TST - INFORMATIVOS 2019 0194 - 16 de abril

Data da publicação:

Subseção I Especializada em Dissídios Individuais

Cláudio Mascarenhas Brandão - TST



Dispensa discriminatória. Configuração. Empregado portador de câncer. Presunção de preconceito ou de estigma. Aplicação da Súmula n° 443 do TST.



RECURSO DE EMBARGOS EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI Nº 13.015/2014. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. NEOPLASIA PROSTÁTICA. DOENÇA QUE GERA ESTIGMA. SÚMULA Nº 443 DO TST. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. A Súmula nº 443 do TST estabelece presunção de discriminação na ruptura contratual quando o empregado apresenta doença grave, que suscite estigma ou preconceito. À luz de tal verbete, nesses casos, há inversão do ônus da prova e incumbe ao empregador comprovar ter havido outro motivo para a dispensa. É essa a hipótese dos autos, considerando que o autor foi acometido de neoplasia prostática, doença grave comumente associada a estigmas. Estigma nada mais é do que marca, sinalização, diferenciação, que procura assinalar alguém em face do grupo social. Ressalta a condição de inferioridade do indivíduo, que tende a justificar uma ação excludente ou discriminatória se a pessoa é acometida por neoplasia maligna. No caso, não há elementos que afastem a presunção de discriminação. Apesar de o Tribunal Regional ter mencionado que a dispensa decorreu dos "novos rumos da empresa", não explicitou a razão pela qual o perfil profissional do reclamante não era compatível com essa direção. Os fundamentos exclusivamente econômicos invocados na decisão regional, tais como contratar empregados com salário menor, a fim de reduzir os custos e aumentar os lucros, como prática "típica do sistema capitalista", não se sobrepõem a outros valores, como a função social da empresa, a valorização do trabalho e a dignidade da pessoa humana, num contexto em que o empregado dedicou quase 28 anos de sua vida profissional à reclamada e prestou-lhe serviços reconhecidamente relevantes. O desempenho de destaque do autor é afirmado em algumas passagens do acórdão regional: "o autor era reconhecido como empregado eficiente e valorizado pela experiência [...] De outro lado, não faltaram ao reclamante felicitações, troféus e boas avaliações sobre sua competência funcional, independente da idade sua experiência era constantemente elogiada. Tanto que se aposentou na ré e continuou trabalhando, produzindo e ascendendo em sua carreira. Seu salário (R$ 24.869,90) possivelmente era fruto de sua dedicação e merecimento". Contribuiu, portanto, ao longo de todos esses anos, para o sucesso do empreendimento e, num momento delicado, em que fora acometido de doença grave, de conhecimento do empregador (como também se infere do quadro fático consignado), foi dispensado imotivadamente. Merece destaque, ainda, o registro de que a empresa estava numa fase pujante, "alcançando à época em que o autor laborava recordes de produção e crescimento". O exercício da atividade econômica, premissa legitimada em um sistema capitalista de produção, está condicionado pelo artigo 170 da Constituição à observância dos princípios nele enumerados, entre os quais se incluem a valorização do trabalho humano, a existência digna, de acordo com a justiça social (caput) e a função social da propriedade (inciso III), este último perfeitamente lido como função social da empresa. Em sintonia com os aludidos mandamentos constitucionais, a Lei nº 9.029/95 dispõe acerca da proibição da exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho. Em seu artigo 1º, estabelece que "fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.". O rol de condutas discriminatórias, a que se refere o citado dispositivo, é meramente exemplificativo. Em completa harmonia com o ordenamento jurídico brasileiro, a Convenção nº 158 da OIT – ainda que denunciada pelo Governo Brasileiro e possua como objeto o término do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, pode ser referenciada como soft law – dispõe em seu artigo 4º que "Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço". Se o referido artigo trata das justificativas para o término da relação de emprego, o artigo 5º dispõe sobre os motivos que não servirão de justificativa: "Entre os motivos que não constituirão causa justificada para o término da relação de trabalho constam os seguintes: a) a filiação a um sindicato ou a participação em atividades sindicais fora das horas de trabalho ou, com o consentimento do empregador, durante as horas de trabalho; b) ser candidato a representante dos trabalhadores ou atuar ou ter atuado nessa qualidade; c) apresentar uma queixa ou participar de um procedimento estabelecido contra um empregador por supostas violações de leis ou regulamentos, ou recorrer perante as autoridades administrativas competentes; d) a raça, a cor, o sexo, o estado civil, as responsabilidades familiares, a gravidez, a religião, as opiniões políticas, ascendência nacional ou a origem social; e) a ausência do trabalho durante a licença-maternidade.". Esse rol exemplificativo remete à Convenção nº 111 da OIT, promulgada pelo Decreto nº 62.150/68 e que trata da vedação do tratamento discriminatório, dispõe no item 1.a do artigo 1º: "Para fins da presente convenção, o têrmo ‘discriminação’ compreende: a) Tôda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, côr, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprêgo ou profissão". A Súmula nº 443 do TST foi editada à luz desse arcabouço jurídico. Assim, a melhor interpretação que se faz dela é justamente a que se coaduna com as normas referidas e a ponderação que deve existir entre valores igualmente consagrados no âmbito constitucional. A esse propósito, assinala o  Ministro Luís Roberto Barroso: "(...) a interpretação constitucional viu-se na contingência de desenvolver técnicas capazes de produzir uma solução dotada de racionalidade e de controlabilidade diante de normas que entrem em rota de colisão. O raciocínio a ser desenvolvido nessas situações há de ter uma estrutura diversa, que seja capaz de operar multidirecionalmente, em busca da regra concreta que vai reger a espécie. Os múltiplos elementos em jogo serão considerados na medida de sua importância e pertinência para o caso concreto. A subsunção é um quadro geométrico, com três cores distintas e nítidas. A ponderação é uma pintura moderna, com inúmeras cores sobrepostas, algumas se destacando mais do que outras, mas formando uma unidade estética." (Curso de direito constitucional contemporâneo. São Paulo: Saraiva. 4ª ed. 2013. p. 362). Na situação em concreto, feita a ponderação entre os princípios que garantem a livre iniciativa e o desenvolvimento econômico e aqueles que tutelam o trabalho, prevalecem estes últimos, como diretriz de interpretação do verbete em discussão. Assim, há presunção de ser discriminatória a dispensa do empregado portador de neoplasia maligna e a Súmula nº 443 desta Corte, por tratar de presunção de discriminação, exige que esta seja afastada pela empresa, mediante prova cabal e insofismável, e não pelo empregado. Precedentes desta Corte. Recurso de embargos conhecido e não provido. (TST-E-ED-RR-68-29.2014.5.09.0245, Cláudio Mascarenhas Brandão, DEJT 26.04.19).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Embargos de Declaração em Recurso de Revista n° TST-E-ED-RR-68-29.2014.5.09.0245, em que é Embargante PEPSICO DO BRASIL LTDA e Embargado FERNANDO ARRUDA FIGUEIREDO MONTEIRO.

Adoto o relatório apresentado pelo Exmo. Sr. Ministro Relator originário:

"A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho, em acórdão da lavra do Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, conheceu do recurso de revista interposto pelo reclamante, por contrariedade à Súmula 443 do TST, e, no mérito, deu-lhe provimento para condenar a reclamada a proceder à reintegração do reclamante, com o pagamento da remuneração devida durante o período de afastamento, autorizada a dedução das verbas rescisórias comprovadamente quitadas, bem como dos descontos fiscais e previdenciários, nos termos da Súmula nº 368 do TST; alternativamente, caso assim prefira o reclamante, condenou a reclamada ao pagamento de indenização correspondente ao dobro da remuneração relativa ao período compreendido entre a data da dispensa e a decisão, nos termos do artigo 4° da Lei nº 9.029/95. Deferiu, ainda, indenização por danos morais ao reclamante, no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) (fls. 623/655 e 682/685).

A reclamada interpõe embargos (fls. 687/709), admitidos por decisão da Presidência da Sétima Turma (fls. 763/765).

Foi apresentada impugnação aos embargos (fls. 767/777).

Não houve remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho ante a ausência de interesse público a tutelar.

É o relatório.

V O T O

1 - CONHECIMENTO

Satisfeitos os pressupostos recursais extrínsecos, passo ao exame daqueles intrínsecos aos embargos. 

NEOPLASIA PROSTÁTICA. ESTIGMA E PRECONCEITO. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO.  CONTRARIEDADE À SÚMULA 443 DO TST

A Sétima Turma conheceu do recurso de revista interposto pelo reclamante, por contrariedade à Súmula 443 do TST, e, no mérito, deu-lhe provimento para condenar a reclamada a proceder à reintegração do reclamante, com o pagamento da remuneração devida durante o período de afastamento e ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais). Eis a fundamentação adotada:

‘1. ACIDENTE DE TRABALHO. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. DANO MORAL

O TRT da 9ª Região manteve a sentença que indeferiu o pedido de reintegração formulado pelo reclamante, em decorrência de suposta dispensa discriminatória, bem como o pedido de reconhecimento de acidente de trabalho e de indenização por dano moral, consignando os seguintes fundamentos:

O reclamante trabalhou na ré de 24-09-1985 a 28-02-2013. Incontroverso que possuía o cargo mais elevado na regional do Paraná.

Seus superiores estavam em São Paulo. Sofria as cobranças e pressões do cargo, pois fazia as vezes de empregador em uma equipe grande, com várias metas de produtividade e crescimento.

O autor estava apto ao serviço no momento da rescisão (34412ca). O diagnóstico de neoplasia prostática ocorreu em 2012, seus exames já mostravam a evolução dos índices de PSA desde 2003. O reclamante declarou que sempre manteve a empresa ciente de sua situação de saúde, relatava os acompanhamentos médicos e comunicava das medidas recomendadas. O mesmo vale para a hipertensão.

Não consta dos autos qualquer afastamento do trabalho para tratamento de saúde ou mesmo percepção de auxílio-doença.

Diante das alegações do autor, no intuito de apurar a ocorrência de acidente de trabalho e a origem das enfermidades que o acometeram, foi realizada prova técnica por perita nomeada pelo juízo.

O laudo técnico apresentado descreveu as características de transtorno de adaptação e de depressão, suas causas e agravamentos, consignou que "(...) não há nexo causal entre a depressão diagnosticada e o trabalho desenvolvido para a reclamada - tomando como base tanto dados epidemiológicos, como de etiologia. Fatores ambientais podem desencadear ou agravar um episódio depressivo. No presente caso, a evolução cronológica confirma que a demissão foi o fator preponderante para o desencadeamento dos sintomas depressivos - tendo em vista que mesmo com o diagnóstico de câncer anteriormente, tal doença não havia se manifestado. Não houve qualquer participação do trabalho em si nos sintomas diagnosticados (...)". A conclusão do laudo foi no seguinte sentido: "Á luz do conhecimento atual, concluo que o autor apresentou inicialmente quadro de transtorno de adaptação, que evoluiu com depressão. Não há nexo causal entre as doenças psiquiátricas diagnosticadas e o trabalho realizado para a reclamada (transtorno de adaptação foi ocasionado pelo diagnóstico de câncer; depressão ocorreu após a demissão)". (id.c77f9fc - destaquei)

Note-se que a perita teve acesso a todos os documentos dos autos (prontuários clínicos, exames e declarações), e concluiu que na época em que o autor trabalhava não havia histórico de depressão.

A despedida foi o fator preponderante para o desencadeamento de seus sintomas depressivos. Entretanto, da mesma forma como é comum que pacientes com neoplasia desenvolvam depressão, pessoas que perdem o emprego muitas vezes também a desenvolvem. No caso dos autos houve um somatório de fatores.

Deve prevalecer a análise técnica, porquanto através dela foram constatadas situações que afastam o nexo e causalidade entre o trabalho e as doenças diagnosticadas ao reclamante, necessário para o deferimento das indenizações postuladas.

A instrução processual também não afasta a conclusão pericial ou mesmo as demais alegações do autor, não há prova de conduta patronal discriminatória, a tese de que a dispensa ocorreu de forma discriminatória devidos ao problemas de saúde e a idade do reclamante são frágeis.

Não houve comprovação quanto às alegações de que o reclamante foi obrigado a desmarcar sua cirurgia (que acabou não sendo realizada até a data da perícia, em razão da depressão), pois ‘o tratamento clínico reduziu os índices de PSA’. Vale destacar da entrevista do autor no laudo que: ‘(...) Esse estudo (PSA) é baseado em modificação do comportamento e alimentação. O oncologista também disse que deve reduzir o stress e caminhar diariamente 50 minutos. Mas não está conseguindo caminhar por causa da depressão’.

No que tange à alegada discriminação, na linha do que se decidiu em primeiro grau, entendo que não restou comprovada.

