Data da publicação:
Acordãos na integra
TRT - SP - Jane Granzoto Torres da Silva
Fornecimento de refeição com data de validade vencida e sem condições de higiene configura dano moral
PROCESSO nº 1000870-13.2018.5.02.0003 (ROPS)
RECORRENTES: IARIS BRASIL DOS SANTOS SOUZA, COMPANHIA BRASILEIRA DE DISTRIBUIÇÃO
RECORRIDOS: IARIS BRASIL DOS SANTOS SOUZA, COMPANHIA BRASILEIRA DE DISTRIBUIÇÃO
ORIGEM: 3ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO
RELATORA: JANE GRANZOTO TORRES DA SILVA
EMENTA
DANO MORAL. FORNECIMENTO DE REFEIÇÃO INADEQUADA, EM LOCAL SEM HIGIENE. INDENIZAÇÃO DEVIDA. QUANTUM INDENIZATÓRIO RAZOÁVEL E PROPORCIONAL AO DANO. A reclamada não produziu prova em sentido contrário ao depoimento da testemunha obreira, única ouvida em audiência e, desse modo, é imperativo concluir que feriu a dignidade da trabalhadora ao servir-lhe refeição inapropriada, composta de alimento com data de validade vencida e com a presença inclusive de insetos como barata, em local sem condições mínimas de limpeza e higiene. A reclamante foi submetida a condições degradantes de refeição no local de trabalho, o que sem nenhuma dúvida causou-lhe intensa dor moral e constrangimento, fazendo-a credora da indenização apta a reparar o dano assim ocasionado, de responsabilidade da empregadora, na forma dos artigos 5º, V e X, da Constituição Federal e 186 e 927 do Código Civil. O valor arbitrado (R$ 5.000,00) conforma-se aos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade que balizam a matéria. Recursos de ambas as partes a que se nega provimento. (TRT-02-1000870-13.2018.5.02.0003, Jane Granzoto Torres da Silva, DEJT 07.05.19).
RELATÓRIO
Dispensado o relatório, na forma do artigo 895, § 1º, IV, da CLT.
ADMISSIBILIDADE
Conheço de ambos os recursos, por presentes os pressupostos legais de admissibilidade.
MÉRITO
RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA
1. Da justa causa por abandono de emprego
Alega a recorrente que a autora incorreu em abandono de emprego, cometendo assim a justa causa tipificada no artigo 482, "i", da CLT. Frisa que por diversas oportunidades tentou contato com a reclamante mas esta se manteve inerte, demonstrando assim seu descaso pelo trabalho e o intuito de abandoná-lo. Pondera que, em tais condições, foi rompido o laço de confiança entre as partes do contrato de trabalho, inviabilizando sua manutenção. Aduz que o ato de desligamento se revestiu de total juridicidade e corresponde ao exercício do poder de mando e direção do empregador.
Razão alguma lhe assiste.
O primeiro ponto a realçar é que a reclamada, alegando na peça de defesa (fls. 72/83, ID. 0f58a59) que a autora abandonou o emprego, motivo pelo qual o contrato foi rescindido por justa causa em 14/08/2018, atraiu para si o ônus de prova da prática dessa falta grave, nos moldes dos artigos 818, II, da CLT e 373, II, do CPC.
Depois, vale lembrar que a doutrina e a jurisprudência traçam para a configuração do abandono de emprego a presença concomitante de dois elementos, a saber: um objetivo, que é o real afastamento injustificado do serviço; e o subjetivo, consistente na intenção, ainda que implícita, de ruptura do vínculo.
No caso dos autos, nada disso ficou configurado. A documentação (cartão de ponto de junho/julho de 2018, fl. 156) confirma a narrativa da inicial segundo a qual a prestação laboral cessou no final de junho/2018. O cartão de ponto registra faltas injustificadas a partir de então, mas somente em 27/07/2018 a ré expediu telegrama à autora, supostamente convocando-a para retomar o emprego (fls. 173/175). E ocorre que, como bem observado na sentença, a reclamada já fora notificada, no dia anterior, 26/07/2018, da propositura da presente reclamatória (é igualmente o que se depreende do exame da aba "Expedientes de 1º Grau" do PJe). É lícito presumir que há relação de causa e efeito entre os dois eventos, ou seja, o telegrama foi expedido em virtude da notificação recebida no dia anterior. Sendo assim, não houve efetiva convocação para o trabalho e a alegação de abandono de emprego como justo motivo para a despedida sucumbe por inteiro.
Incensurável desse modo o afastamento da justa causa alegada na defesa e o consequente reconhecimento de que a ruptura do vínculo se operou por iniciativa imotivada da reclamada, com os consectários legais inerentes a essa modalidade de resilição (inclusive fornecimento das guias alusivas ao FGTS e seguro-desemprego), sem perder de vista que a continuidade do pacto laboral constitui presunção favorável ao empregado (Súmula 212 do C. TST).
Nego provimento.
2. Da indenização por danos morais
Cumpre assinalar, de partida, que a figura jurídica do dano conceitualmente é vista como a lesão, o prejuízo sofrido por um indivíduo, na seara física, patrimonial ou moral, passível de reparação por parte do agente causador. O dano moral, objeto do conflito em exame, envolve os direitos da personalidade, assim entendidos os direitos essenciais da pessoa, aqueles que formam a medula da personalidade, os direitos próprios da pessoa em si, existentes por natureza, como ente humano, ou ainda os direitos referentes às projeções da pessoa para o mundo exterior, em seu relacionamento com a sociedade.
