TST - INFORMATIVOS 2022 250 - de 01 a 25 de fevereiro

Data da publicação:

Acordão - TST

Maurício Godinho Delgado - TST



INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. COBRADORA DE ÔNIBUS - ASSALTOS SOFRIDOS DURANTE O TRABALHO. ATIVIDADE DE RISCO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.



AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI Nº 13.467/2017. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. COBRADORA DE ÔNIBUS - ASSALTOS SOFRIDOS DURANTE O TRABALHO. ATIVIDADE DE RISCO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.  A  indenização por dano moral é devida quando presentes os requisitos essenciais para a responsabilização empresarial. É necessária, de maneira geral, a configuração da culpa do empregador ou de suas chefias pelo ato ou situação que provocou o dano no empregado.  É que a responsabilidade civil de particulares, no Direito Brasileiro, ainda se funda, predominantemente, no critério da culpa (negligência, imprudência ou imperícia), nos moldes do art. 186 do CCB, que dispõe: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".  Contudo, por exceção, o art. 927 do CCB, em seu parágrafo único, trata da responsabilidade objetiva independentemente de culpa - "quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". Nessa hipótese excepcional, a regra objetivadora do Código Civil também se aplica ao Direito do Trabalho, uma vez que a Constituição da República manifestamente adota, no mesmo cenário normativo, o princípio da norma mais favorável (art. 7º, caput: "... além de outros que visem à melhoria de sua condição social"), permitindo a incidência de regras infraconstitucionais que aperfeiçoem a condição social dos trabalhadores.  Releva salientar a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em 12/03/2020, com repercussão geral reconhecida, de Relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, no julgamento do Recurso Extraordinário nº RE 828.040, no sentido de reconhecer a constitucionalidade (art. 7º, XXVIII, da Lei Maior) da responsabilização civil objetiva do empregador, no caso de acidente de trabalho, nos moldes previstos no art. 927, parágrafo único, do Código Civil – pontuando-se que a respectiva ata de julgamento foi publicada no DJE em 20/03/2020. Faz-se pertinente transcrever a seguinte tese extraída do site do Supremo Tribunal Federal (em 16/04/2020): "O Tribunal, por maioria, fixou a seguinte tese de repercussão geral: "O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil é compatível com o artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal, sendo constitucional a responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade", nos termos do voto do Ministro Alexandre de Moraes (Relator). A jurisprudência do TST é nesse sentido e considera objetiva a responsabilidade por danos morais resultantes do evento "assalto" e seus consectários, relativamente a empregados que exerçam atividade de alto risco, tais como bancários, motoristas de carga, motoristas de transporte coletivo e outros (art. 927, parágrafo único, CCB). No caso concreto, consta na decisão recorrida que o ônibus no qual a Autora trabalhava como cobradora foi assaltado e que a atuação violenta dos assaltantes – ameaças verbais e desferimento de tiro na cabeça de uma passageira, cujos pedaços do cérebro voaram sobre a Autora – implicou o adoecimento psiquiátrico da Obreira, que foi afastada das atividades laborais para o gozo de benefício previdenciário de fevereiro de 2008 até 2019. Anote-se que, em relação ao dano moral, não há necessidade de prova de prejuízo concreto, até porque a tutela jurídica, neste caso, incide sobre um interesse imaterial (art. 1º, III, da CF). Os danos foram patentes, pois o TRT descreve a extrema violência física e psíquica empregada pelos assaltantes no assalto e o adoecimento psíquico da Autora em decorrência de tal evento. Assim, enquadrando-se a situação dos autos nessa hipótese extensiva de responsabilização, deve ser mantida a condenação da Reclamada no pagamento de indenização por danos morais, em conformidade com os arts. 1º, III, 5º, V e X, da CF; e 927, parágrafo único, do Código Civil. De outra face, decidida a matéria com base no conjunto probatório produzido nos autos, o processamento do recurso de revista fica obstado, por depender do reexame de fatos e provas (Súmula 126 do TST).  Assim sendo, a decisão agravada foi proferida em estrita observância às normas processuais (art. 557, caput, do CPC/1973; arts. 14 e 932, IV, "a", do CPC/2015), razão pela qual é insuscetível de reforma ou reconsideração. Agravo desprovido. (TST-Ag-AIRR-20732-79.2019.5.04.0331, 3ª Turma, rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, julgado em 23/2/2022).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo em Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n° TST-Ag-AIRR-20732-79.2019.5.04.0331, em que é Agravante CENTRAL S.A. TRANSPORTES RODOVIÁRIOS E TURISMO e Agravada VALQUIRIA FRIEDRICH.

Insurge-se a Parte Agravante contra a decisão monocrática que, com fundamento no art. 932, III e IV, do CPC/2015 (art. 557, caput, do CPC/1973), negou provimento ao agravo de instrumento interposto.

