TERCEIRIZAÇÃO Abrangência da responsabilidade subsidiária

Data da publicação:

Acordão - TST

Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira - TST



Prestadora e tomadora de serviços são condenadas por atrasos em pagamentos



RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESCUMPRIMENTO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. DANO MORAL COLETIVO. CONFIGURAÇÃO. O sistemático e reiterado desrespeito às normas trabalhistas (atraso no pagamento de salários e a não quitação das parcelas rescisórias) demonstra lesão significativa e que ofende a ordem jurídica, ultrapassando a esfera individual.

4. As empresas que se lançam no mercado, assumindo o ônus financeiro de cumprir a legislação trabalhista, perdem competitividade em relação àquelas que reduzem seus custos de produção à custa dos direitos mínimos assegurados aos empregados.

5. Diante desse quadro, tem-se que a deliberada e reiterada desobediência do empregador à legislação trabalhista ofende a população e a Carta Magna, que tem por objetivo fundamental construir sociedade livre, justa e solidária (art. 3°, I, da CF).

6. Tratando-se de lesão que viola bens jurídicos indiscutivelmente caros a toda a sociedade, surge o dever de indenizar, sendo cabível a reparação por dano moral coletivo (arts. 186 e 927 do CC e 3° e 13 da LACP). Recurso de revista conhecido e provido. (TST-RR-16528-73.2015.5.16.0015, Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 25.06.2021).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-16528-73.2015.5.16.0015, em que é Recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 16ª REGIÃO e são Recorridos DIPLOMATA MÃO-DE-OBRA ESPECIALIZADA LTDA.DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRÂNSITO.

O Eg. Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região, pelo acórdão de fls. 1.695/1.711, deu provimento parcial aos recursos ordinários interpostos pelo autor e pelo segundo reclamado.

Inconformado, o Ministério Público do Trabalho da 16ª Região interpôs recurso de revista, com esteio nas alíneas "a" e "c" do art. 896 da CLT (fls. 1.752/1.781).

O apelo foi admitido pelo despacho de fls. 1.800/1.803.

Contrarrazões a fls. 1.809/1.820.

Os autos não foram encaminhados ao d. Ministério Público do Trabalho (RI/TST, art. 95).

É o relatório.

V O T O

Tempestivo o apelo (fl. 1.798), regular a representação (Súmula 436/TST) e isento de preparo, estão presentes os pressupostos genéricos de admissibilidade.

1 - AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESCUMPRIMENTO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. DANO MORAL COLETIVO. CONFIGURAÇÃO.

1.1 - CONHECIMENTO.

O Tribunal Regional deu provimento parcial ao recurso ordinário do segundo réu, sob os seguintes fundamentos, transcritos nas razões de recurso de revista, nos termos do art. 896, § 1º-A, I, da CLT (fls. 1.758/1760):

"O dano moral coletivo consiste na lesão metaindividual a direito da personalidade, caracterizado por sofrimento que atinge o patrimônio moral da sociedade ou de determinado grupo.

A ofensa, portanto, é à coletividade, à dignidade humana e ao valor social do trabalho, cuja reparação tem amparo nos arts. 1º, 5º, X, e 170 da CF/88; art. 6º, VI, do CDC; e art. 1º, V, da Lei 7.347/85.

Há de se ressaltar que a jurisprudência tem entendido que o dano moral coletivo é uma categoria autônoma de dano, o chamado dano in re ipsa, que independe da comprovação de dor, sofrimento ou abalo psicológico. Sua configuração ocorre quando resta comprovada a prática de conduta ilícita que, de forma injusta e intolerável, causa lesão na esfera moral de comunidade.

Pois bem.

Nesta toada, verifico ser incontroversa a existência de atraso na quitação das verbas rescisórias e até mesmo de mora na quitação salarial por parte da primeira ré.

Porém, entendo que, no caso em análise, o atraso na quitação das verbas rescisórias, ainda que seja considerado algo reprovável, não é conduta apta a gerar dano capaz de ofender o patrimônio moral de toda uma coletividade.