É inquestionável a cobrança da ré por metas e vendas (ex.: tratando de metas e resultados - id. 1390740 e id. 1390459 - fls. 3 a 5; cobrando vendas de qualquer forma ‘quero ovo’, (id. 1390580 - relatório com estimativa de vendas na véspera de natal - id. 1390528), mas as narrativas trazem a ideia de pressão de mercado, na busca de crescimento nas vendas, pois as cobranças eram coletivas, tanto que fazem referência a ‘time’, ‘ajuda e parceria’ (id.1390755). Ademais, não se pode ignorar que, em virtude do cargo que o autor ocupava, o clima do ambiente laboral era em grande parte também de sua própria responsabilidade.

De outro lado, não faltaram ao reclamante felicitações, troféus (id. 1390528, 1390459, 1390230) e boas avaliações sobre sua competência funcional (id. 1390472), independente da idade sua experiência era constantemente elogiada. Tanto que se aposentou na ré e continuou trabalhando, produzindo e ascendendo em sua carreira. Seu salário (R$ 24.869,90) possivelmente era fruto de sua dedicação e merecimento.

O pensamento encaminhado ao autor e a outros empregados por e-mail ‘se o passado não morrer o futuro não nasce’ (id. 1390977) fala de transformações, convida para viver o presente, ‘com a garra de sempre’, fala de conquistas do passado, de utilização das ‘nossas experiências’, chegando a mencionar que ‘juntos vamos construir um futuro onde com certeza, vamos poder comemorar e usufruir das nossas conquistas com crescimento pessoal e profissional’. Assim, nem de longe refletem discriminação em razão da idade.

Das testemunhas ouvidas apenas Jeferson Luiz de Oliveira diz ter presenciado o autor ser chamado de velho, mas declarou que outros, inclusive ele, também eram chamados assim pelo Sr. Abel. A testemunha Simara Lizandra Santiago afirmou que apenas viu os e-mails com esta forma de tratamento dirigidas a pessoas com o mesmo cargo de chefia do autor. A testemunha Chryscia Oliveira Pereira da Cunha declarou que ‘não viu Abel chamando o autor de velho e nem outro funcionário; teve com Abel apenas em duas ou três reuniões e não viu Abel chamando ninguém de velho; não viu ninguém reclamando da forma de tratamento de Abel com outros empregados’.

Contudo, o ‘vocativo’ ‘velho/velhos’ utilizado em alguns e-mails (id. 1390550) não traz caráter discriminatório, pois era realizada indistintamente por um colega de trabalho, no mesmo nível hierárquico. A prova produzida não demonstra que o autor tenha sido alvo de atitude discriminatória, os e-mails, como alegado pelo próprio autor, eram dirigidos a pessoas com ‘mais de 45/50 anos de idade’, que por certo não são idosas e que ainda ocupavam os mais altos cargos da ré. A ‘experiência’ do reclamante sempre foi elogiada e admirada na empresa. A alegação de que em reunião foi falado sobre o ‘benefício’ de ‘fraldas geriátricas’, não restou comprovada. A testemunha Jeferson Luiz de Oliveira, que segundo o autor estava presente no momento, nada declarou neste sentido quando ouvida em juízo.

Consigne-se que apesar de ser enfermidade grave, não vislumbro que o câncer de próstata, a hipertensão ou mesmo a depressão suscitem algum tipo de estigma ou preconceito – o que também não restou demonstrado –, sendo inaplicável o entendimento da Súmula 443 do TST. Ao contrário, restou cabalmente confirmada a dispensa sem justa causa, em decorrência dos novos rumos da empresa.

Não se ignora que há prova nos autos de que a empresa não passava por um mal momento, alcançando à época em que o autor laborava recordes de produção e crescimento (id.1391007). Ainda assim, nem por isso, ela estava proibida de despedir, cortar gastos e alcançar mais lucros, típicos no sistema capitalista. Tanto que há e-mail tratando de medidas necessária para ‘redução dos custos’ em viagens (id. 1390740) e declaração do autor na entrevista pericial relativa à demissão dizendo que ‘contrataram gente mais nova, pela metade do salário’ (id. c77f9fc).

Assinalo que era da reclamante o ônus de comprovar os fatos alegados inicialmente, nos termos do art. 818 da CLT e do art. 333, I, do CPC, por serem constitutivos do seu direito. Nesse contexto, sem dúvida não louvável, pela função social da empresa, a postura da empregadora ao despedir o autor em um momento tão delicado de vida, com um filho pequeno, e diagnosticado com câncer de próstata e hipertensão. A despedida nessa condição costuma causar trauma psicológico, não podendo ser desconsiderado o fato de o autor estar vinculada a plano de saúde empresarial que perderia. Mas certo é que discriminação não houve.

Diante da prova documental e da perícia realizada no feito, não há como alterar a conclusão apresentada pelo juízo de primeiro grau. Assim, não merece provimento a pretensão do autor, vez que as patologias indicadas como geradoras dos danos morais não podem ser atribuídas ao empregador, ou seja, são sem nexo causal com a atividade laboral desenvolvida.

Mantenho a decisão. (destacamos)

O recorrente aduz que, tendo o Colegiado local reconhecido que a reclamada tinha ciência do quadro clínico do reclamante quando o dispensou, a decisão regional que indeferiu a sua reintegração violou os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), dos valores sociais do trabalho (art. 1º, IV, da CF) e da solidariedade (art. 3º, I, da CF), além dos artigos 3º, IV, CF; 19 da Lei 9.213/91; 1º da Lei 9.029/95; 186 e 927 do CC; 333, II, do CPC; 1º da Convenção nº 111 da OIT, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 62.150; e contrariou as Súmulas 378, II, e 443 do TST. Aponta divergência jurisprudencial.

Pois bem, quanto à arguição de acidente de trabalho, o Tribunal Regional, com esteio no laudo pericial, concluiu não haver nexo causal entre a depressão diagnosticada e o trabalho desenvolvido para a reclamada.

Ficou registrado que ‘a demissão foi o fator preponderante para o desencadeamento dos sintomas depressivos – tendo em vista que mesmo com o diagnóstico de câncer anteriormente, tal doença não havia se manifestado’, ou seja, as doenças psiquiátricas diagnosticadas (depressão e transtorno de adaptação) apareceram após a rescisão do contrato de trabalho, não guardando qualquer nexo de causalidade com as atividades laborais.

Desse modo, não há falar em acidente de trabalho, tampouco em estabilidade provisória, valendo salientar que o item II da Súmula 378 dispensa a percepção do auxílio-doença acidentário para a concessão da estabilidade apenas quando a doença profissional guarda relação de causalidade com a ‘execução do contrato de trabalho’, o que, como explicitado, não ocorreu no presente caso.

No tocante à dispensa discriminatória em decorrência de sua idade avançada, ficou patenteado no acórdão regional que o reclamante não fez qualquer prova nesse sentido, ou de que o chamavam de ‘velho’, sendo incabível deduzir que a ruptura do contrato tenha ocorrido em razão da idade do reclamante.

Concernente à suposta dispensa discriminatória por causa das moléstias que acometem o reclamante – câncer, hipertensão e depressão, esta última incontroversamente adquirida após a ruptura contratual, o Tribunal a quo asseverou que ‘restou cabalmente confirmada a dispensa sem justa causa em decorrência dos novos rumos da empresa’. Aquela Corte assinalou que, embora não seja louvável a postura da empregadora de despedir o autor em um momento tão delicado de vida (diagnosticado com câncer de próstata e hipertensão), ‘certo é que discriminação não houve’.

Ressaltou, no mais, que era do reclamante o ônus de comprovar os fatos alegados na exordial, nos termos dos artigos 818 da CLT e 333, I, do CPC/73, por serem constitutivos do seu direito, ônus do qual não se desincumbiu.

Feitos esses registros, assim decidia S. Exa.:

‘Em face desse exuberante contexto factual acerca da não configuração de dispensa discriminatória e da ausência de nexo de causalidade entre as atividades laborais do reclamante e a depressão manifestada, sabidamente inamovível em sede de recurso extraordinário, a teor da Súmula 126/TST, não se põe como pertinente a versão recursal em sentido oposto, permanecendo incólumes os artigos 1º, IV, e 3º, I e IV, da CF; 186 e 927 do CC; 19 da Lei nº 9.213/91 e 1º da Lei nº 9.029/95.

Em relação ao ônus da prova e à aplicação da Súmula 443 do TST, segundo a qual ‘presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito [...]’, saliente-se que o câncer, embora seja uma doença grave, não suscita estigma ou preconceito, afastando, por isso, a presunção de dispensa discriminatória.

(...)

Assim, longe de violar o artigo 333, II, do CPC de 1973, o Regional deu-lhe a devida e escorreita aplicação jurídica, sob o prisma do ônus subjetivo da prova, já que efetivamente incumbia ao reclamante demonstrar que a sua dispensa fora discriminatória, por ser fato constitutivo do seu direito.

Atinente à arguição de divergência jurisprudencial, registre-se que o primeiro (fl. 562) e o sexto (fl. 563) arestos são os únicos específicos, à luz da Súmula 296, I, do TST, todavia, inservíveis ao confronto de teses, porque aquele não indica a respectiva fonte de publicação oficial ou o repositório autorizado em que fora publicado, na contramão da alínea ‘a’ do item I da Súmula 337 do TST, e este é oriundo do mesmo TRT de origem, órgão não elencado na alínea ‘a’ do artigo 896 da CLT.

Os demais julgados trazidos a cotejo, que versam sobre hipóteses variadas – discriminação comprovada por causa de idade, de doença psiquiátrica, de gravidez, de epilepsia, de HIV e de patologias incapacitantes, por exemplo – não guardam similitude fática com a situação enfrentada na espécie, sobressaindo a certeza de que a revista não alcança admissibilidade por divergência pretoriana.

Não conheço.’

Convergi com o voto proposto, no tocante à ausência de estabilidade acidentária e de discriminação em razão da idade.

Porém, no que se refere à presunção de dispensa discriminatória relacionada a doença grave, nos moldes da Súmula nº 443 do TST, divergi da solução proposta pelo eminente Relator e fui acompanhado pela maioria da Turma.

Com efeito, no tocante à suposta discriminação em razão da idade, o acórdão regional foi taxativo ao afastá-la, mencionando que o autor era reconhecido como empregado eficiente e valorizado pela experiência. Merece destaque o seguinte trecho da decisão: ‘De outro lado, não faltaram ao reclamante felicitações, troféus (id. 1390528, 1390459, 1390230) e boas avaliações sobre sua competência funcional (id. 1390472), independente da idade sua experiência era constantemente elogiada. Tanto que se aposentou na ré e continuou trabalhando, produzindo e ascendendo em sua carreira. Seu salário (R$ 24.869,90) possivelmente era fruto de sua dedicação e merecimento’.

O pensamento encaminhado ao autor e a outros empregados por e-mail ‘se o passado não morrer o futuro não nasce’ (id. 1390977) fala de transformações, convida para viver o presente, ‘com a garra de sempre’, fala de conquistas do passado, de utilização das ‘nossas experiências’, chegando a mencionar que ‘juntos vamos construir um futuro onde com certeza, vamos poder comemorar e usufruir das nossas conquistas com crescimento pessoal e profissional’. Assim, nem de longe refletem discriminação em razão da idade."

Mas no que se refere à neoplasia prostática, a decisão recorrida fundamentou-se exclusivamente no ônus da prova, atribuindo ao reclamante o encargo de demonstrar que a dispensa decorreu de estigma relacionado à doença.

A Súmula nº 443 do TST estabelece presunção de discriminação na ruptura contratual quando o empregado apresenta doença grave, que suscite estigma ou preconceito. À luz de tal verbete, nesses casos, há inversão do ônus da prova e incumbe ao empregador comprovar ter havido outro motivo para a dispensa.

Não questiono, no caso, a impossibilidade de deferir a pretensão com base na alegada hipertensão, porque não se reveste da gravidade necessária, tampouco com esteio no quadro depressivo apresentado pelo autor, uma vez que, segundo o registro fático da Corte a quo, a doença desenvolveu-se apenas depois da dispensa. Mas a neoplasia maligna, sem dúvida, se amolda aos parâmetros da mencionada súmula, por se tratar de doença grave comumente associada a estigmas.

Apesar da existência de precedentes em sentido contrário, citados, inclusive, no voto do eminente Relator, há outros que corroboram o enquadramento ora proposto, como se vê a seguir: (...)

No caso, não há elementos que afastem a presunção de discriminação. Apesar de o Tribunal Regional ter mencionado que a dispensa decorreu dos ‘novos rumos da empresa’, não explicitou por que o perfil profissional do reclamante não era compatível com essa direção.

