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Data da publicação:

Acordão - TRT

Catarina Von Zuben - TRT/SP



JUSTIÇA RECONHECE VÍNCULO EMPREGATÍCIO DE TRABALHADORES EM REGIME DE CROWDWORK



PROCESSO TRT/SP Nº1000272-17.2020.5.02.0059

PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO - PJE

RECURSO ORDINÁRIO DA 59ª VT DE SÃO PAULO

RECORRENTE: IXIA GERENCIAMENTO DE NEGÓCIOS LTDA

RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

REDATORA DESIGNADA DO ACÓRDÃO: CATARINA VON ZUBEN

Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho. Trabalho em regime de Crowdworking ("Terceirização online"). Multiplicidade de trabalhadores executando microtarefas de baixa complexidade. Ausência de autonomia. Diretrizes traçadas pela empregadora. Presença de elementos da subordinação clássica e também das subordinações objetiva, estrutural e algorítmica. Constatação de fraude à legislação trabalhista. Pedido de reconhecimento de vínculo de emprego. Direitos individuais homogêneos. Pedido de tutela inibitória concernente à obrigação de não contratar trabalhadores sob modalidade diversa da relação empregatícia quando estiverem presentes os requisitos do vínculo de emprego. Direito difuso.

Empresa que contrata indivíduos para trabalhar em regime de crowdworking ("Terceirização online"). Labor consistente na execução de microtarefas de baixa complexidade a partir da internet em benefício de uma terceira empresa cliente da contratante, a exemplo do serviço de acompanhamento de "atendimento virtual ao cliente" realizado por robô e correção de falhas de respostas fornecidas pelo sistema de inteligência artificial. Trabalho sem autonomia e desenvolvido a partir de diretrizes traçadas pela empresa contratante. Trabalhadores que se candidatam ao emprego através do envio de currículos. Exigência patronal de abertura de microempresa individual como condição para contratação (burla ao requisito da prestação de serviço por pessoa física - art. 9º, da CLT). Previsão contratual de impossibilidade de delegação dos serviços (pessoalidade). Estabelecimento de escalas fixas de trabalho (não eventualidade). Elementos que evidenciam a presença da subordinação clássica e também das subordinações objetiva, estrutural e algorítmica. Onerosidade incontroversa. Procedência dos pedidos com natureza individual homogênea (reconhecimento do vínculo de emprego) e difusa (tutela inibitória de abstenção de contratação sob modalidade diversa da relação empregatíciaquando estiverem presentes os requisitos do vínculo de emprego). Recurso Ordinário da reclamada ao qual se nega provimento.

Adoto o relatório do voto da i. relatora de sorteio, Drª. Thais Verrastro de Almeida, dela divergindo em relação ao tema "vínculo de emprego", prolatado nos seguintes termos:

"RELATÓRIO

Inconformada com os termos da r. sentença (fls.671/688 - ID. 671871a), que julgou procedente em parte a Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, recorre a ré (Ixia Gerenciamento de Negócios Ltda), mediante as razões constantes às fls.694/744 (ID. 21acd24), para discutir: ilegitimidade de parte, inépcia da petição inicial, perda do objeto, segredo de justiça, vínculo de emprego, anotação na CTPS, imposição de obrigação de não fazer e dano moral coletivo.

Tempestividade observada. Preparo recursal providenciado pela ré (fl.745/748 - ID. 3386cf8/ID. 780ff83 - Pág. 2). Contrarrazões apresentadas pelo Ministério Público do Trabalho às fls.757/781 (ID. e723c2a).

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

VOTO

Conhece-se do recurso, eis que presentes os pressupostos de admissibilidade.

ILEGITIMIDADE DE PARTE

A recorrente alega ilegitimidade de parte por parte do Ministério Público do Trabalho, uma vez que estaria sendo discutido em juízo direitos individuais heterogêneos. Outrossim, salienta que a matéria em comento, por ser de ordem pública, pode ser suscitada em qualquer instância.

Sem razão.

Em primeiro lugar, cumpre observar que a matéria em comento pode ser conhecida em qualquer tempo e grau de jurisdição, sendo, inclusive, passível de apreciação de ofício pelo órgão julgador (art.485, §3º, do CPC). Assim, passa-se à análise da legitimidade do Parquet para propositura da presenta ação.

No caso, busca-se a declaração da relação jurídica de emprego entre a recorrente e seus trabalhadores que lhe prestam serviços como programadores e mantenedores de sistema e atividade operacional, com coleta e análise de dados, inclusive aqueles que realizam suporte técnico informático. Tratam-se de típicos interesses individuais homogêneos (art. 81, III, da Lei nº 8.078/1990), na medida em que têm origem comum e compreendem os integrantes determináveis de grupo, categoria ou classe de pessoas que compartilhem prejuízos divisíveis, oriundos da mesma situação de fato.

De ver-se que a ausência de registro em CTPS de trabalhadores que supostamente estariam a se ativar como empregados em proveito da ré caracteriza uma situação de fato de origem comum, que causa prejuízo em detrimento de um grupo determinável. O fato de cada trabalhador eventualmente vir a possuir haveres trabalhistas diversos a depender de sua situação concreta em face da empresa não afasta a existência de uma situação de fato de origem comum.

Nem se alegue que a necessidade de constatação acerca da existência de vínculo de emprego em relação a cada trabalhador inviabiliza a pretensão ora posta em juízo, na medida em que nada impede que tal verificação possa ser feita, em relação a cada substituído, na fase de liquidação, à luz da situação específica de cada trabalhador, com a apuração específica do direito a que cada um eventualmente venha a fazer jus.

Posto isso, rejeita-se a alegada ilegitimidade ativa.

EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO - PERDA DO OBJETO

A reclamada sustenta que a ação em comento perdeu seu objeto, devendo ser extinta nos termos do art.485, VI, do CPC, na medida em que, entre os meses de abril e maio de 2021, rescindiu todos os contratos que mantinha com seus prestadores de serviços. Outrossim, aponta que, nos termos rescisórios firmados por seus prestadores, estes declaram expressamente não terem interesse no registro em CTPS.

Sem razão.

De início, cumpre observar que o fato da ré não mais possuir contratos ativos é indiferente para o deslinde do feito e não elide o interesse do Parquet, na medida em que o pretendido reconhecimento de vínculo de emprego necessariamente se reporta ao passado e possui efeitos ex tunc.

No que se refere às declarações contidas nos termos rescisórios de fls.368/437 e 474/565 (ID. f581ffb/ ID. 9445a25 e ID. 2e56372/ ID. 4ae356f), de ver-se que estas, de per si, não têm o condão de elidir a pretensão do Ministério Público do Trabalho, tornando-a prejudicada, eis que, em que pese o comando contido na r. sentença, caberia a cada um dos substituídos fazer a prova de sua situação individual na fase de liquidação.

Rejeita-se.

 INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL

A recorrente insiste em seu pleito atinente ao reconhecimento de inépcia da petição inicial, alegando que o Parquet embasou a causa de pedir tão somente nas funções desempenhadas pelos classificadores de dados, ao passo que seu pedido foi mais amplo, ao pleitear o reconhecimento de relação de emprego entre a ré e "todos os seus trabalhadores, atualmente denominados prestadores de serviços". Outrossim, a recorrente alega que o Parquet modificou seu pedido sem a sua anuência na audiência realizada em 26/04/2022, em manifesta afronta ao disposto no art.329 do CPC, ao apontar que o reconhecimento de vínculo de empego pretendido se refere aos programadores e mantenedores de sistema e atividade operacional, com coleta e análise de dados, inclusive aqueles que realizam suporte técnico informático.

Sem razão.

De início, no que se refere à suposta deficiência da causa de pedir, pontue-se que, em razão do caráter coletivo da pretensão veiculada em juízo, não se pode exigir que o Ministério Público do Trabalho descreva de forma pormenoriza as tarefas de todos os prestadores de serviço da ré. Aliás, no caso dos autos, tal alegação recursal se confunde com a própria apreciação do mérito da pretensão inaugural, não sendo o caso de inépcia da inicial. De qualquer sorte, verifica-se que a suposta inconsistência apontada pela ré não impediu seu regular exercício do direito de defesa.

No que se refere aos esclarecimentos prestados pelo Parquet na audiência realizada em 26/04/2022 ("O Ministério Público do Trabalho esclarece que a causa de pedir e pedidos de reconhecimento de vínculo se refere aos programadores e trabalhadores em manutenção de sistema e atividade operacional (coleta e análise de dados), inclusive suporte técnico informático. Não se refere, portanto, aos trabalhadores que criam os sistemas de informática, por serem trabalhadores eventuais e contratados com essa finalidade específica, assim como também não inclui os trabalhadores do setor administrativo" - fl.652 - ID. b3497c6), estes não podem ser tidos como inovação do pedido, conforme quer fazer crer a recorrente, na medida em que, com tal informação, buscou-se delimitar o objeto da prova que, inclusive, passou a ser menos abrangente que aquele delineado na petição inicial, cujo pedido foi formulado nos seguintes termos: "declaração da relação jurídica de emprego entre a IXIA GERENCIAMENTO DE NEGÓCIOS LTDA. e todos os seus trabalhadores, atualmente denominados prestadores de serviço, que realizam teleatendimento (contact center ou cal l center), análise e classificação de dados, suporte técnico e informático, pesquisas de satisfação, montagem de fluxos de sistemas de computação, através de sua plataforma digital ou de terceiros na modal idade de crowdwork" (fl.36 - ID. 7bb0ead - Pág. 35).

Logo, não há que se falar em inépcia da petição inicial ou ofensa ao disposto no art.329, I, do CPC.

Rejeita-se.

SEGREDO DE JUSTIÇA

A recorrente pleiteia o tratamento dos autos em segredo de justiça, uma vez que a discussão nele travada envolveria informações comerciais de caráter confidencial e estratégico, como o desenvolvimento de seu sistema tecnológico junto aos clientes.

Sem razão.

De ver-se que a pretensão da ré carece de amparo legal, na medida em que não se vislumbra hipótese de sigilo dos autos. Aliás, de ver-se que tal requerimento nem sequer foi formulado na contestação apresentada pela ré, o que é fato indicativo de que não se está diante de qualquer informação de caráter sigiloso.

Nada a prover."

VÍNCULO DE EMPREGO

1. Inicialmente, importante destacar que os elementos de prova colhidos durante a instrução do inquérito civil ostentam natureza de documentos públicos (art. 405, do CPC), de modo que apenas podem ter a legitimidade e autenticidade afastadas por robusta prova em contrário, o que não ocorreu no presente caso. O depoimento da única testemunha ouvida em juízo, Sr. Wilson Ferreira, corrobora a tese sustentada pelo Ministério Público do Trabalho.

2. A delimitação das premissas fáticas objeto da controvérsia é essencial para apontar as razões pelas quais entendo que a r. sentença não comporta retificação. Os trabalhadores vinculados à plataforma IXIA (empresa de teleatendimento) executam as seguintes tarefas: (a) acompanhar o passo-a-passo do atendimento automático por um robô - um programa de voz de computador - aos clientes da SKY ou da LIBERTY; (b) caso o robô falhe em solucionar o problema ou dê respostas incorretas aos clientes da SKY ou da LIBERTY; (c) o teleatendente e/ou o operacional da IXIA corrige o erro e seleciona a solução adequada ou a resposta correta; (d) para que o robô não mais incorra no mesmo erro no futuro, aperfeiçoando a automação e preenchendo lacunas e intervalos sem informação deixados pela Inteligência Artificial.