Além disso, destaco que, quanto ao atraso nas verbas rescisórias, a jurisprudência do C. TST é no sentido de que a ausência ou o atraso no pagamento de tais verbas não configura, por si só, dano moral. Vejamos:

1 - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 1301514 - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO. CULPA IN VIGILANDO DEMONSTRADA. SÚMULA 333 DO TST E ART. 896, 87º, DA CLT. Nega-se provimento ao agravo de instrumento que não logra desconstituir os fundamentos da decisão que denegou seguimento ao recurso de revista. Agravo de instrumento a que se nega provimento. II - RECURSO DE REVISTA - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ATRASO NO PAGAMENTO DAS VERBAS RESCISÓRIAS. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a ausência ou o atraso no pagamento das verbas rescisórias não configura, por si só, dano moral. Julgados. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento." (ARR - 2340- 79.2013.5.15.0013, Relator Ministro: Márcio Eurico Vitral Amaro, Data de Julgamento: 28/02/2018, 8º Turma, Data de Publicação: DEJT 05/03/2018)". (Grifei).

(...) INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. INADIMPLEMENTO DE VERBAS RESCISÓRIAS. Constatada a aparente violação do art. 5º, X, da CF, dá-se provimento aos agravos de instrumento a fim de se determinar o exame das revistas. Agravos de instrumento providos. B) RECURSOS DE REVISTA INTERPOSTOS PELA SEGUNDA E TERCEIRA RECLAMADAS - ANÁLISE CONJUNTA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. INADIMPLEMENTO DE VERBAS RESCISÓRIAS. O Regional concluiu que o reclamante tem direito à indenização por dano moral postulada ante a comprovação de que as reclamadas deixaram de pagar-lhe as verbas rescisórias, sendo presumível, nessa hipótese, a ofensa ao patrimônio imaterial do empregado. Ocorre que a jurisprudência deste Tribunal Superior firmou o entendimento de que, no caso de inadimplemento de parcelas salariais ou de atraso do pagamento das verbas rescisórias, o deferimento da indenização por danos morais requer a efetiva comprovação de prejuízo, o que não restou consignado na decisão recorrida. Recursos de revista conhecidos e providos." (ARR - 207-09.2016.5.08.0125, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 28/02/2018, 8º Turma, Data de Publicação: DEJT 02/03/2018)". (Grifei).

Ademais, verifico ainda, que conforme audiência de mediação realizada em março/2015 entre as partes deste processo, os salários das competências Janeiro e fevereiro/2015 dos empregados da primeira ré foram devidamente pagos pelo ente público (ID def4eaa, pág. 2).

Desse modo, entendo que os obreiros não fazem jus a indenização em razão de dano moral coletivo, uma vez que as rés não praticaram conduta ilícita a ponto de que, de forma injusta e intolerável, causasse lesão na esfera moral dos trabalhadores.

Isto posto, dou provimento ao recurso neste ponto, de modo a excluir a condenação em indenização decorrente de danos morais coletivos."

Insurge-se o autor, sustentando que as irregularidades comprovadamente praticadas pela empresa configuram o dano moral coletivo, razão pela qual é devida a indenização. Alega que "os empregados não receberam salários e foram dispensados sem a percepção das verbas rescisórias e somente receberam o saldo do FGTS por força de ordem judicial, decorrente do ajuizamento da presente ação." (fl. 1.764). Aponta violação dos arts. 1º, III e IV, 5º, V e X, da Constituição Federal, lº, IV , e 21 da Lei da Ação Civil Pública, 81 do Código de Defesa do Consumidor e 186, 927 e 944 do CCB. Colaciona arestos.

À análise.

O dano moral coletivo é assim definido por Carlos Alberto Bittar Filho:

"(...) O dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na seara do dano moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação (damnum in re ipsa)."

Na lição de Xisto Tiago de Medeiros Neto, o dano moral coletivo visa a tutelar direitos "que traduzem valores jurídicos fundamentais da coletividade, que lhes são próprios, e que refletem, no horizonte social, o largo alcance da dignidade dos seus membros" (O dano moral coletivo e a sua reparação. Revista eletrônica [do] Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, PR, v. 4, n. 38, p. 11-35, mar. 2015).

Assim, trata-se de direitos cujo sujeito é uma coletividade difusa e indeterminada, que não goza de personalidade jurídica e cuja pretensão só pode ser satisfeita quando deduzida em juízo por representantes adequados. Seu conteúdo consiste em lesão objetiva e intolerável à ordem jurídica.

Mas não só isso, conforme explica o mesmo autor, em artigo já citado:

"[...] Tenha-se presente, também, que caracteriza dano coletivo, por traduzir prejuízo à própria coletividade, a situação em que o infrator, pela via da ilicitude, busca auferir situação de vantagem indevida, principalmente no plano econômico. Para isso, utiliza-se de lógica transgressora do Estado Democrático de Direito, refletida na certeza de que não cumprir a lei – e reflexamente produzir danos – é proveitoso para os seus interesses."

