Ag-AIRR-12082-31.2014.5.15.0131, em que são Agravante e Agravado ICATU SEGUROS S/ABANCO CITIBANK S A e Agravado ANDRÉIA LUQUESI JOAQUIM.

Trata-se de agravo interno interposto em face de decisão unipessoal em que se negou provimento aos agravos de instrumento.

Apresentada contraminuta.

É o relatório.

V O T O

I. AGRAVO INTERNO INTERPOSTO PELA RECLAMADA ICATU SEGUROS S/A

1. CONHECIMENTO

Atendidos os pressupostos de admissibilidade do agravo interno, dele conheço.

2. MÉRITO

A decisão unipessoal agravada está assim fundamentada, em relação aos temas objeto do agravo interno:

1. Trata-se de agravos de instrumento interpostos pelas partes acima nominadas contra decisão em que se denegou seguimento a seus recursos de revista.

2. Atendidos os pressupostos extrínsecos, conheço dos agravos de instrumento.

3. O processamento dos recursos de revista foi denegado pelo Tribunal Regional, nestes termos:

[...]

CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO / RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO DE EMPREGO.

CATEGORIA PROFISSIONAL ESPECIAL / BANCÁRIO / ENQUADRAMENTO.

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA/SUBSIDIÁRIA.

REMUNERAÇÃO, VERBAS INDENIZATÓRIAS E BENEFÍCIOS / ADICIONAL / ADICIONAL DE PERICULOSIDADE.

As questões relativas aos temas em destaque foram solucionadas com base na análise dos fatos e provas. Nessa hipótese, por não se lastrear o v. julgado em tese de direito, inviável a aferição de ofensa aos dispositivos legais invocados e de divergência jurisprudencial. Incidência da Súmula 126 do C. TST.

Duração do Trabalho / Intervalo Intrajornada / Intervalo 15 Minutos Mulher.

O C. TST firmou entendimento no sentido de que a disposição contida no art. 384 da CLT, ao garantir o descanso apenas à mulher, não ofende o princípio da isonomia, em face das desigualdades inerentes à jornada da trabalhadora, em relação à do trabalhador. Assim, a inobservância do intervalo previsto no art. 384 da CLT implica o pagamento do tempo correspondente como hora extraordinária.

A interpretação adotada pelo v. acórdão recorrido está em consonância com iterativa, notória e atual jurisprudência do C. TST (RR-140000-76.2008.5.04.0020, 1ª Turma, DEJT-18/03/11, RR-75500-16.2007.5.12.0019, 2ª Turma, DEJT-29/04/11, RR-193000-04.2008.5.02.0066, 3ª Turma, DEJT-25/03/11, RR-301500-84.2005.5.09.0678, 4ª Turma, DEJT-25/03/11, RR-144200-73.2007.5.02.0067, 5ª Turma, DEJT-18/03/11, RR-1161400-21.2008.5.09.0011, 6ª Turma, DEJT-29/04/11, RR-2420000-51.2008.05.09.0652, 7ª Turma, DEJT-29/04/11, RR-46700-52.2009.5.15.0074, 8ª Turma, DEJT-18/02/11 e E-RR-46500-41.2003.5.09.0068, SDI-1, DEJT-12/03/10).

Some-se a isso o teor da Súmula 80 do TRT da 15a Região, a respeito da matéria tratada no recurso interposto:

[...]

Inviável, por consequência, o apelo, de acordo com o art. 896, § 7º, da CLT, c/c a Súmula 333 do C. TST.

[...]

CONCLUSÃO

DENEGO seguimento ao recurso de revista. (marcador "despacho de admissibilidade" do documento sequencial eletrônico).

No presente caso, por entender insuscetível de reforma a decisão que denegou seguimento aos recursos de revista, e porque ausente prejuízo às partes, deixo de analisar por ora a transcendência da causa.

O exame da decisão denegatória agravada em confronto com as razões dos recursos de revista e do teor do acórdão regional evidencia ter sido correto o não recebimento dos recursos.

