Data da publicação:
Subseção I Especializada em Dissídios Individuais
Cláudio Mascarenhas Brandão - TST
03 -RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI Nº 13.015/2014. EMPREGADA DOMÉSTICA. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. NEOPLASIA MALIGNA (CÂNCER). SÚMULA Nº 443 DO TST. DISPENSA DA EMPREGADA APÓS O TÉRMINO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ELEMENTO DE DISTINÇÃO. NÃO APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO CONTIDO NO VERBETE.
Resumo do voto
Empregada doméstica acometida de neoplasia maligna. Dispensa coincidente com o término do benefício previdenciário. Ausência de discriminação. Súmula nº 443 do TST. Não incidência. A SBDI-I, por unanimidade, conheceu de embargos, por divergência jurisprudencial e, no mérito, deu-lhes provimento para restabelecer o acórdão do Tribunal Regional que julgara improcedente o pedido de reconhecimento de dispensa discriminatória, afastando-se, portanto, a aplicação da presunção a que se refere a Súmula nº 443 do TST. Na espécie, embora reconhecido que a neoplasia maligna (câncer) enquadra-se no conceito de doença estigmatizante, registrou-se que a reclamante foi demitida apenas no dia do término do benefício previdenciário (e não no curso da enfermidade), não havendo provas de que ela ainda estivesse em tratamento médico ou tenha restado alguma incapacidade para o trabalho. Ademais, consignou-se que os reclamados não se recusaram a dar o apoio necessário ao diagnóstico e ao tratamento da doença e já haviam admitido outra empregada na residência, não existindo obrigação legal de permanecer com duas empregadas ou de despedir a segunda trabalhadora para dar sequência ao contrato de trabalho que se encontrava suspenso.
RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI Nº 13.015/2014. EMPREGADA DOMÉSTICA. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. NEOPLASIA MALIGNA (CÂNCER). SÚMULA Nº 443 DO TST. DISPENSA DA EMPREGADA APÓS O TÉRMINO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ELEMENTO DE DISTINÇÃO. NÃO APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO CONTIDO NO VERBETE. A Súmula nº 443 do TST estabelece presunção de discriminação na ruptura contratual quando o empregado apresenta doença grave, que suscite estigma ou preconceito. À luz de tal verbete, nesses casos, há inversão do ônus da prova e incumbe ao empregador comprovar ter havido outro motivo para a dispensa. A neoplasia maligna (câncer), sem dúvida, se amolda aos parâmetros da mencionada súmula, por se tratar de doença grave comumente associada a estigmas. Precedentes de Turmas. Todavia, no caso, consta no acórdão regional, transcrito pela Turma, que a autora foi contratada pelos réus como empregada doméstica em 14/03/2013; foi acometida de neoplasia maligna na região supraclavicular, com afastamento previdenciário de 19/12/2013 a 30/03/2015; a comunicação da rescisão contratual foi efetuada no dia 30/03/2015 e a rescisão foi anotada em 1º/04/2015, sendo que os réus admitiram outra empregada doméstica em 1º/12/2014. Consta, ainda, que não há provas de que a autora ainda estivesse realizando qualquer tratamento médico ou que tenha restado alguma incapacidade para o trabalho. A Corte Regional consignou que, cientes dos sintomas, os réus não se recusaram a dar o apoio necessário ao diagnóstico e viabilização do tratamento adequado da doença, somente tendo procedido à dispensa da autora quando do encerramento do seu afastamento; que os reclamados (entidade familiar com um filho pequeno) acabaram, por necessidade, admitindo outra empregada, ou seja, quando a autora obteve a alta médica, os empregadores já contavam com outra empregada doméstica e não tinham a obrigação legal de permanecer com duas empregadas ou de despedir uma trabalhadora para dar sequência ao contrato de trabalho que se encontrava suspenso. Esse contexto fático permite concluir que não houve discriminação no ato de dispensa da empregada, pois a rescisão contratual coincidiu com o término do benefício previdenciário, donde se extrai que a autarquia previdenciária não concederia a respectiva alta sem que o segurado estivesse curado da doença. Diverso seria o entendimento se a dispensa tivesse ocorrido no curso da doença. Ademais, considerando o poder potestativo de dispensa do empregador, a boa-fé dos réus (consistente no apoio necessário ao diagnóstico e viabilização do tratamento adequado da doença), o fato de já possuírem outra empregada doméstica na residência e a ausência de notícias acerca de eventual impedimento para a dispensa, conclui-se pela validade do respectivo ato. Não há, portanto, se falar em aplicação da presunção estabelecida na Súmula nº 443 do TST. Recurso de embargos conhecido e provido. (TST-E-RR-465-58.2015.5.09.0664, SBDI-I, rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, 26.10.2018).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Recurso de Revista n° TST-E-RR-465-58.2015.5.09.0664, em que são Embargantes JOAO RAFAEL SANZIO SANCHES CORREA E OUTRA e é Embargada ELIANE PAULINO DOS SANTOS.
A Egrégia 2ª Turma deste Tribunal deu provimento ao recurso de revista interposto pela reclamante para, reconhecendo a natureza discriminatória da dispensa da autora, condenar a reclamada ao pagamento, em dobro, da remuneração do período de afastamento da reclamante e ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (fls. 178/187).
Os réus interpõem os presentes embargos, em que apontam contrariedade à Súmula nº 443 desta Corte, bem como indicam dissenso pretoriano (fls. 189/201).
O recurso foi admitido pelo Ministro Presidente da Turma julgadora, diante de possível divergência jurisprudencial (fls. 207/214).
Impugnação apresentada às fls. 216/229.
Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do artigo 95, § 2º, II, do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho.
É o relatório.
