DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO Descriminação

Data da publicação:

Acordão - TST

Lelio Bentes Corrêa - TST



Não se admite, mesmo nos cargos de livre nomeação e exoneração, a despedida discriminatória. Aplica-se a Convenção 111 da OIT - discriminação em matéria de emprego e ocupação -, à Administração Pública. A vedação à discriminação em matéria de emprego estende-se aos empregados públicos ocupantes de cargo em comissão. À época da dispensa a reclamante era portadora de Leucemia, considerada doença estigmatizante, razão pela qual se presume discriminatória a dispensa (Súmula n.º 443 do TST). Decretação de nulidade da dispensa, com determinação da sua reintegração no emprego.



AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO A ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017

PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACÓRDÃO, POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. TRANSCENDÊNCIA DA CAUSA NÃO RECONHECIDA.

1. Em relação à nulidade arguida pela parte, é possível o reconhecimento da transcendência política e jurídica da matéria quando a decisão recorrida encontrar-se eivada de vício insuperável, visto que a entrega da prestação jurisdicional adequada e devidamente fundamentada constitui a função precípua do Poder Judiciário. Assim, eventual falha no exercício dessa função, além de comprometer o restabelecimento da ordem jurídica, frustra a solução dos conflitos e viola o direito fundamental do cidadão ao devido processo legal.

2. Não se reconhece, todavia, no presente caso, a transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza política e jurídica, porquanto as razões de decidir encontram-se devidamente reveladas, contemplando a totalidade dos temas controvertidos. Tampouco se fazem presentes os critérios de transcendência social e econômica. Uma vez consubstanciada a entrega completa da prestação jurisdicional, não se cogita em transcendência da arguição de nulidade.

3. Agravo de Instrumento a que se nega provimento.

EMPRESA PÚBLICA. CARGO EM COMISSÃO DE LIVRE NOMEAÇÃO E EXONERAÇÃO. EMPREGADA PORTADORA DE LEUCEMIA MIELÓIDE CRÔNICA (CÂNCER). DOENÇA ESTIGMATIZANTE. SÚMULA N.º 443 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. NULIDADE. REINTEGRAÇÃO. POSSIBILIDADE. CONVENÇÃO N.º 111 DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA DA CAUSA RECONHECIDA.

Evidenciada a afronta ao artigo 1º, III, da Constituição da República e a contrariedade à Súmula n.º 423 do Tribunal Superior do Trabalho, bem como reconhecida a transcendência jurídica da causa, dá-se provimento ao Agravo de Instrumento, a fim de determinar o processamento do Recurso de Revista.

DOENÇA OCUPACIONAL. GARANTIA PROVISÓRIA PREVISTA NO ARTIGO 118 DA LEI N.º 8.213/1991. NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A DOENÇA E O AMBIENTE LABORAL. AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO. MATÉRIA FÁTICA. TRANSCENDÊNCIA DA CAUSA NÃO EXAMINADA.

1. É insuscetível de revisão, em sede extraordinária, a decisão proferida pelo Tribunal Regional à luz da prova carreada aos autos. Somente com o revolvimento do substrato fático-probatório dos autos seria possível afastar a premissa sobre a qual se erigiu a conclusão consagrada pela Corte de origem, no sentido de que, de acordo com o laudo pericial produzido em juízo, diante das inúmeras variáveis incidentes, não há como estabelecer nexo de causalidade entre a doença que acometera a autora (Leucemia Mielóide Crônica - LMC) e o ambiente laboral, bem como de que, segundo a perita, "a Tese de Mestrado anexada aos autos não comprovam (sic) a relação entre a LMC e as atividades com exposição a radiação não ionizante". Incidência da Súmula n.º 126 do Tribunal Superior do Trabalho.

2. Em face da existência de óbice de natureza processual ao trânsito do recurso, deixa-se de examinar o requisito da transcendência.

3. Agravo de Instrumento não provido.

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRETENSÃO DEDUZIDA EM RECURSO ORDINÁRIO, EM RAZÃO DA ALEGADA CONFIGURAÇÃO DE DOENÇA OCUPACIONAL. ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR EM SEDE DE RECURSO DE REVISTA. INOVAÇÃO RECURSAL. TRANSCENDÊNCIA DA CAUSA NÃO EXAMINADA.

1. Constitui inovação recursal a alteração, em sede de Recurso de Revista, da causa de pedir relativa à pretensão deduzida no Recurso Ordinário.

2. No caso dos autos, constata-se que, em sede de Recurso Ordinário, a reclamante apontou, como causa de pedir da indenização por danos morais e materiais, a configuração de doença ocupacional. Contudo, em sede de Recurso de Revista, verifica-se que houve por bem a obreira indicar, como causa de pedir da indenização por danos morais, o caráter discriminatório de sua dispensa.

3. Configurada a inovação recursal, resulta inviável o processamento do Recurso de Revista.

4. Ante a incidência do óbice processual, deixa-se de examinar a transcendência da causa.

5. Agravo de Instrumento não provido.

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO A ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017

EMPRESA PÚBLICA. CARGO EM COMISSÃO DE LIVRE NOMEAÇÃO E EXONERAÇÃO. EMPREGADA PORTADORA DE LEUCEMIA MIELÓIDE CRÔNICA (CÂNCER). DOENÇA ESTIGMATIZANTE. SÚMULA N.º 443 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. NULIDADE. REINTEGRAÇÃO. POSSIBILIDADE. CONVENÇÃO N.º 111 DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA DA CAUSA RECONHECIDA.

1. Cuida-se de controvérsia acerca da possibilidade de decretação da nulidade da dispensa, e consequente reintegração no emprego, de empregada de empresa pública contratada sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho para o exercício de cargo em comissão de livre nomeação e exoneração, bem como sobre a incidência ou não da Súmula n.º 443 deste Tribunal Superior no caso de acometimento por Leucemia Mielóide Crônica.

2. Considerando a complexidade da presente controvérsia, bem como o ineditismo em seu exame por esta Corte superior, revela-se prudente o reconhecimento da transcendência da causa pelo critério jurídico.

3. Consoante disposto no artigo 3º, alínea d, da Convenção n.º 111 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil, promulgada por meio do Decreto n.º 62.150/1968 e consolidada mediante o Decreto n.º 10.088/2019, os Estados-Membros para os quais a Convenção se encontre em vigor devem, por métodos adequados às circunstâncias e aos usos nacionais, seguir a política de combate à discriminação no trabalho, inclusive no que diz respeito a empregos dependentes do controle direto de uma autoridade nacional. Significa dizer que a obrigatoriedade do combate à discriminação no trabalho – gênero do qual a dispensa discriminatória é espécie – abrange as relações de trabalho firmadas com a Administração Pública, sejam elas estabelecidas por meio de concurso público (provimento de cargo efetivo), ou mediante vínculo precário de livre nomeação e exoneração, nos termos do artigo 37, II, da Constituição da República.

4. A Constituição da República, ao adotar como valor central do ordenamento jurídico pátrio a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III), alçou o combate à discriminação ao patamar de objetivo fundamental da República Federativa do Brasil (artigo 3º, IV). A centralidade da pessoa humana na ordem social, política e jurídica irradia-se, por óbvio, às relações de trabalho, sejam elas estabelecidas entre particulares ou entre trabalhador e Estado. Nesse contexto, ante a eventual colisão entre o valor basilar da dignidade da pessoa humana no trabalho e as normas constitucionais relacionadas à liberdade de gestão das empresas estatais, deve prevalecer a centralidade da dignidade da pessoa humana, um dos alicerces do Estado Democrático de Direito.

5. O disposto no artigo 173, § 1º, II, corrobora a impossibilidade de se validar a dispensa discriminatória no âmbito das empresas estatais. A vedação à discriminação em matéria de emprego estende-se, por certo, aos empregados públicos ocupantes de cargo em comissão. Observe-se que nem sequer a iniciativa privada está livre para praticar conduta discriminatória. Inafastável, daí, a conclusão de que a decisão proferida pelo Tribunal Regional, no sentido de considerar inviável a decretação de nulidade da dispensa, supostamente discriminatória, tão somente com fundamento na precariedade e transitoriedade do cargo ocupado pela reclamante, importou em afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana insculpido no artigo 1º, III, da Constituição da República.

6. Reconhecida a possibilidade de decretação de nulidade da dispensa de empregada ocupante de cargo de livre nomeação e exoneração em empresa pública, resta perquirir acerca do caráter discriminatório da dispensa. No caso dos autos, resulta incontroverso que, à época da dispensa, a reclamante já era portadora de Leucemia Mielóide Crônica (câncer que se origina nas células-tronco da medula óssea). Consoante iterativa e notória jurisprudência desta Corte superior, a dispensa de trabalhador portador de câncer atrai a incidência do disposto na Súmula n.º 443 do Tribunal Superior do Trabalho, visto que considerado doença estigmatizante. Ausentes elementos capazes de infirmar a presunção da natureza discriminatória da dispensa da reclamante, resulta inafastável a incidência do referido verbete sumular e a decretação de nulidade da dispensa, com determinação da sua reintegração no emprego.

7. Diante de requerimento expresso de concessão de tutela de urgência, bem como ante a demonstração da plausibilidade do direito e do perigo na demora, defere-se a antecipação dos efeitos do presente acórdão, a fim de determinar a imediata reintegração da reclamante ao emprego e o restabelecimento de todos os benefícios, inclusive o Plano de Saúde, independentemente do seu trânsito em julgado.