As alegações constantes das minutas dos agravos de instrumento não demonstram equívoco ou desacerto no despacho agravado.

O recurso de revista não se destina à revisão geral do decidido na instância ordinária. Cuida-se de recurso de natureza extraordinária, cujo escopo é a manutenção da integridade do direito federal e a uniformização de sua interpretação, e sua admissibilidade é restrita, limitada às hipóteses elencadas no art. 896 da CLT.

Assim, considerando que os fundamentos da decisão denegatória continuam válidos para sustentar a sua manutenção, não obstante os argumentos apresentados nas minutas dos agravos de instrumento, mantenho-a pelos seus próprios fundamentos, os quais ficam expressamente ratificados e adotados nesta decisão.

[...]

Diante do exposto, e nos termos dos arts. 932, III e IV, do CPC/2015 e 896, § 14, da CLT, conheço dos agravos de instrumento e nego-lhes provimento.  (fls. 1688/1695 – Visualização Todos PDF).

2.1. TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS. EMPRESAS PRIVADAS.  SEGURADORA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EM INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. FRAUDE. SUBORDINAÇÃO JURÍDICA. CONSTATAÇÃO.

No agravo interno, a parte reclamada se insurge quanto ao tema "terceirização de serviços", sob o argumento de que a decisão agravada não analisou a questão à luz da decisão vinculante do Supremo Tribunal Federal, proferida na ADPF 324/DF e RE 958.252/MG.

Aponta violação dos arts. 1º, IV, 5º, II, XXXVI, 93, IX, 102, §2º, e 170 da Constituição da República, 2º, 3º e 832, caput, da CLT e 489, §1º, III e V, e 493 do CPC, além de contrariedade à Súmula nº 394 do TST.

Ao exame.

Consta do acordão regional:

1- Vínculo empregatício com o tomador - terceirização

Segundo alinhavado na exordial a reclamante teria sido admitida pela primeira reclamada (Icatu Seguros S/A), nas funções de assistente comercial, onde prestava serviços exclusivamente para a segunda reclamada (Banco Citibank S/A), na venda de títulos de capitalização do Banco Citibank; a reclamante vendia o produto Citi-Capitalização Bônus que era exclusivo para os clientes do Banco Citibank; a reclamante desempenhava atividades que extrapolavam o objeto social da primeira reclamada e, que de fato eram típicas dos gerentes do segundo reclamado, a reclamante tinha meta de venda de produto do Banco reclamado, as mesmas que eram impostas aos gerentes.

Buscou o reconhecimento de vínculo empregatício diretamente com a segunda reclamada, e percepção dos consectários legais elencados, além de vantagens negociais bancárias.

A jurisprudência dominante do C. TST tem reconhecido a prática de terceirização ilícita àqueles casos em que o empregado, contratado por empresa interposta, realiza funções tipicamente bancárias, como no presente caso, inseridas no conceito de atividade-fim do tomador.

Neste sentido o seguinte aresto:

[...]

No presente caso, embora negados os fatos pelas rés, pontuo que a prova oral demonstrou, à saciedade, que a reclamante desenvolvia funções típicas da atividade-fim da segunda ré, inclusive, com tom de subordinação jurídica aos prepostos dessa (Ata - fls. 882/887):

"que os gerentes das agências da 2a reclamada não vendiam os títulos de capitalização;... que City Capitalização bônus era oferecido apenas para clientes da 2a reclamada em razão da nomenclatura"(preposto da 2ª reclamada)