Também o Pleno desta Corte, no julgamento do E-ED-RR-117400-47.2005.5.14.0001 (DEJT 19.12.2016), quanto ao tema terceirização ilícita, concluiu dessa forma.

A reparação dos danos mencionados está expressamente prevista no Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, VI) e na Lei nº 7.347/85 (art. 1º, caput e IV).

Pois bem.

Na hipótese, o sistemático e reiterado desrespeito às normas trabalhistas (atraso no pagamento de salários e a não quitação das verbas rescisórias) demonstra que a lesão perpetrada foi significativa e, por conseguinte, ofendeu a ordem jurídica, ultrapassando a esfera individual.

Efetivamente, os limites impostos ao trabalho subordinado são uma das mais importantes conquistas do século XIX e levaram ao surgimento do Direito do Trabalho como ramo jurídico autônomo. Verificou-se que a ausência de limites reduzia a pessoa do trabalhador "livre" a um ser meramente econômico, numa cruel perspectiva utilitarista.

Com efeito, tais normas, de caráter eminentemente tutelar, são consequência de uma conquista da sociedade moderna, que não mais admite o trabalho escorchante. Aliás, a tutela do trabalho, consiste em valor assimilado por todos os membros da Organização Internacional do Trabalho (dentre eles o Brasil, como membro fundador). É isso que se extrai da Constituição da OIT:

"Preâmbulo.

‘Considerando que a paz para ser universal e duradoura deve assentar sobre a justiça social;

Considerando que existem condições de trabalho que implicam, para grande número de indivíduos, miséria e privações, e que o descontentamento que daí decorre põe em perigo a paz e a harmonia universais, e considerando que é urgente melhorar essas condições no que se refere, por exemplo, à regulamentação das horas de trabalho, à fixação de uma duração máxima do dia e da semana de trabalho, ao recrutamento da mão-de-obra, à luta contra o desemprego, à garantia de um salário que assegure condições de existência convenientes, à proteção dos trabalhadores contra as moléstias graves ou profissionais e os acidentes do trabalho, à proteção das crianças, dos adolescentes e das mulheres, às pensões de velhice e de invalidez, à defesa dos interesses dos trabalhadores empregados no estrangeiro, à afirmação do princípio ‘para igual trabalho, mesmo salário’, à afirmação do princípio de liberdade sindical, à organização do ensino profissional e técnico, e outras medidas análogas;

Considerando que a não adoção por qualquer nação de um regime de trabalho realmente humano cria obstáculos aos esforços das outras nações desejosas de melhorar a sorte dos trabalhadores nos seus próprios territórios.

AS ALTAS PARTES CONTRATANTES, movidas por sentimentos de justiça e humanidade e pelo desejo de assegurar uma paz mundial duradoura, visando os fins enunciados neste preâmbulo, aprovam a presente Constituição da Organização Internacional do Trabalho:

[...]

III

A Conferência proclama solenemente que a Organização Internacional do Trabalho tem a obrigação de auxiliar as Nações do Mundo na execução de programas que visem:

[...]

d) adotar normas referentes aos salários e às remunerações, ao horário e às outras condições de trabalho, a fim de permitir que todos usufruam do progresso e, também, que todos os assalariados, que ainda não o tenham, percebam, no mínimo, um salário vital."

Tal proteção também consta de nossa Carta Magna, que tem como fundamentos a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho.

Evidentemente, as regras ora descumpridas têm importância fundamental na manutenção do conteúdo moral e dignificante da relação de trabalho. O caráter coletivo da lesão potencializa o seus efeitos nefastos, porquanto deprecia as condições de trabalho, inclusive daqueles empregados que não estão vinculados ao empregador que infringe, deliberadamente, a legislação.

As empresas que se lançam no mercado, assumindo o ônus financeiro de atender a legislação trabalhista perdem competitividade em relação àquelas que reduzem seus custos de produção à custa dos direitos mínimos assegurados aos seus empregados. Trata-se de lógica perversa, na qual o bom empregador vê-se compelido a sonegar direitos trabalhistas como condição para a sobrevivência da sua empresa no mercado, cada vez mais marcado pela competição.

É fácil perceber que o empresário que decide descumprir a legislação trabalhista não prejudica apenas os seus empregados, mas tensiona para pior as condições de vida de todos os trabalhadores que atuam naquele ramo da economia.

Diante desse quadro, tratando-se de lesão que viola bem jurídico indiscutivelmente caro a toda a sociedade, surge o dever de indenizar, sendo cabível a reparação por dano moral coletivo (arts. 186 e 927 do CC, 3° e 13 da LACP).