3. Eis os trechos do depoimento da testemunha Wilson que evidenciam a existência dos elementos do vínculo de emprego: "era classificador de dados, em home office (...) tinha acesso por meio de login e senha e ficava aguardando a entrada de áudio para compreender o áudio e se for o caso retornar o comando para o sistema compreender alguma dificuldade com relação à interpretação do que a pessoa falava; que retornava com a compreensão que foi falado (...) que havia recomendações para ter o melhor equipamento para prestar um melhor atendimento, com boa conexão de internet (...) que as hipóteses de classificação contidas no sistema eram definidas pelo cliente da reclamada; que atendia o cliente SKY; que não acompanha a ligação "ao vivo"; (...) a reclamada não estabelecia um tempo para realizar a classificação, mas o cliente exigia que isso fosse feito o quanto antes; (...) que era o depoente quem definia dias e horários para a realização do serviço (...) que poderia agendar qualquer dia e qualquer horário para prestar serviço (...) que no sistema havia a ; que não era obrigado a fazer as pausas; possibilidade de fazer pausas que no seu login e senha poderia colocar outra pessoa para trabalhar em seu lugar, ficava a seu critério; que já fez isso, no caso, a sua esposa esporadicamente fez o serviço em seu lugar (...) que o "helpdesk"/operacional serve como suporte para tirar dúvidas em relação ao sistema, conexão de internet (...) no contrato foi estipulado uma remuneração referente ao número de horas logado no serviço; (...) encaminhou e-mail se oferecendo para prestar os serviços à reclamada; que a resposta foi que havia vaga e necessidade, e o depoente passou o que tinha de conhecimento (experiência na área de informática); que lhe passaram login e senha para conhecer o sistema (...) que a empresa passou um e-mail com instruções e protótipo do sistema para que conhecesse; que as instruções eram relacionadas ao equipamento (compatibilidade para melhor prestação de serviços e conexão de internet); afirma que no e-mail tinha instruções de como acessar "e como fazer o melhor trabalho possível"; que reperguntado para que esclareça, afirma que no e-mail constava a informação de que o serviço seria de classificação de dados" (...) que perguntado que já que recebia por tempo logado, se poderia ficar sem fazer nada durante a "jornada", afirma que não, porque nunca se sabe quando que "vai cair" o áudio para ele interpretar; que perguntado se tinha que fazer alguma coisa a mais além de ficar logado, afirma que no seu entendimento tinha que cumprir a sua obrigação durante o tempo que está logado (...) perguntado o que poderia acontecer em relação ao depoente se o cliente reclamasse, afirma que poderia haver rescisão do contrato, "assim como eu também poderia rescindir"; (...) que perguntado quem avalia se o serviço prestado pelo depoente era bom ou ruim, afirma que se o cliente fizesse reclamação, poderia pedir a gravação e não sabe a qual setor reportaria isso".

4. A testemunha Wilson revelou que se candidatou ao trabalho em regime de "crowdwork" enviando e-mail para empresa IXIA, a qual lhe respondeu afirmando haver "vaga". Essa referida vaga somente pode ser compreendida como vaga de emprego, e jamais como "vaga para celebração de um contrato comercial". A testemunha também confirmou que recebeu e-mail como instruções de trabalho, o que infirma os reiterados relatos anteriores no sentido de que a empresa IXIA jamais lhe orientou como o serviço deveria ser executado. Igualmente, o Sr. Wilson revelou que recebeu recomendou em relação ao equipamento que deveria utilizar para prestar "o melhor serviço", o que demonstra nítida interferência da IXIA na forma como o trabalho deveria ser executado e quais as ferramentas deveriam ser executadas.

5. Ainda, o Sr. Wilson afirmou ainda que as tarefas executadas (hipóteses de classificação contidas no sistema) eram definidas pelo cliente da reclamada (no caso da testemunha o cliente era a SKY), sendo que o cliente exigia que o serviço fosse feito o quanto antes. Essa narrativa infirma a tese arguida pela reclamada no sentido de que não havia ingerência quanto à execução do serviço. As diretrizes de trabalho e a cobrança pela rapidez na sua execução ocorriam por exigência do próprio cliente. O descumprimento dessas regras poderia acarretar, nas palavras da testemunha Wilson, na rescisão do contrato. A possibilidade de rescisão do contrato, verdadeira demissão, é circunstância suficiente para evidenciar a subordinação jurídica.

7. Outrossim, a inexistência de horários pré definidos de trabalho, e a possibilidade de escolha do trabalhador em relação ao momento em que deseja trabalhar, não eliminam a subordinação jurídica. Isso porque essa é uma típica característica das formatações modernas de relação empregatícia, estando presente também nas mais variadas hipóteses de labor em regime de homeoffice. A decisão quanto ao momento de logar no sistema não é suficiente para desnaturar a real essência da natureza da relação de trabalho mantida pelas partes. Primeiro, porque, nas palavras da testemunha Wilson, a qualidade do trabalho é um elemento fundamental para a não rescisão do contrato. Segundo, porque o baixo valor da remuneração (testemunha Wilson afirmou receber onze centavos por minuto) conduz ao "comportamento esperado" de permanência por longas horas conectado. Aqui há nítida incidência da subordinação algorítima.