Nas razões do agravo, a Parte Agravante pugna pelo provimento do agravo de instrumento.

Foram concedidas vistas à Parte Agravada para se manifestar no prazo de 8 (oito) dias, em razão do art. 1.021, § 2°, do CPC/2015 c/c art. 3º, XXIX, da IN 39/TST. Houve manifestação da Parte Autora.

PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI Nº 13.467/2017.

É o relatório.

V O T O

Inicialmente, esclareça-se serem inaplicáveis as disposições da Lei 13.467/17 aos contratos trabalhistas firmados em momento anterior à sua entrada em vigor, os quais devem permanecer imunes a modificações posteriores, inclusive legislativas, que suprimam direitos já exercidos por seus titulares e já incorporados ao seu patrimônio jurídico - caso dos autos. Nesse sentido:

RECURSO DE REVISTA. (...) 3. HORAS EXTRAS. TEMPO À DISPOSIÇÃO DO EMPREGADOR. PERÍODO DE ESPERA DO TRANSPORTE FORNECIDO PELA EMPRESA. CONTRATO DE TRABALHO INICIADO EM 3/11/2009 E AINDA EM VIGOR. ART. 4º, § 2º, DA CLT COM REDAÇÃO DETERMINADA PELA LEI No 13.467/2017. IRRETROATIVIDADE. A Lei nº 13.467/2017 não retroage para alcançar fatos ocorridos antes de sua vigência, nem seus efeitos futuros. Caso fosse intenção do legislador a aplicação das normas materiais da Reforma Trabalhista aos contratos em curso, o que implica retroatividade mínima, haveria norma expressa em tal sentido. A anomia quanto à vigência da Lei para esses contratos, entretanto, inviabiliza a aplicação imediata pretendida. O art. 4, § 2º, da CLT, em sua nova redação, não aceita aplicação retroativa. Recurso de revista conhecido e provido. (...) (RR-1458-16.2018.5.12.0017, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 29/05/2020)

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DAS LEIS Nº 13.015/2014, 13.105/2015 E 13.467/2017. GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO PERCEBIDA POR MAIS DE DEZ ANOS. DIREITO ADQUIRIDO À INCORPORAÇÃO. SÚMULA 372/TST. APLICABILIDADE. INOVAÇÕES INTRODUZIDAS NA CLT PELA LEI Nº 13.467/2017. IRRETROATIVIDADE. TUTELA INIBITÓRIA. POSSIBILIDADE. A Lei nº 13.467/2017 não retroage para alcançar fatos ocorridos antes de sua vigência, nem seus efeitos futuros. Caso fosse intenção do legislador a aplicação das normas materiais da Reforma Trabalhista aos contratos em curso, o que implica retroatividade mínima, haveria norma expressa em tal sentido. A anomia quanto à vigência da Lei para esses contratos, entretanto, inviabiliza a aplicação imediata pretendida. Na hipótese de exercício de função gratificada superior a dez anos é vedada a supressão ou redução da respectiva gratificação, salvo se comprovada a justa causa, em observância aos princípios da estabilidade econômico-financeira e da irredutibilidade salarial. Inteligência da Súmula 372/TST. Agravo de instrumento conhecido e desprovido " (AIRR-922-45.2017.5.12.0015, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 04/10/2019).

I) CONHECIMENTO

Atendidos todos os pressupostos recursais, CONHEÇO do apelo.

II) DELIMITAÇÃO RECURSAL

                      

Verifica-se que a Parte Agravante não renova a sua insurgência quanto ao tema "assaltos sofridos durante o trabalho - dano moral – valor da indenização". Portanto, a análise do agravo está adstrita à matéria remanescente, em observância ao princípio da delimitação recursal.

III) MÉRITO

INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. COBRADORA DE ÔNIBUS - ASSALTOS SOFRIDOS DURANTE O TRABALHO. ATIVIDADE DE RISCO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA

A decisão agravada foi proferida nos seguintes termos:

O primeiro juízo de admissibilidade do recurso de revista, ao exame do tema "indenização por dano moral – cobradora de ônibus - assaltos sofridos durante o trabalho - atividade de risco - responsabilidade objetiva" e "assaltos sofridos durante o trabalho - dano moral – valor da indenização", denegou-lhe seguimento. A Parte Recorrente interpõe o presente agravo de instrumento. Dispensada a remessa dos autos ao MPT, nos termos do art. 95, § 2º, do RITST.

TRAMITAÇÃO PREFERENCIAL - RITO SUMARÍSSIMO.

PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017

PROCESSO ELETRÔNICO.

[...]