8. Recurso de Revista conhecido e provido, com deferimento da tutela provisória de urgência requerida no apelo para determinar a imediata reintegração da reclamante ao emprego e o restabelecimento de todos os benefícios, inclusive o Plano de Saúde. (TST-RRAg-324-27.2017.5.10.0022, Lelio Bentes Corrêa, DEJT 25/06/2021).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista com Agravo n° TST-RRAg-324-27.2017.5.10.0022, em que é Agravante e Recorrente MARIA EMILIA MAGALHAES e Agravada e Recorrida EMPRESA BRASIL DE COMUNICAÇÃO S.A. - EBC.

Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pela reclamante em face da decisão monocrática por meio da qual se denegou seguimento ao seu Recurso de Revista.

Cumpre salientar que o referido Recurso de Revista foi interposto a acórdão publicado na vigência da Lei n.º 13.467/2017.

Sustenta a reclamante que seu Recurso de Revista merece processamento, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade previstos no artigo 896 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Foram apresentadas contraminuta e contrarrazões pela reclamada.

Autos não submetidos a parecer da douta Procuradoria-Geral do Trabalho, à míngua de interesse público a tutelar.

É o relatório.

V O T O

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO A ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017

I – CONHECIMENTO

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço do Agravo de Instrumento.

II – MÉRITO

PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACÓRDÃO, POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.

O Exmo. Desembargador Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, quanto à preliminar em epígrafe, denegou seguimento ao Recurso de Revista interposto pela reclamante, sob o fundamento de que o acórdão prolatado em sede de Recurso Ordinário encontra-se devidamente fundamentado.

Arguiu a agravante, em preliminar de seu Recurso de Revista, a nulidade do acórdão recorrido, por negativa de prestação jurisdicional. Alegou que o Tribunal Regional, conquanto instado por meio de Embargos de Declaração, não se pronunciou acerca da existência nos autos de documento comprobatório do recebimento de auxílio insalubridade, em razão de sua exposição a radiação. Esgrimiu com violação dos artigos 5º, XXXV e LIV, e 93, IX, da Constituição da República, 818 e 832 da Consolidação das Leis do Trabalho e 489, IV, do Código de Processo Civil.

Ao exame.

Na esteira da Súmula n.º 459 desta Corte superior, a alegação de nulidade do julgado por negativa de prestação jurisdicional apenas encontra fundamento válido nos artigos 832 da Consolidação das Leis do Trabalho, 489 do Código de Processo Civil e 93, IX, da Constituição da República. Assim, não autoriza o exame da prefacial em tela a arguição de violação dos artigos 5º, XXXV e LIV, da Constituição da República e 818 da Consolidação das Leis do Trabalho.

A agravante reproduziu, nas razões do Recurso de Revista, trecho dos Embargos de Declaração em que se pretendeu obter o pronunciamento do Tribunal Regional sobre questão veiculada no Recurso Ordinário. Transcreveu, ainda, o trecho da decisão recorrida mediante o qual se negou provimento aos Embargos de Declaração. Resulta atendido, desse modo, o requisito de admissibilidade consagrado no artigo 896, § 1º-A, IV, da CLT.

Cumpre esclarecer que, nos termos do artigo 896-A da CLT, deve esta Corte superior examinar "previamente se a causa oferece transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica".

Em relação às nulidades arguidas pelas partes, é possível o reconhecimento da transcendência política e jurídica quando a decisão recorrida encontrar-se eivada de vício insuperável, visto que a entrega da prestação jurisdicional adequada e devidamente fundamentada constitui a função precípua do Poder Judiciário. Assim, eventual falha no exercício dessa função, além de comprometer o restabelecimento da ordem jurídica, frustra a solução dos conflitos e viola o direito fundamental do cidadão ao devido processo legal.

No caso dos autos, o Tribunal Regional, por ocasião do exame do Recurso Ordinário interposto pela reclamante quanto à pretensão de reconhecimento de doença ocupacional, pronunciou-se mediante os seguintes fundamentos (os grifos foram acrescidos):

(...)

Inicialmente, o laudo pericial juntado aos autos, lançou mão de diversos estudos detalhados acerca das possíveis causas e desenvolvimento da Leucemia Mielóide Crônica - LMC, tendo constatado que a evidência epidemiológica revela um padrão consistente de aumento da incidência de leucemia em crianças expostas a campos eletromagnéticos baixos. Este aumento é observado em crianças expostas a campos maiores que 0,3 T, mas também pode ser observada em campos mais fracos. No entanto, todos os estudos nesta área são afetados por diversas variáveis que tornam difícil estabelecer conclusivamente uma relação causal nesta conjuntura. Ressaltou, ainda, que a Tese de Mestrado anexada aos autos não comprovam a relação entre a LMC e as atividades com exposição a radiação não ionizante (ID202b1c1, pág.13).

A expert concluiu, especialmente após exame minucioso da autora, que na hipótese dos autos inexiste o nexo causal entre as atividades realizadas pela reclamante e a moléstia adquirida, contando a laborista com a capacidade para as atividades de editoria declaradas, conforme descrito no ID202b1c1, pág.5 (ID. ID202b1c1, pág.14).

Cumpre destacar que o laudo pericial colacionado pela autora com a peça de ingresso, relativo aos autos do processo nº 00380-2005-014.10.00-3, refere-se a perícia realizada no âmbito da reclamada a requerimento do Sindicato dos Trabalhadores em Empresa de Radiodifusão e Televisão do DF teve por escopo avaliar eventual existência de agentes insalubres ou perigosos que pudessem atingir os empregados da Radiobras. Embora a referida perícia tenha constatado, por ocasião de sua realização em 2005, a existência de agentes de insalubridade em grau médio, em face da exposição a ambientes com radiação, tal fato por si só não se revela suficiente para desconstituir as conclusões apresentadas no laudo pericial produzido no presente feito, cuja conclusão, repita-se, foi no sentido de que diante de inúmeras variáveis não há como estabelecer, conclusivamente, uma relação causal entre o ambiente de trabalho e a patologia adquirida, até porque na própria prova técnica juntada pela laborista o perito, naquele feito, de forma expressa, excluiu a presidência e a diretoria como locais sujeitos aos agentes insalubres, nos quais trabalhava a autora (ID2d4a7da, pág.9).

Conforme se depreende do excerto transcrito, a Corte de origem, com fundamento no laudo pericial, concluiu que, diante das inúmeras variáveis incidentes, não há como estabelecer nexo de causalidade entre a doença que acometeu a autora (Leucemia Mielóide Crônica - LMC) e o ambiente de trabalho. Registrou, ainda, o Tribunal Regional, que, segundo a perita, "a Tese de Mestrado anexada aos autos não comprovam (sic) a relação entre a LMC e as atividades com exposição a radiação não ionizante".

Constata-se, daí, que a ratio decidendi da decisão recorrida, ao não reconhecer a configuração de doença ocupacional, não foi a ausência de exposição da reclamante ao agente insalubre, mas sim a impossibilidade de estabelecer correlação entre a moléstia e o ambiente de trabalho, ainda que se considere a exposição a radiação não ionizante.

Verifica-se, assim, que a manifestação da Corte de origem acerca do documento referido pela ora agravante se revelaria inócua, visto que o Tribunal Regional entendeu que a exposição ao agente insalubre se configurava prescindível ao deslinde da controvérsia.

A prestação jurisdicional, portanto, foi outorgada, revelando-se a motivação respectiva em termos claros e suficientes, de modo a permitir o prosseguimento da discussão na via recursal extraordinária. Incólumes os artigos 93, IX, da Constituição da República, 832 da Consolidação das Leis do Trabalho e 489 do Código de Processo Civil, visto que houve efetiva entrega da prestação jurisdicional, ainda que de maneira contrária aos interesses da recorrente.

Nesse contexto, não se reconhece a transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza política e jurídica. Tampouco se fazem presentes os critérios de transcendência social e econômica.

Com esses fundamentos, nego provimento ao Agravo de Instrumento, no particular.

EMPRESA PÚBLICA. CARGO EM COMISSÃO DE LIVRE NOMEAÇÃO E EXONERAÇÃO. EMPREGADA PORTADORA DE LEUCEMIA MIELÓIDE CRÔNICA (CÂNCER). DOENÇA ESTIGMATIZANTE. SÚMULA N.º 443 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO.

O Exmo. Desembargador Presidente do Tribunal Regional, quanto ao tema em epigrafe, denegou seguimento ao Recurso de Revista interposto pela reclamante.

A Corte de origem, ao julgar o Recurso Ordinário interposto pela reclamante, aduziu os seguintes fundamentos (os grifos foram acrescidos):

RELAÇÃO JURÍDICA. CARGO EM COMISSÃO

A reclamante alegou ter sido contratada pela reclamada em 22/04/2003 para exercer o cargo de Editora, assumindo a responsabilidade pela Assessoria de Assuntos Institucionais vinculada à Presidência da República nas dependências da empresa no Distrito Federal. Aduziu que, em 2010, seguindo exames anuais de rotina determinados na CCT, a reclamante foi diagnosticada com Leucemia Mielóide Crônica (CID C92.1). Após o diagnóstico, iniciou seu tratamento e, por conta de recomendações médicas e autorização de seus supervisores, não participava dos plantões de final de semana, permanecendo lotada na sede da empresa em local insalubre até a demissão sem justa causa em 31/01/2015.