8. Quanto à possibilidade de substituição, a testemunha Wilson afirmou que por vezes deixou a sua esposa trabalhando por ele, mas não há prova de que esse procedimento era autorizado pela IXIA. Ao contrário, o fornecimento específico de login e senha evidencia que esses dados são pessoais, de modo que o trabalho deve ser executado pela pessoa detentora dessas credenciais. Não é possível se basear em uma possível fraude para concluir que não há pessoalidade na execução dos serviços.

9. No que concerne ao entendimento do E. STF sobre a possibilidade de terceirização (ADPF 324), a licitude da delegação dos serviços da SKY para a IXIA em nada altera a natureza da relação mantida pela IXIA com os seus trabalhadores. A regularidade da terceirização não impede o reconhecimento do vínculo dos trabalhadores terceirizados com o seu empregador (empresa prestadora dos serviços).

10. Colaciono, ainda, trechos de elementos probatórios colhidos durante o inquérito civil, os quais, somados ao depoimento da testemunha Wilson, ratificam a necessidade de manutenção da decisão recorrida: a ré, no depoimento pessoal prestado no inquérito, afirmou que "a forma de recrutamento ou habilitação para prestador de serviços remoto na IXIA é através de envio de e-mail com currículo do candidato interessado" (fl. 680); o depoimento colhido pelo Ministério Público do Trabalho em inquérito demonstra que caso o trabalhador não pudesse laborar no dia que havia escolhido, deveria encontrar alguém que o substituísse que também trabalhasse na reclamada (fl. 680); a testemunha ouvida em inquérito também afirmou que "todo dia 15 do mês a depoente recebe da IXIA uma planilha, pelo sistema, com todos os dias e horário disponíveis para trabalhar no mês seguinte; a depoente faz a sua escolha e informa a IXIA através do sistema; se ocorrer algum imprevisto em algum dia e horário já definido pela depoente, esta tem que entrar em contato com algum colega via WhatsApp para saber se alguém pode trabalhar no lugar dela; se ninguém puder a depoente tem que comunicar a empresa; a comunicação à IXIA é a única exigência para se isentar de trabalhar naquele dia; a depoente sempre comunicou a empresa, não sabe o que ocorre se não comunicar" (fl. 681)".

11. Por fim, destaco que os dados probatórios colhidos durante o inquérito civil demonstraram que há verdadeira "terceirização em ambiente virtual", uma vez que os trabalhadores "atendem às ordens e modo de trabalhos da IXIA; obedecem treinamento fornecido pela empresa; são selecionados por análise curricular; não podem delegar os serviços (previsão no contrato); há obrigatoriedade de abrir uma MEI; há escalas fixas de trabalho com necessidade de autorização da empresa para alteração; as escalas são fornecidas com 15 dias de antecedência, sendo que os empregados apenas aderem às escalas". Todos esses fatos conduzem à conclusão de que há trabalho por conta alheia, ou seja, os trabalhadores estão inseridos na rotina da atividade permanente da IXIA, mediante "subordinação telemática".

Por conseguinte, nego provimento ao recurso.

ANTE O EXPOSTO, ACORDAM os Magistrados integrantes da 17ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região em: por unanimidade de votos, CONHECER do Recurso Ordinário, e no mérito, por maioria de votos, NEGAR-LHE PROVIMENTO, vencida a Exmª Relatora que dava provimento para afastar o reconhecimento de vínculo de emprego de todos aqueles trabalhadores especificados na ata de audiência (programadores e mantenedores de sistema e atividade operacional, com coleta e análise de dados, inclusive aqueles que realizam suporte técnico informático) que tenham prestado serviços à reclamada, independentemente da plataforma digital utilizada, e independentemente do local de residência e da inscrição em MEI do empregado, julgando a ação improcedente.

Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Desembargador  ÁLVARO ALVES NÔGA.

Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. THAIS VERRASTRO DE ALMEIDA  (relatora), CATARINA VON ZUBEN (revisora) e HOMERO  BATISTA MATEUS DA SILVA  (3ª votante).

Presente o Ilustre representante do Ministério Público do Trabalho.

Sustentação Oral: Ricardo Moriggi Pimenta e Célia Regina Camachi Stander

Catarina von Zuben

Desembargadora Redatora Designada

 

Voto do(a) Des(a). THAIS VERRASTRO DE ALMEIDA / 17ª Turma

"DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO"

PROCESSO TRT/SP Nº 1000272-17.2020.5.02.0059

PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO - PJE

RECURSO ORDINÁRIO DA 59ª VT DE SÃO PAULO

RECORRENTE: IXIA GERENCIAMENTO DE NEGÓCIOS LTDA

RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

Ação Civil Pública. Não configurados os requisitos necessários para configuração de relação de emprego entre a ré e seus contratados. Sentença reformada.

Inconformada com os termos da r. sentença (fls.671/688 - ID. 671871a), que julgou procedente em parte a Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, recorre a ré (Ixia Gerenciamento de Negócios Ltda), mediante as razões constantes às fls.694/744 (ID. 21acd24), para discutir: ilegitimidade de parte, inépcia da petição inicial, perda do objeto, segredo de justiça, vínculo de emprego, anotação na CTPS, imposição de obrigação de não fazer e dano moral coletivo.

Tempestividade observada. Preparo recursal providenciado pela ré (fl.745/748 - ID. 3386cf8/ID. 780ff83 - Pág. 2). Contrarrazões apresentadas pelo Ministério Público do Trabalho às fls.757/781 (ID. e723c2a).

É o relatório.

VOTO

Conhece-se do recurso, eis que presentes os pressupostos de admissibilidade.

ILEGITIMIDADE DE PARTE

A recorrente alega ilegitimidade de parte por parte do Ministério Público do Trabalho, uma vez que estaria sendo discutido em juízo direitos individuais heterogêneos. Outrossim, salienta que a matéria em comento, por ser de ordem pública, pode ser suscitada em qualquer instância.