Presentes os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, passo à análise dos pressupostos intrínsecos do recurso de embargos, que se rege pela Lei nº 13.015/2014, tendo em vista que o acórdão embargado foi publicado em 18/08/2017.
EMPREGADA DOMÉSTICA - DISPENSA DISCRIMINATÓRIA - NEOPLASIA MALIGNA (CÂNCER) – SÚMULA Nº 443 DO TST – DISPENSA DA EMPREGADA APÓS O TÉRMINO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO - ELEMENTO DE DISTINÇÃO – NÃO APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO CONTIDO NO VERBETE
CONHECIMENTO
A Egrégia 2ª Turma conheceu do recurso de revista da autora, quanto ao tema em epígrafe, por contrariedade à Súmula nº 443 do TST, e no mérito deu-lhe provimento para, reconhecendo a natureza discriminatória da dispensa, condenar a ré ao pagamento, em dobro, da remuneração do período de afastamento da reclamante, nos termos do art. 4º, II, da Lei nº 9.029/95, considerando a data da publicação da decisão, o termo final do afastamento da obreira para fins do cálculo da indenização prevista no referido dispositivo legal; e ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00. Consignou, para tanto, os seguintes fundamentos:
"O Tribunal Regional negou provimento ao recurso ordinário interposto pela reclamante, sob o seguinte fundamento:
‘Embora bastante amplo, o direito à dispensa de trabalhadores encontra óbices em inúmeras barreiras legais representativas de garantias de emprego, bem como em normas de conteúdo, inclusive, morais, que reprovam a discriminação e o abuso de direito. Com fundamento nos arts. 1º e 4º da Lei nº 9.029/95, que proíbe as práticas discriminatórias para efeitos de permanência da relação jurídica de trabalho e dá outras providências, aplicados analogicamente, bem como no art. 7º, XXXI, da CF, em caso de dispensa discriminatória, deve o trabalhador ser reintegrado ao emprego, com o pagamento dos salários vencidos e vincendos. Para tanto, porém, há a necessidade de restar robustamente comprovada a prática discriminatória ou a alegada retaliação, ônus que pertence à reclamante nos termos dos arts. 818 da CLT c/c 333, I, do CPC .
Extrai-se dos documentos anexados aos autos digitais que a autora, contratada pelos réus como empregada doméstica em 14/3/2013 (fl. 15), foi acometida de neoplasia maligna na região supraclavicular, conforme exames, atestados e laudos de fls. 20/33, com afastamento previdenciário de 19/12/2013 a 30/3/2015 (fls. 17/19). A comunicação da rescisão contratual foi efetuada no dia 30/3/2015 (fl. 34) e a rescisão foi anotada em 1º/4/2015 (fl. 15), sendo que os réus admitiram outra empregada doméstica em 1º/12/2014 (fls. 56/58).
Não foi produzida prova pericial nem há provas de que a autora ainda esteja realizando qualquer tratamento médico ou que tenha restado alguma incapacidade para o trabalho. Também não foram ouvidas testemunhas pelas partes.
Em que pesem as razões recursais, também entendo que não restou caracterizado o caráter discriminatório da rescisão.
É certo que a referida doença (câncer) é considerada grave e, segundo vem entendendo o e. TST, pode suscitar estigma ou preconceito, nos termos da recente Súmula 443 do C. TST, in verbis: DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO - (Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012) - Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.
Por outro lado, destaque-se que trata a hipótese de empregador doméstico, o qual não pode ser totalmente equiparado a uma ‘empresa’. Além disso, verifica-se que, cientes dos sintomas, os réus não se recusaram a dar o apoio necessário ao diagnóstico e viabilização do tratamento adequado da doença, somente tendo procedido à dispensa da autora quando do encerramento do seu afastamento. Outrossim, denota-se que os reclamados (entidade familiar com um filho pequeno), acabaram, por necessidade, admitindo outra trabalhadora. De fato, consoante ressaltou o i. julgador de primeiro grau, quando a autora obteve a alta médica os empregadores já contavam com outra empregada doméstica e não tinham a obrigação legal de permanecer com duas empregadas ou de despedir uma trabalhadora para dar sequência ao contrato de trabalho que se encontrava suspenso.
Assim, não houve prova da alegada discriminação, pois nenhum depoimento ou documento é conclusivo no sentido de que os reclamados dispensaram a autora em razão de seu estado de saúde. Ao contrário, os réus demonstraram que a despedida da recorrente ocorreu porque já tinham admitido nova empregada doméstica.
A prática discriminatória, por tratar-se de conduta grave, deve ser robustamente provada, o que não ocorreu no caso em tela.
Por todo o exposto, mantenho a r. sentença.
Nada a prover.
c. dano moral - indenização
Pugna a reclamante pela reparação moral em relação aos danos sofridos.
A caracterização do dano moral necessita de alguns requisitos, quais sejam: 1) efetiva existência de ação ou omissão lesivas; 2) dano na esfera psíquica da vítima, que pode ser presumida; e 3) existência de nexo causal entre a ação ou omissão do agente e o trauma sofrido pelo reclamante.
Segundo lição do autor Maurício Godinho Delgado, ‘Dano Moral, como se sabe, ‘é todo sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária’ (Savatier). Ou ainda, é toda dor física ou psicológica injustamente provocada em uma pessoa humana’ (in Curso de Direito de Trabalho, 5 ed., São Paulo, LTr, 2006).
Além dessa caracterização, é imprescindível a comprovação do nexo da causalidade entre o dano e o ato ilícito do ofensor, ao mesmo tempo em que, na busca da indenização, deve deixar estreme de dúvida a inexistência de fato da vítima ou fato de terceiros, excludentes ou atenuantes da obrigação de indenizar.