Ultrapassada essa questão, o Tribunal Regional assim decidiu na parte que interessa:      

"FUNDAMENTAÇÃO ESCLARECIMENTOS INICIAIS

Trata-se de demanda trabalhista ajuizada em 18 de julho de 2019, na qual a reclamante postula haveres que alega sonegados. O contrato de trabalho que a vinculou à reclamada vigeu de 24 de julho de 2001 a 06 de maio de 2019, ocasião em que foi despedida sem justa causa (TRCT - ID. d3a4892 - Pág. 1). Ao longo do pacto laboral desempenhou a função de Cobradora de ônibus, conforme estabelecido na cláusula primeira do Contrato de Trabalho (ID. 5069bc7 - Pág. 1), e registrado na Ficha de Empregados (ID.aa87792, pág. 1).

O contrato de trabalho ficou suspenso de fevereiro de 2008 até 2019, período em que recebeu auxilio doença junto à previdência social, decorrente de ter sofrido um assalto durante a atividade laboral, que resultou em problemas psicológicos, não tendo mais condições de retornar à sua atividade laboral.

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE

1. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. MAJORAÇÃO DO VALOR

A recorrente não concorda com o montante fixado na sentença, no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a título de indenização por danos morais em razão da doença ocupacional que determinou seu afastamento em benefício previdenciário por 11 (onze) anos. Pondera que, a despeito do reconhecimento de dano aos direitos de ordem personalíssima, a exemplo da saúde e incolumidade física, que exigiu tratamento médico e afastamento do trabalho por onze anos, o valor arbitrado é insignificante diante do trauma sofrido: vítima de assalto e ver o disparo de arma de fogo na cabeça de passageiro, com as partes da passageira voando sobre seu corpo, para coagi-la a entregar os valores da empresa. (grifo original). Ressalta não ser possível restaurar o status quo ante, mas sim amenizar o trauma e sofrimento daí decorrentes: CID 10 F31.3 Transtorno afetivo bipolar e CID 10 F43.1- Transtorno do estresse pós-traumático, mediante uma indenização em pecúnia pelo injusto, já que as lesões estéticas em que pese de grau leve, são definitivas, e configuram dano moral na modalidade in re ipsa, ou seja, presumível diante do dano causado.

A responsabilidade civil será imputada quando configurada a hipótese do art. 927 do Código Civil/02: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187) causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

A indenização por dano moral, especificamente, decorre da lesão sofrida pela pessoa, em sua esfera de valores eminentemente ideais, como a  dignidade, a honra, a imagem e a intimidade, conforme preceitua o art. 5º, X, da Constituição Federal.

Na forma do disposto nos arts. 818 da CLT e 373, I, do CPC, a prova incumbe a quem alega, cabendo à parte reclamante comprovar os fatos que teriam causado abalo de natureza subjetiva.

Na hipótese, relevante a narrativa prestada pela parte autora quando da realização do laudo médico psiquiátrico por determinação do Juízo (ID.  a88b0e9):

[...] A reclamante refere que com nove dias de vínculo sofreu três assaltos na mesma viagem. Diz que os ladrões ingressavam no ônibus com arma de fogo e faziam o roubo do caixa e algumas vezes dos passageiros também. Era ameaçada de morte caso denunciasse esses assaltos. Diz que acabou registrando boletim de ocorrência a respeito de um dos assaltos e inclusive foi testemunha numa audiência.

Conta que os assaltos durante o trabalho eram frequentes, mas seguia trabalhando mesmo sentindo medo e ansiedade. O pior dos assaltos foi o ocorrido em 2008. Nesse assalto estava trabalhando na Linha Feitoria Porto Alegre às 4h50min quando ingressaram no ônibus dois ladrões armados com arma de fogo. Havia uma senhora sentada próximo da roleta e foi anunciado o assalto. Como era a primeira volta somente havia o troco de R$ 40,00 no caixa.

Os ladrões pegaram o dinheiro e começaram a gritar que queriam mais. Diz que pegaram a passageira que estava sentada próximo da roleta e começaram a fazer roleta russa com ela dizendo que queriam mais dinheiro. Somente soube o que estava acontecendo até escutar um estouro e depois não se recorda de nada do que houve.

Retomou a consciência quando estava sendo atendida na emergência da Ulbra Saúde de São Leopoldo. Na ocasião foi atendida por um psiquiatra e teve flashes do que ocorreu. Diz que a passageira levou um tiro na cabeça e os pedaços do cérebro voaram sobre si. Diz que foi medicada, mas não se recorda com qual medicamento. Foi buscada na emergência pela mãe.

Foi afastada do trabalho por dois ou três dias e depois voltou ao trabalho, mas estava sentindo pânico, se recordava a todo o momento do ocorrido, estava ansiosa, tinha pesadelos com o assalto, tinha insônia, medo de sair de casa, estava triste e bastante abalada.