Sem razão.

Em primeiro lugar, cumpre observar que a matéria em comento pode ser conhecida em qualquer tempo e grau de jurisdição, sendo, inclusive, passível de apreciação de ofício pelo órgão julgador (art.485, §3º, do CPC). Assim, passa-se à análise da legitimidade do Parquet para propositura da presenta ação.

No caso, busca-se a declaração da relação jurídica de emprego entre a recorrente e seus trabalhadores que lhe prestam serviços como programadores e mantenedores de sistema e atividade operacional, com coleta e análise de dados, inclusive aqueles que realizam suporte técnico informático. Tratam-se de típicos interesses individuais homogêneos (art. 81, III, da Lei nº 8.078/1990), na medida em que têm origem comum e compreendem os integrantes determináveis de grupo, categoria ou classe de pessoas que compartilhem prejuízos divisíveis, oriundos da mesma situação de fato.

De ver-se que a ausência de registro em CTPS de trabalhadores que supostamente estariam a se ativar como empregados em proveito da ré caracteriza uma situação de fato de origem comum, que causa prejuízo em detrimento de um grupo determinável. O fato de cada trabalhador eventualmente vir a possuir haveres trabalhistas diversos a depender de sua situação concreta em face da empresa não afasta a existência de uma situação de fato de origem comum.

Nem se alegue que a necessidade de constatação acerca da existência de vínculo de emprego em relação a cada trabalhador inviabiliza a pretensão ora posta em juízo, na medida em que nada impede que tal verificação possa ser feita, em relação a cada substituído, na fase de liquidação, à luz da situação específica de cada trabalhador, com a apuração específica do direito a que cada um eventualmente venha a fazer jus.

Posto isso, rejeita-se a alegada ilegitimidade ativa.

EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO - PERDA DO OBJETO

A reclamada sustenta que a ação em comento perdeu seu objeto, devendo ser extinta nos termos do art.485, VI, do CPC, na medida em que, entre os meses de abril e maio de 2021, rescindiu todos os contratos que mantinha com seus prestadores de serviços. Outrossim, aponta que, nos termos rescisórios firmados por seus prestadores, estes declaram expressamente não terem interesse no registro em CTPS.

Sem razão.

De início, cumpre observar que o fato da ré não mais possuir contratos ativos é indiferente para o deslinde do feito e não elide o interesse do Parquet, na medida em que o pretendido reconhecimento de vínculo de emprego necessariamente se reporta ao passado e possui efeitos ex tunc.

No que se refere às declarações contidas nos termos rescisórios de fls.368/437 e 474/565 (ID. f581ffb/ ID. 9445a25 e ID. 2e56372/ ID. 4ae356f), de ver-se que estas, de per si, não têm o condão de elidir a pretensão do Ministério Público do Trabalho, tornando-a prejudicada, eis que, em que pese o comando contido na r. sentença, caberia a cada um dos substituídos fazer a prova de sua situação individual na fase de liquidação.

Rejeita-se.

INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL

A recorrente insiste em seu pleito atinente ao reconhecimento de inépcia da petição inicial, alegando que o Parquet embasou a causa de pedir tão somente nas funções desempenhadas pelos classificadores de dados, ao passo que seu pedido foi mais amplo, ao pleitear o reconhecimento de relação de emprego entre a ré e "todos os seus trabalhadores, atualmente denominados prestadores de serviços". Outrossim, a recorrente alega que o Parquet modificou seu pedido sem a sua anuência na audiência realizada em 26/04/2022, em manifesta afronta ao disposto no art.329 do CPC, ao apontar que o reconhecimento de vínculo de empego pretendido se refere aos programadores e mantenedores de sistema e atividade operacional, com coleta e análise de dados, inclusive aqueles que realizam suporte técnico informático.

Sem razão.

De início, no que se refere à suposta deficiência da causa de pedir, pontue-se que, em razão do caráter coletivo da pretensão veiculada em juízo, não se pode exigir que o Ministério Público do Trabalho descreva de forma pormenoriza as tarefas de todos os prestadores de serviço da ré. Aliás, no caso dos autos, tal alegação recursal se confunde com a própria apreciação do mérito da pretensão inaugural, não sendo o caso de inépcia da inicial. De qualquer sorte, verifica-se que a suposta inconsistência apontada pela ré não impediu seu regular exercício do direito de defesa.

No que se refere aos esclarecimentos prestados pelo Parquet na audiência realizada em 26/04/2022 ("O Ministério Público do Trabalho esclarece que a causa de pedir e pedidos de reconhecimento de vínculo se refere aos programadores e trabalhadores em manutenção de sistema e atividade operacional (coleta e análise de dados), inclusive suporte técnico informático. Não se refere, portanto, aos trabalhadores que criam os sistemas de informática, por serem trabalhadores eventuais e contratados com essa finalidade específica, assim como também não inclui os trabalhadores do setor administrativo" - fl.652 - ID. b3497c6), estes não podem ser tidos como inovação do pedido, conforme quer fazer crer a recorrente, na medida em que, com tal informação, buscou-se delimitar o objeto da prova que, inclusive, passou a ser menos abrangente que aquele delineado na petição inicial, cujo pedido foi formulado nos seguintes termos: "declaração da relação jurídica de emprego entre a IXIA GERENCIAMENTO DE NEGÓCIOS LTDA. e todos os seus trabalhadores, atualmente denominados prestadores de serviço, que realizam teleatendimento (contact center ou cal l center), análise e classificação de dados, suporte técnico e informático, pesquisas de satisfação, montagem de fluxos de sistemas de computação, através de sua plataforma digital ou de terceiros na modal idade de crowdwork" (fl.36 - ID. 7bb0ead - Pág. 35).