Assim sendo, quando constatada a sistemática e deliberada ação do empregador em desconsiderar as normas trabalhistas afigura-se possível a condenação em dano moral coletivo.

Frise-se que, na linha da teoria do danum in re ipsa, não se exige que o dano moral seja demonstrado. Ele decorre, inexoravelmente, da gravidade do fato ofensivo que, no caso, restou materializado pelo descumprimento de norma que visa à mantença da saúde física e mental dos trabalhadores no Brasil.

Reporto-me à percuciente lição de Mauro Vasni Paroski:

"A prova, em se tratando de dano moral, merece estudo minucioso, para que não se chegue ao extremo de se exigi-la, inclusive, quanto à dor ou sofrimento causado pelo ato injurídico, o que é presumido da própria natureza do gravame, como se verá.

(...)

Com efeito, muitos atos e omissões praticados contra interesses tutelados pela ordem jurídica, por sua própria natureza, presumem o dano moral, por afetar uma parcela dos direitos da personalidade do lesado, a exemplo da calúnia, injúria e difamação, a amputação de uma parte do corpo em um acidente de trabalho e a perda de um filho.

(...)

Pelo que se viu da doutrina nacional e alienígena, expressivamente majoritária, alguns fatos, a maioria deles, são suficientes, de per se, para a caracterização do dano moral, em razão de presunções e indícios, não se exigindo prova direta das consequências que a lesão causou na vítima." (Dano moral e sua reparação no direito do trabalho, 2ª ed., Curitiba: Juruá, 2008, p. 243-244 e 248.)

José Affonso Dallegrave Neto, com escólio nos ensinamentos de Maria Celina Bodin de Moraes, não destoa dessa compreensão:

"Particularmente, entendo que o dano moral caracteriza-se pela simples violação de um direito geral de personalidade, sendo a dor, a tristeza ou o desconforto emocional da vítima sentimentos presumidos de tal lesão (presunção hominis) e, por isso, prescindíveis de comprovação em juízo.

(...)

Em igual direção doutrinária, Maria Celina Bodin de Moraes enaltece a importância de conceituar o dano moral como lesão à dignidade humana, sobretudo pelas consequências dela geradas:

‘Assim, em primeiro lugar, toda e qualquer circunstância que atinja o ser humano em sua condição humana, que (mesmo longinquamente) pretenda tê-lo como objeto, que negue a sua qualidade de pessoa, será automaticamente considerada violadora de sua personalidade e, se concretizada, causadora de dano moral a ser reparado. Acentua-se que o dano moral, para ser identificado, não precisa estar vinculado à lesão de algum ‘direito subjetivo’ da pessoa da vítima, ou causar algum prejuízo a ela. A simples violação de uma situação jurídica subjetiva extrapatrimonial (ou de um ‘interesse patrimonial’) em que esteja envolvida a vítima, desde que merecedora da tutela, será suficiente para garantir a reparação’." (DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho, 2ª ed., São Paulo: LTr, 2007, p. 154).

Assim, ao contrário do decidido pelo Eg. TRT, as irregularidades praticadas pela ré, cumuladas, não afetaram apenas um grupo de empregados da recorrida, mas toda a coletividade.

Nesse sentido, os seguintes precedentes desta Corte:

"RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELAS LEIS Nos 13.015/2014 E 13.105/2015. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESCUMPRIMENTO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. DANO MORAL COLETIVO. CONFIGURAÇÃO. 1. A Quarta Turma não conheceu do recurso de revista do autor, mantendo o acórdão regional que excluiu da condenação a indenização por danos morais coletivos. Concluiu que ‘a ilicitude da conduta perpetrada pelas Requeridas, ao deixar de proceder ao recolhimento de FGTS e à assinatura da CTPS dos empregados, entabular contratos de experiência por prazo superior a noventa dias e pagar salários de forma complessiva, a lesão à ordem jurídica não transcende a esfera subjetiva dos empregados prejudicados, de modo a atingir objetivamente o patrimônio jurídico da coletividade e causar repercussão social’. 2. O Ministério Público do Trabalho afirma que tais condutas configuram o dano moral coletivo, razão pela qual é devida a indenização. 3. Na hipótese, o sistemático e reiterado desrespeito às normas trabalhistas (v.g. ausência de recolhimento de FGTS e contribuições sociais, contratos de experiência irregulares, ausência de assinatura de CTPS) demonstra que a lesão perpetrada foi significativa e que, efetivamente, ofendeu a ordem jurídica, ultrapassando a esfera individual. 4. As empresas que se lançam no mercado, assumindo o ônus financeiro de cumprir a legislação trabalhista, perdem competitividade em relação àquelas que reduzem seus custos de produção à custa dos direitos mínimos assegurados aos empregados. 5. Diante desse quadro, tem-se que a deliberada e reiterada desobediência do empregador à legislação trabalhista ofende a população e a Carta Magna, que tem por objetivo fundamental construir sociedade livre, justa e solidária (art. 3°, I, da CF). 6. Tratando-se de lesão que viola bens jurídicos indiscutivelmente caros a toda a sociedade, surge o dever de indenizar, sendo cabível a reparação por dano moral coletivo (arts. 186 e 927 do CC e 3° e 13 da LACP). Recurso de embargos conhecido e provido." (E-ED-ED-ARR-3224600-55.2006.5.11.0019, Ac. Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, in DEJT 17.5.2019).

"RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.015/2014 E ANTERIORMENTE À LEI Nº 13.467/2017. DESCUMPRIMENTO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. ATRASO NO PAGAMENTO DE SALÁRIOS, DEPÓSITOS DE FGTS, QUITAÇÃO DE FÉRIAS E VERBAS RESCISÓRIAS. DANO MORAL COLETIVO. CARACTERIZAÇÃO. Releva para a configuração do dano moral coletivo a materialização de ofensa à ordem jurídica, ou seja, a todo o plexo de normas edificadas com a finalidade de tutela dos direitos mínimos assegurados aos trabalhadores a partir da matriz constitucional de 1988 e que se protrai por todo o ordenamento jurídico. Assim, o dano moral coletivo se caracteriza pela ofensa a uma coletividade e não apenas a um individuo e, também pelo descumprimento de preceitos ou obrigações legais que causem dano a uma coletividade de trabalhadores. O artigo 186 do Código Civil expressamente prevê o cometimento de ato ilícito por parte daquele que, ‘por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral’. Por outro lado, o artigo 927 do mesmo diploma legal atribui àquele que pratica ato ilícito o dever de indenizar. No caso concreto, a Corte Regional registrou que a Ré deixou de observar os prazos legalmente fixados para o pagamento de salários, concessão e quitação de férias, depósitos do FGTS, bem como de pagamento de verbas rescisórias aos empregados dispensados. Entendeu que, não obstante, em que pese ao inequívoco prejuízo sofrido pelos trabalhadores da empresa Ré, tal conduta não importa agressão que implique repugnante sensação a fato intolerável e irreversível que atinja significativamente a comunidade a ensejar a caracterização de dano moral coletivo. Na esteira do entendimento firmado no âmbito deste Tribunal Superior do Trabalho, o desrespeito à legislação trabalhista não pode ser tolerado pelo Poder Judiciário, porquanto importa a inobservância aos primados constitucionais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (art. 1º, III e IV). Entende-se que a conduta da empresa, consistente no descumprimento às normas trabalhistas caracteriza, por si só, a lesão a direitos e interesses transindividuais e rende ensejo ao dano moral coletivo, uma vez que vulnera direitos mínimos constitucionalmente assegurados aos trabalhadores. Precedentes da SBDI-1 e de Turmas do TST. Recurso de revista conhecido por divergência jurisprudencial e parcialmente provido." (RR-24642-49.2014.5.24.0003, Ac. 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, in DEJT 7.12.2018).

Ressalte-se que o fato de ter sido cominada multa para o caso de descumprimento de obrigações de fazer e não fazer, visando à observância dos direitos postulados na presente demanda pelo Parquet, não elide a lesão já praticada. Tampouco é necessário que a determinação judicial venha a ser descumprida para que surja o dever de indenizar.

Assim, configurada potencial ofensa aos arts. 186 e 927 do Código Civil, conheço do recurso de revista.

1.2 – MÉRITO.

Caracterizada a violação dos arts. 186 e 927 do Código Civil, dou provimento ao recurso de revista, para, diante da gravidade da lesão e da capacidade econômica da ré, do caráter punitivo-pedagógico da condenação e dos critérios de prudência, bom senso e razoabilidade, condená-la ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, no valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, sem olvidar da responsabilidade subsidiária do segundo reclamado já reconhecida nos autos, assim restabelecida a sentença.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista do MPT, por violação dos arts. 186 e 927 do Código Civil e, no mérito, dar-lhe provimento para, condená-la ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, no valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, sem olvidar da responsabilidade subsidiária do segundo reclamado já reconhecida nos autos, assim restabelecida a sentença.

Brasília, 23 de junho de 2021.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

Alberto Bresciani

Ministro Relator

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     

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