"que trabalhou com a reclamante nas agências da 2a reclamada em Campinas e em Jundiaí; que nas agências da 2a reclamada a reclamante fazia venda de títulos de capitalização; que na agência da 2a reclamada em Campinas havia outros assistentes comerciais da 1a reclamada, no caso mais um;... que o serviço da reclamante era coordenado pelo gerente geral da agência; que isso consistia em cobrança de meta; que era repassado pelo gerente à reclamante meta de venda do produto de capitalização; que a reclamante ia em média 1 vez por semana a agência da 2a reclamada em Campinas, mesma média em Jundiaí; que não havia supervisores ou coordenadores da 1a reclamada na 2a reclamada; que raramente eles faziam visitas nas agências; que pelo que sabe nos outros dias da semana a reclamante trabalhava em outras agências da 2a reclamada; que sempre que a reclamante estava na agência participava de reuniões coordenadas pelo gerente geral da agência;... que a venda dos títulos de capitalização ficava mais direcionada aos assistentes comerciais da 1a reclamada; que foi raro as oportunidades em que o depoente ofereceu esse produto a clientes do Banco; disse o depoente que chegava a fazer a apresentação do produto e caso o cliente tivesse interesse o depoente repassava a venda para a reclamante;... que ao final do expediente a reclamante repassava ao gerente da agência os seus números; que o gerente geral da agência fazia a fiscalização dos horários de trabalho da reclamante;... que o título de capitalização vendido nas agências da 2a reclamada pertencem a ela; que pelo que sabe esses títulos eram administrados pela 1a reclamada, mas comercializado pela 2a reclamada"(1ª testemunha da reclamante)

Logo, reputo correta a r. sentença primeva quanto ao reconhecimento de vínculo empregatício diretamente com o Banco reclamado, com o direito de obter a devida retificação CTPS, fixação da jornada laboral tal como previsto no art. 224 consolidado, e percepção de vantagens negociais bancárias, conforme normas coletivas juntadas aos autos, tudo nos exatos termos da r. sentença guerreada.

Mantenho íntegra a r. sentença, ainda, quanto à responsabilidade solidária da 1ª reclamada, à luz dos 942 e 932, III, ambos do Código Civil c/c art. 8º consolidado.  (fls. 1156/1157 – Visualização Todos PDF – grifos nossos).

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida nº RE-958.252, fixou a tese de que: "É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante" (Tema 725 da Tabela de Repercussão Geral).

Todavia, vigora no direito do trabalho o princípio da primazia da realidade, segundo o qual deve-se aferir as condições em que efetivamente o trabalho ocorreu, a fim de se determinar sua natureza jurídica.

E é justamente da análise do contrato-realidade que se irá extrair se houve (ou não) fraude na relação mantida entre empresa prestadora de serviços e o tomador de seus serviços, a revelar eventual distinção entre o precedente vinculante e o caso concreto.

Assim, como leciona Américo Plá Rodriguez, "em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que emerge de documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno dos fatos" (in Princípios de Direito do Trabalho, Editora Ltr, pág. 217).

Nesse sentido, transcreve-se o ensinamento de Mário de La Cueva, citado por Plá Rodrigues, verbis:

"a existência de uma relação de trabalho depende, em conseqüência, não do que as partes tiverem pactuado, mas da situação real em que o trabalhador se ache colocado, porque, como diz Scelle, a aplicação do Direito do Trabalho depende cada vez menos de uma relação jurídica subjetiva do que de uma situação objetiva, cuja existência é independente do ato que condiciona seu nascimento. Donde resulta errôneo pretender julgar a natureza de uma relação de acordo com o que as partes tiverem pactuado, uma vez que, se as estipulações consignadas no contrato não correspondem à realidade, carecerão de qualquer valor." (op. cit. - pág. 218)

No caso destes autos, cinge-se a controvérsia em saber se houve configuração de vínculo empregatício diretamente entre a parte autora, admitida pela primeira reclamada (Icatu Seguros S/A), e o segundo reclamado (Banco Citibank S/A), tomador de serviços.

Extrai-se do acórdão regional que "a prova oral demonstrou, à saciedade, que a reclamante desenvolvia funções típicas da atividade-fim da segunda ré, inclusive, com tom de subordinação jurídica aos prepostos dessa" (fl. 1156 – Visualização Todos PDF).

Pois bem.

