TST - INFORMATIVOS 2019 0198 - 10 de junho

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Acordãos na integra

Alexandre de Souza Agra Belmonte - TST



BENEFÍCIOS PREVISTOS EM NORMAS COLETIVAS ADOTADAS DURANTE TODO O PACTO LABORAL. NOVO ENQUADRAMENTO SINDICAL. NORMA MENOS FAVORÁVEL. PREJUÍZO AO EMPREGADO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA.



TRANSCENDÊNCIA. BENEFÍCIOS PREVISTOS EM NORMAS COLETIVAS ADOTADAS DURANTE TODO O PACTO LABORAL. NOVO ENQUADRAMENTO SINDICAL. NORMA MENOS FAVORÁVEL. PREJUÍZO AO EMPREGADO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. O recurso de revista se viabiliza porque ultrapassa o óbice da transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza social e econômica.

BENEFÍCIOS PREVISTOS EM NORMAS COLETIVAS ADOTADAS DURANTE TODO O PACTO LABORAL. NOVO ENQUADRAMENTO SINDICAL. NORMA MENOS FAVORÁVEL. PREJUÍZO AO EMPREGADO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. No caso ora em apreço, extrai-se da leitura do acórdão regional que, por ocasião da ruptura contratual, a autora foi surpreendida com a negativa da empregadora em conceder-lhe direitos previstos nas normas coletivas que eram correntemente aplicadas durante todo o pacto laboral, o que fez sob o fundamento de equívoco no enquadramento sindical adotado. Entretanto, ao determinar o reenquadramento, a ré deixou de cumprir as normas da categoria profissional até então observadas, mais benéficas que as do novo enquadramento e assim causou prejuízo à trabalhadora dispensada.  Trata-se aqui da questão da boa-fé contratual e da aplicação de três princípios basilares de Direito do Trabalho: o da primazia da realidade, o da condição mais benéfica e o da razoabilidade. Deveras, o procedimento da ré, ao alterar a norma de conduta sedimentada e expectada para o desenvolvimento do contrato (artigo 422 do Código Civil), para não cumprir as normas coletivas sempre observadas pelas partes, invocando novas normas para negar-se ao cumprimento das anteriores, ofendeu o princípio da boa-fé objetiva. Por outro lado, pelo princípio da primazia da realidade, há de prevalecer a realidade dos fatos na execução do contrato, para fins de proteção das relações de trabalho. Com efeito, se as normas coletivas estabelecidas para o contrato de trabalho da reclamante foram as negociadas entre o SINDUSCON e a categoria econômica dos trabalhadores da construção civil, para o qual a empresa vertia as contribuições obrigatórias e eram mais benéficas do que as do adequado enquadramento, essa é a realidade a ser observada e, pelo princípio da razoabilidade, a solução capaz de realizar o direito, ou seja, a justiça do caso concreto (artigo 170, caput, da Constituição Federal). Finalmente, pelo princípio da condição mais benéfica, a norma posterior (do novo enquadramento) não pode suprimir ou reduzir direitos já incorporados ao patrimônio do empregado, porque mais benéfica a condição existente. Outrossim, a cláusula geral de boa-fé objetiva também abrange a máxima nemo potest venire contra factum proprium ("ninguém pode se voltar contra fato próprio"). Tal instituto estabelece a proibição de atitudes contraditórias das partes, evitando-se a frustração de expectativas legítimas do outro integrante da relação contratual, situação verificada in casu. Destarte, por entender maculado o princípio da boa-fé objetiva no contrato de trabalho em análise, merece reforma o acórdão regional para restabelecimento da sentença que julgou procedente o pedido de condenação da ré ao deferimento dos direitos previstos nas normas coletivas anteriores ao reenquadramento. Recurso de revista conhecido por violação do artigo 422 do Código Civil e provido. (TST-RR-1214-79.2014.5.07.001, Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT, 07.06.19).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-1214-79.2014.5.07.0013, em que é Recorrente NEUSA SCHIAVO DA SILVA e Recorrida COOPERATIVA DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL DO CEARÁ – COOPERCON-CE.

O egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região, por meio do v. acórdão às págs. 1.412-1.422, complementado às págs. 1.454-1.456, deu parcial provimento aos recursos ordinários da autora e da ré.

Irresignada, a autora interpõe recurso de revista às págs. 1.474-1.486, o qual foi admitido pelo r. despacho às págs. 1.489-1.494.

Foram apresentadas contrarrazões às págs. 1.501-1.517, tendo sido dispensada a remessa dos autos ao d. Ministério Público do Trabalho, nos termos regimentais.

É o relatório.

V O T O

O recurso de revista é tempestivo (págs. 1.474 e 1.487), ostenta representação regular (págs. 35 e 1.474) e desnecessário o preparo, em virtude da procedência parcial dos pedidos (págs. 1.276, 1.324, 1.422 e 1.456).

1 – CONHECIMENTO

1.1 - TRANSCENDÊNCIA

Considerando que o acórdão do Tribunal Regional foi publicado na vigência da Lei nº 13.467/2017, o recurso de revista submete-se ao crivo da transcendência, que deve ser analisada de ofício e previamente, independentemente de alegação pela parte.

O artigo 896-A da CLT, inserido pela Lei nº 13.467/2017, com vigência a partir de 11/11/2017, estabelece em seu § 1º, como indicadores de transcendência: I - econômica, o elevado valor da causa; II - política, o desrespeito da instância recorrida à jurisprudência sumulada do Tribunal Superior do Trabalho ou do Supremo Tribunal Federal; III - social, a postulação, por reclamante-recorrente, de direito social constitucionalmente assegurado; IV - jurídica, a existência de questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista.

Por sua vez, este Tribunal Superior do Trabalho ao editar o seu Regimento Interno, dispôs expressamente sobre a transcendência nos artigos 246, 247, 248 e 249.

Pois bem.

O Tribunal Regional assim dirimiu a controvérsia, conforme trecho do acórdão complementado transcrito nas razões de recurso de revista, à pág. 1.477 (artigo 896, § 1º-A, I, da CLT):

De se reconhecer, no entanto, a lacuna decisória concernente à alegação de ofensa ao princípio da boa-fé objetiva, suscitada nas contrarrazões ao Recurso Ordinário da reclamada, mas desconsiderada no Acórdão embargado.

Saneando a falha, aduzem-se os seguintes fundamentos decisórios:

A aplicação de normas coletivas distintas das utilizadas pela Cooperativa demandada durante o evolver da relação empregatícia que a vinculara à autora não configura quebra da boa-fé contratual preconizada no art. 422 do Código Civil, por se tratar de imposição legal o enquadramento do empregado na categoria correspondente à atividade econômica preponderante desenvolvida por seu empregador.

A decisão do Tribunal Regional contraria o princípio da boa-fé objetiva, porquanto desconsiderou as normas coletivas adotadas durante todo o pacto laboral em detrimento do novo reenquadramento sindical menos favorável à empregada.

Dessa forma, oferece a causa transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza social, nos termos do artigo 896-A, § 1º, III, da CLT, porquanto postula a empregada direito assegurado constitucionalmente.

Ademais, ainda que tenha sido reduzido o valor da condenação pelo Tribunal Regional, diante da improcedência dos pedidos que ora se renovam, o valor atribuído à causa foi de R$ 1.000.000,00, sendo que o juízo ordinário arbitrou à condenação o valor de R$ 240.000,00, razão pela qual a causa também oferece transcendênci9a com relação aos reflexos gerais de natureza econômica.

Presentes os pressupostos extrínsecos de admissibilidade do recurso de revista, passo ao exame de seus pressupostos intrínsecos.

1.1.1 – BENEFÍCIOS PREVISTOS EM NORMAS COLETIVAS ADOTADAS DURANTE TODO O PACTO LABORAL – NOVO ENQUADRAMENTO SINDICAL – NORMA MENOS FAVORÁVEL - PREJUÍZO AO EMPREGADO - VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA

Em razões de revista, a autora sustenta que "a empresa criou legítimas expectativas, sempre aplicou a norma coletiva da construção civil para tudo e, ao final do contrato, para não dar uma estabilidade pré-aposentadoria, frustra tal expectativa (tu quoque), para aplicar outra norma coletiva (venire), isentando-se de responsabilidade" (pág. 1.478).