Os fundamentos exclusivamente econômicos invocados na decisão recorrida, tais como contratar empregados com salário menor, a fim de reduzir os custos e aumentar os lucros, como prática ‘típica do sistema capitalista’, não se sobrepõem a outros valores, como a função social da empresa, a valorização do trabalho e a dignidade da pessoa humana, num contexto em que o empregado dedicou quase 28 anos de sua vida profissional à reclamada, prestando serviços reconhecidamente relevantes.

Contribuiu, portanto, ao longo de todos esses anos, para o sucesso do empreendimento e, num momento delicado, em que fora acometido de doença grave, de conhecimento do empregador (como também se infere do quadro fático consignado), foi dispensado imotivadamente. Merece destaque, ainda, o registro de que a empresa estava numa fase pujante, ‘alcançando à época em que o autor laborava recordes de produção e crescimento’.

O exercício da atividade econômica, premissa legitimada em um sistema capitalista de produção, está condicionado pelo artigo 170 da Constituição à observância dos princípios nele enumerados, entre os quais se incluem a valorização do trabalho humano, a existência digna, de acordo com a justiça social (caput) e a função social da propriedade (inciso III), este último perfeitamente lido como função social da empresa.

Ademais, estabelece vínculo direto e indissociável com os princípios contidos no artigo 1º da Constituição, que fundamentam o Estado Democrático de Direito, entre os quais se incluem os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (inciso IV), sem se falar na dignidade da pessoa humana (inciso III).

Denominados princípios políticos constitucionalmente conformadores ou princípios constitucionais fundamentais, caracterizam-se por explicitarem as valorações políticas fundamentais do legislador constituinte, condensarem as opções políticas nucleares e refletirem a ideologia dominante da constituição.

Significa afirmar, com base nesses princípios, a possibilidade de limitação do alegado direito potestativo de dispensa quando a ele se sobrepõe um bem jurídico relevante, protegido pela ordem jurídica, especialmente constitucional.

Em sintonia com os aludidos mandamentos constitucionais, a Lei nº 9.029/95 dispõe acerca da proibição da exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho.

Em seu artigo 1º estabelece que ‘fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal’ (destaquei).

O rol de condutas discriminatórias, a que se refere o artigo 1º da Lei nº 9.029/95, é meramente exemplificativo. Nesse sentido, são os seguintes precedentes desta Corte Superior:

A Súmula nº 443 do TST foi editada à luz desse arcabouço jurídico. Assim, a melhor interpretação que se faz dela é justamente a que se coaduna com as normas referidas e a ponderação que deve existir entre valores igualmente consagrados no âmbito constitucional.

A esse propósito, invoco a doutrina do Ministro Luís Roberto Barroso:

‘(...) a interpretação constitucional viu-se na contingência de desenvolver técnicas capazes de produzir uma solução dotada de racionalidade e de controlabilidade diante de normas que entrem em rota de colisão. O raciocínio a ser desenvolvido nessas situações há de ter uma estrutura diversa, que seja capaz de operar multidirecionalmente, em busca da regra concreta que vai reger a espécie. Os múltiplos elementos em jogo serão considerados na medida de sua importância e pertinência para o caso concreto. A subsunção é um quadro geométrico, com três cores distintas e nítidas. A ponderação é uma pintura moderna, com inúmeras cores sobrepostas, algumas se destacando mais do que outras, mas formando uma unidade estética.’ (Curso de direito constitucional contemporâneo. São Paulo: Saraiva. 4ª ed. 2013. p. 362)

No caso concreto, consoante as premissas já destacadas, feita a ponderação entre os princípios que garantem a livre iniciativa e o desenvolvimento econômico e aqueles que tutelam o trabalho, prevalecem estes últimos, como diretriz de interpretação do verbete em discussão.

Por todo o exposto, conheço do recurso de revista, por contrariedade à Súmula nº 443 do TST.

MÉRITO

Como consequência lógica do conhecimento do apelo, por contrariedade à Súmula nº 443 do TST, dou-lhe provimento para reconhecer a dispensa discriminatória e condenar a reclamada a proceder à reintegração do reclamante, com o pagamento da remuneração devida durante o período de afastamento, autorizada a dedução das verbas indenizatórias comprovadamente quitadas; alternativamente, caso assim prefira o reclamante, condenar a reclamada ao pagamento em dobro da remuneração relativa ao período compreendido entre a data da dispensa e a presente decisão, tudo nos termos do artigo 4° da Lei nº 9.029/95.

Defiro, ainda, indenização por danos morais, no valor de R$200.000,00, considerando a extensão do dano imaterial suportado pelo empregado, em razão de ter sido dispensado no momento em que enfrentava graves problemas de saúde e após ter prestado serviços à empresa por quase 28 anos.’ (fls. 624)

‘O juiz não está adstrito ao enquadramento jurídico proposto pelas partes, e sim aos fatos narrados e aos pedidos formulados.

Apesar de ter sido formulada pretensão de ressarcimento por dispensa discriminatória em razão da idade, o julgador pode concluir pela procedência do pedido com base em outro fator de discriminação evidenciado nos autos, a partir dos demais fatos postos em discussão pelas partes e que foram objeto de prova.

Ademais, é certo que narrativa exposta pelo autor na inicial deixa clara a relação entre a doença grave e a rescisão do contrato de trabalho por iniciativa da ré, conforme se infere, por exemplo, do trecho a seguir:

Resta considerar, portanto, que a parte reclamada tão logo tomou conhecimento das doenças graves da parte reclamante, optou por métodos escusos e inaceitáveis para descartar este ‘mero funcionário’, de seus quadros. Descumprindo conscientemente, as regras de boa conduta social e profissional, afrontando os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da solidariedade. Tendo em vista que a parte reclamada assentiu e incentivou ainda, que os seus diretores de vendas, despreparados e insensíveis no exercício das suas lideranças muito peculiares, praticassem os piores atos de discriminação, de ofensas e de humilhações, configurando-se, inexoravelmente, o excesso do poder diretivo. Desta forma, conforme acima expendido, vale frisar que a parte reclamante foi dispensada sem justa causa em 28/2/2013, pela parte reclamada, de uma forma injusta, arbitrária, sem uma justificativa plausível, sem o respeito humano, profissional e a mínima consideração social. Como agravante à dispensa nitidamente discriminatória da parte reclamante, cita-se a ciência absoluta e cristalina da parte reclamada, que a parte reclamante era portadora e permanece portadora de 2 (duas) doenças graves, a parte reclamante estava dependente e segue dependente de 2 (dois) tratamentos de saúde, sem mencionar o problema e tratamento de saúde da depressão mental e emocional advinda em abril de 2013 e, ainda, enfrenta dificuldades gigantescas e improváveis, infelizmente, de se recolocar profissionalmente, nestas condições debilitadas de saúde, mental e emocional em que se encontra.’ (fl. 21 – destaquei)

A decisão embargada não contrariou a Súmula nº 126 do TST, já que se fundamentou exclusivamente nos fatos consignados na decisão regional.

As referências feitas pela recorrida à existência de grande lapso temporal entre o diagnóstico da doença e a ruptura do contrato, bem como à suposta ausência de repercussão da patologia na relação de trabalho não têm o condão de afastar conclusão afirmada na decisão embargada. Trata-se apenas de ilações da ré a respeito dos fatos e sequer demandam pronunciamento judicial específico. Com efeito, o julgador não tem a obrigação de responder a todos os questionamentos das partes. Basta que apresente solução à lide posta e exponha, de forma clara e precisa as razões do seu convencimento.

Observa-se, por conseguinte, que a pretensão se resume à revisão do julgado, valendo-se a parte de meio processual inadequado. Não é menos certo afirmar que os embargos declaratórios não se prestam ao reexame do enquadramento jurídico dado à matéria controvertida e consequente reforma do acórdão, por se tratar de apelo cujo debate é vinculado, a teor dos artigos 1022 do CPC e 897-A da CLT.

Na essência, revelam nítida insurgência quanto ao resultado do julgamento, desfavorável no particular.

Ressalte-se que, em momento algum, foram invocados dispositivos ou argumentos a fim de completar a prestação jurisdicional oferecida por este Tribunal. E nem poderia fazê-lo, ante a inexistência de qualquer omissão, contradição ou obscuridade que autorizasse a oposição da medida.

Destaco que o prequestionamento apenas se faz necessário quando não há pronunciamento expresso sobre o tema objeto da controvérsia, o que não ocorreu no presente feito.

Nesse contexto, rejeito os embargos de declaração.’ (fls. 684)

 

Nas razões de embargos, a reclamada alega que não se pode se afirmar que o câncer de próstata já conhecido pela empresa seja doença estigmatizante. Entende que no acórdão regional consta farto relato, com diversos elementos indicados como razão à dispensa do reclamante, principalmente de ordem econômica e organizacional, de forma que não é apropriada a invocação da presunção a que se refere a Súmula 443 do TST. Sustenta julgamento ‘extra petita’ porque no acórdão embargado se afirmou a possibilidade de julgar procedente o pedido de indenização por danos morais com ‘base em outro fator de discriminação’ (palavras do acórdão), - neoplasia - diverso do fator de discriminação expressamente indicado pelo Autor - idade. Indica contrariedade à Súmula 443 do TST e transcreve arestos.

S. Exa., o Ministro Relator, propunha o conhecimento do recurso de embargos, por contrariedade à Súmula nº 443 desta Corte. E, nesse ponto, iniciou-se a divergência, porquanto a Subseção, por maioria, conheceu do apelo por dissenso pretoriano com o aresto colacionado à fl. 694, oriundo da Egrégia 4ª Turma:

"RECURSO DE REVISTA. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. NEOPLASIA MALIGNA. ÔNUS DA PROVA. I. O entendimento que prevalece nesta Quarta Turma é no sentido de que, apesar de o câncer ser uma doença grave, não possui, por si só, caráter estigmatizante, não sendo possível presumir discriminatória a dispensa do empregado portador da referida doença. Assim, é inaplicável à hipótese o teor da Súmula nº 443 do TST. II. No caso em exame, o Tribunal Regional assentou que ‘não há prova nos autos de que a conduta do réu, no ato da dispensa, tenha ocorrido em razão do estado de saúde da acionante, de sorte a poder nos revelar um mínimo de discriminação’. Logo, não há que se falar em invalidade do ato de rescisão contratual e em reintegração. III. Recurso de revista de que se conhece, por divergência jurisprudencial, e a que se nega provimento."

Logo, conheço do recurso de embargos por divergência jurisprudencial.

MÉRITO

Discute-se, no caso dos autos, se a dispensa de empregado acometido por neoplasia maligna, que laborou por 28 anos na empresa, é discriminatória, por se considerar tal moléstia como geradora de estigma.

Ficou consignado no acórdão embargado que o autor prestou serviços reconhecidamente relevantes; que contribuiu para o sucesso do empreendimento e, num momento delicado, em que fora acometido de doença grave, de conhecimento do empregador, foi dispensado imotivadamente; que a empresa estava numa fase pujante, "alcançando à época em que o autor laborava recordes de produção e crescimento".

Começo a análise a partir da compreensão do que seja "estigma" e uma das definições léxicas do vocábulo é marca ou cicatriz deixada por ferida; sinal natural no corpo.

Por sua vez, o conceito de "doença estigmatizante" assim é tratado pela doutrina:

"Pensamos, todavia, que o termo ‘estigmatizar’, verbo derivado de ‘estigma’, mais do que este último traz a informação adequada e precisa, inclusive em sua especificidade, à compreensão do quanto contido em algumas das decisões de nossos tribunais [...].

[...] a atitude do indivíduo que estigmatiza, poderia ser correspondente à daquele que discrimina, posto que tanto em uma como em outra hipótese, um pré-juízo é estabelecido (juízo = avaliação, estimativa, opinião) por parte do agente, no sentido de que, se o indivíduo considerado porta determinada marca, sinal ou tem certas características, inclusive morfológicas ou físicas, isto só pode se dar em virtude de um passado ou origens nebulosas e pouco recomendáveis. Como, por exemplo, o ostentar o espectro do acometido por AIDS, ou do ‘aidético’. [...].

É, todavia, da pretensão ao xingamento com o emprego de expressões que aludem a uma determinada condição de saúde, que resulta de forma clara a associação de idéias. Ou seja, entre a doença, e a má qualidade ou falta de caráter do ofendido.

Neste passo mister seria lembrar que tais vicissitudes que ainda hoje atingem a espécie humana, remontam à Idade Média, quando, como lembra Foucault: ‘o leproso era alguém que, logo que descoberto, era expulso do espaço comum, posto fora dos muros da cidade, exilado em algum lugar confuso onde ia misturar a sua lepra à lepra dos outros. O mecanismo de exclusão era o mecanismo do exílio, da purificação do espaço urbano. Medicalizar alguém era mandá-lo para fora e, por conseguinte, purificar os outros. A medicina era uma medicina de exclusão’.