Nos termos do artigo 1º, da Lei nº 4.594/64, que regula a profissão de corretor, o corretor de seguros é o intermediário legalmente autorizado a angariar e a promover contratos de seguros entre as sociedades de seguros e as pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado. Referida norma tem como escopo manter a autonomia do corretor, de forma a que possa selecionar, dentre todas as seguradoras, aquela que melhor atenda aos interesses dos clientes que, por seu intermédio, subscrevem os títulos.

O bem maior protegido pela norma legal é, em outras palavras, o princípio de lealdade que deve pautar a relação jurídica entre o corretor e seu cliente, e que estaria inequivocamente abalado pelo dever de obediência que aquele teria, obrigatoriamente, para com a seguradora, caso esta fosse sua empregadora.

O art. 1º, parágrafo único, inciso III, da Lei nº 4.594/64, incluído pela Lei nº 14.430, de 2022, reforça esse entendimento ao estabelecer que incumbe ao corretor de seguros "a identificação e a recomendação da modalidade de seguro que melhor atenda às necessidades do segurado e do beneficiário".

Trata-se, portanto, de atividade a ser desenvolvida por representantes de seguro, que devem escolher, para o seu cliente, o melhor seguro. Assim, o beneficiário do serviço deve ser o cliente, o consumidor, jamais da seguradora ou a instituição financeira.

No caso em exame, observa-se a distorção desse instituto, pois é fato incontroverso que a parte reclamante, admitida pela seguradora (Icatu Seguros S/A), prestava seus serviços nas dependências do banco reclamado, em benefício deste.

Além disso, o Tribunal a quo registrou a existência de subordinação jurídica aos prepostos do banco.

Tais premissas evidenciam a circunstancia de que os reclamados visaram tão somente descaracterizar o vínculo empregatício, fraudando o direito do empregado e impedindo a aplicação das normas do Direito do Trabalho (artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho).

Assim, diante desse quadro jurídico-factual, para alcançar conclusão em sentido contrário, necessário seria revolver fatos e provas, óbice de natureza processual sedimentado na Súmula nº 126 do TST.

Nesse contexto, ainda que afastada a impossibilidade de contratar serviços vinculados à atividade-fim da tomadora, remanesce hígido o fundamento autônomo da fraude constatada nestes autos.

Repise-se que a decisão proferida pelo STF no RE-958252, que determina ser lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, não impede que, no caso concreto, seja verificada a existência de terceirização fraudulenta e consequente formação de vínculo empregatício com a empresa tomadora, real empregadora do trabalhador contratado.

Desta feita, a decisão vinculante do STF, que enaltece a ampla liberdade para a contratação de serviços terceirizados no âmbito das empresas privadas, não alcança a parte reclamante, tendo em vista a sua condição específica de empregada.

Nota-se que foi estabelecido o distinguishing entre o precedente e o caso concreto, ou seja, foi demonstrado fundamentadamente o motivo da distinção entre a tese jurídica estabelecida pelo STF e o caso em exame, o que permite que o julgador deixe de aplicar o precedente vinculante, nos moldes do art. 489, § 1º, VI, do CPC de 2015.

Desse modo, não se evidencia ofensa aos dispositivos indicados como violados.

Nego provimento ao agravo interno.

2.2. INTERVALO DO ART. 384 DA CLT

No que tange ao "intervalo do art. 384 da CLT - recepção pela Constituição da República", o Tribunal Regional proferiu acórdão em plena conformidade com a tese fixada pelo STF no julgamento do RE 658.312, no sentido de que "o art. 384 da CLT, em relação ao período anterior à edição da Lei n. 13.467/2017, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, aplicando-se a todas as mulheres trabalhadoras" (Tema 528 da Tabela de Repercussão Geral).

Incidem, no caso, o disposto no artigo 896, § 7º, da CLT e o teor da Súmula nº 333 do TST.

Diante do exposto, nego provimento ao agravo interno.

II. AGRAVO INTERNO INTERPOSTO PELO RECLAMADO BANCO CITIBANK S.A.

1. CONHECIMENTO

Atendidos os pressupostos de admissibilidade do agravo interno, dele conheço.