Logo, não há que se falar em inépcia da petição inicial ou ofensa ao disposto no art.329, I, do CPC.

Rejeita-se.

SEGREDO DE JUSTIÇA

A recorrente pleiteia o tratamento dos autos em segredo de justiça, uma vez que a discussão nele travada envolveria informações comerciais de caráter confidencial e estratégico, como o desenvolvimento de seu sistema tecnológico junto aos clientes.

Sem razão.

De ver-se que a pretensão da ré carece de amparo legal, na medida em que não se vislumbra hipótese de sigilo dos autos. Aliás, de ver-se que tal requerimento nem sequer foi formulado na contestação apresentada pela ré, o que é fato indicativo de que não se está diante de qualquer informação de caráter sigiloso.

Nada a prover.

VÍNCULO DE EMPREGO

O MM. Juízo de origem julgou procedente o pedido atinente ao tema em epígrafe nos seguintes termos: "reconheço o vínculo empregatício de todos aqueles trabalhadores especificados na ata de audiência (programadores e mantenedores de sistema e atividade operacional, com coleta e análise de dados, inclusive aqueles que realizam suporte técnico informático) que tenham prestado serviços à reclamada, independentemente da plataforma digital utilizada, local de prestação de serviços ou inscrição em MEI do trabalhador. Determino que a reclamada anote a CTPS digital de todos estes empregados no prazo de 5 dias, devendo ser intimada para tanto em execução, sob pena de multa diária equivalente a R$500,00 por dia, por trabalhador, multa a ser revertida ao FAT. Autorizo que a Secretaria da Vara do Trabalho realize as referidas anotações caso atingido o valor total de R$100.000,00 a título de multa. Julgo, também, procedente o pedido referente à tutela inibitória, e condeno a reclamada à obrigação de não contratar ou manter trabalhadores (programadores e mantenedores de sistema e atividade operacional, com coleta e análise de dados, inclusive aqueles que realizam suporte técnico informático) como autônomos ou microempreendedores individuais, por meio de contratos de prestação de serviço, de parceria ou qualquer outra forma de contratação civil ou comercial quando presentes os requisitos do art. 3º da CLT, conforme fundamentação supra, a contar do trânsito em julgado desta ação, sob pena de multa de R$10.000,00 por contratação realizada, sendo os valores revertidos ao FAT. Os vínculos empregatícios e obrigações reconhecidas possuem eficácia erga omnes e extensão territorial em todo o território nacional, com base na decisão do STF no RE 1.101.937".

A r. sentença merece reparo.

De início, cumpre observar que os depoimentos e provas colhidos no curso do Inquérito Civil nº004768.2018.02.000/4 conduzido pelo Ministério Público do Trabalho (fls.42/74 - ID. cf7fa8f/ ID. b777be4), embora possam trazer subsídios para o julgamento do feito, possuem valor probatório relativo e devem ser cotejados com as demais provas constantes nos autos (TST-RR-969-36.2012.5.01.0262, 3ª Turma, Rel. Min. ALEXANDRE AGRA BELMONTE, 22/08/2018).

Nesta senda, para configuração da relação de emprego, necessário se faz a presença dos seguintes requisitos: prestação de serviço não eventual, subordinação, pessoalidade e onerosidade (art.3º, caput, da CLT), o que não restou demonstrado no caso dos autos.

De fato, a testemunha da ré, única ouvida nos autos, afirmou: "que era classificador de dados, em home office; que não havia nenhuma regra de como deveria executar o serviço; que tinha acesso por meio de login e senha e ficava aguardando a entrada de áudio para compreender o áudio e se for o caso retornar o comando para o sistema compreender alguma dificuldade com relação à interpretação do que a pessoa falava; que retornava com a compreensão que foi falado; que a reclamada não interferia com regras de como deveria fazer essa classificação; que o exemplo dado foi dizer, por exemplo, que a pessoa falou "seis", e não "três"; que os equipamentos eram por conta do prestador; que havia recomendações para ter o melhor equipamento para prestar um melhor atendimento, com boa conexão de internet; (...); que não acompanha a ligação "ao vivo"; que não intervinha para corrigir sistema; que não falava diretamente com o cliente; que não prestava serviço de teleatendimento; (...); que a reclamada não estabelecia um tempo para realizar a classificação, mas o cliente exigia que isso fosse feito o quanto antes; que não existia um tempo mínimo ou máximo; que o depoente afirma que prestava o melhor serviço o quanto antes; que não havia controle do tempo que levava para prestar o serviço; que era o depoente quem definia dias e horários para a realização do serviço; que isso permaneceu dessa forma durante todo o contrato; que se deixasse de comparecer no horário agendado não teria punição da reclamada; que poderia agendar qualquer dia e qualquer horário para prestar serviço; que não havia prazo para escolher o dia e horário; que não havia controle quanto ao dia em que escolheu trabalhar (se de fato trabalhou); que se não logasse naquele dia, não precisaria de autorização para tanto; (...); que poderia ficar dias ou semanas sem prestar serviços, a seu critério; que isso já aconteceu com o depoente; que não precisou de autorização ou treinamento para voltar a ingressar no sistema; que não havia restrição da reclamada quanto a período mínimo ou dias específicos, poderia trabalhar em qualquer dia e qualquer período; que se logasse em horário mais tarde ou saísse mais cedo do que o horário que disse que faria, não receberia nenhuma advertência ou punição; (...); que a reclamada não fiscalizava a execução dos serviços; que não havia metas; (...); que não precisava enviar relatórios ou prestar conta das atividades desempenhadas; (...); que não tinha ordens a cumprir; (...); que se não conseguisse logar, não tinha de colocar alguém em seu lugar, não havia essa obrigatoriedade; (...); que a reclamada não emitia instrução diária de como realizar o serviço; (...); que não encaminhava uma escala mensal para informar os horário que queria; que perguntado se poderia acordar e decidir sozinho que queria trabalhar naquele dia, ou se tinha que escolher os horários no mês, afirma que não tinha necessidade de permissão da empresa; que afirma que era a sua opção de organizar mensalmente, mas poderia diariamente decidir acordar e trabalhar para a empresa; que poderia trabalhar tantas horas quanto quisesse logado trabalhando; que não havia recomendação da empresa para que trabalhasse um número de horas; que não tinha necessidade de indicar com antecedência os dias disponíveis ou horário que queria trabalhar" (g.n.).