Alega que "a conduta da empresa quebrou a boa-fé objetiva, dever de lealdade entre os contratantes, plenamente aplicável ao contrato de trabalho" (pág. 1.477).

Assim sendo, argumenta que "faz jus a obreira à estabilidade pré-aposentadoria, aos reajustes olvidados, a PLR e aos demais direitos contidos na norma coletiva da construção civil (ID 15aa190/e54827e) pleiteados na exordial" (pág. 1.485).

Pleiteia seja restabelecida a sentença no particular.

Aponta violação dos artigos 8º da CLT e 422 do Código Civil, bem como divergência jurisprudencial.

A decisão regional foi proferida nos seguintes termos (págs. 1.415-1.417):

DO ENQUADRAMENTO SINDICAL - DA ESTABILIDADE PRÉ-APOSENTADORIA, DAS DIFERENÇAS SALARIAIS DECORRENTES DE REAJUSTE PREVISTO EM CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO E DA PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS DE 2014

O enquadramento sindical no ordenamento jurídico pátrio, com ressalva das categorias profissionais diferenciadas - de que não se cuida na hipótese - se faz a partir da atividade econômica preponderante do empregador, quando mais de uma é por ele explorada.

Veja-se a definição insculpida no art. 581, § 2º, da CLT:

"§ 2º Entende-se por atividade preponderante a que caracterizar a unidade de produto, operação ou objetivo final, para cuja obtenção todas as demais atividades convirjam, exclusivamente em regime de conexão funcional."

No caso dos autos, a promovida, COOPERCON-CE - Cooperativa da Construção Civil do Estado do Ceará, assim definiu seu objeto social no Estatuto respectivo, consoante cópia anexada pela autora às fls. 159/171:

"Art. 5° - A COOPERCON-CE tem por objetivo a defesa dos interesses de seus associados no que tange aos aspectos econômicos e sociais, por meio de ajuda mútua, mediante a prestação de serviços, representada no fornecimento de insumos e equipamentos para construção civil, na prestação de serviços e comercialização de seus produtos, na prestação de assistência técnica e social, na promoção de educação cooperativista, nas campanhas de expansão do cooperativismo e na modernização de suas técnicas."

Na sequência da disposição acima, o Estatuto elenca um rol de atividades a serem desenvolvidas, com o fito de materializar o objetivo econômico nele traçado.

A reclamante alega na exordial que a promovida sempre aplicou, em relação a seus empregados, as normas coletivas pactuadas para o segmento da construção civil, deferindo, segundo o teor destas, vantagens como reajustes salariais e participação nos lucros, além de efetuar o recolhimento de contribuições aos sindicatos patronal e profissional correspondentes e homologar perante este último as rescisões eventualmente ocorridas.

Ressalta, ainda, que a Cooperativa enumera dentre seus propósitos a exploração de insumos para a construção civil e a prestação de consultoria técnica aos associados, porém atuando, primordialmente, no corte e dobra de vergalhões de aço para utilização nas obras realizadas pelas construtoras filiadas.

Assim, sustenta a autora que a atividade preponderante da COOPERCON-CE é típica de construção civil, afirmando constituir atitude de má-fé pretender-se o afastamento da norma coletiva própria desse segmento econômico somente ao ensejo da rescisão de seu contrato de trabalho, com o fito de impedir a fruição do direito à estabilidade pré-aposentadoria prevista naquela pactuação.

A argumentação obreira, no entanto, não merece acolhida.

A reclamada, organizada sob a forma de cooperativa, desenvolve determinadas atividades em benefício comum de suas associadas, empresas construtoras sediadas no Estado do Ceará.

Não se divisa, contudo, ao exame da prova reunida no processo, o desempenho, por esse ente cooperativista, de atribuição inerente à construção civil, senão meramente auxiliar, de caráter acessório à atividade finalística de suas empresas associadas, sendo exemplo disso o corte e a dobra de vergalhões mencionado pela parte autora.

Não realizou, nem realiza, a COOPERCON-CE, é fato incontroverso, qualquer obra de construção.