Compartilho do entendimento esposado na sentença recorrida de que a prova produzida não corrobora a tese da autora.
Não há a presença dos requisitos acima elencados, tampouco a alegada discriminação no ato da despedida.
Na ausência de ato ilícito do empregador, não estando comprovada a dispensa discriminatória, mantém-se o indeferimento do pedido de indenização por dano moral.
Mantenho a sentença.’
Nas razões do recurso de revista, a reclamante pretende a reforma da decisão do Tribunal Regional. Sustenta que a reclamada não se desincumbiu do ônus de afastar a presunção discriminatória de sua dispensa. Renova a violação dos arts. 1.º, caput, parágrafo único, III e IV, 3.º, IV, 5.º, caput, X, V, e XLI, 7.º, § único, 170 e 193, da Constituição Federal, 186, 187, 927 e 932 do Código Civil, 4.º, II, da Lei 9.029/95 e a contrariedade às Súmulas 28 e 443 do TST. Transcreve arestos à divergência.
Consoante se extrai do acórdão regional, a reclamante é portadora de doença grave (câncer) que suscita estigma ou preconceito. Nesse sentido, os julgados desta Corte:
[...]
Consoante jurisprudência desta Corte, a sua dispensa presume-se discriminatória, cabendo ao empregador o ônus de demonstrar o contrário. Assim dispõe a Súmula 443 do TST, in verbis:
[...]
No caso em apreço, contudo, a Corte de origem adotou diretriz que contraria referido verbete jurisprudencial, pois consignou que a natureza discriminatória da dispensa deveria ter sido demonstrada pela autora, ônus do qual ela não se desvencilhou.
Nesse contexto, cumpre reconhecer a natureza discriminatória da dispensa da autora, e, por conseguinte, garantir a ele o recebimento da remuneração relativa ao período de afastamento em dobro, nos moldes do art. 4.º, II, da Lei 9.029/95, que dispõe:
‘Art. 4º. O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta Lei, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre: (Redação dada pela Lei nº 12.288, de 2010) (Vigência)
I - a reintegração com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros legais; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
II - a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais. - Grifei’
Além disso, à reclamante também deve ser garantida uma indenização pelos danos morais sofridos, cujo valor deve se pautar nos postulados da razoabilidade e proporcionalidade, de modo a permitir, ao mesmo tempo, que o valor da reparação não gere enriquecimento ilícito da reclamante (caráter reparatório) e que seja suficiente para reprimir a conduta ilícita do empregador (caráter punitivo).
Diante desses fundamentos, CONHEÇO do recurso de revista, por contrariedade à Súmula 443 do TST.
2 - MÉRITO
2.1 – EMPREGADA PORTADORA DE DOENÇA GRAVE (CÂNCER). DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO
Como consequência lógica do conhecimento do recurso de revista por contrariedade à Súmula 443 do TST, DOU-LHE PROVIMENTO para, reconhecendo a natureza discriminatória da dispensa da autora, condenar a reclamada: a) ao pagamento, em dobro, da remuneração do período de afastamento da reclamante, nos termos do art. 4.º, II, da Lei 9.029/95, considerando a data da publicação desta decisão, o termo final do afastamento da obreira para fins do cálculo da indenização prevista no referido dispositivo legal; b) ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais)." (fls. 179/186)
Os réus pugnam seja afastado o reconhecimento da natureza discriminatória da dispensa e seja excluído da condenação o pagamento, em dobro, da remuneração do período de afastamento da autora e da indenização por danos morais. Alegam que a reclamante foi afastada por motivo de doença comum, não relacionada ao trabalho, motivo pelo qual não gozava de qualquer estabilidade após o seu retorno. Afirmam que são empregadores domésticos e que, quando do término do benefício previdenciário, já haviam contratado outra empregada e não tinham motivo para dispensá-la. Indicam contrariedade à Súmula nº 443 do TST. Transcrevem arestos para o confronto de teses.
A Egrégia 2ª Turma adotou tese no sentido de que o TRT de origem, ao concluir que era dos réus o ônus da prova quanto à natureza discriminatória da dispensa, contrariou a Súmula nº 443 desta Corte. Registrou que a autora era portadora de doença grave – câncer – que suscita estigma ou preconceito. Por essa razão, condenou os réus ao pagamento da indenização, em dobro, referente ao período de afastamento, e da indenização por danos morais, no valor de R$10.000,00.
Por sua vez, o segundo aresto transcrito à fl. 195, oriundo da Egrégia 8ª Turma, cuja ementa foi publicada no DEJT de 11/04/2017, adota a seguinte tese:
"DOENÇA NÃO ESTIGMATIZANTE - DISPENSA NÃO DISCRIMINATÓRIA. A aplicação da Súmula nº 443 do TST exige que a doença grave que afeta o empregado despedido gere estigma ou preconceito, a fim de presumir discriminatória a dispensa. O câncer é doença que não possui natureza contagiosa, ou manifestação externa necessariamente repugnante, o que afasta seu caráter estigmatizante per se. Portanto, afasta-se a presunção de dispensa discriminatória. Recurso de Revista conhecido e provido."
Conheço do recurso de embargos por divergência jurisprudencial.
MÉRITO
Discute-se, no caso dos autos, se a dispensa de empregada doméstica, que havia sido submetida a tratamento contra o câncer, é discriminatória, por se considerar tal moléstia como geradora de estigma.
Uma das definições léxicas do vocábulo "estigma" é marca ou cicatriz deixada por ferida; sinal natural no corpo.
Por sua vez, o conceito de "doença estigmatizante" assim é tratado pela doutrina:
"Pensamos, todavia, que o termo ‘estigmatizar’, verbo derivado de ‘estigma’, mais do que este último traz a informação adequada e precisa, inclusive em sua especificidade, à compreensão do quanto contido em algumas das decisões de nosso tribunais [...].