[...]

Antiga portanto, e como se vê, a tendência dos indivíduos em imprecarem contra outrem mediante a inculcação de adjetivo que denota condição mórbida de saúde.

É, ainda, no referente à ‘marcação’ ou à ‘sinalização’ física do indivíduo, em que, por vezes, se ressaltava sua condição de inferior, de pária, a justificar a ação excludente e discriminatória." (GUALAZZI, Alexandre Augusto; "AIDS" e Direito do Trabalho: questões de direito material e processual; São Paulo: LTr, 2005, pp. 87-89).

Para o Professor e Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Dr. Luiz Eduardo Gunther:

"Quando mencionamos a palavra discriminação devemos levar em conta aspectos subjetivos e objetivos. O elemento subjetivo relaciona-se à intenção de discriminar. De outro lado, o elemento objetivo caracteriza-se pela preferência efetiva por alguém em detrimento de outro ‘sem causa justificada, em especial por motivo evidenciado’. Esse comportamento revela ‘uma escolha de preconceito em razão do sexo, raça, cor, língua, religião, opinião, compleição física ou outros fatores importantes’.

Quanto ao momento do ato considerado discriminatório, parece hoje não haver mais dúvidas, no âmbito trabalhista, que práticas discriminatórias podem ocorrer ‘na admissão, no curso da relação de emprego e na dispensa, quando configurada ofensa à dignidade do trabalhador e ao princípio da igualdade’.

A proibição da prática discriminatória no emprego tem fundamento no inciso XXX do art. 7º da CF/1988, nas Convenções n. 111 e 117 da OIT e na Lei n. 9.029/1995. Nesses registros normativos, porém, não se considera como fator de discriminação o estado de saúde. Possível é, no entanto, por interpretação extensiva ou aplicação analógica, aplicar essa normatividade ‘quando o fator de discriminação é o estado de saúde do empregado’.

Os casos mais frequentes de discriminação por motivo de saúde ocorrem ‘nas hipóteses de lesões por esforço repetitivo (LER) e as de síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS, rectius: SIDA)’.

Considera-se possível juridicamente, também, fundamentar pela aplicação da regra proibitiva a tais hipóteses no sentido de que ‘a enumeração legal é meramente exemplificativa, e não taxativa ou limitativa’.

[...]

Consoante explicita Larissa Renata Kloss, a discriminação ilícita, injustificada ou negativa ‘demonstra o repúdio às diferenças, à diversidade de características existentes na condição humana’. Objetiva utilizar as diferenças ‘para prejuízo de outros indivíduos ou de minorias menos favorecidas’, isto é, ‘de pessoas que não possuem características que correspondem àquelas consideradas fortes ou vantajosas na realidade’.

A palavra estigma possui um sentido negativo, tratando-se de um fator de diferenciação normalmente injustificado, gerando consequentemente a exclusão social e a invisibilidade em relação às qualidades do indivíduo.

O estigma, sem dúvida, produz um descrédito relativamente ao indivíduo, reduzindo as suas possibilidades de vida.

Não é demais insistir na afirmação de que os empregados excluídos do mercado de trabalho suportam duas espécies de doença, sendo uma delas o preconceito com que são tratados:

[...]

Tratando especificamente desse último grupo, padece ele da falta de trabalho por conta de ‘doença’ que persegue parte da humanidade desde o início dos tempos: o preconceito.

Tomando-se por base a Convenção n. 111 da OIT, torna-se possível entender a discriminação como todo ‘o tratamento injustificavelmente diferenciado dispensado a determinada pessoal ou grupo de indivíduos, atuando como fator de redução de oportunidades no seio social’.

Esses empregados, assim, passam a ser estigmatizados, suportando ‘um sistemático tratamento diferenciado’, tornando-se ‘duplamente vitimizados, tanto pela enfermidade que os acomete, quanto pela discriminação a eles voltada’." (GUNTHER, Luiz Eduardo, Novidades em direito e processo do trabalho: estudos em homenagem aos 70 anos da CLT / Rúbia Zanotelli de Alvarenga, Érica Fernandes Teixeira, Organizadoras - São Paulo: LTr, 2013, pp. 115-117).

Estigma nada mais é do que marca, sinalização, diferenciação, que procura assinalar ou distinguir alguém em face do grupo social. Ressalta a condição de inferioridade do indivíduo, que tende a justificar uma ação excludente ou discriminatória se a pessoa é dotada de alguma marca distintiva, a exemplo de quando é acometida de neoplasia maligna.

Em adendo ao quanto afirmado, em voto proferido na sessão de julgamento, o Exmo. Ministro Augusto César Leite de Carvalho destacou quanto a esse aspecto:

"Porém, quando falamos de estigma, parece-me que não estamos nos referindo propriamente a esse estágio civilizatório em que pretensamente estamos. Estamos falando de uma consideração que está no meio social, de que aquela circunstância de contrair câncer poderia estar, segundo o dicionário, a impingir na pessoa que contraiu essa neoplasia a condição de ‘indigno, desonroso; labéu’, enfim. Estou a ler o Dicionário Houaiss. O sentido figurado do estigma, o sentido literal, o sentido originário do estigma tem a ver com o ‘sinal infamante outrora aplicado, com ferro em brasa, nos ombros ou braços de criminosos (...)’, no sentido figurado: ‘aquilo que é considerado indigno, desonroso; labéu’."

No mesmo sentido, assinalou o Exmo. Ministro Hugo Carlos Scheuermann:

"[...] o câncer é um fator de estigmatização no ambiente de trabalho, porque é uma doença invasiva, de alta progressão, responsável por um grande número de óbitos no nosso País cujo tratamento, além de complexo e vagaroso, causa diversos efeitos colaterais, o de próstata, para o homem, gera no trabalhador um quadro de angústia e apreensão. Ainda que por desinformação a respeito de novas tecnologias ou chance de cura, o trabalhador ou o empregado, uma pessoa acometida com neoplasia maligna, tende a carregar uma presunção contra ela de invalidez ou de morte, ficando rotulado negativamente como alguém menos capacitado para o trabalho, que ficará afastado do emprego por longos períodos. Esse é o estigma que ele carrega."

Afirma-se, por conseguinte, como razão de decidir e fundamento determinante, a caracterização da neoplasia maligna como doença estigmatizante, pelas suas próprias características e pelos efeitos colaterais que acarreta na pessoa, inclusive capaz de ocasionar angústia, apreensão e até mesmo depressão, estas decorrentes, também, do tratamento complexo e prolongado.

Por sua vez, a Súmula nº 443 do TST estabelece presunção de discriminação na ruptura contratual quando o empregado apresenta doença grave, que suscite estigma ou preconceito. Eis o teor do referido verbete:

"DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012

Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego." (destaquei)

Raquel Betty de Castro Pimenta (ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de; TEIXEIRA, Érica Fernandes (Org.). Novidades em direito e processo do trabalho: estudos em homenagem aos 70 anos da CLT. São Paulo: LTr, 2013. p. 131.) analisa a Súmula nº 443 do TST e a reintegração do empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave:

"A proteção jurídica contra a discriminação em matéria de emprego advém não apenas de normas legais, mas é concretizada também através de entendimentos jurisprudenciais que, a partir da teleologia traçada pelos preceitos constitucionais e por tratados internacionais, aplicam em casos submetidos à apreciação do Poder Judiciário o princípio da não discriminação. Desse modo, a partir dos preceitos gerais que vedam qualquer forma de discriminação para efeitos de acesso ou manutenção da relação de emprego, situações específicas relativas à discriminação contra portadores de doenças graves, entre elas o HIV e a AIDS, passaram a ser disciplinadas pela via jurisprudencial. Registre-se, a este respeito, nos termos do art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

[...]

‘Doenças sempre serviram para práticas discriminatórias’, como ensina Luiz Otávio Linhares Renault (2010. P. 118). A condição de ser portador de uma doença grave, muitas vezes incurável, acarreta um tratamento diferenciado, podendo provocar a segregação do doente do corpo social."

À luz de tal verbete, nesses casos, há inversão do ônus da prova e incumbe ao empregador comprovar ter havido outro motivo para a dispensa. Nesse sentido, se manifestou a referida autora no mesmo trabalho:

"No contexto brasileiro em que, como em geral se entende, não há, em princípio, proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, a rescisão do contrato de trabalho pode ser feita pelo empregador sem qualquer justificativa, mediante o pagamento das verbas rescisórias correspondentes a esta modalidade de dispensa.

Entretanto, como ressalta Luís Felipe Lopes Boson: ‘Fica, com efeito, difícil para o empregado demonstrar que sua doença foi a causa (encoberta) da dispensa. Já o empregador sempre pode justificar eventual outro motivo para a rescisão’ (2010. P. 273).

Assim, a presunção estabelecida serve para atribuir ao empregador o ônus da prova da licitude da dispensa. Dessa forma, no bojo de reclamação trabalhista em que se discuta o caráter discriminatório da dispensa, cabe ao empregador demonstrar os motivos - lícitos - que levaram à rescisão do contrato de trabalho. Cumpre ressaltar que não há que se falar de hipóteses de justa causa previstas no art. 482 da CLT, mas sim de razões objetivas de caráter disciplinar, técnico, econômico ou financeiro que tornaram necessária a dispensa do trabalhador.

Nestes termos, incumbe ao empregador o ônus de alegar e provar, no curso da instrução processual, a ocorrência de fatos e de circunstâncias que permitam ao juiz da causa concluir que a doença do empregado não foi o motivo determinante da rescisão de seu contrato de trabalho sem justo motivo e, sim, outras razões consideradas razoáveis, plausíveis e socialmente aceitáveis." (p. 137)

Ou seja, cabe ao empregador demonstrar que não houve motivação direta ou indireta com a enfermidade que o empregado apresenta ou que a causa da dispensa foi legítima e deve fazê-lo mediante prova insofismável, diante da presunção que se apresenta favorável à tese obreira. Essa prova, contudo, não consta nos autos. E essa causa legítima também não ocorreu porque o empregado teve seu desempenho destacado pelo longo período em que trabalhou na empresa e pelos recordes de venda e pelo desempenho que ele próprio possuía.

No particular, pertinente a fundamentação acrescentada pelo Exmo. Ministro Walmir Oliveira da Costa na sessão de julgamento, no sentido de que, "se a súmula contém a presunção de que uma doença grave, como é o câncer, indiscutivelmente, causa estigma ou preconceito, há uma presunção, e a empresa, tendo conhecimento do fato – isso é indiscutível –, deveria, se ocorrida a dispensa, justificar em uma daquelas chamadas justas causas empresariais. [...]. Um alto executivo, um alto empregado, com vinte e oito anos de trabalho, que tinha uma posição de proeminência na empresa, além de todos os demais empregados da empresa [...] o ônus da prova era da empresa. A presunção decorre da doença maligna, que é grave. [...]. A súmula foi aplicada no que toca a presunção, ainda que ela não trate da distribuição do ônus da prova, mas já estabelece uma presunção hominis. A partir dessa presunção, a empresa deveria produzir prova em contrário à dispensa que seria derivada de doença estigmatizante".

Em reforço à argumentação, importante registrar o voto proferido pelo Exmo. Ministro José Roberto Freire Pimenta:

"A Turma conheceu do recurso de revista do reclamante por contrariedade à Súmula n.º 443. Então é o que está em jogo. No caso, está em jogo se câncer em geral ou esse tipo de câncer do caso concreto enseja ou não a aplicação do entendimento consagrado na nossa Súmula n.º 443. [...] Para mim, câncer em geral, salvo prova em contrário a cargo das reclamadas, é doença grave que permite a aplicação do entendimento da Súmula n.º 443. Vamos para o ônus da prova. A empresa poderá demonstrar que, no caso concreto, não houve discriminação."

A neoplasia maligna (câncer), sem dúvida, se amolda aos parâmetros da mencionada súmula, por se tratar de doença grave comumente associada a estigmas.