Dessa forma, verifica-se que a testemunha em comento, como classificadora de dados, não se submetia a regras ou supervisão, podendo desempenhar seu serviço da forma como lhe aprouvesse. Outrossim, constata-se que não lhe era conferido prazo para concluir suas tarefas, sendo que poderia trabalhar nos dias e horários de acordo com sua conveniência. Relato este que também foi confirmado pelos depoimentos colhidos no inquérito civil conduzido pelo Parquet.

Neste sentido, o depoimento da Sra. Elen Agostinho de Souza Gruewnlich colhido no referido inquérito, informou: "que a depoente também presta serviço como manicure e aproveitou para regularizar a questão da aposentadoria"; "a depoente não presta serviço de atendimento ou operacional para outras empresas; a depoente presta serviço de manicure"; "escolhe o horário que quer fazer, não tendo mínimo ou máximo; a empresa não estabelece nenhum horário mínimo de trabalho, como também nenhum limite máximo"; "a depoente pode acessar o sistema da empresa em qualquer dia da semana ou final de semana"; "a depoente nunca recebei qualquer feedback ou avaliação por parte da IXIA; a depoente nunca fez qualquer relatório para IXIA sobre suas atividades"; "que não há penalidade nem por assiduidade, podendo comparecer qualquer dia da semana, indistintamente, ou por horas trabalhadas, podendo trabalhar quantidade de horas que entender adequado para aquele dia específico"; "que pode ficar até 30 dias ou mais sem acessar o portal da IXIA, mas para fins de atualização deve entrar em contato com a empresa para saber se houve alteração na rotina de trabalho" (g.n.) (fl.60/61 - ID. a15637f - Pág. 1/2)).

Igualmente, no depoimento do Sr. Alexandre Viana de Amorim no inquérito em comento, este afirmou: "o depoente que escolhe os dias e os horários de trabalho dentro dos horários e dias disponíveis na planilha, ofertada pela empresa todo dia 20; que não há compromisso com assiduidade de dias ou horário de trabalho; se o depoente tiver algum impedimento ou contratempo escolhido para trabalhar basta avisar a empresa, sem nenhum penalidade"; "o depoente não necessita enviar o relatório de suas atividades para IXIA"(g.n.) (fl.63 - ID. 837b334 - Pág. 1).

Dessa forma, verifica-se que não havia habitualidade e subordinação na prestação de serviços realizadas pelos trabalhadores contratados pela ré. O fato da testemunha da recorrente ter informado que existia a possibilidade de inserção de "pausa" no sistema não elide tal constatação, na medida em que esta funcionalidade não implica na conclusão de que havia controle de horário pela ré. Frise-se, de acordo com todos os citados depoimentos, não havia controle de dias quanto mais de horas trabalhadas.

Outrossim, em que pese constar no depoimento da testemunha da ré "perguntado o que poderia acontecer em relação ao depoente se o cliente reclamasse, afirma que poderia haver rescisão do contrato, "assim como eu também poderia rescindir"", também restou consignado "que perguntado quem avalia se o serviço prestado pelo depoente era bom ou ruim, afirma que se o cliente fizesse reclamação, poderia pedir a gravação e não sabe a qual setor reportaria isso; que afirma que não tem na reclamada algum responsável por fazer essa cobrança", o que demonstra que não havia cobrança da ré em relação ao serviço prestado pelo contratado, sem prejuízo da possibilidade de rescisão contratual, o que pode vir a acontecer em qualquer contrato de prestação de serviços.

Neste contexto, não se nega que "os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio", nos termos estatuídos pelo art.6º, parágrafo único, da CLT. Contudo, no caso vertente, restou fartamente demonstrada a inexistência de controle e supervisão por parte da ré, que são pressupostos para aplicação do dispositivo legal em comento.

Ao caso, igualmente, não seria aplicável o disposto no art.452-A, §3º, da CLT ("A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente"), pois verifica-se que os trabalhadores não estavam submetidos ao regime de trabalho intermitente, na medida em que não havia convocação para o serviço (art.452-A, §1º, da CLT).

Aliás, e em reforço, o art.442-B da CLT, incluído pela Lei nº13.467/2017, estabelece que "A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3o desta Consolidação", o que é o caso dos autos. Assim, a exigência de abertura de MEI contida no e-mail de fl.69 (ID. 412029b - Pág. 1), em verdade, apenas reforça o enquadramento dos prestadores como autônomos.

Da mesma forma, também não restou evidenciado nos autos a existência de pessoalidade nos serviços prestados pelos contratados da ré. Apesar de constar no item 8, "a", do contrato de prestação de serviços de fl.48 (ID. d1db1b9 - Pág. 4) os seguintes termos: "não poderá subcontratar e/ou utilizar terceiros para a execução de quaisquer serviços solicitados pela IXIA", fato é que não havia qualquer controle quanto à possibilidade do serviço vir a ser prestado por terceiro estranho à avença.