Em sua peça de ingresso, a autora alegou que, tendo sindo a empregadora cientificada e, havendo inclusive acompanhamento do médico da empresa, gozando de jornada diferenciada em função de sua moléstia, sua dispensa imotivada tem "contornos discriminatórios" em função de doença estigmatizante presumida, nos termos da Súmula nº443 do TST. Aduziu que, mesmo a não se considerar presumida a dispensa discriminatória em função do câncer adquirido em decorrência do ambiente de trabalho, deve se considerar que a dispensa imotivada de empregado em tratamento de doença grave implica ofensa ao princípio da função social da empresa e do trabalho, bem como do princípio da dignidade do trabalhador, implicando em violação direta dos artigos 1º, III e IV, 5º, X, e 170 da CF; dos artigos 186 e 927 do Código Civil, por analogia da Lei nº9.029/95. Assim, postulou a sua reintegração.

Na defesa, a reclamada alegou que, como entidade integrante da Administração Pública indireta, deve obedecer as normas de Direito Público, pois, caso não haja a regular aprovação em concurso público, não há como se alegar vínculo de emprego com a reclamada. Aduziu, ainda, que a reclamante exercia cargo em comissão, de livre nomeação e exoneração, sendo, portanto, demissível a qualquer tempo. Assim, embora a reclamante tenha sido afastada por motivo de doença, estava investida em cargo comissionado, não detendo qualquer espécie de estabilidade provisória. Quanto à alegação de dispensa discriminatória, alegou não poder se admitir que a reclamante invoque, ainda que por analogia, o teor da Súmula nº443 do TST, que presume discriminatória a dispensa decorrente de doença estigmatizante ou que suscite preconceito, pois haveria direito à reintegração tão somente se o ato fosse inválido, o que não se revela na hipótese, haja vista que praticado em consonância com o disposto no artigo 37, II, da Constituição Federal.

A Juíza de origem acolheu a tese patronal e não reconheceu a dispensa discriminatória.

Inconformada, a reclamante renova suas alegações exordiais. Em suas razões recursais, invoca a necessidade de compatibilização dos interesses da Administração Pública com o respeito aos direitos dos trabalhadores, pois decorre do Estado Democrático de Direito, que tem como fundamento expressamente consagrado no artigo 1º, "caput", III, da Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana. Assim, a conclusão do Juízo "a quo" no sentido de que não teria a reclamante qualquer estabilidade no cargo que ocupava é de todo inconstitucional, pois a relação mantida é de natureza trabalhista, atraindo para si toda proteção laboral, em especial os direitos sociais previstos no artigo 7º, da CF, bem como os direitos estabilitários previstos na Lei 8.112/91.

Embora a reclamada seja uma empresa pública federal e, como tal, submeta-se ao regime jurídico das empresas privadas, nos termos do artigo 173, §1º, II e III, da Constituição Federal, também está vinculada aos princípios inerentes aos entes públicos, que se encontram elencados no artigo 37, "caput", da CF, quais sejam, da legalidade, impessoalidade, moralidade, da publicidade e o da eficiência.

Por manterem um vínculo precário e transitório com o ente público, os ocupantes de cargos de livre nomeação e exoneração, providos na forma do artigo 37, II, da Constituição Federal, não possuem garantias de permanência, de modo que não fazem jus ao pagamento de verbas rescisórias por ocasião da exoneração ad nutum.

Nesse sentido, a tese obreira acerca da inconstitucionalidade em face do não reconhecimento da estabilidade não se sustenta, até porque, a reconhecê-la, estar-se-ia a restringir o ente público da faculdade de livre exoneração prevista na própria Constituição Federal em seu artigo 37, II.

Ainda que assim não fosse, a moléstia adquirida pela laborista não se enquadra, nem mesmo por analogia, no conceito de doença estigmatizante a atrair a incidência à hipótese da regra da Súmula nº443 do col. TST.

Portanto, impõe-se a manutenção da decisão de origem que entendeu não fazer jus a autora à garantia da manutenção do contrato de trabalho, pois nomeada para cargo em comissão, de livre nomeação e exoneração, não havendo que se falar em nulidade da dispensa, dispensa discriminatória ou estabilidade em face da doença, a qual adoto por seus próprios fundamentos.

Nego provimento.

Sustentou a reclamante, em suas razões recursais, que a Corte de origem, ao entender pela impossibilidade de reintegração no emprego, em razão da alegada nulidade da dispensa, invocando a natureza de empresa pública da reclamada, deu prevalência a regras de direito administrativo sobre direitos e princípios fundamentais insculpidos na Constituição da República, especificamente o direito à vida, o valor social do trabalho e o da dignidade da pessoa humana. Alegou que, "por uma questão de hierarquia axiológica, os princípios administrativos não podem ser absolutos contra princípios constitucionais, especialmente direitos fundamentais". Destacou que as empresas públicas, ao contratar pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho, estão adstritas às garantias que lhe são inerentes.

Argumentou, ainda, a obreira, que a doença que a acometera – Neoplasia Maligna (Leucemia Mielóide) – constitui moléstia estigmatizante, razão pela qual requereu a incidência da Sumula n.º 443 do Tribunal Superior do Trabalho.

Pugnou, daí, seja reconhecida a nulidade da dispensa, porque discriminatória, e determinada sua reintegração no emprego, com o restabelecimento do plano de saúde. Esgrimiu com afronta aos artigos 1º, III e IV, e 5º, cabeça, da Constituição da República, além de contrariedade a Súmula n.º 443 do Tribunal Superior do Trabalho. Transcreveu arestos para confronto de teses.

Ao exame.

Consoante se extrai dos presentes autos, cuida-se de controvérsia acerca da possibilidade de decretação da nulidade da dispensa, e consequente reintegração no emprego, de empregada de empresa pública contratada sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho para o exercício de cargo em comissão de livre nomeação e exoneração, bem como sobre a incidência ou não da Súmula n.º 443 deste Tribunal Superior no caso de acometimento por Leucemia Mielóide Crônica.

Constatando-se que o Recurso de Revista atende aos demais requisitos processuais de admissibilidade, passa-se ao exame do apelo sob o prisma do pressuposto de transcendência da causa, previsto no artigo 896-A da Consolidação das Leis do Trabalho.

Considerando a complexidade da presente controvérsia, bem como o ineditismo em seu exame por esta Corte superior, revela-se prudente o reconhecimento da transcendência da causa pelo aspecto jurídico.

Prossegue-se, assim, no exame dos pressupostos de admissibilidade intrínseca do Recurso de Revista.

Conforme consignado no acordão recorrido, entendeu a Corte de origem que, em razão da precariedade e transitoriedade do vínculo empregatício firmado entre a reclamante e a empresa pública reclamada, visto que referente a cargo de livre nomeação e exoneração, resultaria inviável a decretação da nulidade da dispensa, supostamente discriminatória, e a consequente reintegração da reclamante no emprego.

A Organização Internacional do Trabalho, considerando que "a discriminação constitui uma violação dos direitos enunciados na Declaração Universal dos Direitos do Homem", adotou, em 1958, a Convenção sobre a Discriminação em Matéria de Emprego e Ocupação (Convenção n.º 111), ratificada pelo Brasil, promulgada por meio do Decreto n.º 62.150/1968 e consolidada mediante o Decreto n.º 10.088/2019.

Referida Convenção estabelece, em seu artigo 3º, alínea d, que os membros para os quais a Convenção se encontre em vigor devem, por métodos adequados às circunstâncias e aos usos nacionais, seguir a política de combate à discriminação no trabalho, inclusive no que diz respeito a empregos dependentes do controle direto de uma autoridade nacional.

Significa dizer que a obrigatoriedade do combate à discriminação no trabalho – gênero do qual a dispensa discriminatória é espécie – abrange as relações de trabalho firmadas com a Administração Pública, sejam elas estabelecidas por meio de concurso público (provimento de cargo efetivo), ou mediante vínculo precário de livre nomeação e exoneração, nos termos do artigo 37, II, da Constituição da República. Com efeito, a prática da discriminação no ambiente de trabalho constitui conduta ilícita e abusiva, e deve ser prontamente rechaçada, tanto pelo ordenamento jurídico pátrio quanto internacional.

No âmbito da Administração Pública, regida pelos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade, entre outros, a dispensa discriminatória consubstancia ato administrativo praticado com abuso de direito e desvio de finalidade, vícios insanáveis na seara do Direito Administrativo.

O compromisso assumido pelo Brasil no sentido de combater a discriminação em matéria de emprego encontra guarida também na Constituição da República, que estabelece como direitos fundamentais do cidadão-trabalhador a relação de emprego protegida contra a despedida arbitrária (artigo 7º, I).

A Constituição da República, ao adotar como valor central do ordenamento jurídico pátrio a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III), alçou o combate à discriminação ao patamar de objetivo fundamental da República Federativa do Brasil (artigo 3º, IV).

A centralidade da pessoa humana na ordem social, política e jurídica irradia-se, por óbvio, às relações de trabalho, sejam elas estabelecidas entre particulares ou entre trabalhador e Estado.

Nesse contexto, ante a eventual colisão entre o valor basilar da dignidade da pessoa humana no trabalho e as normas constitucionais relacionadas com a liberdade de gestão das empresas estatais, deve prevalecer a centralidade da dignidade da pessoa humana, um dos alicerces do Estado Democrático de Direito.

A autonomia constitucionalmente assegurada às empresas públicas e às sociedades de economia mista é relativa, encontrando limites, entre outros, na tutela constitucional do direito fundamental à dignidade do trabalhador.