[...] a atitude do indivíduo que estigmatiza, poderia ser correspondente à daquele que discrimina, posto que tanto em uma como em outra hipótese, um pré-juízo é estabelecido (juízo = avaliação, estimativa, opinião) por parte do agente, no sentido de que, se o indivíduo considerado porta determinada marca, sinal ou tem certas características, inclusive morfológicas ou físicas, isto só pode se dar em virtude de um passado ou origens nebulosas e pouco recomendáveis. Como, por exemplo, o ostentar o espectro do acometido por AIDS, ou do ‘aidético’. [...].
É, todavia, da pretensão ao xingamento com o emprego de expressões que aludem a uma determinada condição de saúde, que resulta de forma clara a associação de idéias. Ou seja, entre a doença, e a má qualidade ou falta de caráter do ofendido.
Neste passo mister seria lembrar que tais vicissitudes que ainda hoje atingem a espécie humana, remontam à Idade Média, quando, como lembra Foucault: ‘o leproso era alguém que, logo que descoberto, era expulso do espaço comum, posto fora dos muros da cidade, exilado em algum lugar confuso onde ia misturar a sua lepra à lepra dos outros. O mecanismo de exclusão era o mecanismo do exílio, da purificação do espaço urbano. Medicalizar alguém era mandá-lo para fora e, por conseguinte, purificar os outros. A medicina era uma medicina de exclusão’.
[...]
Antiga portanto, e como se vê, a tendência dos indivíduos em imprecarem contra outrem mediante a inculcação de adjetivo que denota condição mórbida de saúde.
É, ainda, no referente à ‘marcação’ ou à ‘sinalização’ física do indivíduo, em que, por vezes, se ressaltava sua condição de inferior, de pária, a justificar a ação excludente e discriminatória."[1]
Para o Professor e Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Dr. Luiz Eduardo Gunther:
"Quando mencionamos a palavra discriminação devemos levar em conta aspectos subjetivos e objetivos. O elemento subjetivo relaciona-se à intenção de discriminar. De outro lado, o elemento objetivo caracteriza-se pela preferência efetiva por alguém em detrimento de outro ‘sem causa justificada, em especial por motivo evidenciado’. Esse comportamento revela ‘uma escolha de preconceito em razão do sexo, raça, cor, língua, religião, opinião, compleição física ou outros fatores importantes’.
Quanto ao momento do ato considerado discriminatório, parece hoje não haver mais dúvidas, no âmbito trabalhista, que práticas discriminatórias podem ocorrer ‘na admissão, no curso da relação de emprego e na dispensa, quando configurada ofensa à dignidade do trabalhador e ao princípio da igualdade’.
A proibição da prática discriminatória no emprego tem fundamento no inciso XXX do art. 7º da CF/1988, nas Convenções n. 111 e 117 da OIT e na Lei n. 9.029/1995. Nesses registros normativos, porém, não se considera como fator de discriminação o estado de saúde. Possível é, no entanto, por interpretação extensiva ou aplicação analógica, aplicar essa normatividade ‘quando o fator de discriminação é o estado de saúde do empregado’.
Os casos mais frequentes de discriminação por motivo de saúde ocorrem ‘nas hipóteses de lesões por esforço repetitivo (LER) e as de síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS, rectius: SIDA)’.
Considera-se possível juridicamente, também, fundamentar pela aplicação da regra proibitiva a tais hipóteses no sentido de que ‘a enumeração legal é meramente exemplificativa, e não taxativa ou limitativa’.
[...]
Consoante explicita Larissa Renata Kloss, a discriminação ilícita, injustificada ou negativa ‘demonstra o repúdio às diferenças, à diversidade de características existentes na condição humana’. Objetiva utilizar as diferenças ‘para prejuízo de outros indivíduos ou de minorias menos favorecidas’, isto é, ‘de pessoas que não possuem características que correspondem àquelas consideradas fortes ou vantajosas na realidade’.
A palavra estigma possui um sentido negativo, tratando-se de um fator de diferenciação normalmente injustificado, gerando consequentemente a exclusão social e a invisibilidade em relação às qualidades do indivíduo.
O estigma, sem dúvida, produz um descrédito relativamente ao indivíduo, reduzindo as suas possibilidades de vida.
Não é demais insistir na afirmação de que os empregados excluídos do mercado de trabalho suportam duas espécies de doença, sendo uma delas o preconceito com que são tratados:
[...]
Tratando especificamente desse último grupo, padece ele da falta de trabalho por conta de ‘doença’ que persegue parte da humanidade desde o início dos tempos: o preconceito.
Tomando-se por base a Convenção n. 111 da OIT, torna-se possível entender a discriminação como todo ‘o tratamento injustificavelmente diferenciado dispensado a determinada pessoal ou grupo de indivíduos, atuando como fator de redução de oportunidades no seio social’.
Esses empregados, assim, passam a ser estigmatizados, suportando ‘um sistemático tratamento diferenciado’, tornando-se ‘duplamente vitimizados, tanto pela enfermidade que os acomete, quanto pela discriminação a eles voltada’."[2]
Por sua vez, a Súmula nº 443 do TST estabelece presunção de discriminação na ruptura contratual quando o empregado apresenta doença grave, que suscite estigma ou preconceito. Eis o teor do referido verbete:
"DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego." (destaquei)
Raquel Betty de Castro Pimenta[3] aborda a questão da Súmula nº 443 do TST e a reintegração do empregador portador do vírus HIV ou de outra doença grave:
"A proteção jurídica contra a discriminação em matéria de emprego advém não apenas de normas legais, mas é concretizada também através de entendimentos jurisprudenciais que, a partir da teleologia traçada pelos preceitos constitucionais e por tratados internacionais, aplicam em casos submetidos à apreciação do Poder Judiciário o princípio da não discriminação. Desse modo, a partir dos preceitos gerais que vedam qualquer forma de discriminação para efeitos de acesso ou manutenção da relação de emprego, situações específicas relativas à discriminação contra portadores de doenças graves, entre elas o HIV e a AIDS, passaram a ser disciplinadas pela via jurisprudencial. Registre-se, a este respeito, nos termos do art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
[...]