2. MÉRITO

A decisão unipessoal agravada está assim fundamentada, em relação ao tema objeto do agravo interno:

1. Trata-se de agravos de instrumento interpostos pelas partes acima nominadas contra decisão em que se denegou seguimento a seus recursos de revista.

2. Atendidos os pressupostos extrínsecos, conheço dos agravos de instrumento.

3. O processamento dos recursos de revista foi denegado pelo Tribunal Regional, nestes termos:

[...]

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA/SUBSIDIÁRIA.

CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO / RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO DE EMPREGO.

CATEGORIA PROFISSIONAL ESPECIAL / BANCÁRIO / ENQUADRAMENTO.

REMUNERAÇÃO, VERBAS INDENIZATÓRIAS E BENEFÍCIOS / ADICIONAL / ADICIONAL DE PERICULOSIDADE.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO / PARTES E PROCURADORES / SUCUMBÊNCIA / HONORÁRIOS PERICIAIS.

DURAÇÃO DO TRABALHO / HORAS EXTRAS.

DURAÇÃO DO TRABALHO / INTERVALO INTRAJORNADA.

DURAÇÃO DO TRABALHO / HORAS EXTRAS / BASE DE CÁLCULO.

As questões relativas aos temas em destaque foram solucionadas com base na análise dos fatos e provas. Nessa hipótese, por não se lastrear o v. julgado em tese de direito, inviável a aferição de ofensa aos dispositivos constitucionais e legais invocados e de divergência jurisprudencial, tampouco divergência da Súmula 340 do C. TST. Incidência da Súmula 126 do C. TST.

[...]

No presente caso, por entender insuscetível de reforma a decisão que denegou seguimento aos recursos de revista, e porque ausente prejuízo às partes, deixo de analisar por ora a transcendência da causa.

O exame da decisão denegatória agravada em confronto com as razões dos recursos de revista e do teor do acórdão regional evidencia ter sido correto o não recebimento dos recursos.

As alegações constantes das minutas dos agravos de instrumento não demonstram equívoco ou desacerto no despacho agravado.

O recurso de revista não se destina à revisão geral do decidido na instância ordinária. Cuida-se de recurso de natureza extraordinária, cujo escopo é a manutenção da integridade do direito federal e a uniformização de sua interpretação, e sua admissibilidade é restrita, limitada às hipóteses elencadas no art. 896 da CLT.

Assim, considerando que os fundamentos da decisão denegatória continuam válidos para sustentar a sua manutenção, não obstante os argumentos apresentados nas minutas dos agravos de instrumento, mantenho-a pelos seus próprios fundamentos, os quais ficam expressamente ratificados e adotados nesta decisão.

[...]

Diante do exposto, e nos termos dos arts. 932, III e IV, do CPC/2015 e 896, § 14, da CLT, conheço dos agravos de instrumento e nego-lhes provimento.  (fls. 1688/1695 – Visualização Todos PDF).

2.1. TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS. EMPRESAS PRIVADAS.  SEGURADORA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PARA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. FRAUDE. SUBORDINAÇÃO JURÍDICA. CONSTATAÇÃO.

No agravo interno, a parte reclamada sustenta, em síntese, que a decisão agravada não observou o entendimento pacificado no Supremo Tribunal Federal quanto à licitude da terceirização de serviços.

Reitera a apontada violação dos arts. 5º, II, da Constituição da República, 2º e 3º da CLT, além de contrariedade à Súmula nº 331 do TST.

Ao exame.