Nesse sentido são os seguintes precedentes:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. [...]. DISPENSA DE EMPREGADO EM TRATAMENTO DE CÂNCER. ARBITRARIEDADE. NULIDADE. REINTEGRAÇÃO. 1. A Corte de origem considerou arbitrária a dispensa sem justa causa do reclamante, ocorrida em 06/10/2011, enquanto se encontrava em tratamento de um câncer no reto. Destacou que, de acordo com a prova pericial, muito embora apresentasse capacidade laboral após a alta previdenciária, o autor somente seria considerado curado em janeiro de 2014, se não apresentasse recidivas. Pontuou que, ‘embora a perícia técnica não tenha encontrado o nexo causal entre a enfermidade apresentada pelo trabalhador e as atividades por ele desenvolvidas, certo é que o Reclamante, durante o pacto laboral, teve a moléstia diagnosticada, ocorreram alguns afastamentos das atividades e obteve indicação de reavaliação, durante 05 anos após o início do tratamento da doença e, ainda, necessidade de intervenção médica a cada 03 (três) meses, razão pela qual entendo que milita a seu favor o bom direito, pois o empregador conhecia o estado de saúde do empregado, revelando a arbitrariedade da dispensa’. Concluiu, assim, que ‘a dispensa emergiu em abusividade pela Reclamada, pois, ainda que tivesse ciência da enfermidade do Reclamante, não se olvidou de dispensá-lo, tirando-lhe seu sustento e possibilidade de adequado tratamento, justamente, no momento em que o empregado mais necessitava de amparo’. Asseverou que ‘a atitude da empregadora eivou-se contrária à boa-fé e à dignidade da pessoa humana’. Invocou, ainda, ‘o caráter protetivo do Direito do Trabalho’. Assim, reformou a sentença para declarar a nulidade da dispensa do reclamante, determinar a sua imediata reintegração e condenar a reclamada ao pagamento de salários vencidos e vincendos. 2. Não se caracteriza violação do art. 118 da Lei nº 8.213/91 ou atrito com a Súmula 378/TST, pois não guardam pertinência com o fundamento erigido pela Corte de origem - que não decidiu com base em eventual estabilidade acidentária, mas no reconhecimento do abuso do poder potestativo do empregador. 3. Os arestos trazidos à colação carecem da necessária especificidade. Aplica-se a Súmula 296, I, do TST. 4. Ademais, a jurisprudência desta Corte presume discriminatória a dispensa de empregado portador de doença grave que suscite estigma ou preconceito (‘Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.’ Súmula 443/TST) - caso dos autos. Precedentes. 5. A presunção de despedida discriminatória pode ser afastada por prova em contrário, recaindo sobre o empregador o ônus de demonstrar que o ato de dispensa se deu em desconhecimento do estado do empregado ou que decorreu de outra motivação lícita que não a sua condição de saúde. Cabe à empresa, portanto, provar que a dispensa do empregado portador de doença grave se deu por motivo plausível, razoável e socialmente justificável capaz de afastar o caráter discriminatório do término contratual. 6. Na hipótese, no entanto, não há registro de que a reclamada tenha comprovado motivação lícita para a dispensa do empregado que não a sua condição de saúde. 7. Nesse contexto, a decisão regional que concluiu pela nulidade da dispensa amolda-se ao entendimento pacificado nesta Corte, a atrair, ainda, os óbices da Súmula 333/TST e do art. 896, § 7º, da CLT. [...]." (AIRR-800-03.2012.5.17.0004, Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, 1ª Turma, DEJT 28/10/2016);

"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. [...]. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA CARACTERIZADA. EMPREGADA PORTADORA DE DOENÇA GRAVE (CÂNCER). CIÊNCIA DA EMPREGADORA. REINTEGRAÇÃO NO EMPREGO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS (R$ 10.000,00). DECISÃO REGIONAL EM CONSONÂNCIA COM A SÚMULA Nº 443 DO TST. Na hipótese, a Corte a quo reformou a sentença em que se julgou improcedente a reclamação trabalhista e, concluindo ter ficado demonstrado que autora foi dispensada, de forma discriminatória, por ser portadora de doença grave (câncer), que causa estigma ou preconceito, determinou a sua reintegração e deferiu o pagamento de indenização por danos morais. Extrai-se do acórdão regional que, à época da dispensa imotivada, ocorrida em maio de 2015, a reclamada tinha conhecimento da patologia da reclamante. Ficou consignado que ‘a documentação adunada aos autos faz prova de que a autora necessitou se afastar do trabalho em razão da doença por 14 dias, sendo que o relatório médico do Id Num. fb58f05 - Pág. 2, está datado de 06/05/2015, ou seja, a apenas dois dias após a despedida imotivada’. Destacou o Regional que ‘a empresa, no mínimo, desde fevereiro de 2015 era sabedora dessa condição, em especial, o departamento de recursos humanos, responsável pelas informações geradas na Ficha Funcional da autora, inclusive, sobre afastamentos e planos de saúde’. De acordo com as premissas fáticas descritas no acórdão recorrido, constata-se que a dispensa imotivada da reclamante é presumidamente discriminatória, na medida em que a empregadora tinha ciência da doença grave que acometia a obreira, não tendo se desincumbido do ônus de comprovar que dispensa não guardou qualquer relação com a enfermidade, como afirmado pelo Regional. Esta Corte superior, por meio da Súmula nº 443, uniformizou o entendimento de que, na hipótese de o empregado ser portador de doença grave, como portadores do vírus HIV, câncer, dependência química, etc, ou se o empregado apresenta sinais de doença que suscite estigma ou preconceito, o empregador estará naturalmente impedido de dispensá-lo, à exceção de motivo que justifique a dispensa, sob pena de presumir-se discriminação. A Súmula nº 443 dispõe o seguinte: ‘DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012 Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego’. Desse modo, visando à proteção dos trabalhadores que se encontrem em situações de vulnerabilidade, impõe-se ao empregador uma obrigação negativa, qual seja a comprovação de que a dispensa não possui contorno discriminatório, buscando, assim, assegurar a proteção da dispensa do empregado com dificuldades de reinserção no mercado de trabalho e a concretização do comando constitucional da busca do pleno emprego. Caberia à empregadora provar, de forma robusta, que dispensou a reclamante, portadora de doença grave, por algum motivo plausível, razoável e socialmente justificável, de modo a afastar o caráter discriminatório da rescisão contratual, o que não ocorreu no caso dos autos. Nesse contexto, demonstrada a existência de doença grave da empregada à época da dispensa, a ponto de configurar a presunção de rescisão contratual discriminatória, é perfeitamente aplicável o entendimento consubstanciado na Súmula n° 443 do TST, assegurando-se a reintegração da obreira, bem como o pagamento de indenização por danos morais em decorrência da prática discriminatória violadora da dignidade da trabalhadora. Agravo de instrumento desprovido. [...]." (AIRR-20739-94.2015.5.04.0013, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, DEJT 27/04/2018);

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 1. PRELIMINAR DE NULIDADE PROCESSUAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. 2. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE - CÂNCER. ESTIGMA OU PRECONCEITO. 3. DANO MORAL DECORRENTE DA DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULAS 126 E 443/TST. 4. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELO DESFUNDAMENTADO. SÚMULA 422/TST. Presume-se discriminatória a ruptura arbitrária do contrato de trabalho, quando não comprovado um motivo justificável, em face de circunstancial debilidade física do empregado. Esse entendimento pode ser abstraído do contexto geral de normas do nosso ordenamento jurídico, que entende o trabalhador como indivíduo inserto numa sociedade que vela pelos valores sociais do trabalho, pela dignidade da pessoa humana e pela função social da propriedade (arts. 1º, III e IV e 170, III e VIII, da CF). Não se olvide, outrossim, que faz parte do compromisso do Brasil, também na ordem internacional (Convenção 111 da OIT), o rechaçamento a toda forma de discriminação no âmbito laboral. Na esteira desse raciocínio, foi editada a Súmula 443/TST, que delimita a pacificação da jurisprudência trabalhista nesse aspecto, com o seguinte teor: ‘Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego’. No caso concreto, consta do acórdão recorrido que ‘(-) a reclamante informou, na inicial, que foi diagnosticada com neoplasia maligna de mama, em março de 2014, tendo realizado diversos tratamentos (cirurgia, quimioterapia e radioterapia) e permanecido afastada em benefício previdenciário até 24/03/2016, vindo a ser despedida sem justa causa, em 21/12/2016, quando ainda em tratamento para a plena recuperação do câncer. (-) a defesa da reclamada tangencia a questão, esgrima contra a hipótese de nexo ocupacional, inexistência de óbice para o exercício da atividade, etc. Entretanto, não opõe qualquer razão para a dispensa (redução de pessoal, cessação de atividade e/ou setor, etc). O silêncio faz supor a dispensa da reclamante e não de outro empregado porque ela foi portadora e ainda depende de acompanhamento médico pela hipótese de tornar a ser vítima da ação agressiva à saúde.’ Nesse contexto, e uma vez que a Reclamada não comprovou os motivos apontados para a dispensa, a Corte de origem concluiu ter havido discriminação e arbitrariedade na dispensa da Autora, porquanto a ruptura contratual ocorreu fora dos limites do direito potestativo do empregador. Diante do quadro fático delineado no acórdão recorrido, considera-se correta a decisão regional, porque em consonância com os termos da Súmula 443/TST. Outrossim, para que se pudesse chegar a conclusão fática diversa, necessário seria o revolvimento do conjunto probatório constante dos autos, propósito insuscetível de ser alcançado nesta fase processual, diante do óbice da Súmula 126/TST. Agravo de instrumento desprovido." (AIRR-20060-24.2017.5.04.0531, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 3ª Turma, DEJT 18/05/2018);

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.015/2014. REINTEGRAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DISPENSA DE EMPREGADO LOGO APÓS O DIAGNÓSTICO DE NEOPLASIA MALIGNA. I. O Tribunal Regional registrou que ‘a acionada deixou de impugnar o teor dos documentos trazidos com a inicial, notadamente os atestados médicos constantes do Id c154289 - p. 1, no qual noticia que o trabalhador é portador de ‘neoplasia da próstata, com diagnóstico confirmado em 17/09/2013’, e também não se opôs à alegação de malignidade clínica mencionada pelo autor, o que torna incontroversa a afirmação inicial de que o recorrente recebeu o diagnóstico médico de câncer de próstata apenas quatorze dias antes da dispensa imotivada. Aplica-se, na pior das hipóteses, o previsto no art. 302 do Estatuto Processual Civil’. II. A Súmula 443 do TST não restringe as hipóteses de dispensa discriminatória aos casos ali mencionados, portanto o Tribunal Regional está autorizado a analisar as circunstâncias da dispensa para verificar ou não a ocorrência de discriminação. III. A Corte Regional registrou também que ‘mesmo sabendo que estava com uma cirurgia da próstata agendada foi demitido e teve o cartão da Unimed cancelado, podendo ter sérias consequências para a saúde do mesmo. Como se vê, não há dúvida de que a empresa tomou conhecimento da doença grave de que é padecedor o autor antes de efetivada a homologação formal da rescisão contratual, podendo, inclusive, reconsiderar o ato de desligamento, por aplicação do art. 489 da CLT.’. IV. O quadro fático definido pelo Tribunal Regional não autoriza o afastamento da conclusão de que a dispensa fora discriminatória. V. Não tendo sido demonstrada nenhuma das hipóteses previstas no art. 896 da CLT, é inviável o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento." (AIRR-25020-45.2014.5.24.0022, Relatora Desembargadora Convocada: Cilene Ferreira Amaro Santos, 4ª Turma, DEJT 02/09/2016);

"I - AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.015/2014. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. DOENÇA GRAVE. DANO MORAL. 1 - Ao contrário do que foi consignado no despacho denegatório, foram atendidos os requisitos do art. 896, § 1º-A, da CLT, introduzidos pela Lei nº 13.015/2014. Porém, o recurso de revista não alcança processamento quanto ao tema em epígrafe por motivo diverso. 2 - No caso, conforme se depreende do acórdão do Regional, o reclamante sofre de câncer, e foi dispensado 3 meses após a alta previdenciária para tratamento oncológico. Ficou assentado também que não se pode afirmar a cura do câncer por um período de até 5 anos sem recidivas. Diante desse contexto, entendeu o Tribunal Regional que se presume a dispensa discriminatória, pois a reclamada não se desincumbiu de provar o contrário. 3 - Acerca da presunção discriminatória da dispensa de empregado portador de doença grave ou estigmatizante, o TRT decidiu em harmonia com a jurisprudência desta Corte, uniformizada por meio da Súmula nº 443, no seguinte sentido: ‘Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego’. 4 - A situação fática descrita autoriza a conclusão de que os requisitos para concessão da indenização foram preenchidos (dor moral, nexo de causalidade entre a ação e o dano, e culpa da empregadora). Intactos os arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. 5 - Agravo de instrumento a que se nega provimento, no particular. [...]." (RR-1891-58.2015.5.11.0015, Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, 6ª Turma, DEJT 17/02/2017);