‘Doenças sempre serviram para práticas discriminatórias’, como ensina Luiz Otávio Linhares Renault (2010. P. 118). A condição de ser portador de uma doença grave, muitas vezes incurável, acarreta um tratamento diferenciado, podendo provocar a segregação do doente do corpo social."
À luz de tal verbete, nesses casos, há inversão do ônus da prova e incumbe ao empregador comprovar ter havido outro motivo para a dispensa. Nesse sentido, se manifestou a referida autora no mesmo trabalho:
"No contexto brasileiro em que, como em geral se entende, não há, em princípio, proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, a rescisão do contrato de trabalho pode ser feita pelo empregador sem qualquer justificativa, mediante o pagamento das verbas rescisórias correspondentes a esta modalidade de dispensa.
Entretanto, como ressalta Luís Felipe Lopes Boson: ‘Fica, com efeito, difícil para o empregado demonstrar que sua doença foi a causa (encoberta) da dispensa. Já o empregador sempre pode justificar eventual outro motivo para a rescisão’ (2010. P. 273).
Assim, a presunção estabelecida serve para atribuir ao empregador o ônus da prova da licitude da dispensa. Dessa forma, no bojo de reclamação trabalhista em que se discuta o caráter discriminatório da dispensa, cabe ao empregador demonstrar os motivos – lícitos – que levaram à rescisão do contrato de trabalho. Cumpre ressaltar que não há que se falar de hipóteses de justa causa previstas no art. 482 da CLT, mas sim de razões objetivas de caráter disciplinar, técnico, econômico ou financeiro que tornaram necessária a dispensa do trabalhador.
Nestes termos, incumbe ao empregador o ônus de alegar e provar, no curso da instrução processual, a ocorrência de fatos e de circunstâncias que permitam ao juiz da causa concluir que a doença do empregado não foi o motivo determinante da rescisão de seu contrato de trabalho sem justo motivo e, sim, outras razões consideradas razoáveis, plausíveis e socialmente aceitáveis." (p. 137)
Nesse sentido são os seguintes precedentes:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. [...]. DISPENSA DE EMPREGADO EM TRATAMENTO DE CÂNCER. ARBITRARIEDADE. NULIDADE. REINTEGRAÇÃO. 1. A Corte de origem considerou arbitrária a dispensa sem justa causa do reclamante, ocorrida em 06/10/2011, enquanto se encontrava em tratamento de um câncer no reto. Destacou que, de acordo com a prova pericial, muito embora apresentasse capacidade laboral após a alta previdenciária, o autor somente seria considerado curado em janeiro de 2014, se não apresentasse recidivas. Pontuou que, ‘embora a perícia técnica não tenha encontrado o nexo causal entre a enfermidade apresentada pelo trabalhador e as atividades por ele desenvolvidas, certo é que o Reclamante, durante o pacto laboral, teve a moléstia diagnosticada, ocorreram alguns afastamentos das atividades e obteve indicação de reavaliação, durante 05 anos após o início do tratamento da doença e, ainda, necessidade de intervenção médica a cada 03 (três) meses, razão pela qual entendo que milita a seu favor o bom direito, pois o empregador conhecia o estado de saúde do empregado, revelando a arbitrariedade da dispensa’. Concluiu, assim, que ‘a dispensa emergiu em abusividade pela Reclamada, pois, ainda que tivesse ciência da enfermidade do Reclamante, não se olvidou de dispensá-lo, tirando-lhe seu sustento e possibilidade de adequado tratamento, justamente, no momento em que o empregado mais necessitava de amparo’. Asseverou que ‘a atitude da empregadora eivou-se contrária à boa-fé e à dignidade da pessoa humana’. Invocou, ainda, ‘o caráter protetivo do Direito do Trabalho’. Assim, reformou a sentença para declarar a nulidade da dispensa do reclamante, determinar a sua imediata reintegração e condenar a reclamada ao pagamento de salários vencidos e vincendos. 2. Não se caracteriza violação do art. 118 da Lei nº 8.213/91 ou atrito com a Súmula 378/TST, pois não guardam pertinência com o fundamento erigido pela Corte de origem - que não decidiu com base em eventual estabilidade acidentária, mas no reconhecimento do abuso do poder potestativo do empregador. 3. Os arestos trazidos à colação carecem da necessária especificidade. Aplica-se a Súmula 296, I, do TST. 4. Ademais, a jurisprudência desta Corte presume discriminatória a dispensa de empregado portador de doença grave que suscite estigma ou preconceito (‘Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.’ Súmula 443/TST) - caso dos autos. Precedentes. 5. A presunção de despedida discriminatória pode ser afastada por prova em contrário, recaindo sobre o empregador o ônus de demonstrar que o ato de dispensa se deu em desconhecimento do estado do empregado ou que decorreu de outra motivação lícita que não a sua condição de saúde. Cabe à empresa, portanto, provar que a dispensa do empregado portador de doença grave se deu por motivo plausível, razoável e socialmente justificável capaz de afastar o caráter discriminatório do término contratual. 6. Na hipótese, no entanto, não há registro de que a reclamada tenha comprovado motivação lícita para a dispensa do empregado que não a sua condição de saúde. 7. Nesse contexto, a decisão regional que concluiu pela nulidade da dispensa amolda-se ao entendimento pacificado nesta Corte, a atrair, ainda, os óbices da Súmula 333/TST e do art. 896, § 7º, da CLT. [...]." (AIRR-800-03.2012.5.17.0004, Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, 1ª Turma, DEJT 28/10/2016);
