Data da publicação:
Acordão - TST
Katia Magalhães Arruda - TST
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DISPENSA SEM JUSTA CAUSA E ACUSAÇÃO DE ATO ILÍCITO VIA WHATSAPP.
1 - Deve ser reconhecida a transcendência jurídica para exame mais detido da controvérsia devido às peculiaridades do caso concreto. O enfoque exegético da aferição dos indicadores de transcendência em princípio deve ser positivo, especialmente nos casos de alguma complexidade, em que se torna aconselhável o debate mais aprofundado do tema. Havendo transcendência, segue-se na análise dos demais pressupostos de admissibilidade.
2 - A dignidade da pessoa humana, fundamento da República (art. 1º, III, da CF/88) e regra matriz do direito à indenização por danos morais (art. 5º, X, da CF/88), impõe-se contra a conduta abusiva do empregador no exercício do poder de direção a que se refere o art. 2º da CLT, o qual abrange os poderes de organização, disciplinar e de fiscalização.
3 - São fatos incontroversos que as causas de pedir a indenização por danos morais foram duas - a dispensa por Whatsapp e a acusação também por meio do aplicativo de que a reclamante teria falsificado assinatura em documento de rescisão. Na sentença a indenização por danos morais foi deferida pelos dois fundamentos – dispensa por Whatsapp e acusação indevida de ato ilícito. No recurso ordinário, o reclamado não questionou a veracidade dos fatos, centrando suas alegações na pretendida licitude da utilização do aplicativo na relação de trabalho. Por essa razão, no acórdão recorrido o TRT não se deteve na análise da prova dos fatos, eis que essa questão não era controvertida no segundo grau de jurisdição.
4 – A Corte regional manteve a indenização por danos morais examinando apenas o enfoque da dispensa por Whatsapp, sem se manifestar sobre a acusação de ato ilícito sofrida pela reclamante também por meio do aplicativo. Nesse contexto, o segundo fundamento para a indenização por danos morais (acusação indevida de ato ilícito) transitou em julgado, pois sobre ele não se manifestou o TRT nem o reclamado traz qualquer impugnação para o TST (suas razões recursais se referem à dispensa por Whatsapp). Havendo dois fundamentos autônomos, suficientes por si mesmos para manter a condenação, a não desconstituição de um deles torna inútil seguir na discussão sobre o fundamento impugnado. Assim, de plano, no caso dos autos não haveria utilidade em seguir no debate sobre a dispensa por Whatsapp.
5 – Por outro lado, dada a relevância da matéria, deve ser registrado que no caso concreto o que se extrai do acórdão recorrido, trecho transcrito no recurso de revista, é que o TRT fundamentou o reconhecimento dos danos morais no conteúdo da mensagem da dispensa, e não no meio utilizado para a dispensa (Whatsapp). Disse a Corte regional: “Não se questiona na hipótese dos autos a privacidade ou a segurança do meio de comunicação utilizado, o que, de todo modo, poderia potencializar os danos causados. O que se avalia é o modo como o reclamado comunicou a cessação do vínculo de emprego à trabalhadora, que, como se sabe, depende economicamente da contraprestação pelo trabalho prestado. A mensagem, reproduzida às fls. 43, fala por si. Vejamos: ‘Bom dia, Você está demitida. Devolva as chaves e o cartão da minha casa. Receberá contato em breve para assinar documentos’.” Nesse particular, não se ignora que o conteúdo da mensagem de dispensa foi telegráfico nem se ignora que as regras da cortesia e da consideração devem ser observadas em quaisquer etapas da relação de trabalho. No entanto, para que se pudesse concluir nesta Corte Superior se foi ofensivo ou não o conteúdo da mensagem da dispensa precisaríamos saber do contexto da mensagem, e não apenas do texto da mensagem. O contexto é que dá sentido ao texto. Isso porque no âmbito das interações sociais os fatos não falam por si – os interlocutores é que dão sentido aos fatos. Esse aspecto é mais acentuado ainda na linguagem escrita, na qual a comunicação não é somente o que uma pessoa escreve, mas também o que a outra pessoa lê. No caso dos autos, afinal, o que teria acontecido entre as partes para que a dispensa tivesse desfecho com mensagem daquele conteúdo? Não consta no acórdão recorrido o contexto em que as coisas ocorreram. Nem mesmo o reclamado, nas suas razões recursais, traz contextualização sobre os diálogos com a reclamante, pois sua tese é sobre a licitude da utilização de Whatsapp na relação de trabalho.
6 – Acrescente-se que, embora o reclamado sustente que a reclamante não teria alegado danos morais pelo conteúdo da mensagem da dispensa, mas pelo instrumento utilizado para a dispensa – a reclamante teria se insurgido na realidade contra o conteúdo de mensagem posterior que a acusou de ato ilícito ao assinar documento de rescisão -, subsiste que não há tese no acórdão recorrido sobre o suposto julgamento fora dos limites da lide e não há no recurso de revista, renovado no agravo de instrumento, fundamentação jurídica (dispositivos de lei ou arestos) que trate especificamente dos limites da lide.
7 – Enfim, por todos os ângulos que se examine a lide, conclui-se que não há como afastar o direito à indenização por danos morais reconhecido no primeiro e no segundo graus de jurisdição.
8 - Agravo de instrumento a que se nega provimento. (TST-AIRR-10405-64.2017.5.15.0032, Kátia Magalhães Arruda, DEJT 28/05/2021).
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