Consta do acordão regional:

No presente caso, embora negados os fatos pelas rés, pontuo que a prova oral demonstrou, à saciedade, que a reclamante desenvolvia funções típicas da atividade-fim da segunda ré, inclusive, com tom de subordinação jurídica aos prepostos dessa (Ata - fls. 882/887):

"que os gerentes das agências da 2a reclamada não vendiam os títulos de capitalização;... que City Capitalização bônus era oferecido apenas para clientes da 2a reclamada em razão da nomenclatura"(preposto da 2ª reclamada)

"que trabalhou com a reclamante nas agências da 2a reclamada em Campinas e em Jundiaí; que nas agências da 2a reclamada a reclamante fazia venda de títulos de capitalização; que na agência da 2a reclamada em Campinas havia outros assistentes comerciais da 1a reclamada, no caso mais um;... que o serviço da reclamante era coordenado pelo gerente geral da agência; que isso consistia em cobrança de meta; que era repassado pelo gerente à reclamante meta de venda do produto de capitalização; que a reclamante ia em média 1 vez por semana a agência da 2a reclamada em Campinas, mesma média em Jundiaí; que não havia supervisores ou coordenadores da 1a reclamada na 2a reclamada; que raramente eles faziam visitas nas agências; que pelo que sabe nos outros dias da semana a reclamante trabalhava em outras agências da 2a reclamada; que sempre que a reclamante estava na agência participava de reuniões coordenadas pelo gerente geral da agência;... que a venda dos títulos de capitalização ficava mais direcionada aos assistentes comerciais da 1a reclamada; que foi raro as oportunidades em que o depoente ofereceu esse produto a clientes do Banco; disse o depoente que chegava a fazer a apresentação do produto e caso o cliente tivesse interesse o depoente repassava a venda para a reclamante;... que ao final do expediente a reclamante repassava ao gerente da agência os seus números; que o gerente geral da agência fazia a fiscalização dos horários de trabalho da reclamante;... que o título de capitalização vendido nas agências da 2a reclamada pertencem a ela; que pelo que sabe esses títulos eram administrados pela 1a reclamada, mas comercializado pela 2a reclamada"(1ª testemunha da reclamante)

Logo, reputo correta a r. sentença primeva quanto ao reconhecimento de vínculo empregatício diretamente com o Banco reclamado, com o direito de obter a devida retificação CTPS, fixação da jornada laboral tal como previsto no art. 224 consolidado, e percepção de vantagens negociais bancárias, conforme normas coletivas juntadas aos autos, tudo nos exatos termos da r. sentença guerreada.

Mantenho íntegra a r. sentença, ainda, quanto à responsabilidade solidária da 1ª reclamada, à luz dos 942 e 932, III, ambos do Código Civil c/c art. 8º consolidado.  (fls. 1156/1157 – Visualização Todos PDF – grifos nossos).

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida nº RE-958.252, fixou a tese de que: "É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante" (Tema 725 da Tabela de Repercussão Geral).

Todavia, vigora no direito do trabalho o princípio da primazia da realidade, segundo o qual deve-se aferir as condições em que efetivamente o trabalho ocorreu, a fim de se determinar sua natureza jurídica.

E é justamente da análise do contrato-realidade que se irá extrair se houve (ou não) fraude na relação mantida entre empresa prestadora de serviços e o tomador de seus serviços, a revelar eventual distinção entre o precedente vinculante e o caso concreto.

Assim, como leciona Américo Plá Rodriguez, "em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que emerge de documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno dos fatos" (in Princípios de Direito do Trabalho, Editora Ltr, pág. 217).

Nesse sentido, transcreve-se o ensinamento de Mário de La Cueva, citado por Plá Rodrigues, verbis:

"a existência de uma relação de trabalho depende, em conseqüência, não do que as partes tiverem pactuado, mas da situação real em que o trabalhador se ache colocado, porque, como diz Scelle, a aplicação do Direito do Trabalho depende cada vez menos de uma relação jurídica subjetiva do que de uma situação objetiva, cuja existência é independente do ato que condiciona seu nascimento. Donde resulta errôneo pretender julgar a natureza de uma relação de acordo com o que as partes tiverem pactuado, uma vez que, se as estipulações consignadas no contrato não correspondem à realidade, carecerão de qualquer valor." (op. cit. - pág. 218)

No caso destes autos, cinge-se a controvérsia em saber se houve configuração de vínculo empregatício diretamente entre a parte autora, admitida pela primeira reclamada (Icatu Seguros S/A), e o segundo reclamado (Banco Citibank S/A), tomador de serviços.