Em assim, afigura-se inteiramente equivocada sua vinculação ao Sindicato da Construção Civil do Ceará - SINDUSCON e a de seus empregados ao correspondente sindicato profissional.

Frise-se que o fato de a Cooperativa reclamada haver recolhido, durante determinado período, por mero equívoco, contribuições para o sindicato obreiro da construção civil, por si só, não acarreta o reconhecimento de que seja ele o representante da categoria profissional de seus empregados.

Ora, uma vez que o enquadramento sindical obedece a regras legais expressas, torna-se irrelevante que o empregador tenha recolhido contribuições para sindicato diverso ou realizado perante este quaisquer homologações rescisórias.

O que define o enquadramento sindical do empregado, reitere-se, por expressa disposição legal, é a atividade preponderante do empregador, a qual, na hipótese dos autos, não é a de construção civil, como sustenta a autora, mas de cooperativismo.

Conseguintemente, a categoria profissional integrada por seus empregados é a dos trabalhadores em cooperativas.

Decorrência natural dessa conclusão é a improcedência das pretensões deduzidas pela reclamante com base nas Convenções Coletivas de Trabalho do segmento da construção civil, quais sejam, a estabilidade pré-aposentadoria, a participação nos lucros e resultados de 2014 e as diferenças salariais decorrentes do reajuste normativo.

Acolhe-se, pois, neste tópico, a insurgência da reclamada.

Opostos embargos de declaração, assim ficou decidido (págs. 1.455-1.456):

MÉRITO

Apenas em parte prospera a insurgência sub examine. Diga-se, por primeiro, não prosperar a arguição de falha omissiva em relação à aplicação, pela reclamada, das Convenções Coletivas de Trabalho pactuadas entre os sindicados patronal e profissional da Construção Civil.

Tal circunstância restou expressamente afirmada no Acórdão embargado, como se pode conferir na transcrição abaixo:

"Frise-se que o fato de a Cooperativa reclamada haver recolhido, durante determinado período, por mero equívoco, contribuições para o sindicato obreiro da construção civil, por si só, não acarreta o reconhecimento de que seja ele o representante da categoria profissional de seus empregados.

Ora, uma vez que o enquadramento sindical obedece a regras legais expressas, torna-se irrelevante que o empregador tenha recolhido contribuições para sindicato diverso ou realizado perante este quaisquer homologações rescisórias.

O que define o enquadramento sindical do empregado, reitere-se, por expressa disposição legal, é a atividade preponderante do empregador, a qual, na hipótese dos autos, não é a de construção civil, como sustenta a autora, mas de cooperativismo.

Conseguintemente, a categoria profissional integrada por seus empregados é a dos trabalhadores em cooperativas." (fl. 1404).

Inexiste, pois, a omissão apontada.

De se reconhecer, no entanto, a lacuna decisória concernente à alegação de ofensa ao princípio da boa-fé objetiva, suscitada nas contrarrazões ao Recurso Ordinário da reclamada, mas desconsiderada no Acórdão embargado.

Saneando a falha, aduzem-se os seguintes fundamentos decisórios:

A aplicação de normas coletivas distintas das utilizadas pela Cooperativa demandada durante o evolver da relação empregatícia que a vinculara à autora não configura quebra da boa-fé contratual preconizada no art. 422 do Código Civil, por se tratar de imposição legal o enquadramento do empregado na categoria correspondente à atividade econômica preponderante desenvolvida por seu empregador.

Nesse compasso argumentativo, acolhem-se os Declaratórios apenas parcialmente.

CONCLUSÃO DO VOTO

Conhecer dos Embargos e lhes dar parcial provimento para acrescer ao Acórdão embargado os fundamentos supra expendidos.

Vejamos.

O egrégio Tribunal Regional, reformando a sentença, julgou improcedentes as "pretensões deduzidas pela reclamante com base nas Convenções Coletivas de Trabalho do segmento da construção civil, quais sejam, a estabilidade pré-aposentadoria, a participação nos lucros e resultados de 2014 e as diferenças salariais decorrentes do reajuste normativo" (pág. 1.417).