Neste sentido, a testemunha da ré afirmou: "que poderia trocar dia e horário com outro prestador, sem aval da reclamada; que já fez isso"; "que no seu login e senha poderia colocar outra pessoa para trabalhar em seu lugar, ficava a seu critério; que já fez isso, no caso, a sua esposa esporadicamente fez o serviço em seu lugar; que não era necessário comunicar ou pedir autorização da reclamada para tanto; que a reclamada não fiscalizava a execução dos serviços". Igualmente, a Sr. Elen em seu depoimento nos autos do inquérito civil informou que "única orientação da IXIA é que a senha é pessoal, mas não há nada expresso de que a depoente não possa passar sua senha para terceiros, ou, ainda, controle por parte da empresa de que isso ocorre" (fl.60/61 - ID. a15637f - Pág. 1/2). Da mesma forma, o Sr. Alexandre afirmou em seu depoimento no inquérito civil "que não há nenhum controle por parte da empresa IXIA se é o depoente que acessou o sistema com sua senha pessoal, tal como, chamada por vídeo, biometria" (fl.63 - ID. 837b334 - Pág. 1).

Ausência de pessoalidade esta que não se elide pela eventual necessidade de envio de currículo pelos contratados, na medida em que esta consiste numa exigência mínima de qualificação para o serviço prestado, independentemente de sua natureza, sobretudo em se considerando que trabalhador recebe login e senha para acessar a sistema a ré.

Some-se a isso o fato de que a testemunha da recorrente afirmou "que à época era R$0,11 o minuto logado", o que indica que a remuneração estava condicionada à efetiva prestação de serviços por parte dos contratados, retirando-lhe o caráter salarial. Também neste sentido, a Sra. Elen, em seu depoimento no inquérito civil, informou que "recebe sua contraprestação de acordo com as horas trabalhadas"(fl.60/61 - ID. a15637f - Pág. 1/2).

Ainda, em se analisando os documentos de fls.65/67 ("Orientações sobre a Escala Fixa" - ID. d4655b7), 68 ("Informação sobre Trocas" - ID. 8b9a5c0), 70 ("limpeza semanal na máquina" - ID. 37babf2) e 73 ("O papel do Operacional" - ID. 74bd6ea), verifica-se que estes apenas visam racionalizar e organizar os serviços prestados pelos seus contratados, além de garantir a segurança do sistema operacional, não tendo o condão, de per si, de ensejar o reconhecimento de vínculo de emprego, sobretudo em se considerando as demais provas constates nos autos.

No mais, destaque-se que o E. Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADPF 324, assentou a constitucionalidade da terceirização de atividade-fim ou meio, fixando a seguinte tese: "1. É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada".

Dessa forma, no caso dos autos, além da ausência dos requisitos ensejadores da relação empregatícia, diante do julgamento vinculante na ADPF nº324, não há se cogitar em tal reconhecimento também com base na atividade-fim da ré. Neste sentido, cite-se julgado proferido pela C. 1ª Turma do E. Supremo Tribunal Federal nos seguintes termos:

CONSTITUCIONAL, TRABALHISTA E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. OFENSA AO QUE DECIDIDO POR ESTE TRIBUNAL NO JULGAMENTO DA ADPF 324 E DO TEMA 725 DA REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO PROVIDO. 1. A controvérsia, nestes autos, é comum tanto ao decidido no julgamento da ADPF 324 (Rel. Min. ROBERTO BARROSO), quanto ao objeto de análise do Tema 725 (RE 958.252, Rel. Min. LUIZ FUX), em que esta CORTE fixou tese no sentido de que: "É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante". 2. A Primeira Turma já decidiu, em caso análogo, ser lícita a terceirização por "pejotização", não havendo falar em irregularidade na contratação de pessoa jurídica formada por profissionais liberais para prestar serviços terceirizados na atividade-fim da contratante (Rcl 39.351 AgR; Rel. Min. ROSA WEBER, Red. p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 11/5/2020). 3. Recurso de Agravo ao qual se dá provimento. (STF-1ª Turma, Reclamação 47.843 - Agravo Regimental, Rel. Min. Cármen Lúcia, Relator p/ Acórdão Min. Alexandre de Moraes, DJe de 07/04/2022)

Isto posto, dá-se provimento ao recurso da ré, para afastar o reconhecimento de vínculo de emprego de todos aqueles trabalhadores especificados na ata de audiência (programadores e mantenedores de sistema e atividade operacional, com coleta e análise de dados, inclusive aqueles que realizam suporte técnico informático) que tenham prestado serviços à ré, independentemente da plataforma digital utilizada, e independentemente do local de residência e da inscrição em MEI do empregado, julgando a ação improcedente. Prejudicada a análise dos demais tópicos recursais.

ANTE O EXPOSTO, DECIDO: CONHECER do Recurso Ordinário e, no mérito, DAR PROVIMENTO ao recurso, para afastar o reconhecimento de vínculo de emprego de todos aqueles trabalhadores especificados na ata de audiência (programadores e mantenedores de sistema e atividade operacional, com coleta e análise de dados, inclusive aqueles que realizam suporte técnico informático) que tenham prestado serviços à reclamada, independentemente da plataforma digital utilizada, e independentemente do local de residência e da inscrição em MEI do empregado, julgando a AÇÃO IMPROCEDENTE. Prejudicada a análise dos demais tópicos recursais.

Custas, em reversão, a cargo do autor, em relação as quais é isento (art.790-A, II, da CLT).

THAIS VERRASTRO DE ALMEIDA

Relatora

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