Nesse sentido, o fato de a exoneração de empregado ocupante de cargo em comissão prescindir de motivação ou justa causa não significa permissão legal para a dispensa maculada pelo abuso de poder, desvio de finalidade e quebra do princípio da impessoalidade, como ocorre no caso da dispensa discriminatória. Há limites, tanto para a liberdade de nomeação, quanto para a exoneração de ocupante de cargo em comissão. A título de exemplo, a liberdade para nomear à míngua de concurso público é mitigada pelo princípio da impessoalidade dos atos administrativos. Nesse sentido, a vedação do nepotismo.

Destaque-se, ademais, que, não obstante seja prescindível a motivação para a demissão de empregado ocupante de cargo demissível ad nutum, caso fique demonstrado o intuito discriminatório em virtude de gênero, raça, orientação sexual, condição de saúde, entre outros, resulta inequivocamente configurado o desvio de finalidade, porquanto a Administração Pública não pode atuar sem a observância do princípio da impessoalidade. Ademais, a exoneração de empregado público deve ter por finalidade o princípio da eficiência.

Cumpre frisar, ademais, conforme reconhecido pelo Tribunal Regional, que a reclamada – Empresa Brasileira de Comunicação – é empresa pública, submetida "ao regime jurídico das empresas privadas, nos termos do artigo 173, §1º, II e III, da Constituição Federal".

O disposto no artigo 173, § 1º, II, corrobora a impossibilidade de se validar a dispensa discriminatória no âmbito das empresas estatais. Essa vedação à discriminação em matéria de emprego estende-se, por certo, aos empregados públicos ocupantes de cargo em comissão. Observe-se que nem sequer a iniciativa privada está livre para a prática de conduta discriminatória.

Inafastável, daí, concluir-se que a decisão proferida pelo Tribunal Regional, no sentido de considerar inviável a decretação de nulidade da dispensa, supostamente discriminatória, tão somente com fundamento na precariedade e transitoriedade do cargo ocupado pela reclamante, importou em afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana insculpido no artigo 1º, III, da Constituição da República.

Reconhecida a possibilidade de decretação de nulidade da dispensa da reclamante, caso demonstrado o alegado caráter discriminatório, passa-se ao exame da subsunção da controvérsia ao disposto da Súmula n.º 443 deste Tribunal Superior.

Eis o teor do referido verbete sumular:

DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO. Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.

Conforme consignado pela Corte de origem, resulta comprovado nos autos que a reclamante, à época da dispensa, já era portadora de Leucemia Mielóide Crônica – doença que, conforme se extrai do sítio da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia – ABRALE, constitui câncer que tem início nas células-tronco da medula óssea (https://www.abrale.org.br/wp-content/uploads/2020/11/Manual-de-LMC.pdf - p. 9 – acessado em 15/4/2021).

A jurisprudência desta Corte superior firmou-se no sentido de que a dispensa de trabalhador portador de câncer atrai a incidência do disposto na Súmula n.º 443 do Tribunal Superior do Trabalho, visto que considerado doença estigmatizante. Nesse sentido, os seguintes precedentes (os grifos não são do original):

EMBARGOS REGIDOS PELA LEI Nº 13.015/2014, PELO CPC/2015 E PELA INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 39/2016 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. NEOPLASIA MALIGNA. CÂNCER DE MAMA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 443 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. ÔNUS DA PROVA DO EMPREGADOR. Discute-se in casu se a neoplasia maligna é considerada doença estigmatizante, para o fim de incidência do disposto na Súmula nº 443 desta Corte, a ensejar a presunção de dispensa discriminatória. Nos termos da referida súmula, "presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego". Tratando-se de presunção relativa, adota-se o entendimento de que deve ser invertido o ônus da prova, que, naturalmente seria do empregado, em detrimento do empregador, cabendo a este provar, de forma robusta, que dispensou o empregado, portador de doença grave, por algum motivo plausível, razoável e socialmente justificável, de modo a afastar o caráter discriminatório da rescisão contratual. No caso destes autos, consta do acórdão regional transcrito na decisão embargada que a reclamante foi diagnosticada com carcinoma ductal infiltrante (câncer de mama), em grau 2, doença gravíssima que pode levar a óbito. A Turma, contudo, adotou o entendimento de que, "apesar de o câncer ser uma doença grave, não possui, por si só, caráter estigmatizante, não sendo possível presumir discriminatória a dispensa do empregado portador da referida doença", motivo pelo qual deixou de aplicar a Súmula nº 443 desta Corte e manteve a decisão regional pela qual se atribuiu à reclamante o ônus de provar a alegada dispensa discriminatória. A decisão embargada não se coaduna com a jurisprudência desta Subseção, que adota o entendimento de que a neoplasia maligna é, sim, uma doença estigmatizante. Caberia, portanto, ao empregador provar que dispensou a reclamante por motivo diverso do alegado, não podendo esse ônus recair sobre a parte autora, como determinado pelo regional. Embargos conhecidos e providos. (E-RR-202-77.2011.5.01.0053, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta, publicado no DEJT de 22/11/2019).

RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE E ESTIGMATIZANTE (CÂNCER DE PELE). 1. A teor da Súmula 443 do TST, "presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito". 2. No caso, o reclamante está acometido por doença grave e estigmatizante, qual seja, câncer de pele, presumindo-se discriminatória a sua despedida. 3. Destaca-se que não há no acórdão turmário, tampouco na decisão regional nele transcrita, qualquer notícia a respeito de eventual prova produzida pela reclamada no sentido de elidir a presunção relativa de que trata a Súmula 443 do TST. Recurso de embargos conhecido e provido. (E-RR-470-61.2016.5.09.0562, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Hugo Carlos Scheuermann, publicado no DEJT de 28/06/2019).

RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI Nº 13.015/2014. EMPREGADA DOMÉSTICA. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. NEOPLASIA MALIGNA (CÂNCER). SÚMULA Nº 443 DO TST. DISPENSA DA EMPREGADA APÓS O TÉRMINO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ELEMENTO DE DISTINÇÃO. NÃO APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO CONTIDO NO VERBETE. A Súmula nº 443 do TST estabelece presunção de discriminação na ruptura contratual quando o empregado apresenta doença grave, que suscite estigma ou preconceito. À luz de tal verbete, nesses casos, há inversão do ônus da prova e incumbe ao empregador comprovar ter havido outro motivo para a dispensa. A neoplasia maligna (câncer), sem dúvida, se amolda aos parâmetros da mencionada súmula, por se tratar de doença grave comumente associada a estigmas. Precedentes de Turmas. Todavia, no caso, consta no acórdão regional, transcrito pela Turma, que a autora foi contratada pelos réus como empregada doméstica em 14/03/2013; foi acometida de neoplasia maligna na região supraclavicular, com afastamento previdenciário de 19/12/2013 a 30/03/2015; a comunicação da rescisão contratual foi efetuada no dia 30/03/2015 e a rescisão foi anotada em 1º/04/2015, sendo que os réus admitiram outra empregada doméstica em 1º/12/2014. Consta, ainda, que não há provas de que a autora ainda estivesse realizando qualquer tratamento médico ou que tenha restado alguma incapacidade para o trabalho. A Corte Regional consignou que, cientes dos sintomas, os réus não se recusaram a dar o apoio necessário ao diagnóstico e viabilização do tratamento adequado da doença, somente tendo procedido à dispensa da autora quando do encerramento do seu afastamento; que os reclamados (entidade familiar com um filho pequeno) acabaram, por necessidade, admitindo outra empregada, ou seja, quando a autora obteve a alta médica, os empregadores já contavam com outra empregada doméstica e não tinham a obrigação legal de permanecer com duas empregadas ou de despedir uma trabalhadora para dar sequência ao contrato de trabalho que se encontrava suspenso. Esse contexto fático permite concluir que não houve discriminação no ato de dispensa da empregada, pois a rescisão contratual coincidiu com o término do benefício previdenciário, donde se extrai que a autarquia previdenciária não concederia a respectiva alta sem que o segurado estivesse curado da doença. Diverso seria o entendimento se a dispensa tivesse ocorrido no curso da doença. Ademais, considerando o poder potestativo de dispensa do empregador, a boa-fé dos réus (consistente no apoio necessário ao diagnóstico e viabilização do tratamento adequado da doença), o fato de já possuírem outra empregada doméstica na residência e a ausência de notícias acerca de eventual impedimento para a dispensa, conclui-se pela validade do respectivo ato. Não há, portanto, se falar em aplicação da presunção estabelecida na Súmula nº 443 do TST. Recurso de embargos conhecido e provido. (E-RR-465-58.2015.5.09.0664, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, publicado no DEJT de 26/10/2018).

Nos termos do já aludido verbete sumular, presume-se discriminatória a dispensa do empregado portador de doença grave que suscite estigma ou preconceito. Incumbe ao empregador, nesses casos, a prova da motivação lícita e efetiva para o ato de despedimento, afastando a referida presunção.

No caso dos autos, não se vislumbram, a partir das peças passíveis de exame em sede extraordinária, quaisquer indícios de que a reclamada tenha produzido prova apta a afastar a presunção da conduta discriminatória no ato de dispensa da reclamante. Com efeito, nem sequer nas contrarrazões apresentadas pela reclamada há alegação nesse sentido, limitando-se a empresa a requerer a manutenção do acórdão recorrido pelos próprios fundamentos.