"RECURSO DE REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. NEOPLASIA MALIGNA (CÂNCER). CARACTERIZAÇÃO. DOENÇA QUE GERA ESTIGMA. SÚMULA Nº 443 DO TST. A Súmula nº 443 do TST estabelece presunção de discriminação na ruptura contratual quando o empregado apresenta doença grave, que suscite estigma ou preconceito. À luz de tal verbete, nesses casos, há inversão do ônus da prova e incumbe ao empregador comprovar ter havido outro motivo para a dispensa. No caso, não obstante a constatação de ser o autor portador de neoplasia maligna (câncer na pele da orelha e do conduto auditivo externo), o Tribunal Regional reconheceu que não houve dispensa discriminatória, sob o argumento de que a enfermidade não ocasionou anormalidades anatômicas ou alterações visíveis, aptas a configurar estigma ou preconceito. Sucede que a própria moldura fática do acórdão recorrido permite concluir em sentido contrário, cabendo esclarecer não se tratar do revolvimento de fatos e provas, mas, apenas, do correto enquadramento jurídico dos fatos ali consignados. Isso porque, constou no julgado que a empregadora tinha a exata ciência da gravidade da doença que acometia o reclamante, inclusive, da necessidade de tratamento contínuo ao qual deveria ser submetido. Ficou registrado também que, poucos meses antes da dispensa, o trabalhador foi submetido à cirurgia, com afastamento do trabalho por quinze dias, e que, de acordo com laudo médico (de agosto/2012), necessitaria de ‘tratamento trimestral por período não inferior a cinco anos’. Por fim, a Corte de origem anotou que ‘os documentos de fls. 57/66 e 73 revelaram que a doença desencadeou uma série de problemas psicológicos (transtornos de ansiedade, episódio depressivo, transtorno afetivo bipolar, episódio hipomaníaco), os quais resultaram em alguns afastamentos do trabalho, corroborados pelas anotações dos cartões de ponto’ e que, ‘mesmo ausente qualquer motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro’, o empregador dispensou o obreiro ‘como se nada estivesse acontecendo’. Ora, diante do contexto narrado, é possível perceber que a doença adquirida pelo trabalhador se amolda, sem dúvida, aos parâmetros da mencionada súmula, pois, em razão da gravidade que lhe é inerente e das consequências dela advindas, pode ser comumente associada a estigmas ou preconceitos. Outrossim, a ausência de motivos disciplinares, técnicos ou financeiros é condição que agrava a presunção do caráter discriminatório da medida. Precedentes. É de se ressaltar, ainda, que o exercício da atividade econômica, premissa legitimada em um sistema capitalista de produção, está condicionado pelo artigo 170 da Constituição à observância dos princípios nele enumerados, entre os quais se incluem a valorização do trabalho humano, a existência digna, de acordo com a justiça social (caput) e a função social da propriedade (inciso III), este último perfeitamente lido como função social da empresa. Desse modo, merece reparo a decisão regional. Recurso de revista conhecido e provido. [...]." (RR-1213-97.2013.5.15.0113, Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, 7ª Turma, DEJT 17/08/2018);

"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. [...]. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE CÂNCER. Esta Corte já pacificou o entendimento de que se presume discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito, o que torna inválido o ato, ensejando ao empregado o direito à reintegração no emprego (Súmula nº 443 do TST). Também já se pacificou no sentido de que, na hipótese de empregado acometido por câncer, incide o entendimento consubstanciado no referido verbete. Precedentes. Incidem, portanto, a Súmula nº 333 desta Corte e o art. 896, § 7º, da CLT como óbices ao prosseguimento do recurso. [...]. Agravo de instrumento não provido." (AIRR-1733-74.2011.5.15.0130, Relator Desembargador Convocado: Breno Medeiros, 8ª Turma, DEJT 23/10/2015).

Como já visto, não há, na hipótese, elementos que afastem a presunção de discriminação. Ao contrário, atestam a sua ocorrência, uma vez que ficou consignado que o autor laborou por vinte e oito anos na empresa, prestou serviços relevantes nesse período, contribuiu para o sucesso do empreendimento – são passagens que constam no acórdão regional – e foi dispensado quando foi acometido por essa enfermidade, que era do conhecimento do empregador. A empresa encontrava-se numa fase pujante, "alcançando, à época em que o autor laborava, recordes em produção e crescimento".

O voto proferido pelo Exmo. Ministro Renato de Lacerda Paiva esclarece esse aspecto:

"Sabemos que em todo despedimento discriminatório, há uma inversão do ônus da prova. Ou seja, se há em princípio um despedimento discriminatório, é preciso que a empresa demonstre uma justificativa para despedida, para afastar a natureza do despedimento. No caso dos autos, foi demonstrada essa justificativa? A meu juízo não. O argumento de que a empresa reduziu custos, reestruturou para aumentar lucros? A meu juízo não é justificativa para afastar qualquer discriminação. Diferente de se a empresa tivesse passando por maus momentos, precisasse fazer economia, mas despedir para reduzir custos e aumentar lucros, a meu juízo, não é justificativa. [...] um indivíduo que trabalhou décadas para uma empresa e, coincidentemente, meses depois de ter diagnosticada a doença, é despedido, mesmo tendo comunicado à empresa, desde 2003, que seus índices de PSA eram anormais. Curiosamente, constatada a doença em 2012, é despedido no início de 2013."

Nessa mesma toada os fundamentos apresentados durante a sessão pelo Exmo. Ministro Vieira de Mello Filho, ao remeter, de forma criativa, a compreensão do tema à mitologia:

"Lembrava-me do Mito de Sísifo, que fora condenado pelos deuses a rolar a pedra acima do morro, e fazer com que descesse eternamente, o que Camus chamou de uma alienação de trabalho quase impensável. [...]. Porque o maior problema entre o capital e o trabalho diz respeito ao tempo de apropriação do trabalho pelo capital. Ou seja, a grande luta histórica, que é empreitada até hoje, é como pode o capital se apropriar do trabalho humano.

Na revolução industrial, os trabalhadores recebiam baixos salários e atuavam em jornadas exaustivas. A legislação social surge daí como a busca de preservação dessas condições físicas desses trabalhadores. Há o florescimento da legislação social, da legislação trabalhista acentuada no período pós-constitucional do pós-guerra, e sempre vista na tentativa de trazer um equilíbrio entre a apropriação do tempo de trabalho humano.

[...] Um trabalhador, um empregado que tinha altas produtividades e que comunica à empresa que fora acometido de um câncer de próstata, qual é o raciocínio, qual é a conexão com o tempo de trabalho? A minha produção - eu mesmo paciente, portador da doença - foi comprometida. Qual é a visão do empresário? Ele não poderá mais me fornecer toda a energia, a capacidade que ele tem oferecido, pelo menos, no período de tratamento. Neste caso, vem um detalhe curioso: não deram a ele o direito de se tratar com serenidade, com tranquilidade, porque poderiam tê-lo afastado para ir ao INSS ou a outro órgão para usufruir até do plano de saúde que a empresa lhe assegurava e que ele perdeu com a dispensa. Depois do tratamento, quem sabe, se ela estava realmente preocupada com a condição empregado. Neste caso, sim, estabelecer as condições de desligamento desse empregado. Mas não o fez. Como bem colocado, a partir do momento da comunicação da doença, ele foi desligado sem nenhuma possibilidade.

Há de se dizer: mas a empresa tem o direito potestativo. Não. O ordenamento jurídico fala que as dispensas não podem ser discriminatórias, e a lei não é taxativa. Ela tem um rol enumerativo. Com isso, a nossa jurisprudência caminhou e trouxe a questão relativa à doença grave que suscite estigma ou preconceito. Preconceito é uma ‘atitude hostil, diferenciada, em consequência da generalização apressada de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio, relativo; intolerância.’ Isso consta no Houaiss. É o Houaiss quem diz. Então, quando falo preconceito, não falo em estigma. Não são as mesmas coisas. Estigma é uma coisa, preconceito é outra. Posso ter um câncer que leve também a uma condição estigmatizante, dependendo da maneira como ele se exterioriza.

Neste caso, não é isso, mas, para o capital, é a perda da condição de produtividade que não foi dada a ele. Neste caso, também incidiria. Nem é a CLT. Seria o próprio Código Civil quando fala do abuso de direito. Tenho um legítimo direito, só não posso exceder no seu exercício. Neste caso, houve excesso no exercício do direito, porque poderiam ter permitido... Se tinham tanta preocupação com o reclamante, se não havia nenhum preconceito, que ele se tratasse, pelo menos, pela Previdência; pelo menos, por um plano de saúde. Depois disso, neste caso, teríamos um novo tempo, mas nem isso foi assegurado. Para mim, isso é abuso de direito, e o direito, pelo seu aspecto moral, encontra resistência no abuso do direito. Tenho a legitimidade de exercê-lo, mas não posso ultrapassar determinados limites. Neste caso, a moral é exercitada como conteúdo do Direito Civil, de modo a impedir que se aja ou se tenham práticas que sejam consideradas aéticas ou fora do princípio ético de moralidade."

É de se ressaltar que o exercício da atividade econômica, premissa legitimada em um sistema capitalista de produção, está condicionado pelo artigo 170 da Constituição à observância dos princípios nele enumerados, entre os quais se incluem a valorização do trabalho humano, a existência digna, de acordo com a justiça social (caput) e a função social da propriedade (inciso III), este último perfeitamente lido como função social da empresa.

Ademais, estabelece vínculo direto e indissociável com os princípios contidos no artigo 1º da Constituição que fundamentam o Estado Democrático de Direito, entre os quais se incluem os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (inciso IV), sem se falar na dignidade da pessoa humana (inciso III), princípio vetor de todo sistema jurídico brasileiro.

Denominados princípios políticos constitucionalmente conformadores ou princípios constitucionais fundamentais, caracterizam-se por explicitarem as valorações políticas fundamentais do legislador constituinte, condensarem as opções políticas nucleares e refletirem a ideologia dominante da constituição.

Significa afirmar, com base nesses princípios, a possibilidade de limitação do alegado direito potestativo de dispensa quando a ele se sobrepõe um bem jurídico relevante, protegido pela ordem jurídica, especialmente constitucional.

Em sintonia com os aludidos mandamentos constitucionais, a Lei nº 9.029/95 dispõe acerca da proibição da exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho.

Em seu artigo 1º, estabelece que "fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal." (destaquei).

O rol de condutas discriminatórias a que se refere o citado dispositivo é meramente exemplificativo. Nesse sentido são os seguintes precedentes do TST:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. ACIDENTE DE TRABALHO. DISPENSA NO CURSO DO PERÍODO DE ESTABILIDADE. DISCRIMINAÇÃO. LEI N. 9.029/95. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 126 DO TST. DESPROVIMENTO. O rol de práticas discriminatórias previsto na Lei n. 9.029/95 não é exaustivo, podendo condutas empresariais ali não previstas ser assim considerados. Contudo, na hipótese, o acórdão regional consignou que a rescisão contratual ocorreu meramente pelo advento do termo final do contrato de experiência, embora o Autor estivesse afastado do trabalho, percebendo auxílio-doença acidentário, conduta que não é, por si só, passível de enquadramento como discriminatória, pois não viola a dignidade ou intimidade do trabalhador. Assim, é irretocável a decisão agravada que denegou seguimento ao recurso de revista porque a análise do apelo demanda o reexame de fatos e de provas, em total contrariedade à diretriz contida na Súmula n. 126 deste Tribunal Superior. Agravo de instrumento a que se nega provimento." (AIRR-1226-36.2012.5.04.0017, Relator Desembargador Convocado: Tarcísio Régis Valente, 5ª Turma, DEJT 15/05/2015);

"[...]. RECURSO DE REVISTA. PROFESSOR EDITOR ACOMETIDO DE ESCLEROSE MÚLTIPLA. CIÊNCIA DO EMPREGADOR. DISPENSA ARBITRÁRIA RECONHECIDA. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA CARACTERIZADA. PAGAMENTO EM DOBRO DA INDENIZAÇÃO PREVISTA NA LEI 9.029/95 DEVIDO. Trata-se de empregado acometido de esclerose múltipla, cuja dispensa foi reconhecida como arbitrária e obstativa do direito à estabilidade, mas não discriminatória. O Tribunal Regional julgou procedente o pagamento equivalente aos salários desde a dispensa até o trânsito em julgado por entender que a discriminação não foi cabalmente demonstrada, ou, como expresso no acórdão regional: ‘...não houve prova cabal de que foi despedido em razão da doença’. Contudo, tal entendimento contraria o disposto na primeira parte da Súmula 443 desta Corte, visto que é evidente que a dispensa se deu em razão da doença, tanto que reconhecido que a despedida foi arbitrária e obstativa da estabilidade assegurada em norma coletiva para os empregados ‘...acometidos por doenças graves e incuráveis...’, resultando, portanto, discriminatória a despedida por conferir tratamento injusto ao empregado em razão do seu estado como pessoa natural. Desse modo, tomando-se que o conceito de ‘estado civil’ não está limitado ao ‘estado de família de uma pessoa’, pois envolve os seus atributos individuais capazes de lhe definir uma situação jurídica com direitos e deveres e considerando o arcabouço constitucional (v.g., arts. 1º, III e 3º, IV, da Constituição Federal) e legal brasileiro que vedam toda e qualquer forma de discriminação, vedação ressaltada no caput do artigo 1º da Lei 9.029/95 (‘Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de... estado civil...’), não há como afastar o direito à dobra da indenização relativa ao período de afastamento prevista no artigo 4º do mesmo diploma legal, uma vez caracterizada a dispensa discriminatória em razão da condição pessoal do empregado portador de doença estigmatizante que o coloca em posição jurídica do dever de proteção por toda a sociedade, incluindo o empregador. Recurso de revista conhecido por contrariedade à Súmula 443 do TST e provido. [...]." (RR-90500-33.2002.5.02.0044, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, 3ª Turma, DEJT 06/02/2015);