No caso vertente, a alegação que fundamenta o pedido indenizatório é de que a reclamada "fornecia aos trabalhadores, e em especial à reclamante, comidas vencidas e estragadas", destinando ao refeitório "comidas que ficavam no estoque e tinham suas embalagens violadas por ratos e baratas".
Era ônus da reclamante produzir prova do fato constitutivo de seu direito, na forma dos artigos 818, I, da CLT e 373, I, do CPC. E desse encargo desvencilhou-se a contento, como se vê do depoimento de sua testemunha, única ouvida na audiência de fls. 186/188 (ID. a82ea30), segundo o qual "o local da refeição era sujo, 'porco', que passava mal, já viu barata em macarrão e tinha macarrão azedo, e que depois trocaram o refeitório, quando ela estava quase saindo, mas que não mudou muita coisa, que ela passava mal quando comia lá". Sobre o alimento servido no refeitório, afirmou a depoente que "que não conferiu a data de validade", mas "estava azedo" e teve de ser retirado.
A reclamada não produziu prova em sentido contrário e, desse modo, é imperativo concluir que feriu a dignidade da trabalhadora ao servir-lhe refeição inapropriada, composta de alimento com data de validade aparentemente vencida (o que se deduz de seu sabor azedo) e com a presença inclusive de insetos como barata, em local sem condições mínimas de limpeza e higiene.
Não é preciso se estender muito mais na análise do caso para firmar a convicção de que a reclamante foi submetida a condições degradantes de refeição no local de trabalho, o que sem nenhuma dúvida causou-lhe intensa dor moral e constrangimento, fazendo-a credora da indenização apta a reparar o dano assim ocasionado, de responsabilidade da empregadora, na forma dos artigos 5º, V e X, da Constituição Federal e 186 e 927 do Código Civil.
Mantenho o julgado.
RECURSOS DE AMBAS AS PARTES - TEMA COMUM
Do valor da indenização por danos morais
Ambas as partes controvertem sobre o valor arbitrado na origem à indenização por danos morais (R$ 5.000,00). A reclamada, sem exposição de motivos específicos, requer a minoração do dano. A reclamante, adesivamente, considera que o montante não é adequado ao caso e exige majoração, tendo em vista que a ré descumpriu gravemente o dever de zelar pela saúde e segurança de seus trabalhadores, na forma do artigo 157, I, da CLT. Sugere, desse modo, a fixação do importe de R$ 9.540,00.
Em primeiro plano, cabe assentar que o contrato de trabalho principiou em 09/10/2015 e os fatos em que se assenta o pedido de indenização por danos morais tiveram sua gênese também antes da vigência da Lei nº 13.467/2017 (ocorrida a partir de 11/11/2017), que se mostra assim inaplicável ao caso, à luz da máxima tempus regit actum e da estabilidade das situações consolidadas sob o manto da legislação revogada ou alterada (artigos 5º, XXXVI, da Constituição Federal e 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).
Significa isso que não incidem na hipótese os parâmetros fixados pelo parágrafo 1° do novo artigo 223-G da CLT, ainda que os critérios de tarifação cogitados nesse mesmo artigo (incisos I a XII) se revistam de perfeita plausibilidade e razoabilidade e sirvam de inspiração para o arbitramento da indenização por dano moral mesmo para ações ou situações anteriores à inovação legislativa.
Desse modo, e compulsando em especial fatores como a extensão e a gravidade do dano extrapatrimonial; a capacidade econômica do ofensor e a condição social da ofendida; o caráter pedagógico-dissuasório de que deve se revestir a sanção, de modo a evitar a reiteração da prática ilícita; e a necessidade, por outro lado, de evitar o risco de proporcionar o enriquecimento sem causa da vítima da lesão, entendo que o quantum indenizatório foi fixado em montante (R$ 5.000,00) justo, adequado e condizente com os parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade que pautam a matéria (artigos 5º, V, da Constituição Federal e 944 do Código Civil), não comportando redução nem majoração.
Mantenho pois, integralmente, o decidido na origem.
Acórdão
Isto posto,
ACORDAM os Magistrados da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região em: conhecer e, no mérito, NEGAR PROVIMENTO aos recursos de ambas as partes, nos termos da fundamentação do voto da Relatora, parte integrante deste.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
Certifico que, em sessão realizada nesta data, a 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região, julgando o presente processo, resolveu: por unanimidade de votos, conhecer e, no mérito, NEGAR PROVIMENTO aos recursos de ambas as partes, nos termos da fundamentação do voto da Relatora, parte integrante deste.
Presidiu o julgamento a Exma. Sra. Desembargadora JANE GRANZOTO TORRES DA SILVA.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. JANE GRANZOTO TORRES DA SILVA, SALVADOR FRANCO DE LIMA LAURINO e ANTERO ARANTES MARTINS.
Relator: a Exma. Desembargadora JANE GRANZOTO TORRES DA SILVA
Revisor: o Exmo. Desembargador SALVADOR FRANCO DE LIMA LAURINO
São Paulo, 30 de Abril de 2019.
Priscila Maceti Ferrarini
Secretária da 6ª Turma
ASSINATURA
JANE GRANZOTO TORRES DA SILVA
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