Num tal contexto, ante a incidência do entendimento sedimentado na Súmula n.º 443 deste Tribunal Superior às hipóteses de empregado portador de câncer, resulta inafastável reconhecer que o acórdão prolatado pela Corte de origem revela-se contrário ao referido verbete sumular.

Com esses fundamentos, ante a demonstração de afronta ao artigo 1º, III, da Constituição da República, bem como de contrariedade à Súmula n.º 443 deste Tribunal Superior, dou provimento ao Agravo de Instrumento, no particular.

Com apoio nos artigos 897, § 7º, da Consolidação das Leis do Trabalho, 3º, § 2º, da Resolução Administrativa do TST n.º 928/2003 e 229 do RITST, proponho o imediato exame do Recurso de Revista, conforme disposto na certidão de julgamento do presente Agravo de Instrumento.

DOENÇA OCUPACIONAL. GARANTIA PROVISÓRIA PREVISTA NO ARTIGO 118 DA LEI N.º 8.213/1991. NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A DOENÇA E O AMBIENTE LABORAL.

O Tribunal Regional do Trabalho, quanto ao tema em epígrafe, pronunciou-se mediante as seguintes razões de decidir:

DOENÇA OCUPACIONAL - ACIDENTE DO TRABALHO

A reclamante alegou que, em 2010, seguindo exames anuais de rotina determinados na Convenção Coletiva de Trabalho, foi diagnosticada com Leucemia Mielóide Crônica (CID C92.1). Após o diagnóstico iniciou seu tratamento, e por conta de recomendações médicas e autorização de seus supervisores, não participava dos plantões de final de semana, permanecendo lotada na sede da empresa em local insalubre até a sua dispensa em 31/01/2015.

Em sua peça de ingresso, a autora atribuiu a doença adquirida ao ambiente insalubre de trabalho, pois ficava exposta a radiação ionizante de forma prolongada, sendo a leucemia uma das doenças causadas ou estimuladas/potencializadas em virtude de tal exposição.

Portanto, concluiu que, se a doença foi adquirida em função da insalubridade do ambiente de trabalho, a moléstia fica equiparada a acidente de trabalho, encontrando-se presentes todos os requisitos da responsabilidade civil previstos nos artigos 186 e 927 do Código Civil, quais sejam a culpa, o dano e nexo de causalidade.

Na defesa, a reclamada refutou a doença ocupacional sustentando que não há causalidade entre as atribuições da autora e a doença adquirida. Aduziu que a reclamante não logrou demonstrar o nexo de causalidade entre o mal que lhe acometeu e o trabalho prestado para a reclamada, revelando-se inexistente o acidente do trabalho.

O Juízo de origem entendeu inexistente o nexo de causalidade e não reconheceu o acidente do trabalho.

Inconformada a reclamante insurge-se contra a decisão renovando suas assertivas exordiais. Sustenta que a julgadora de origem deixou de apreciar outros elementos nos autos, colacionados com a peça de ingresso, consistindo de estudos acerca dos riscos da radiação ionizante, bem como perícias elaboradas em outros processos demonstrando que a radiação ionizante pode causar câncer, preferindo decidir à luz do laudo pericial.

Cumpre destacar que a controvérsia nos autos envolve a aferição da existência ou não da doença ocupacional equiparada a acidente do trabalho, ou seja, se houve o nexo de causalidade entre a moléstia adquirida pela reclamante e o trabalho desenvolvido na reclamada, o que, diversamente do alegado pela autora, exige a análise e diagnóstico pontual de médico do trabalho especializado, o que foi realizado na instância de origem, conforme descrito no tópico anterior relativo ao cerceamento de defesa.

O acidente do trabalho é conceituado como o infortúnio decorrente do exercício das tarefas laborais, cuja lesão resulta na perda ou redução (permanente ou temporária) da capacidade laborativa (artigo 19, da Lei nº 8.213/91).

No particular, oportuna a lição de Sebastião Geral de Oliveira na parte a que se refere:

................................................................................................................

Por sua vez, Sérgio Cavalieri Filho nos ensina acerca da responsabilidade civil:

...............................................................................................................

O regramento acerca da responsabilidade civil encontra-se ínsito no artigo 927 do Código Civil Brasileiro, segundo o qual "aquele que, por ato ilícito (artigos 186/187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo". O artigo 186 do CCB, por sua vez, prevê que "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".

Dessa forma, para que a responsabilidade civil reste configurada é necessária a presença concomitante do dano, da conduta comissiva ou omissiva, bem como do nexo de causalidade entre ambos. Isso porque, conquanto a teoria da responsabilidade civil objetiva venha ganhando espaço, persiste como regra, no direito brasileiro, a teoria subjetiva da responsabilidade civil, vigendo tão só algumas disposições específicas acerca da responsabilidade objetiva.

Assim, na responsabilidade subjetiva só caberá a obrigação de indenizar se houver a presença concomitante do dano (acidente ou doença), do nexo de causalidade do evento com o trabalho e da culpa do empregador. Se não restar comprovada a presença simultânea dos pressupostos mencionados, não vinga a pretensão indenizatória.

Pois bem, ao empregador compete adotar medidas indispensáveis para proporcionar a seus empregados ambiente de trabalho seguro e saudável, informando-os da necessidade de medidas acautelatórias a serem tomadas, no intuito de evitar a ocorrência de sinistros de natureza trabalhista, bem como as doenças profissionais, nos termos do artigos 157 e incisos da CLT. Aos empregados, por sua vez, cabe zelar pela observância das normas de segurança e medicina do trabalho, de forma a colaborar com a empresa, no sentido de que seja alcançado referido objetivo (CLT, artigo 158 e incisos).

Inicialmente, o laudo pericial juntado aos autos, lançou mão de diversos estudos detalhados acerca das possíveis causas e desenvolvimento da Leucemia Mielóide Crônica - LMC, tendo constatado que a evidência epidemiológica revela um padrão consistente de aumento da incidência de leucemia em crianças expostas a campos eletromagnéticos baixos. Este aumento é observado em crianças expostas a campos maiores que 0,3 T, mas também pode ser observada em campos mais fracos. No entanto, todos os estudos nesta área são afetados por diversas variáveis que tornam difícil estabelecer conclusivamente uma relação causal nesta conjuntura. Ressaltou, ainda, que a Tese de Mestrado anexada aos autos não comprovam a relação entre a LMC e as atividades com exposição a radiação não ionizante (ID202b1c1, pág.13).

A expert concluiu, especialmente após exame minucioso da autora, que na hipótese dos autos inexiste o nexo causal entre as atividades realizadas pela reclamante e a moléstia adquirida, contando a laborista com a capacidade para as atividades de editoria declaradas, conforme descrito no ID202b1c1, pág.5 (ID. ID202b1c1, pág.14).

Cumpre destacar que o laudo pericial colacionado pela autora com a peça de ingresso, relativo aos autos do processo nº00380-2005-014.10.00-3, refere-se a perícia realizada no âmbito da reclamada a requerimento do Sindicato dos Trabalhadores em Empresa de Radiodifusão e Televisão do DF teve por escopo avaliar eventual existência de agentes insalubres ou perigosos que pudessem atingir os empregados da Radiobras. Embora a referida perícia tenha constatado, por ocasião de sua realização em 2005, a existência de agentes de insalubridade em grau médio, em face da exposição a ambientes com radiação, tal fato por si só não se revela suficiente para desconstituir as conclusões apresentadas no laudo pericial produzido no presente feito, cuja conclusão, repita-se, foi no sentido de que diante de inúmeras variáveis não há como estabelecer, conclusivamente, uma relação causal entre o ambiente de trabalho e a patologia adquirida, até porque na própria prova técnica juntada pela laborista o perito, naquele feito, de forma expressa, excluiu a presidência e a diretoria como locais sujeitos aos agentes insalubres, nos quais trabalhava a autora (ID2d4a7da, pág.9).

Outrossim, conforme bem destacado na origem, as impugnações ao laudo pericial apresentadas pela reclamante não tiveram o condão de infirmar as conclusões constantes da perícia realizada.

Portanto, não há como reconhecer o nexo causal não havendo que se falar em acidente do trabalho.

Por fim cumpre destacar que, diante das conclusões supra e, em consonância com o decidido no tópico anterior, no qual não se reconheceu a dispensa discriminatória para se conferir uma estabilidade provisória à autora, entendo não vulnerado o princípio da dignidade da pessoa humana (CF, artigo 1º, III).

Nego provimento.

Sustentou a reclamante, em seu Recurso de Revista, que resultou demonstrada, por meio dos laudos periciais inicialmente carreados aos autos, a exposição a radiação no ambiente laboral. Alegou que tal exposição foi corroborada pela percepção do adicional de insalubridade, no curso do contrato de emprego. Defendeu, daí, que resulta inafastável o reconhecimento de nexo de causalidade entre a doença que a acometera e o ambiente de trabalho, visto que a exposição à radiação está diretamente relacionada ao surgimento do câncer. Argumentou que a decisão recorrida revela-se contrária às provas dos autos. Requereu, assim, seja reconhecida a configuração de doença ocupacional, equiparada a acidente do trabalho, e, consequentemente, seja-lhe assegurada a garantia provisória de emprego prevista no artigo 118 da Lei n.º 8.213/1991. Pugnou, ainda, pela condenação da reclamada ao pagamento de indenização por danos morais e materiais. Esgrimiu com afronta aos artigos 5º, XXXVI, da Constituição da República, 118 da Lei n.º 8.213/1991, 186 e 932, III, do Código Civil.

Ao exame.

