TST - INFORMATIVOS 2021 232 - de 01 a 26 de fevereiro

Data da publicação:

Acordão - TST

Maurício Godinho Delgado - TST



COBRADOR DE ÔNIBUS. DANOS MORAL E MATERIAL. ACIDENTE DO TRABALHO. RECLAMANTE ATINGIDA POR OBJETO ARREMESSADO CONTRA O ÔNIBUS (PERDA DO GLOBO OCULAR DIREITO). ASSALTOS SOFRIDOS DURANTE O TRABALHO (DANOS PSÍQUICOS). RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. ATIVIDADE DE RISCO (ART. 927, PARÁGRAFO ÚNICO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002).



COBRADOR DE ÔNIBUS. DANOS MORAL E MATERIAL. ACIDENTE DO TRABALHO. RECLAMANTE ATINGIDA POR OBJETO ARREMESSADO CONTRA O ÔNIBUS (PERDA DO GLOBO OCULAR DIREITO). ASSALTOS SOFRIDOS DURANTE O TRABALHO (DANOS PSÍQUICOS). RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. ATIVIDADE DE RISCO (ART. 927, PARÁGRAFO ÚNICO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002).

Há de considerar que a indenização por danos morais é devida quando presentes os requisitos essenciais para a responsabilização empresarial. É necessária, de maneira geral, a configuração da culpa do empregador ou de suas chefias pelo ato ou situação que provocou o dano ao empregado. É que a responsabilidade civil de particulares, no Direito Brasileiro, ainda se funda, predominantemente, no critério da culpa (negligência, imprudência ou imperícia), nos moldes do art. 186 do CCB, que dispõe: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito". Contudo, por exceção, o art. 927 do CCB, em seu parágrafo único, trata da responsabilidade objetiva independentemente de culpa - "quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". Ora, tratando-se de atividade empresarial fixadora de risco para os trabalhadores envolvidos, desponta a exceção ressaltada pelo parágrafo único do art. 927 do CCB, tornando objetiva a responsabilidade empresarial por danos acidentários (responsabilidade em face do risco). Nessa hipótese excepcional, a regra objetivadora do Código Civil também se aplica ao Direito do Trabalho, uma vez que a Constituição da República manifestamente adota, no mesmo cenário normativo, o princípio da norma mais favorável (art. 7º, caput: “... além de outros que visem à melhoria de sua condição social”), permitindo a incidência de regras infraconstitucionais que aperfeiçoem a condição social dos trabalhadores. A Constituição Federal de 1988 assegura que todos têm direito ao meio ambiente do trabalho ecologicamente equilibrado, porque essencial à sadia qualidade de vida, razão pela qual incumbe ao Poder Público e à coletividade, na qual se inclui o empregador, o dever de defendê-lo e preservá-lo (arts. 200, VII, e 225, caput). Não é por outra razão que Raimundo Simão de Melo alerta que a prevenção dos riscos ambientais e/ou eliminação de riscos laborais, mediante adoção de medidas coletivas e individuais, é imprescindível para que o empregador evite danos ao meio ambiente do trabalho e à saúde do trabalhador. Acidentes do trabalho e/ou doença profissional ou ocupacional, na maioria das vezes, "são eventos perfeitamente previsíveis e preveníveis, porquanto suas causas são identificáveis e podem ser neutralizadas ou mesmo eliminadas; são, porém, imprevistos quanto ao momento e grau de agravo para a vítima" (MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador. 5.ed. São Paulo: Ltr, 2013, p. 316). Registre-se que tanto a higidez física como a mental, inclusive emocional, do ser humano são bens fundamentais de sua vida, privada e pública, de sua intimidade, de sua autoestima e afirmação social e, nesta medida, também de sua honra. São bens, portanto, inquestionavelmente tutelados, regra geral, pela Constituição (art. 5º, V e X). Assim, agredidos em face de circunstâncias laborativas, passam a merecer tutela ainda mais forte e específica da Constituição da República, que se agrega à genérica anterior (art. 7º, XXVIII, CF/88).  Frise-se que é do empregador, evidentemente, a responsabilidade pelas indenizações por dano moral, material ou estético decorrentes de lesões vinculadas à infortunística do trabalho, sem prejuízo do pagamento pelo INSS do seguro social. Em razão de a atividade de cobrador de ônibus implicar um risco acentuado para os trabalhadores – haja vista o quadro atual da profissão, que é, com relevante frequência, alvo de condutas criminosas, expondo os trabalhadores dessa área a situações de vulnerabilidade -, incide a responsabilidade objetiva fixada pelo Direito (art. 927, parágrafo único, CCB/2002). No caso dos autos, conforme se extrai da decisão recorrida, a Obreira se enquadrava justamente nessa hipótese de risco acentuado, situação que – uma vez caracterizado o acidente de trabalho - geraria o direito à indenização por danos morais, em consonância com o citado dispositivo do Código Civil e na linha do atual entendimento desta Corte Superior sobre a matéria. Consta do acórdão recorrido, que restaram comprovados os danos sofridos pela Reclamante, decorrentes de acidente do trabalho, ocorrido em 21/12/2013 (quando, contra o ônibus coletivo, onde laborava como cobradora, foi arremessado, da via pública, um saco de lixo que atingiu o seu rosto, causando-lhe a evisceração e perda do globo ocular direito), bem como dos assaltos sofridos (em um total de dez), no cumprimento de suas atividades laborais. A perda do globo ocular direito culminou na redução da capacidade laborativa da Reclamante e os assaltos ocorridos no decorrer das suas atividades laborais causaram-lhe danos psíquicos e emocionais - premissas fáticas incontestes à luz da Súmula 126/TST. Do acórdão recorrido se extrai, ainda, que “pela própria visão monocular, torna-se presumível ante o que ordinariamente se observa (art. 375, CPC) que tal situação gera substanciais reflexos no dia a dia da reclamante, a qual não poderá dirigir e ainda perde qualidade de vida em sentido amplo, especialmente em decorrência da perda de percepção visual de profundidade”. Quanto ao elemento culpa, essa emergiu da conduta negligente da Reclamada em relação ao dever de cuidado à saúde, higiene, segurança e integridade física do trabalhador (art. 6º e 7º, XXII, da CF, 186 do CCB/02), ao não adotar medidas aptas a prevenir a ocorrência dos assaltos e a garantir a segurança física de seus trabalhadores, especialmente quando submetidos a rotas em que era necessária a passagem por locais perigosos. Nessa situação, presumese a culpa da Empregadora pelo acidente e os assaltos sofridos pela Reclamante e era da Reclamada o ônus de comprovar a adoção das necessárias medidas preventivas exigidas pela ordem jurídica em matéria de segurança e saúde no trabalho - deveres anexos ao contrato de trabalho -, a fim de evitar o infortúnio ocorrido, ônus do qual não se desonerou. No mesmo sentido, tem-se a jurisprudência do TST, que considera objetiva a responsabilidade por danos morais resultantes do evento "assalto" e seus consectários, relativamente a empregados que exerçam atividade de alto risco, tais como bancários, motoristas de carga, motoristas de transporte coletivo e outros (art. 927, parágrafo único, CCB). Logo, enquadrando-se a situação dos autos nessa hipótese extensiva de responsabilização – a Autora trabalhava como cobradora de ônibus -, deve ser restabelecido o capítulo da sentença em que se reconheceu a responsabilidade civil objetiva da Reclamada. Recurso de revista conhecido e provido.” (TST-RR-876-36.2014.5.06.0142, 3ª Turma, rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, julgado em 24/2/2021).

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