Assim concluiu o Tribunal a quo sob o fundamento de que, "o que define o enquadramento sindical do empregado, reitere-se, por expressa disposição legal, é a atividade preponderante do empregador, a qual, na hipótese dos autos, não é a de construção civil, como sustenta a autora, mas de cooperativismo" (pág. 1.417).

Ademais, asseverou que "o fato de a Cooperativa reclamada haver recolhido, durante determinado período, por mero equívoco, contribuições para o sindicato obreiro da construção civil, por si só, não acarreta o reconhecimento de que seja ele o representante da categoria profissional de seus empregados" (pág. 1.417).

Pois bem.

Trata-se de caso sui generis, em que, de forma incontroversa, durante a contratualidade houve aplicação das normas coletivas ajustadas entre o SINDUSCON-CE (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado do Ceará), para o qual contribuía e o Sindicato do Trabalhadores da Construção Civil da região metropolitana de Fortaleza, sindicato para a qual a demandada vertia há muitos anos as contribuições recolhidas dos empregados.

Importante observar que a homologação do termo de rescisão contratual (TRCT) foi feita pelo Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Fortaleza, fato admitido pela ré em sua peça de defesa (pág. 244 dos autos digitais).

Uma vez despedida a autora, a reclamada COOPERCON-CE, uma cooperativa da construção civil, resolveu fazer novo enquadramento na categoria patronal das cooperativas e, pelo princípio do paralelismo, o enquadramento de seus trabalhadores no sindicato profissional dos empregados de cooperativas.

Agiu acertadamente a parte ré ao fazer o reenquadramento em atividade condizente com o seu objeto social, para efeito de paralelismo em relação ao sindicato da categoria profissional, dos trabalhadores em cooperativas, e aplicação das normas coletivas negociadas entre as entidades sindicais, econômica e profissional.

Não se olvida que, de acordo com o artigo 511, em seu parágrafo 3º, combinado com os artigos 570 a 572, todos da CLT, o enquadramento sindical do empregado ocorre, como regra geral, em virtude da atividade preponderante do empregador, com exceção das profissões ou funções consideradas como categoria diferenciada, que não é o caso dos autos.

Ocorre que, ao determinar o reenquadramento, não poderia a ré ter esquecido o passado. Deixou de cumprir as normas da categoria profissional até então observadas, mais benéficas que as do reenquadramento e assim causou prejuízo à trabalhadora dispensada.

Nos termos dos arts. 444, caput e 468, caput da CLT, as condições favoráveis ao trabalhador aderem ao seu contrato de trabalho, sendo ilícitas as alterações que resultem em prejuízos ao empregado. Tal entendimento inclusive é corroborado pela redação da Súmula nº 51, I, do TST.

Trata-se aqui da questão da boa-fé contratual e da aplicação de três princípios basilares de Direito do Trabalho: o da primazia da realidade, o da condição mais benéfica e o da razoabilidade.

Deveras, o procedimento da ré, ao alterar a norma de conduta sedimentada e expectada para o desenvolvimento do contrato (artigo 422 do Código Civil), para não cumprir as normas coletivas sempre observadas pelas partes, invocando novas normas para negar-se ao cumprimento das anteriores, ofendeu o princípio da boa-fé objetiva.

Por outro lado, pelo princípio da primazia da realidade, há de prevalecer a realidade dos fatos na execução do contrato, para fins de proteção das relações de trabalho.

Com efeito, se as normas coletivas estabelecidas para o contrato de trabalho da reclamante foram as negociadas entre o SINDUSCON e a categoria econômica dos trabalhadores da construção civil, para o qual a empresa vertia as contribuições obrigatórias e eram mais benéficas do que as do adequado enquadramento, essa é a realidade a ser observada e, pelo princípio da razoabilidade, a solução capaz de realizar o direito, ou seja, a justiça do caso concreto (artigo 170, caput, da Constituição Federal).

Finalmente, pelo princípio da condição mais benéfica, a norma posterior (do novo enquadramento) não pode suprimir ou reduzir direitos já incorporados ao patrimônio do empregado, porque mais benéfica a condição existente.