Conforme se depreende do excerto transcrito, o Tribunal Regional, soberano no exame do conjunto fático-probatório dos autos, concluiu que, de acordo com o laudo pericial produzido em juízo, diante das inúmeras variáveis incidentes, não há como estabelecer nexo de causalidade entre a doença que acometera a autora (Leucemia Mielóide Crônica - LMC) e o ambiente laboral. Registrou, ainda, o Tribunal Regional, que, segundo a perita, "a Tese de Mestrado anexada aos autos não comprovam (sic) a relação entre a LMC e as atividades com exposição a radiação não ionizante".

Assim, para reformar a decisão proferida pelo egrégio Tribunal Regional, forçoso seria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos – procedimento inviável em sede de Recurso de Revista, nos termos da Súmula n.º 126 desta Corte superior. Não há falar, dessarte, em violação dos artigos 5º, XXXVI, da Constituição da República e 118 da Lei n.º 8.213/1991.

Ante o óbice da Súmula n.º 126 do Tribunal Superior do Trabalho aplicado à pretensão recursal deduzida no Recurso de Revista, deixa-se de examinar a transcendência.

Com esses fundamentos, nego provimento ao Agravo de Instrumento.

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.

Requereu a autora, em suas razões de Revista, a condenação da reclamada ao pagamento de indenização por danos morais, no importe de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), sob o argumento de que a dispensa, além de discriminatória, a colocou "em situação precária ao passo que lhe foi retirado o acesso ao plano de saúde o que lhe colocou em situação de extrema precariedade, dependendo da ajuda de terceiros para ter acesso a medicação e, também, com falta de total acesso a tratamento clínicos disponibilizados pelo plano para melhorar sua qualidade de vida". Esgrimiu com afronta aos artigos 186, 927 e 932, III, do Código Civil.

Não obstante os argumentos expendidos pela reclamante, constata-se inafastável inovação recursal.

Com efeito, conforme se verifica das razões do Recurso Ordinário quanto ao tema "indenização por danos morais e materiais" (pp. 1.463/1.466 do eSIJ), a reclamante embasou sua pretensão única e exclusivamente na configuração do nexo de causalidade entre a doença que a acometera e o ambiente laboral, ou seja, na ocorrência de doença ocupacional.

Tem-se, contudo, que, em sede de Recurso de Revista (pp. 1.634/1.635 do eSIJ), houve por bem a obreira alterar a causa de pedir da pretensão relativa à indenização por danos morais, alicerçando o pedido no caráter discriminatório da dispensa. Não há, no referido tópico recursal, sequer menção a eventual configuração de doença ocupacional.

Configurada a inovação recursal, resulta inviável o processamento do Recurso de Revista.

Ante a incidência do óbice processual, deixa-se de examinar a transcendência da causa.

Nego provimento ao Agravo de Instrumento.

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO A ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017

I - CONHECIMENTO

1 - PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL.

Foram preenchidos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade recursal.

2 - PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL.

EMPRESA PÚBLICA. CARGO EM COMISSÃO DE LIVRE NOMEAÇÃO E EXONERAÇÃO. EMPREGADA PORTADORA DE LEUCEMIA MIELÓIDE CRÔNICA (CÂNCER). DOENÇA ESTIGMATIZANTE. SÚMULA N.º 443 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO.

A Corte de origem, ao julgar o Recurso Ordinário interposto pela reclamante, pronunciou-se mediante os seguintes fundamentos (os grifos foram acrescidos):

RELAÇÃO JURÍDICA. CARGO EM COMISSÃO

A reclamante alegou ter sido contratada pela reclamada em 22/04/2003 para exercer o cargo de Editora, assumindo a responsabilidade pela Assessoria de Assuntos Institucionais vinculada à Presidência da República nas dependências da empresa no Distrito Federal. Aduziu que, em 2010, seguindo exames anuais de rotina determinados na CCT, a reclamante foi diagnosticada com Leucemia Mielóide Crônica (CID C92.1). Após o diagnóstico, iniciou seu tratamento e, por conta de recomendações médicas e autorização de seus supervisores, não participava dos plantões de final de semana, permanecendo lotada na sede da empresa em local insalubre até a demissão sem justa causa em 31/01/2015.

Em sua peça de ingresso, a autora alegou que, tendo sindo a empregadora cientificada e, havendo inclusive acompanhamento do médico da empresa, gozando de jornada diferenciada em função de sua moléstia, sua dispensa imotivada tem "contornos discriminatórios" em função de doença estigmatizante presumida, nos termos da Súmula nº443 do TST. Aduziu que, mesmo a não se considerar presumida a dispensa discriminatória em função do câncer adquirido em decorrência do ambiente de trabalho, deve se considerar que a dispensa imotivada de empregado em tratamento de doença grave implica ofensa ao princípio da função social da empresa e do trabalho, bem como do princípio da dignidade do trabalhador, implicando em violação direta dos artigos 1º, III e IV, 5º, X, e 170 da CF; dos artigos 186 e 927 do Código Civil, por analogia da Lei nº9.029/95. Assim, postulou a sua reintegração.

Na defesa, a reclamada alegou que, como entidade integrante da Administração Pública indireta, deve obedecer as normas de Direito Público, pois, caso não haja a regular aprovação em concurso público, não há como se alegar vínculo de emprego com a reclamada. Aduziu, ainda, que a reclamante exercia cargo em comissão, de livre nomeação e exoneração, sendo, portanto, demissível a qualquer tempo. Assim, embora a reclamante tenha sido afastada por motivo de doença, estava investida em cargo comissionado, não detendo qualquer espécie de estabilidade provisória. Quanto à alegação de dispensa discriminatória, alegou não poder se admitir que a reclamante invoque, ainda que por analogia, o teor da Súmula nº443 do TST, que presume discriminatória a dispensa decorrente de doença estigmatizante ou que suscite preconceito, pois haveria direito à reintegração tão somente se o ato fosse inválido, o que não se revela na hipótese, haja vista que praticado em consonância com o disposto no artigo 37, II, da Constituição Federal.

A Juíza de origem acolheu a tese patronal e não reconheceu a dispensa discriminatória.

Inconformada, a reclamante renova suas alegações exordiais. Em suas razões recursais, invoca a necessidade de compatibilização dos interesses da Administração Pública com o respeito aos direitos dos trabalhadores, pois decorre do Estado Democrático de Direito, que tem como fundamento expressamente consagrado no artigo 1º, "caput", III, da Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana. Assim, a conclusão do Juízo "a quo" no sentido de que não teria a reclamante qualquer estabilidade no cargo que ocupava é de todo inconstitucional, pois a relação mantida é de natureza trabalhista, atraindo para si toda proteção laboral, em especial os direitos sociais previstos no artigo 7º, da CF, bem como os direitos estabilitários previstos na Lei 8.112/91.

Embora a reclamada seja uma empresa pública federal e, como tal, submeta-se ao regime jurídico das empresas privadas, nos termos do artigo 173, §1º, II e III, da Constituição Federal, também está vinculada aos princípios inerentes aos entes públicos, que se encontram elencados no artigo 37, "caput", da CF, quais sejam, da legalidade, impessoalidade, moralidade, da publicidade e o da eficiência.

Por manterem um vínculo precário e transitório com o ente público, os ocupantes de cargos de livre nomeação e exoneração, providos na forma do artigo 37, II, da Constituição Federal, não possuem garantias de permanência, de modo que não fazem jus ao pagamento de verbas rescisórias por ocasião da exoneração ad nutum.

Nesse sentido, a tese obreira acerca da inconstitucionalidade em face do não reconhecimento da estabilidade não se sustenta, até porque, a reconhecê-la, estar-se-ia a restringir o ente público da faculdade de livre exoneração prevista na própria Constituição Federal em seu artigo 37, II.

Ainda que assim não fosse, a moléstia adquirida pela laborista não se enquadra, nem mesmo por analogia, no conceito de doença estigmatizante a atrair a incidência à hipótese da regra da Súmula nº443 do col. TST.

Portanto, impõe-se a manutenção da decisão de origem que entendeu não fazer jus a autora à garantia da manutenção do contrato de trabalho, pois nomeada para cargo em comissão, de livre nomeação e exoneração, não havendo que se falar em nulidade da dispensa, dispensa discriminatória ou estabilidade em face da doença, a qual adoto por seus próprios fundamentos.

Nego provimento.

Sustenta a reclamante, em suas razões recursais, que a Corte de origem, ao concluir pela impossibilidade de reintegração no emprego, em razão da alegada nulidade da dispensa, invocando a natureza de empresa pública da reclamada, deu prevalência a regras de direito administrativo sobre direitos e princípios fundamentais insculpidos na Constituição da República, especificamente o direito à vida, o valor social do trabalho e a dignidade da pessoa humana. Alega que, "por uma questão de hierarquia axiológica, os princípios administrativos não podem ser absolutos contra princípios constitucionais, especialmente direitos fundamentais". Destaca que as empresas públicas, ao contratar pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho, estão adstritas às garantias que lhe são inerentes.

Argumenta, ainda, a obreira, que a doença que a acometera – Neoplasia Maligna (Leucemia Mielóide) – constitui moléstia estigmatizante, razão pela qual requer a incidência da Sumula n.º 443 do Tribunal Superior do Trabalho.

Pugna, daí, seja reconhecida a nulidade da dispensa, porque discriminatória, e determinada sua reintegração no emprego, com o restabelecimento do plano de saúde. Esgrime com afronta aos artigos 1º, III e IV, e 5º, cabeça, da Constituição da República, além de contrariedade a Súmula n.º 443 do Tribunal Superior do Trabalho. Transcreve arestos para confronto de teses.