"[...]. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. INDENIZAÇÃO PREVISTA NA LEI Nº 9.029/95. DANO MATERIAL. Restou caracterizada a dispensa discriminatória, por estar o reclamante acometido da doença hanseníase. A reclamada, ao alegar que teria dispensado o obreiro, por necessidade de redução do seu quadro, atraiu para si o ônus probatório, do qual não se desincumbiu. Por outro lado, esta Corte tem entendido que o rol previsto no artigo 1º da lei nº 9.029/95 é meramente exemplificativo. Precedentes. Recurso de revista não conhecido. [...]." (RR-523-79.2012.5.08.0119, Relator Ministro: Emmanoel Pereira, 5ª Turma, DEJT 03/05/2013);

"RECURSO DE REVISTA. REINTEGRAÇÃO NO EMPREGO. DISPENSA ARBITRÁRIA. TRABALHADOR PORTADOR DE ESQUIZOFRENIA. 1. O sistema jurídico pátrio consagra a despedida sem justa causa como direito potestativo do empregador, o qual, todavia, não é absoluto, encontrando limites, dentre outros, no princípio da não discriminação, com assento constitucional. A motivação discriminatória na voluntas que precede a dispensa implica a ilicitude desta, pelo abuso que traduz, a viciar o ato, eivando-o de nulidade. 2. A proteção do empregado contra discriminação, independente de qual seja sua causa, emana dos pilares insculpidos na Constituição da República Federativa do Brasil, notadamente os arts. 1º, III e IV, 3º, IV, 5º, caput e XLI, e 7º, XXX. 3. Acerca da dignidade da pessoa humana, destaca Ingo Wolfgang Sarlet, em sua obra -Eficácia dos Direitos Fundamentais- (São Paulo: Ed. Livraria do Advogado, 2001, pp. 110-1), que -constitui pressuposto essencial para o respeito da dignidade da pessoa humana a garantia da isonomia de todos os seres humanos, que não podem ser submetidos a tratamento discriminatório e arbitrário, razão pela qual são intoleráveis a escravidão, a discriminação racial, perseguição em virtude de motivos religiosos, etc. (...). O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde a intimidade e identidade do indivíduo forem objeto de ingerências indevidas, onde sua igualdade relativamente aos demais não for garantida, bem como onde não houver limitação do poder, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana, e esta não passará de mero objeto de arbítrio e injustiças-. 4. O exercício do direito potestativo de denúncia vazia do contrato de trabalho sofre limites, igualmente, pelo princípio da proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária, erigido no art. 7º, I, da Constituição - embora ainda não regulamentado, mas dotado de eficácia normativa -, e pelo princípio da função social da propriedade, conforme art. 170, III, da Lei Maior. 5. Na espécie, é de se sopesar, igualmente, o art. 196 da Carta Magna, que consagra a saúde como -direito de todos e dever do Estado-, impondo a adoção de políticas sociais que visem à redução de agravos ao doente. 6. Nesse quadro, e à luz do art. 8º, caput, da CLT, justifica-se hermenêutica ampliativa da Lei 9.029/95, cujo conteúdo pretende concretizar o preceito constitucional da não-discriminação no tocante ao estabelecimento e continuidade do pacto laboral. O art. 1º do diploma legal proíbe a adoção de qualquer prática discriminatória para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção. Não obstante enumere certas modalidades de práticas discriminatórias, em razão de sexo, origem, raça, cor, estado-civil, situação familiar ou idade, o rol não pode ser considerado numerus clausus, cabendo a integração pelo intérprete, ao se defrontar com a emergência de novas formas de discriminação. 7. De se observar que aos padrões tradicionais de discriminação, como os baseados no sexo, na raça ou na religião, práticas ainda disseminadas apesar de há muito conhecidas e combatidas, vieram a se somar novas formas de discriminação, fruto das profundas transformações das relações sociais ocorridas nos últimos anos, e que se voltam contra portadores de determinadas moléstias, dependentes químicos, homossexuais e, até mesmo, indivíduos que adotam estilos de vida considerados pouco saudáveis. Essas formas de tratamento diferenciado começam a ser identificadas à medida que se alastram, e representam desafios emergentes a demandar esforços com vistas à sua contenção. 8. A edição da Lei 9.029/95 é decorrência não apenas dos princípios embasadores da Constituição Cidadã, mas também de importantes tratados internacionais sobre a matéria, como as Convenções 111 e 117 e a Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, de 1998, todas da OIT. 9. O arcabouço jurídico sedimentado em torno da matéria deve ser considerado, outrossim, sob a ótica da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, como limitação negativa da autonomia privada, sob pena de ter esvaziado seu conteúdo deontológico. 10. A distribuição do ônus da prova, em tais casos, acaba por sofrer matizações, à luz dos arts. 818 da CLT e 333 do CPC, tendo em vista a aptidão para a produção probatória, a possibilidade de inversão do encargo e de aplicação de presunção relativa. 11. In casu, restou consignado na decisão regional que a reclamada tinha ciência da doença de que era acometido o autor - esquizofrenia - e dispensou-o pouco tempo depois de um período de licença médica para tratamento de desintoxicação de substâncias psicoativas, embora, no momento da dispensa, não fossem evidentes os sintomas da enfermidade. É de se presumir, dessa maneira, discriminatório o despedimento do reclamante. Como consequência, o empregador é que haveria de demonstrar que a dispensa foi determinada por motivo outro que não a circunstância de ser o empregado portador de doença grave. A dispensa discriminatória, na linha da decisão regional, caracteriza abuso de direito, à luz do art. 187 do Código Civil, a teor do qual o exercício do direito potestativo à denúncia vazia do contrato de trabalho, como o de qualquer outro direito, não pode exceder os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. 12. Mais que isso, é de se ponderar que o exercício de uma atividade laboral é aspecto relevante no tratamento do paciente portador de doença grave e a manutenção do vínculo empregatício, por parte do empregador, deve ser entendida como expressão da função social da empresa e da propriedade, sendo, até mesmo, prescindível averiguar o animus discriminatório da dispensa. 13. Ilesos os arts. 5º, II - este inclusive não passível de violação direta e literal, na hipótese -, e 7º, I, da Constituição da República, 818 da CLT e 333, I, do CPC. 14. Precedentes desta Corte. Revista não conhecida, no tema. [...]." (RR-105500-32.2008.5.04.0101, Redatora Ministra: Rosa Maria Weber, 3ª Turma, DEJT 05/08/2011).

Como fundamento adicional, o Exmo. Ministro Lelio Bentes Corrêa aludiu à Convenção nº 158 da OIT, que, embora denunciada pelo Governo Brasileiro, pode ser utilizada como soft law, em passagem de destaque:

 

"A convenção, como todos sabem, não ratificada pelo Brasil, prevê, dentre as possibilidades válidas de justificativa para terminação da relação de emprego, as necessidades de funcionamento da empresa, ou seja, o aspecto organizacional. Mas, neste caso, está-se referindo às alterações estruturais que tornam redundante aquela força de trabalho, modernização tecnológica, enfim, um novo arranjo que torna redundante todo um setor, e não uma reorganização embasada na queda de produtividade do trabalhador. Isso porque a Declaração de Filadélfia, que é o documento constitutivo fundamental da OIT, juntamente com a sua própria constituição, diz que o trabalho não é uma mercadoria, e, portanto, o trabalhador não é uma peça, não é objeto que, quando quebra, se desgasta, é substituído. É bom lembrar que, se o art. 4.º fala das justificativas, o art. 5.º elenca os motivos que não servirão de justificativa para a terminação do emprego. Na alínea d são indicados ‘a raça, a cor, o sexo, o estado civil’ etc. Exatamente o mesmo elenco exemplificativo, porque o art. 5.º fala: ‘Entre os motivos que não constituirão causa justificada (...) constam os seguintes (...)’. Então, esse elenco exemplificativo remete à Convenção n.º 111 da OIT, que trata da vedação do tratamento discriminatório, assim entendida: ‘Toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, côr, sexo’ ou outra ‘que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprêgo ou profissão’. O que temos neste caso? Um trabalhador altamente produtivo num setor onde a competitividade é intensa, o stress e a adrenalina são permanentes, e alcançou, como foi mencionado, da tribuna, todos os seus objetivos na vida profissional; deu lucro à empresa, e, quando chega ao momento, como foi corretamente ressaltado pelo próprio Relator em que o relógio biológico indica que a máquina não está mais 100%, é premiado com a demissão."

Em reforço, cito trechos de artigo de autoria de Murilo dos Santos Moscheta[1] e Manoel Antônio dos Santos[2] (https://www.scielosp.org/article/csc/2012.v17n5/1225-1233/pt/), acessado em 04/04/2019.

"O câncer de próstata constitui hoje um problema de saúde em nível mundial, tendo aumentado sua incidência desde a década de 60. Atualmente, responde por cerca de 12% das causas de mortalidade em todo o mundo. O número de casos novos de câncer de próstata estimado para o Brasil, no ano de 2010, é de 52.350. Estes valores correspondem a um risco estimado de 54 casos novos a cada 100 mil homens. É o tipo de câncer mais comum entre a população masculina brasileira, seguido das neoplasias de pulmão, estômago, cólon e reto. Devido à maior prevalência em idosos, o câncer de próstata constitui uma preocupação de saúde muito importante quando se considera o significativo aumento da expectativa de vida da população.

Apesar de ser o tipo mais comum de câncer entre os homens, é também o mais difícil de ser discutido, limitando suas possibilidades de cuidado. Fatores socioculturais, incluindo os estereótipos de gênero, crenças e valores que definem o que é ser masculino, têm sido apontados como obstáculos na implementação de práticas de cuidado em saúde. Assim o exame do toque retal, embora bastante eficaz quando combinado com o exame de sangue na detecção precoce do tumor de próstata, ainda é relativamente pouco realizado, possivelmente por esbarrar em preconceitos relacionados aos estereótipos de gênero. Este cenário conduz à alta prevalência de diagnóstico de câncer de próstata em estadiamento avançado e, infelizmente, com piores prognósticos. Atento a esta questão, no contexto nacional, o Ministério da Saúde lançou, em 2008, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem como uma das prioridades de governo, reconhecendo que os agravos do sexo masculino constituem verdadeiros problemas de saúde pública.

Nas diferentes fases de enfrentamento da doença, desde o diagnóstico, passando pelo tratamento e culminando com a reabilitação psicossocial, o paciente com câncer de próstata tem sua vida alterada em dimensões físicas, psíquicas e sociais. Durante o diagnóstico, por exemplo, é comum que a o paciente sinta-se estigmatizado uma vez que, no imaginário coletivo, a doença é frequentemente associada à morte. Além disso, o câncer de próstata afeta especificamente uma localização anatômica responsável pelas funções sexuais do homem e tem o potencial de desencadear uma série de conflitos ligados à sua sexualidade. Na fase de tratamento, destacam-se as dificuldades decorrentes das intervenções terapêuticas que em geral incluem a prostatectomia radical, a quimioterapia e a radioterapia. Não é raro que ao término destes procedimentos o paciente tenha que lidar com sequelas como diminuição da libido, impotência sexual e incontinência urinária. Assim, o câncer de próstata é uma doença que determina um importante impacto no cotidiano dos homens afetados, em geral resultando em mudanças drásticas em suas vidas.

Estudos mostram que a rede de apoio social é um importante recurso para o enfrentamento destas mudanças. A família e a rede de apoio social existente previamente ao aparecimento da doença, são destacados como as principais fontes de apoio. Segundo a literatura, estes contextos relacionais auxiliam o paciente a se adaptar aos rigores do tratamento, reduzem o estresse, favorecem o incremento da qualidade de vida e até mesmo contribuem no prolongamento da sobrevida. Levando-se isto em conta, grupos de apoio psicológico têm sido propostos como alternativa suplementar para aqueles pacientes cujas relações familiares e sociais, por alguma razão, não se configuram com a força necessária para o amparo de suas necessidades.