Extrai-se do acórdão regional que "a prova oral demonstrou, à saciedade, que a reclamante desenvolvia funções típicas da atividade-fim da segunda ré, inclusive, com tom de subordinação jurídica aos prepostos dessa" (fl. 1156 – Visualização Todos PDF).

Pois bem.

Nos termos do artigo 1º, da Lei nº 4.594/64, que regula a profissão de corretor, o corretor de seguros é o intermediário legalmente autorizado a angariar e a promover contratos de seguros entre as sociedades de seguros e as pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado. Referida norma tem como escopo manter a autonomia do corretor, de forma a que possa selecionar, dentre todas as seguradoras, aquela que melhor atenda aos interesses dos clientes que, por seu intermédio, subscrevem os títulos.

O bem maior protegido pela norma legal é, em outras palavras, o princípio de lealdade que deve pautar a relação jurídica entre o corretor e seu cliente, e que estaria inequivocamente abalado pelo dever de obediência que aquele teria, obrigatoriamente, para com a seguradora, caso esta fosse sua empregadora.

O art. 1º, parágrafo único, inciso III, da Lei nº 4.594/64, incluído pela Lei nº 14.430, de 2022, reforça esse entendimento ao estabelecer que incumbe ao corretor de seguros "a identificação e a recomendação da modalidade de seguro que melhor atenda às necessidades do segurado e do beneficiário".

Trata-se, portanto, de atividade a ser desenvolvida por representantes de seguro, que devem escolher, para o seu cliente, o melhor seguro. Assim, o beneficiário do serviço deve ser o cliente, o consumidor, jamais da seguradora ou a instituição financeira.

No caso em exame, observa-se a distorção desse instituto, pois é fato incontroverso que a parte reclamante, admitida pela seguradora (Icatu Seguros S/A), prestava seus serviços nas dependências do banco reclamado, em benefício deste.

Além disso, o Tribunal a quo registrou a existência de subordinação jurídica aos prepostos do banco.

Tais premissas evidenciam a circunstancia de que os reclamados visaram tão somente descaracterizar o vínculo empregatício, fraudando o direito do empregado e impedindo a aplicação das normas do Direito do Trabalho (artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho).

Assim, diante desse quadro jurídico-factual, para alcançar conclusão em sentido contrário, necessário seria revolver fatos e provas, óbice de natureza processual sedimentado na Súmula nº 126 do TST.

Nesse contexto, ainda que afastada a impossibilidade de contratar serviços vinculados à atividade-fim da tomadora, remanesce hígido o fundamento autônomo da fraude constatada nestes autos.

Repise-se que a decisão proferida pelo STF no RE-958252, que determina ser lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, não impede que, no caso concreto, seja verificada a existência de terceirização fraudulenta e consequente formação de vínculo empregatício com a empresa tomadora, real empregadora do trabalhador contratado.

Desta feita, a decisão vinculante do STF, que enaltece a ampla liberdade para a contratação de serviços terceirizados no âmbito das empresas privadas, não alcança a parte reclamante, tendo em vista a sua condição específica de empregada.

Nota-se que foi estabelecido o distinguishing entre o precedente e o caso concreto, ou seja, foi demonstrado fundamentadamente o motivo da distinção entre a tese jurídica estabelecida pelo STF e o caso em exame, o que permite que o julgador deixe de aplicar o precedente vinculante, nos moldes do art. 489, § 1º, VI, do CPC de 2015.

Desse modo, não se evidencia ofensa aos dispositivos indicados como violados.

Diante do exposto, nego provimento ao agravo interno.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho, à unanimidade, conhecer dos agravos internos e, no mérito, negar-lhes provimento.

Brasília, 15 de fevereiro de 2023.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

EVANDRO VALADÃO

Ministro Relator

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