"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. [...]. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA CARACTERIZADA. EMPREGADA PORTADORA DE DOENÇA GRAVE (CÂNCER). CIÊNCIA DA EMPREGADORA. REINTEGRAÇÃO NO EMPREGO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS (R$ 10.000,00). DECISÃO REGIONAL EM CONSONÂNCIA COM A SÚMULA Nº 443 DO TST. Na hipótese, a Corte a quo reformou a sentença em que se julgou improcedente a reclamação trabalhista e, concluindo ter ficado demonstrado que autora foi dispensada, de forma discriminatória, por ser portadora de doença grave (câncer), que causa estigma ou preconceito, determinou a sua reintegração e deferiu o pagamento de indenização por danos morais. Extrai-se do acórdão regional que, à época da dispensa imotivada, ocorrida em maio de 2015, a reclamada tinha conhecimento da patologia da reclamante. Ficou consignado que ‘a documentação adunada aos autos faz prova de que a autora necessitou se afastar do trabalho em razão da doença por 14 dias, sendo que o relatório médico do Id Num. fb58f05 - Pág. 2, está datado de 06/05/2015, ou seja, a apenas dois dias após a despedida imotivada’. Destacou o Regional que ‘a empresa, no mínimo, desde fevereiro de 2015 era sabedora dessa condição, em especial, o departamento de recursos humanos, responsável pelas informações geradas na Ficha Funcional da autora, inclusive, sobre afastamentos e planos de saúde’. De acordo com as premissas fáticas descritas no acórdão recorrido, constata-se que a dispensa imotivada da reclamante é presumidamente discriminatória, na medida em que a empregadora tinha ciência da doença grave que acometia a obreira, não tendo se desincumbido do ônus de comprovar que dispensa não guardou qualquer relação com a enfermidade, como afirmado pelo Regional. Esta Corte superior, por meio da Súmula nº 443, uniformizou o entendimento de que, na hipótese de o empregado ser portador de doença grave, como portadores do vírus HIV, câncer, dependência química, etc, ou se o empregado apresenta sinais de doença que suscite estigma ou preconceito, o empregador estará naturalmente impedido de dispensá-lo, à exceção de motivo que justifique a dispensa, sob pena de presumir-se discriminação. A Súmula nº 443 dispõe o seguinte: ‘DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012 Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego’. Desse modo, visando à proteção dos trabalhadores que se encontrem em situações de vulnerabilidade, impõe-se ao empregador uma obrigação negativa, qual seja a comprovação de que a dispensa não possui contorno discriminatório, buscando, assim, assegurar a proteção da dispensa do empregado com dificuldades de reinserção no mercado de trabalho e a concretização do comando constitucional da busca do pleno emprego. Caberia à empregadora provar, de forma robusta, que dispensou a reclamante, portadora de doença grave, por algum motivo plausível, razoável e socialmente justificável, de modo a afastar o caráter discriminatório da rescisão contratual, o que não ocorreu no caso dos autos. Nesse contexto, demonstrada a existência de doença grave da empregada à época da dispensa, a ponto de configurar a presunção de rescisão contratual discriminatória, é perfeitamente aplicável o entendimento consubstanciado na Súmula n° 443 do TST, assegurando-se a reintegração da obreira, bem como o pagamento de indenização por danos morais em decorrência da prática discriminatória violadora da dignidade da trabalhadora. Agravo de instrumento desprovido. [...]." (AIRR-20739-94.2015.5.04.0013, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, DEJT 27/04/2018);
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 1. PRELIMINAR DE NULIDADE PROCESSUAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. 2. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE - CÂNCER. ESTIGMA OU PRECONCEITO. 3. DANO MORAL DECORRENTE DA DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULAS 126 E 443/TST. 4. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELO DESFUNDAMENTADO. SÚMULA 422/TST. Presume-se discriminatória a ruptura arbitrária do contrato de trabalho, quando não comprovado um motivo justificável, em face de circunstancial debilidade física do empregado. Esse entendimento pode ser abstraído do contexto geral de normas do nosso ordenamento jurídico, que entende o trabalhador como indivíduo inserto numa sociedade que vela pelos valores sociais do trabalho, pela dignidade da pessoa humana e pela função social da propriedade (arts. 1º, III e IV e 170, III e VIII, da CF). Não se olvide, outrossim, que faz parte do compromisso do Brasil, também na ordem internacional (Convenção 111 da OIT), o rechaçamento a toda forma de discriminação no âmbito laboral. Na esteira desse raciocínio, foi editada a Súmula 443/TST, que delimita a pacificação da jurisprudência trabalhista nesse aspecto, com o seguinte teor: ‘Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego’. No caso concreto, consta do acórdão recorrido que ‘(-) a reclamante informou, na inicial, que foi diagnosticada com neoplasia maligna de mama, em março de 2014, tendo realizado diversos tratamentos (cirurgia, quimioterapia e radioterapia) e permanecido afastada em benefício previdenciário até 24/03/2016, vindo a ser despedida sem justa causa, em 21/12/2016, quando ainda em tratamento para a plena recuperação do câncer. (-) a defesa da reclamada tangencia a questão, esgrima contra a hipótese de nexo ocupacional, inexistência de óbice para o exercício da atividade, etc. Entretanto, não opõe qualquer razão para a dispensa (redução de pessoal, cessação de atividade e/ou setor, etc). O silêncio faz supor a dispensa da reclamante e não de outro empregado porque ela foi portadora e ainda depende de acompanhamento médico pela hipótese de tornar a ser vítima da ação agressiva à saúde.’ Nesse contexto, e uma vez que a Reclamada não comprovou os motivos apontados para a dispensa, a Corte de origem concluiu ter havido discriminação e arbitrariedade na dispensa da Autora, porquanto a ruptura contratual ocorreu fora dos limites do direito potestativo do empregador. Diante do quadro fático delineado no acórdão recorrido, considera-se correta a decisão regional, porque em consonância com os termos da Súmula 443/TST. Outrossim, para que se pudesse chegar a conclusão fática diversa, necessário seria o revolvimento do conjunto probatório constante dos autos, propósito insuscetível de ser alcançado nesta fase processual, diante do óbice da Súmula 126/TST. Agravo de instrumento desprovido." (AIRR-20060-24.2017.5.04.0531, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 3ª Turma, DEJT 18/05/2018);