Ao exame.

Consoante se extrai dos presentes autos, cuida-se de controvérsia acerca da possibilidade de decretação da nulidade da dispensa, e consequente reintegração no emprego, de empregada de empresa pública contratada sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho para o exercício de cargo em comissão de livre nomeação e exoneração, bem como sobre a incidência ou não da Súmula n.º 443 deste Tribunal Superior no caso de acometimento por Leucemia Mielóide Crônica.

Constatando-se que o Recurso de Revista atende aos demais requisitos processuais de admissibilidade, passa-se ao exame do apelo sob o prisma do pressuposto de transcendência da causa, previsto no artigo 896-A da Consolidação das Leis do Trabalho.

Considerando a complexidade da presente controvérsia, bem como o ineditismo em seu exame por esta Corte superior, revela-se prudente o reconhecimento da transcendência da causa pelo aspecto jurídico.

Passa-se, assim, ao exame dos demais pressupostos intrínsecos de admissibilidade do recurso.

Conforme consignado no acordão recorrido, entendeu a Corte de origem que, em razão da precariedade e transitoriedade do vínculo empregatício firmado entre a reclamante e a empresa pública reclamada, visto que referente a cargo de livre nomeação e exoneração, resultaria inviável a decretação da nulidade da dispensa, supostamente discriminatória, e a consequente reintegração da reclamante no emprego.

A Organização Internacional do Trabalho, considerando que "a discriminação constitui uma violação dos direitos enunciados na Declaração Universal dos Direitos do Homem", adotou, em 1958, a Convenção sobre a Discriminação em Matéria de Emprego e Ocupação (Convenção n.º 111), ratificada pelo Brasil, promulgada por meio do Decreto n.º 62.150/1968 e consolidada mediante o Decreto n.º 10.088/2019.

Referida Convenção estabelece, em seu artigo 3º, alínea d, que os membros para os quais a Convenção se encontre em vigor devem, por métodos adequados às circunstâncias e aos usos nacionais, seguir a política de combate à discriminação no trabalho, inclusive no que diz respeito a empregos dependentes do controle direto de uma autoridade nacional.

Significa dizer que a obrigatoriedade do combate à discriminação no trabalho – gênero do qual a dispensa discriminatória é espécie – abrange as relações de trabalho firmadas com a Administração Pública, sejam elas estabelecidas por meio de concurso público, ou mediante vínculo precário de livre nomeação e exoneração, nos termos do artigo 37, II, da Constituição da República. Com efeito, a prática da discriminação no ambiente de trabalho constitui conduta ilícita e abusiva, e deve ser prontamente rechaçada, tanto pelo ordenamento jurídico pátrio quanto internacional.

No âmbito da Administração Pública, regida pelos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade, entre outros, a dispensa discriminatória consubstancia ato administrativo praticado com abuso de direito e desvio de finalidade, vícios insanáveis na seara do Direito Administrativo.

O compromisso assumido pelo Brasil no sentido de combater a discriminação em matéria de emprego encontra guarida também na Constituição da República, que estabelece como direitos fundamentais do cidadão-trabalhador a relação de emprego protegida contra a despedida arbitrária (artigo 7º, I).

A Constituição da República, ao adotar como valor central do ordenamento jurídico pátrio a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III), alçou o combate à discriminação ao patamar de objetivo fundamental da República Federativa do Brasil (artigo 3º, IV).

A centralidade da dignidade da pessoa humana na ordem social, política e jurídica irradia-se, por óbvio, às relações de trabalho, sejam elas estabelecidas entre particulares ou entre trabalhador e Estado.

Nesse contexto, ante a eventual colisão entre o valor basilar da dignidade da pessoa humana no trabalho e as normas constitucionais relacionadas à liberdade de gestão das empresas estatais, deve prevalecer a centralidade da dignidade da pessoa humana, um dos alicerces do Estado Democrático de Direito.

A autonomia constitucionalmente assegurada às empresas públicas e às sociedades de economia mista é relativa, encontrando limites, entre outras, na tutela constitucional do direito fundamental à dignidade do trabalhador.

Nesse sentido, o fato de a exoneração de empregado ocupante de cargo em comissão prescindir de motivação ou justa causa não significa permissão legal para a dispensa maculada pelo abuso de poder, desvio de finalidade e quebra do princípio da impessoalidade, como ocorre no caso da dispensa discriminatória. Há limites, tanto para a liberdade de nomeação, quanto para a exoneração de ocupante de cargo em comissão. A título de exemplo, a liberdade para nomear à míngua de concurso público é mitigada pelo princípio da impessoalidade dos atos administrativos. Nesse sentido, a vedação do nepotismo.

Destaque-se, ademais, que, não obstante seja prescindível a motivação para a demissão de empregado ocupante de cargo demissível ad nutum, caso fique demonstrado o intuito discriminatório em virtude de gênero, raça, orientação sexual, condição de saúde, entre outros, resulta inequivocamente configurado o desvio de finalidade, porquanto a Administração Pública não pode atuar sem a observância do princípio da impessoalidade. Ademais, a exoneração de empregado público deve ter por finalidade o princípio da eficiência.

Cumpre frisar, ademais, conforme reconhecido pelo Tribunal Regional, que a reclamada – Empresa Brasileira de Comunicação – é empresa pública, submetida "ao regime jurídico das empresas privadas, nos termos do artigo 173, §1º, II e III, da Constituição Federal".

O disposto no artigo 173, § 1º, II, corrobora a impossibilidade de se validar a dispensa discriminatória no âmbito das empresas estatais. Essa vedação à discriminação em matéria de emprego estende-se, por certo, aos empregados públicos ocupantes de cargo em comissão. Observe-se que nem sequer a iniciativa privada tem liberdade para praticar conduta discriminatória.

Inafastável, daí, concluir-se que a decisão proferida pelo Tribunal Regional, no sentido de considerar inviável a decretação da nulidade da dispensa, supostamente discriminatória, tão somente com fundamento na precariedade e transitoriedade do cargo ocupado pela reclamante, importou em afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no artigo 1º, III, da Constituição da República.

Reconhecida a possibilidade de decretação da nulidade da dispensa da reclamante, caso demonstrado o alegado caráter discriminatório, passa-se ao exame da subsunção da controvérsia ao disposto da Súmula n.º 443 deste Tribunal Superior.

Eis o teor do referido verbete sumular:

DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO. Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.

Conforme consignado pela Corte de origem, resultou comprovado nos autos que a reclamante, à época da dispensa, já era portadora de Leucemia Mielóide Crônica – doença que, conforme se extrai do sítio da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia – ABRALE, constitui câncer que tem início nas células-tronco da medula óssea (https://www.abrale.org.br/wp-content/uploads/2020/11/Manual-de-LMC.pdf - p. 9 – acessado em 15/4/2021).

A jurisprudência desta Corte superior firmou-se no sentido de que a dispensa de trabalhador portador de câncer atrai a incidência do disposto na Súmula n.º 443 do Tribunal Superior do Trabalho, visto que considerado doença estigmatizante. Nesse sentido, os seguintes precedentes (os grifos não constam do original):

EMBARGOS REGIDOS PELA LEI Nº 13.015/2014, PELO CPC/2015 E PELA INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 39/2016 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. NEOPLASIA MALIGNA. CÂNCER DE MAMA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 443 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. ÔNUS DA PROVA DO EMPREGADOR. Discute-se in casu se a neoplasia maligna é considerada doença estigmatizante, para o fim de incidência do disposto na Súmula nº 443 desta Corte, a ensejar a presunção de dispensa discriminatória. Nos termos da referida súmula, "presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego". Tratando-se de presunção relativa, adota-se o entendimento de que deve ser invertido o ônus da prova, que, naturalmente seria do empregado, em detrimento do empregador, cabendo a este provar, de forma robusta, que dispensou o empregado, portador de doença grave, por algum motivo plausível, razoável e socialmente justificável, de modo a afastar o caráter discriminatório da rescisão contratual. No caso destes autos, consta do acórdão regional transcrito na decisão embargada que a reclamante foi diagnosticada com carcinoma ductal infiltrante (câncer de mama), em grau 2, doença gravíssima que pode levar a óbito. A Turma, contudo, adotou o entendimento de que, "apesar de o câncer ser uma doença grave, não possui, por si só, caráter estigmatizante, não sendo possível presumir discriminatória a dispensa do empregado portador da referida doença", motivo pelo qual deixou de aplicar a Súmula nº 443 desta Corte e manteve a decisão regional pela qual se atribuiu à reclamante o ônus de provar a alegada dispensa discriminatória. A decisão embargada não se coaduna com a jurisprudência desta Subseção, que adota o entendimento de que a neoplasia maligna é, sim, uma doença estigmatizante. Caberia, portanto, ao empregador provar que dispensou a reclamante por motivo diverso do alegado, não podendo esse ônus recair sobre a parte autora, como determinado pelo regional. Embargos conhecidos e providos. (E-RR-202-77.2011.5.01.0053, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta, publicado no DEJT de 22/11/2019).

RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE E ESTIGMATIZANTE (CÂNCER DE PELE). 1. A teor da Súmula 443 do TST, "presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito". 2. No caso, o reclamante está acometido por doença grave e estigmatizante, qual seja, câncer de pele, presumindo-se discriminatória a sua despedida. 3. Destaca-se que não há no acórdão turmário, tampouco na decisão regional nele transcrita, qualquer notícia a respeito de eventual prova produzida pela reclamada no sentido de elidir a presunção relativa de que trata a Súmula 443 do TST. Recurso de embargos conhecido e provido. (E-RR-470-61.2016.5.09.0562, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Hugo Carlos Scheuermann, publicado no DEJT de 28/06/2019).

RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI Nº 13.015/2014. EMPREGADA DOMÉSTICA. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. NEOPLASIA MALIGNA (CÂNCER). SÚMULA Nº 443 DO TST. DISPENSA DA EMPREGADA APÓS O TÉRMINO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ELEMENTO DE DISTINÇÃO. NÃO APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO CONTIDO NO VERBETE. A Súmula nº 443 do TST estabelece presunção de discriminação na ruptura contratual quando o empregado apresenta doença grave, que suscite estigma ou preconceito. À luz de tal verbete, nesses casos, há inversão do ônus da prova e incumbe ao empregador comprovar ter havido outro motivo para a dispensa. A neoplasia maligna (câncer), sem dúvida, se amolda aos parâmetros da mencionada súmula, por se tratar de doença grave comumente associada a estigmas. Precedentes de Turmas. Todavia, no caso, consta no acórdão regional, transcrito pela Turma, que a autora foi contratada pelos réus como empregada doméstica em 14/03/2013; foi acometida de neoplasia maligna na região supraclavicular, com afastamento previdenciário de 19/12/2013 a 30/03/2015; a comunicação da rescisão contratual foi efetuada no dia 30/03/2015 e a rescisão foi anotada em 1º/04/2015, sendo que os réus admitiram outra empregada doméstica em 1º/12/2014. Consta, ainda, que não há provas de que a autora ainda estivesse realizando qualquer tratamento médico ou que tenha restado alguma incapacidade para o trabalho. A Corte Regional consignou que, cientes dos sintomas, os réus não se recusaram a dar o apoio necessário ao diagnóstico e viabilização do tratamento adequado da doença, somente tendo procedido à dispensa da autora quando do encerramento do seu afastamento; que os reclamados (entidade familiar com um filho pequeno) acabaram, por necessidade, admitindo outra empregada, ou seja, quando a autora obteve a alta médica, os empregadores já contavam com outra empregada doméstica e não tinham a obrigação legal de permanecer com duas empregadas ou de despedir uma trabalhadora para dar sequência ao contrato de trabalho que se encontrava suspenso. Esse contexto fático permite concluir que não houve discriminação no ato de dispensa da empregada, pois a rescisão contratual coincidiu com o término do benefício previdenciário, donde se extrai que a autarquia previdenciária não concederia a respectiva alta sem que o segurado estivesse curado da doença. Diverso seria o entendimento se a dispensa tivesse ocorrido no curso da doença. Ademais, considerando o poder potestativo de dispensa do empregador, a boa-fé dos réus (consistente no apoio necessário ao diagnóstico e viabilização do tratamento adequado da doença), o fato de já possuírem outra empregada doméstica na residência e a ausência de notícias acerca de eventual impedimento para a dispensa, conclui-se pela validade do respectivo ato. Não há, portanto, se falar em aplicação da presunção estabelecida na Súmula nº 443 do TST. Recurso de embargos conhecido e provido. (E-RR-465-58.2015.5.09.0664, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, publicado no DEJT de 26/10/2018).

Nos termos do já aludido verbete sumular, presume-se discriminatória a dispensa do empregado portador de doença grave que suscite estigma ou preconceito. Incumbe, assim, ao empregador a prova da motivação lícita e efetiva para o ato de despedimento, afastando a referida presunção.

No caso dos autos, não se vislumbram, a partir das peças passíveis de exame em sede extraordinária, quaisquer indícios de que a reclamada tenha produzido prova apta a afastar a presunção da discriminação no ato de dispensa da reclamante. Com efeito, nem sequer nas contrarrazões apresentadas pela reclamada há alegação nesse sentido, limitando-se a empresa a requerer a manutenção do acórdão recorrido pelos próprios fundamentos.

Num tal contexto, ante a incidência do entendimento sedimentado na Súmula n.º 443 deste Tribunal Superior às hipóteses de empregado portador de câncer, resulta inafastável o reconhecimento de que o acórdão prolatado pela Corte de origem revela-se contrário ao referido verbete sumular.

Com esses fundamentos, ante a demonstração de afronta ao artigo 1º, III, da Constituição da República, bem como de contrariedade à Súmula n.º 443 deste Tribunal Superior, conheço do Recurso de Revista.

II – MÉRITO

EMPRESA PÚBLICA. CARGO EM COMISSÃO DE LIVRE NOMEAÇÃO E EXONERAÇÃO. EMPREGADA PORTADORA DE LEUCEMIA MIELÓIDE CRÔNICA (CÂNCER). DOENÇA ESTIGMATIZANTE. SÚMULA N.º 443 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO.

Conhecido o Recurso de Revista por afronta ao artigo 1º, III, da Constituição da República e por contrariedade à Súmula n.º 443 deste Tribunal Superior, seu provimento é mero corolário.

Dou provimento ao Recurso de Revista para reconhecer a nulidade da dispensa e determinar a reintegração da reclamante ao emprego, com restabelecimento de todos os benefícios, inclusive o Plano de Saúde, nos termos da fundamentação.

Reconhecido o direito da reclamante à reintegração ao emprego, corolário é o deferimento dos haveres trabalhistas correspondentes, nos limites da pretensão deduzida na alínea i do rol de pedidos constante da petição inicial, conforme se apurar em liquidação.

TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA REQUERIDA NO RECURSO DE REVISTA

Requer a reclamante, em seu Recurso de Revista, a concessão de tutela provisória de urgência, sob o argumento de que, "com a dispensa imotivada e discriminatória, em 31/01/2015, a reclamante foi colocada numa situação de extrema periculosidade à sua vida, pois além da hipossuficiência econômica e da impossibilidade de acesso ao tratamento médico uma vez que a rede pública não dispõe dos exames e equipamentos necessários ao tratamento de sua condição clínica" (grifos no original). Argumenta que resultam demonstrados os requisitos necessários à concessão da medida.

Ao exame.

Destaque-se, inicialmente, que resulta plenamente demonstrada a probabilidade do direito, consoante provimento do Recurso de Revista interposto pela reclamante.

Tem-se, ademais, evidente o perigo de dano irreparável ao direito à saúde da obreira, visto que necessária a submissão a tratamento de saúde complexo e dispendioso, notoriamente prejudicado pelo abrupto afastamento do plano de saúde a que fazia jus durante a vigência do contrato de emprego.

Num tal contexto, defiro o pedido de tutela provisória de urgência para determinar a imediata reintegração da reclamante no emprego, com o restabelecimento de todos os benefícios, inclusive o Plano de Saúde.

A presente decisão deverá ser cumprida no prazo de 5 (cinco) dias a partir de sua publicação, independentemente de trânsito em julgado. Fixa-se multa diária para o caso de descumprimento, no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), limitada a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, reconhecer a transcendência jurídica da causa e dar provimento ao Agravo de Instrumento para determinar o processamento do Recurso de Revista apenas quanto ao tema "empresa pública - cargo em comissão de livre nomeação e exoneração - empregada portadora de leucemia mielóide crônica (câncer) - doença estigmatizante - Súmula n.º 443 do Tribunal Superior do Trabalho - dispensa discriminatória – nulidade - reintegração". Acordam, ainda, por unanimidade, negar provimento ao Agravo de Instrumento quanto aos demais temas, afastando a transcendência da causa em relação à "preliminar de nulidade por negativa de prestação jurisdicional". Acordam, também, por unanimidade, julgando o Recurso de Revista, nos termos do artigo 897, § 7º, da Consolidação das Leis do Trabalho, reconhecer a transcendência jurídica da causa e conhecer do apelo quanto ao tema "empresa pública - cargo em comissão de livre nomeação e exoneração - empregada portadora de leucemia mielóide crônica (câncer) - doença estigmatizante - Súmula n.º 443 do Tribunal Superior do Trabalho - dispensa discriminatória – nulidade - reintegração", por afronta ao artigo 1º, III, da Constituição da República e contrariedade à Súmula n.º 443 deste Tribunal Superior, e, no mérito, dar-lhe provimento para reconhecer a nulidade da dispensa e determinar a reintegração da reclamante no emprego, com restabelecimento de todos os benefícios, inclusive o Plano de Saúde, nos termos da fundamentação. Reconhecido o direito da reclamante à reintegração no emprego, corolário é o deferimento dos haveres trabalhistas correspondentes, nos limites da pretensão deduzida na alínea i do rol de pedidos constante da petição inicial, conforme se apurar em liquidação. Acordam, por fim, por unanimidade, deferir a tutela provisória de urgência requerida para determinar a imediata reintegração da reclamante no emprego, com restabelecimento de todos os benefícios, inclusive o Plano de Saúde. A tutela provisória de urgência deverá ser cumprida no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação do presente acórdão, independentemente de trânsito em julgado. Fixa-se multa diária para o caso de descumprimento, no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), limitada a R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Juros e correção monetária, na forma da lei. Custas em reversão pela reclamada, no importe de R$ 1.000,00 (mil reais), calculadas sobre o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), que ora se arbitra à condenação.

Brasília, 23 de junho de 2021.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

Lelio Bentes Corrêa

Ministro Relator

 

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