[...]

Estes resultados parecem complementar os apresentados em outro estudo, segundo o qual pacientes que moram em grandes centros urbanos são mais propensos a procurar ajuda em grupos de apoio. A hipótese apresentada pelos autores é que viver em grandes centros em geral determina certo enfraquecimento da rede social e o esgarçamento das relações afetivas. Vistos em seu conjunto, tais estudos sugerem que os grupos de apoio funcionam como uma estratégia complementar de cuidado, cuja principal característica é oferecer um contexto de socialização e compartilhamento de sentimentos e emoções, ambos necessários para o enfrentamento de uma doença grave, que carrega o estigma de ser potencialmente fatal. Por ser uma patologia ainda muito discriminada e revestida de certos tabus na cultura ocidental, a vivência do câncer de próstata pode determinar o rompimento de relações sociais importantes e necessárias para o bem-estar psicossocial do paciente acometido. O isolamento social pode ser ainda maior se considerarmos as restrições que o próprio tratamento impõe ao paciente. Muitas vezes, pacientes que se submetem à prostatectomia radical apresentam sequelas com alto potencial de limitação da vida social, como incontinência urinária e impotência sexual."

Agregam-se, como fundamentos determinantes: a) o direito potestativo de dispensa reconhecido ao empregador não autoriza a prática de despedidas discriminatórias; b) o rol de condutas caracterizadoras da discriminação, contido no artigo 1º da Lei nº 9.029/1995, é meramente exemplificativo; c) a proibição da prática discriminatória no emprego tem fundamento no inciso XXX do art. 7º da CF/1988, nas Convenções n. 111 e 117 da OIT e na Lei n. 9.029/1995; d) a despedida pode ser autorizada se amparada em razões que evidenciem as denominadas justas causas empresariais, a exemplo daquelas previstas no artigo 165 da CLT (motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro).

A Súmula nº 443 do TST foi editada à luz desse arcabouço jurídico. Assim, a melhor interpretação que se faz dela é justamente a que se coaduna com as normas referidas e a ponderação que deve existir entre valores igualmente consagrados no âmbito constitucional.

A esse propósito, invoco a doutrina do Ministro Luís Roberto Barroso:

"(...) a interpretação constitucional viu-se na contingência de desenvolver técnicas capazes de produzir uma solução dotada de racionalidade e de controlabilidade diante de normas que entrem em rota de colisão. O raciocínio a ser desenvolvido nessas situações há de ter uma estrutura diversa, que seja capaz de operar multidirecionalmente, em busca da regra concreta que vai reger a espécie. Os múltiplos elementos em jogo serão considerados na medida de sua importância e pertinência para o caso concreto. A subsunção é um quadro geométrico, com três cores distintas e nítidas. A ponderação é uma pintura moderna, com inúmeras cores sobrepostas, algumas se destacando mais do que outras, mas formando uma unidade estética." (Curso de direito constitucional contemporâneo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 362).

Na situação em concreto, consoante as premissas já destacadas, feita a ponderação entre os princípios que garantem a livre iniciativa e o desenvolvimento econômico e aqueles que tutelam o trabalho, prevalecem estes últimos, como diretriz de interpretação do verbete em discussão.

No meio social do Brasil de hoje, o câncer ainda causa estigma, a começar pela possibilidade de morte, muitas vezes iminente. Particularmente em relação ao câncer de próstata, as dificuldades não são menores para o homem, sobretudo por poder atingir a localização anatômica responsável por suas funções sexuais, seja em virtude de, mesmo curado, em alguns casos ocasionar a diminuição da libido, incontinência urinária e impotência sexual.

Em adendo ao quanto afirmado, recentemente, foi divulgado na mídia fato ocorrido em escola particular de Brasília que culminou no afastamento de ocupante do cargo de diretora, após sugerir à mãe de uma criança da instituição – que luta contra o câncer há 4 anos – o uso de perucas e chapéu, sob o argumento de que a imagem da mulher seria agressiva. Eis, dentre várias outras, o teor da reportagem colhida do site "G1" (acessado em 23/04/2019 https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2018/08/02/sua-imagem-e-agressiva-diz-diretora-de-escola-particular-no-df-a-mae-com-cancer.ghtml).

"Sua imagem é agressiva, diz diretora de escola particular no DF a mãe com câncer

Em nota, Colégio Notre Dame informou que funcionária foi afastada do cargo. Mulher ainda sugeriu que vítima usasse chapéu e perucas.

A diretora de uma escola particular de Brasília foi afastada do cargo, nesta semana, após sugerir à mãe de uma criança da instituição – que luta contra o câncer há 4 anos – o uso de perucas e chapéu. Segundo a gestora, a imagem da mulher seria ‘agressiva’.

O ‘conselho’ foi dado por Loiva Urban – irmã de caridade e, então, responsável pelo Colégio Notre Dame – na última segunda-feira (30), e causou revolta na família de Carol Venâncio. Em entrevista ao G1, a irmã da vítima, Camila Venâncio, disse que foi à instituição assim que ficou sabendo do caso.

‘A Carol estava chorando e me contou o que aconteceu. Na escola, a diretora ainda foi além e falou: ‘sejamos realistas, a imagem dela é assustadora’.’

Indignada com a situação, Camila decidiu fazer um desabafo nas redes sociais. A publicação ganhou repercussão. Até as 17h30 desta quinta-feira (2), a postagem já tinha alcançado 2 mil curtidas e 635 compartilhamentos.

No texto, a gerente destaca a força da irmã e descreve o episódio envolvendo a instituição. ‘Carol Venâncio Duarte, você é meu exemplo de força e coragem, sua luz e bondade não serão abaladas por esse ser humano pequeno, que se diz uma irmã de Deus. Estou do seu lado, e vamos enfrentar mais essa’, escreveu Camila.

Em nota enviada à reportagem, a rede de ensino afirmou que a Congregação de Nossa Senhora tomou conhecimento do caso pelas redes sociais e ‘imediatamente’ afastou a irmã Loiva Urban da direção do Colégio Notre Dame Brasília. Segundo a instituição, o ocorrido tem sido tratado pelas assessorias jurídicas dos envolvidos.

‘A irmã Loiva desde então ficou à disposição do Conselho Provincial e da superiora provincial, a quem responde pela profissão dos votos religiosos na Congregação de Nossa Senhora’, diz o comunicado.

Sequência de ofensas

De acordo com Camila, a sobrinha dela, de 11 anos, começou a sofrer bullying no colégio – onde estuda há nove anos. A situação teria começado após Carol ter perdido os cabelos com o tratamento de quimioterapia, feito a cada duas semanas.

‘Algumas crianças se afastaram dela, dizendo que têm ‘nojo’ devido à doença da minha irmã. Isso trouxe muito sofrimento a todos nós’, relatou Camila no Facebook.

A mãe chegou a ir ao colégio sem lenços ou perucas, no primeiro semestre. Ainda antes das férias escolares, Carol procurou a coordenação da escola para pedir providências em relação ao bullying contra a filha. Ela teria, inclusive, sugerido fazer uma palestra no local para orientar as crianças.

Com a volta das aulas na última segunda (30), a pedido da filha, Carol foi à instituição com uma peruca e um chapéu. Foi então que, segundo ela, a diretora fez os comentários preconceituosos – elogiando os acessórios, e criticando o visual anterior.

Ao ouvir as ofensas, Carol contou à irmã que teve uma única reação: pedir que a filha se afastasse para não presenciar a cena. Ao confrontar a direção do colégio onde a sobrinha estuda, Camila ainda conseguiu retrucar, mas diz que também acabou deixando o local.

‘Respondi que ela era assustadora. Que assustadores eram o preconceito e o ódio daquela senhora. A gente esperava que ela tivesse compaixão e nos acolhesse.’

‘Minha irmã já luta contra o câncer há um tempo. Ela nunca se vitimou por causa da doença. É a mulher mais forte e incrível que eu conheço. Ela quer muito viver e viver com muita alegria.’

Diante do ocorrido, uma outra escola particular de Brasília ofereceu uma bolsa de estudos à filha de Carol. Além disso, um grupo de mães da nova escola se mobilizou em apoio à família, arrecadando uniforme e livros."

Tal fato, dentre muitos outros que ocorrem, demonstra que, ainda, há episódios carregados de preconceito contra pessoas portadoras de câncer.

Assim, há presunção de ser discriminatória a dispensa do empregado portador de neoplasia maligna.

Nem se pode opor, em contrapartida, o argumento de que a enfermidade em debate provoca aproximação no seio da família do paciente ou o sentimento de comiseração ou piedade. Esse fato, ainda que possa ser verdadeiro em alguns núcleos familiares, por si só, já evidencia o estigma, pois passará ele a ser tratado de forma especial e, portanto, distintiva.

Ressalte-se que o julgado de minha relatoria nesta Subseção, citado no voto do Relator originário (E-RR-465-58.2015.5.09.0664), trata de situação diversa, em que, não obstante o reconhecimento da presunção de ser discriminatória a dispensa do empregado portador de neoplasia maligna, consta no acórdão regional, transcrito pela Turma, que a autora foi contratada pelos réus como empregada doméstica em 14/03/2013; foi acometida de neoplasia maligna na região supraclavicular, com afastamento previdenciário de 19/12/2013 a 30/03/2015; a comunicação da rescisão contratual foi efetuada no dia 30/03/2015 e a rescisão foi anotada em 1º/04/2015, sendo que os réus admitiram outra empregada doméstica em 1º/12/2014. Consta, ainda, que não há provas de que a autora ainda estivesse realizando qualquer tratamento médico ou que tenha restado alguma incapacidade para o trabalho. A Corte Regional consignou que, cientes dos sintomas, os réus não se recusaram a dar o apoio necessário ao diagnóstico e viabilização do tratamento adequado da doença, somente tendo procedido à dispensa da autora quando do encerramento do seu afastamento; que os reclamados (entidade familiar com um filho pequeno) acabaram, por necessidade, admitindo outra empregada, ou seja, quando a autora obteve a alta médica, os empregadores já contavam com outra empregada doméstica e não tinham a obrigação legal de permanecer com duas empregadas ou de despedir uma trabalhadora para dar sequência ao contrato de trabalho que se encontrava suspenso.

Além disso, naquele caso, não há discussão nos autos acerca da existência de sequelas, o que poderia, em tese, levar à conclusão da ocorrência de preconceito por parte dos ex-empregadores.

Diante desse contexto fático, a Subseção concluiu que não houve discriminação no ato de dispensa da empregada, pois a rescisão contratual coincidiu com o término do benefício previdenciário, donde se conclui que a autarquia previdenciária não concederia a respectiva alta sem que o segurado estivesse curado da doença. Diverso seria o entendimento se a dispensa tivesse ocorrido quando ainda em tratamento.

Levou-se em consideração o poder potestativo de dispensa do empregador, a boa-fé dos réus (consistente no apoio necessário ao diagnóstico e viabilização do tratamento adequado da doença) e a ausência de notícias acerca de eventual impedimento para a dispensa.

Por essas razões, naquele caso, concluiu-se pela validade do respectivo ato de dispensa e pela não aplicação da presunção estabelecida na Súmula nº 443 do TST.

Para concluir, não poderia deixar de citar poema de Adélia Prado, lido pelo Exmo. Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira quando da sessão de julgamento, que soou como um firme e resistente brado contra a discriminação:

"Gerou os filhos, os netos, deu à casa o ar de sua graça e vai morrer de câncer. O modo como pousa a cabeça para um retrato é o da que (sic), afinal, aceitou ser dispensável. Espera, sem uivos, a campa, a tampa, a inscrição: 1906-1970 SAUDADE DOS SEUS, LEONORA."[3]

E assim o faço com o objetivo de mostrar, sem sombra de dúvidas, o quão intenso pode ser o sofrimento do paciente acometido com o câncer e o quanto ele pode se sentir dispensável, reiterando o estigma trazido pela própria doença, com consequências físicas, psicológicas e morais das mais variadas.

Assim, por todas as razões já expostas, a Súmula nº 443 desta Corte, por tratar de presunção de discriminação, exige que esta seja afastada pela empresa, e não pelo empregado.

Nesses termos, nego provimento ao recurso de embargos.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, por maioria, vencidos os Exmos. Ministros Márcio Eurico Vitral Amaro, Relator, Breno Medeiros e Alexandre Luiz Ramos, negar-lhe provimento.

Brasília, 4 de abril de 2019.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

CLÁUDIO BRANDÃO

Redator Designado

 


[1] Departamento de Psicologia. Universidade Estadual de Maringá

[2] Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo

[3] PRADO, Adélia, Poesia Reunida, 2ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2015

Instituto Valentin Carrion © Todos direitos reservados | LGPD   Desen. e Adm by vianett

Politica de Privacidade