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.015/2014. REINTEGRAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DISPENSA DE EMPREGADO LOGO APÓS O DIAGNÓSTICO DE NEOPLASIA MALIGNA. I. O Tribunal Regional registrou que ‘a acionada deixou de impugnar o teor dos documentos trazidos com a inicial, notadamente os atestados médicos constantes do Id c154289 - p. 1, no qual noticia que o trabalhador é portador de ‘neoplasia da próstata, com diagnóstico confirmado em 17/09/2013’, e também não se opôs à alegação de malignidade clínica mencionada pelo autor, o que torna incontroversa a afirmação inicial de que o recorrente recebeu o diagnóstico médico de câncer de próstata apenas quatorze dias antes da dispensa imotivada. Aplica-se, na pior das hipóteses, o previsto no art. 302 do Estatuto Processual Civil’. II. A Súmula 443 do TST não restringe as hipóteses de dispensa discriminatória aos casos ali mencionados, portanto o Tribunal Regional está autorizado a analisar as circunstâncias da dispensa para verificar ou não a ocorrência de discriminação. III. A Corte Regional registrou também que ‘mesmo sabendo que estava com uma cirurgia da próstata agendada foi demitido e teve o cartão da Unimed cancelado, podendo ter sérias consequências para a saúde do mesmo. Como se vê, não há dúvida de que a empresa tomou conhecimento da doença grave de que é padecedor o autor antes de efetivada a homologação formal da rescisão contratual, podendo, inclusive, reconsiderar o ato de desligamento, por aplicação do art. 489 da CLT.’. IV. O quadro fático definido pelo Tribunal Regional não autoriza o afastamento da conclusão de que a dispensa fora discriminatória. V. Não tendo sido demonstrada nenhuma das hipóteses previstas no art. 896 da CLT, é inviável o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento." (AIRR-25020-45.2014.5.24.0022, Relatora Desembargadora Convocada: Cilene Ferreira Amaro Santos, 4ª Turma, DEJT 02/09/2016);
"I - AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.015/2014. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. DOENÇA GRAVE. DANO MORAL. 1 - Ao contrário do que foi consignado no despacho denegatório, foram atendidos os requisitos do art. 896, § 1º-A, da CLT, introduzidos pela Lei nº 13.015/2014. Porém, o recurso de revista não alcança processamento quanto ao tema em epígrafe por motivo diverso. 2 - No caso, conforme se depreende do acórdão do Regional, o reclamante sofre de câncer, e foi dispensado 3 meses após a alta previdenciária para tratamento oncológico. Ficou assentado também que não se pode afirmar a cura do câncer por um período de até 5 anos sem recidivas. Diante desse contexto, entendeu o Tribunal Regional que se presume a dispensa discriminatória, pois a reclamada não se desincumbiu de provar o contrário. 3 - Acerca da presunção discriminatória da dispensa de empregado portador de doença grave ou estigmatizante, o TRT decidiu em harmonia com a jurisprudência desta Corte, uniformizada por meio da Súmula nº 443, no seguinte sentido: ‘Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego’. 4 - A situação fática descrita autoriza a conclusão de que os requisitos para concessão da indenização foram preenchidos (dor moral, nexo de causalidade entre a ação e o dano, e culpa da empregadora). Intactos os arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. 5 - Agravo de instrumento a que se nega provimento, no particular. [...]." (RR-1891-58.2015.5.11.0015, Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, 6ª Turma, DEJT 17/02/2017);
"ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. NEOPLASIA PROSTÁTICA. DOENÇA QUE GERA ESTIGMA. SÚMULA Nº 443 DO TST. ÔNUS DA PROVA. A Súmula nº 443 do TST estabelece presunção de discriminação na ruptura contratual quando o empregado apresenta doença grave, que suscite estigma ou preconceito. À luz de tal verbete, nesses casos, há inversão do ônus da prova e incumbe ao empregador comprovar ter havido outro motivo para a dispensa. É essa a hipótese dos autos, considerando que o autor foi acometido de neoplasia prostática, doença grave comumente associada a estigmas. Precedentes. No caso, não há elementos que afastem a presunção de discriminação. Apesar de o Tribunal Regional ter mencionado que a dispensa decorreu dos ‘novos rumos da empresa’, não explicitou por que o perfil profissional do reclamante não era compatível com essa direção. Os fundamentos exclusivamente econômicos invocados na decisão recorrida, tais como contratar empregados com salário menor, a fim de reduzir os custos e aumentar os lucros, como prática ‘típica do sistema capitalista’, não se sobrepõem a outros valores, como a função social da empresa, a valorização do trabalho e a dignidade da pessoa humana, num contexto em que o empregado dedicou quase 28 anos de sua vida profissional à reclamada, prestando serviços reconhecidamente relevantes. Contribuiu, portanto, ao longo de todos esses anos, para o sucesso do empreendimento e, num momento delicado, em que fora acometido de doença grave, de conhecimento do empregador (como também se infere do quadro fático consignado), foi dispensado imotivadamente. Merece destaque, ainda, o registro de que a empresa estava numa fase pujante, ‘alcançando à época em que o autor laborava recordes de produção e crescimento’. O exercício da atividade econômica, premissa legitimada em um sistema capitalista de produção, está condicionado pelo artigo 170 da Constituição à observância dos princípios nele enumerados, entre os quais se incluem a valorização do trabalho humano, a existência digna, de acordo com a justiça social (caput) e a função social da propriedade (inciso III), este último perfeitamente lido como função social da empresa. Recurso de revista conhecido e provido. [...]." (RR-68-29.2014.5.09.0245, Redator Designado Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, 7ª Turma, DEJT 16/02/2018);
"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. [...]. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE CÂNCER. Esta Corte já pacificou o entendimento de que se presume discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito, o que torna inválido o ato, ensejando ao empregado o direito à reintegração no emprego (Súmula nº 443 do TST). Também já se pacificou no sentido de que, na hipótese de empregado acometido por câncer, incide o entendimento consubstanciado no referido verbete. Precedentes. Incidem, portanto, a Súmula nº 333 desta Corte e o art. 896, § 7º, da CLT como óbices ao prosseguimento do recurso. [...]. Agravo de instrumento não provido." (AIRR-1733-74.2011.5.15.0130, Relator Desembargador Convocado: Breno Medeiros, 8ª Turma, DEJT 23/10/2015).
