Data da publicação:
Acordão - TST
Alexandre de Souza Agra Belmonte - TST
DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE INTEGRAR GORJETAS À REMUNERAÇÃO DOS EMPREGADOS
DANO MORAL COLETIVO – CARACTERIZAÇÃO - DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE INTEGRAR GORJETAS À REMUNERAÇÃO DOS EMPREGADOS.
O TRT reconheceu que o descumprimento contratual dos haveres trabalhistas gera transtornos na vida financeira de qualquer indivíduo. Nada obstante, afastou a obrigação da reclamada ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, ao fundamento de que o mero fato de as gorjetas não terem sido integradas aos salários seria incapaz de caracterizar ofensa extrapatrimonial à classe dos trabalhadores, nomeadamente porque os empregados foram posteriormente ressarcidos pela quitação das parcelas devidas. De início, é importante ressaltar que não remanesce qualquer discussão nos autos de que a não integração das gorjetas à remuneração dos empregados era prática corriqueira da reclamada antes do ajuizamento da ação civil pública. Assentada essa circunstância, há de se recordar que o dever de indenizar a coletividade pressupõe a existência de ato antijurídico, de lesão injusta e intolerável aos valores fundamentais da sociedade e de relação de causa e efeito entre a conduta do ofensor e o prejuízo suportado de forma transindividual pelos ofendidos. Tais pressupostos são plenamente identificáveis na espécie. O artigo 457 da CLT dispõe que as gorjetas compõem a remuneração dos empregados para todos os efeitos legais. Desta feita, tal modalidade de pagamento caracteriza-se como salário em sentido estrito, devendo ser integrado na base de cálculo do 13º, das férias, do FGTS e das contribuições previdenciárias. O descumprimento do referido comando legal repercute de forma negativa nos valores finais auferidos pelo trabalhador ou recolhidos ao INSS, configurando apropriação indébita e sonegação fiscal sobre parte do montante que deveria ser adimplido pelo empregador. Examinando a questão pelo viés da prova efetiva do prejuízo psíquico suportado por cada um dos trabalhadores de maneira individual, cabe sublinhar e repisar amiúde a natureza alimentar das verbas salariais. Há de se pontuar que normalmente é a remuneração auferida em razão do dispêndio da força de trabalho que propicia às famílias o acesso aos insumos básicos para a sua subsistência. Imagine-se, pois, o que pode significar para qualquer trabalhador, costumeiramente provedor de sua prole, ter uma parcela nada desprezível de seus rendimentos comprometidos de forma unilateral pelo seu empregador. É notória a percepção de que o alijamento do fruto do trabalho – mesmo que seja de parte dele – possui carga suficiente para afrontar a honra e a dignidade de qualquer indivíduo, que dirá quando isso ocorre de forma arbitrária e ilegal, como no caso dos autos. Aliás, o Tribunal Superior do Trabalho possui entendimento pacífico de que o inadimplemento do salário – ou seu atraso contumaz – acarreta prejuízo extrapatrimonial manifesto e que fala por si próprio (damnum in re ipsa), sendo, portanto, desnecessária sua comprovação em juízo. Nessa linha, precedentes da SBDI-1 e de todas as Turmas desta Corte. Evidentemente, a caracterização do dano coletivo depende de que o incômodo infligido ao patrimônio moral particular desborde para um sentimento universal de repulsa contra a violação dos interesses ou direitos pertencentes a toda a coletividade. Ora, a ideia de que empregados possam ser cerceados no seu direito de receber integralmente pela energia espargida no labor depõe contra o que ordinariamente se espera de uma conduta empresarial atenta e respeitosa às garantias mínimas previstas no artigo 7º, X, da CF, na legislação protetiva e nos princípios basilares do Direito do Trabalho. Não parece razoável, na espécie, subestimar a percepção geral de que a conduta da reclamada, voltada ao descumprimento de normas de indisponibilidade absoluta, atingiu frontalmente valores muito caros à unidade dos trabalhadores. Por tais razões, conclui-se que a conduta ilícita da empresa demandada, que por anos a fio deixou de integrar as gorjetas à remuneração de seus empregados, extrapolou os interesses individualmente considerados na situação para atingir o patrimônio imaterial de toda a sociedade. E nem se requeira juízo diverso em virtude de que a ré corrigiu sua conduta no curso do presente processo. Isso porque referido expediente não é capaz de, por si só, compensar o sentimento comum de violação da ordem jurídica, que perdurou por lapso temporal significativo. De mais a mais, devem remanescer os objetivos punitivo e pedagógico da medida, os quais funcionam de maneira dissuasória à futura replicação dos ilícitos. Assim, a conduta da ré em regularizar a situação das gorjetas apenas após o ajuizamento da ação, não legitima a conduta antijurídica que deve receber o devido caráter sancionatório e pedagógico. Tal medida deve ser levada em consideração apenas para fixação do valor da indenização por dano moral coletivo, que ora se arbitra em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Recurso de revista conhecido por violação dos artigos 186 e 927 do CCB e provido. (TST-RR-632-48.2014.5.05.0009, Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 04/12/2020).
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