  Assinale-se que, segundo o Código Civil de 2002, o Estado não deve assegurar somente o cumprimento da livre manifestação da vontade das partes, mas também regrar o comportamento dos negociantes pelo princípio da boa-fé objetiva, impondo aos contratantes o dever de honestidade, informação, lealdade e confiança, visando à manutenção do equilíbrio contratual.

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho ensinam:

Mas a boa-fé objetiva tem também a importante função criadora de deveres anexos ou de proteção. Consoante vimos acima, esta função criadora não dispensa a convergência de um acontecimento que dê causa a tais deveres. Vale repisar, a boa-fé objetiva atua como fundamento normativo, e não propriamente fático, desses deveres. Por óbvio não poderíamos, nessa linha de intelecção, pretender esgotar todos esses deveres, uma vez que sua enumeração não é exaustiva. Apenas a título de ilustração, citem-se os deveres mais conhecidos: a) lealdade e confiança recíprocas, b) assistência; c) informação; d) sigilo ou confidencialidade. Todos eles, sem dúvida, derivados da força normativa criadora da boa-fé objetiva. São, em verdade, "deveres invisíveis", ainda que juridicamente existentes. (Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho in Novo Curso de Direito Civil, Volume IV, Contratos, Tomo I - Teoria Geral, Editora Saraiva, 2005).

Cumpre salientar que a aplicação do princípio da boa-fé se instaura na fase pré-contratual e subsiste durante todo o período negocial, inclusive o pós-contratual, com o objetivo de determinar uma referência de comportamento ético entre os participantes em todos os momentos da relação obrigacional.

Outrossim, a cláusula geral de boa-fé objetiva também abrange a máxima nemo potest venire contra factum proprium ("ninguém pode se voltar contra fato próprio").

Tal instituto estabelece a proibição de atitudes contraditórias das partes, evitando-se a frustração de expectativas legítimas do outro integrante da relação contratual, situação que ora se constata.

Cito jurisprudência do STJ nesse sentido:

Ressalte-se que a ninguém é dado criar e valer-se de situação enganosa, quando lhe for conveniente e vantajoso, e posteriormente voltar-se contra ela quando não mais lhe convier, objetivando que seu direito prevaleça sobre o de quem confiou na expectativa gerada, ante o princípio do nemopotestvenire contra factumproprium. (STJ, 1.154.737 - MT, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, DJe 7/2/2011).

Segundo Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, "a cláusula geral de boa-fé objetiva obriga as partes a não agirem em contradição com atos e comportamentos anteriores, praticados antes da conclusão do contrato. Em outras palavras, a parte não pode ‘venire contra factum proprium’" (Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery in Código Civil Comentado, 13ª Ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 641).

Como já dito alhures, no caso ora em apreço, por ocasião da ruptura contratual, a autora foi surpreendida com a negativa da empregadora em conceder-lhe direitos previstos nas normas coletivas que eram correntemente aplicadas durante todo o pacto laboral, o que fez sob o fundamento de equívoco no enquadramento sindical até então adotado.

Entretanto, considerando que as normas coletivas estipuladas para o contrato de trabalho da autora foram aquelas ajustadas entre a categoria econômica dos trabalhadores da construção civil e o SINDUSCON, o novo enquadramento não tem o condão de suprimir os direitos já incorporados ao patrimônio da empregada.

Ante o exposto, por entender maculado o princípio da boa-fé objetiva no contrato de trabalho em análise, CONHEÇO do recurso de revista por violação do artigo 422 do Código Civil.

2 – MÉRITO

2.1 – BENEFÍCIOS PREVISTOS EM NORMAS COLETIVAS ADOTADAS DURANTE TODO O PACTO LABORAL – NOVO ENQUADRAMENTO SINDICAL – NORMA MENOS FAVORÁVEL - PREJUÍZO AO EMPREGADO - VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA

Conhecido o recurso de revista por ofensa a dispositivo da legislação federal, DOU-LHE PROVIMENTO para restabelecer a sentença no particular.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista, por violação do artigo 422 do Código Civil, e, no mérito, dar-lhe provimento para restabelecer a sentença, no particular.

Brasília, 5 de junho de 2019.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

ALEXANDRE AGRA BELMONTE

Ministro Relator

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