Por sua vez, a Lei nº 9.092/95 proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho, e dá outras providências. Eis o teor dos artigos 1º e 4º da citada lei, in verbis:
"Art. 1º É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
Art. 4º O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta Lei, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre: (Redação dada pela Lei nº 12.288, de 2010) (Vigência)
I - a reintegração com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros legais; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
II - a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais."
Em que pese o reconhecimento da presunção de ser discriminatória a dispensa do empregado portador de neoplasia maligna, in casu, consta no acórdão regional, transcrito pela Turma, que a autora foi contratada pelos réus como empregada doméstica em 14/03/2013; foi acometida de neoplasia maligna na região supraclavicular, com afastamento previdenciário de 19/12/2013 a 30/03/2015; a comunicação da rescisão contratual foi efetuada no dia 30/03/2015 e a rescisão foi anotada em 1º/04/2015, sendo que os réus admitiram outra empregada doméstica em 1º/12/2014. Consta, ainda, que não há provas de que a autora ainda estivesse realizando qualquer tratamento médico ou que tenha restado alguma incapacidade para o trabalho. A Corte Regional consignou que, cientes dos sintomas, os réus não se recusaram a dar o apoio necessário ao diagnóstico e viabilização do tratamento adequado da doença, somente tendo procedido à dispensa da autora quando do encerramento do seu afastamento; que os reclamados (entidade familiar com um filho pequeno) acabaram, por necessidade, admitindo outra empregada, ou seja, quando a autora obteve a alta médica, os empregadores já contavam com outra empregada doméstica e não tinham a obrigação legal de permanecer com duas empregadas ou de despedir uma trabalhadora para dar sequência ao contrato de trabalho que se encontrava suspenso.
Além disso, não há discussão nos autos acerca da existência de sequelas, o que poderia, em tese, levar à conclusão da ocorrência de preconceito por parte dos ex-empregadores.
Diante desse contexto fático, entendo que não houve discriminação no ato de dispensa da empregada, pois a rescisão contratual coincidiu com o término do benefício previdenciário, donde se conclui que a autarquia previdenciária não concederia a respectiva alta sem que o segurado estivesse curado da doença. Diverso seria o entendimento se a dispensa tivesse ocorrido no curso da doença.
Ademais, considerando o poder potestativo de dispensa do empregador, a boa-fé dos réus (consistente no apoio necessário ao diagnóstico e viabilização do tratamento adequado da doença) e a ausência de notícias acerca de eventual impedimento para a dispensa, conclui-se pela validade do respectivo ato.
Não há, portanto, se falar em aplicação da presunção estabelecida na Súmula nº 443 do TST.
Pelo exposto, dou provimento ao recurso de embargos para restabelecer o acórdão regional que julgou improcedente o pedido de reconhecimento de dispensa discriminatória, e, em consequência, o pedido de pagamento da remuneração do período de afastamento e da indenização por danos morais.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, dar-lhe provimento para restabelecer o acórdão regional que julgou improcedente o pedido de reconhecimento de dispensa discriminatória, e, em consequência, o pedido de pagamento da remuneração do período de afastamento e da indenização por danos morais. Custas pela parte autora, sobre o valor dado à causa, isenta do recolhimento, por ser beneficiária da justiça gratuita.
Brasília, 18 de outubro de 2018.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
CLÁUDIO BRANDÃO
Ministro Relator
[1] GUALAZZI, Alexandre Augusto; "AIDS" e Direito do Trabalho: questões de direito material e processual; São Paulo: LTr, 2005, pp. 87-89.
[2] GUNTHER, Luiz Eduardo, Novidades em direito e processo do trabalho: estudos em homenagem aos 70 anos da CLT / Rúbia Zanotelli de Alvarenga, Érica Fernandes Teixeira, Organizadoras – São Paulo: LTr, 2013, pp. 115-117.
[3] Novidades em direito e processo do trabalho: estudos em homenagem aos 70 anos da CLT / Rúbia Zanotelli de Alvarenga, Érica Fernandes Teixeira, Organizadoras – São Paulo: LTr, 2013, p. 131.
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