Em função dos sintomas consultou com o clínico e geral e foi encaminhado para tratamento psiquiátrico. Consultou na Ulbra Saúde com a Dra. Luciana Klein e foi medicada. Também foi afastada do trabalho e encaminhada ao INSS em fevereiro de 2008. Diz que recebeu benefício por um período pelo INSS e depois da alta ingressou na Justiça contra o INSS. Acabou realizando perícia judicial e foi considerada incapaz para o trabalho, tendo o benefício sido restabelecido judicialmente. Foi chamada para revisão do benefício em 2018 e teve alta. [...]

A Constituição Federal, em seu art. 5º, incisos V, X e XXXV, dispõe sobre a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurando o direito de apreciação pelo Judiciário da lesão ou ameaça a direito, bem como de indenização pelo dano sofrido na esfera extrapatrimonial.

O entendimento que se tem sobre o assunto é que o dano moral, ao contrário do dano material, não depende necessariamente da ocorrência de algum prejuízo palpável. O dano moral, em verdade, na maior parte das vezes, resulta em prejuízo de ordem subjetiva, cujos efeitos se estendem à órbita do abalo pessoal sofrido pelo ato que lhe ensejou. Nessa esteira, a prova do dano há que ser analisada de acordo com o contexto em que se insere a hipótese discutida, sendo que o resultado varia de acordo com a realidade havida em cada situação específica. Assim, apenas havendo elementos suficientes nos autos para que se alcance o efetivo abalo produzido pelo ato danoso é que se pode cogitar em dano moral.

No caso em análise, o dano moral sofrido pela reclamante é presumido, tendo em vista que é evidente o abalo decorrente da extrema violência física e psíquica provocada pelos assaltos.

É fato notório que os veículos de transporte coletivo urbano são um dos pontos visados para assaltos, de modo que é previsível que motoristas e cobradores de ônibus se defrontem com assaltantes, colocando-se em situação de risco por imposição do contrato de trabalho. Tendo o empregador ciência da exposição ao risco em que se encontra o empregado no desempenho de suas atividades laborais, tem ele a obrigação de adotar medidas capazes de elidir ou reduzir ao máximo as ações que oferecem risco à segurança do obreiro.

Assim, sendo previsível e, inclusive, recorrentes, os assaltos a transporte coletivos não há falar em ocorrência de caso fortuito, fato de terceiro ou ato de responsabilidade do Estado.

Ademais, os riscos dos empregados não são os mesmos dos usuários do transporte coletivo, porque o alvo principal dos assaltos é o numerário que se acumula durante o trajeto.

Tal condição autoriza a responsabilização objetiva da reclamada, pois houve exposição da reclamante a risco acentuado em decorrência da sua atividade econômica. A obrigação de reparação, nesses casos, independe de culpa, conforme disposto no parágrafo único do art. 927 do CC, que assim dispõe: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Nesses termos, mostram-se presentes todos os elementos hábeis a ensejar a indenização da autora por dano moral, tal como já definido na sentença.

De outra parte, quanto ao valor fixado, é consenso que uma das dificuldades no arbitramento da indenização por danos morais reside nos parâmetros utilizados para reparar a ofensa e punir o agressor. Por critério de razoabilidade e proporcionalidade, tendo em vista as condições específicas do caso concreto, notadamente a grave consequência psicológica sofrida pela reclamante, que determinou seu afastamento por onze anos, bem como tomando-se por base os valores praticados nesta Justiça em casos semelhantes e tendo presente que o quantum atribuído à indenização tem o intuito de neutralizar ou minimizar o sofrimento moral do trabalhador, entendo que o valor fixado na sentença  (R$ 20.000,00), reclama majoração para R$ 30.000,00, mostrando-se, dessa forma, mais adequado à finalidade da medida.

Diante do exposto, dou provimento para majorar o valor da indenização por danos morais para R$ 30.000,00, mantida a aplicação de juros e correção monetária.

2. DANO EXISTENCIAL

No tocante à indenização por dano existencial, a Juíza indeferiu o pleito com base no laudo pericial, que indica a autora apresentar sintomas leves que não reduzem sua capacidade laboral, salientando que a pretensão deduzida na petição inicial tem por fundamento justamente a "perda de sua capacidade laborativa".

Inconformada, a recorrente assevera que, apesar de os sintomas da doença terem sido considerados pelo perito de natureza leve, estes a incapacitaram para o labor ao longo de 11 anos, o que por si só é a prova cabal de prejuízos à vida laborativa. Acrescenta os sintomas do estresse pós-traumático e do Transtorno afetivo bipolar, como pânico, medo, angustia e mudanças repentinas de humor, fazendo latente a estagnação por onze anos de projetos pessoais tais como estudar e prosperar profissionalmente, como a simples convivência com amigos e familiares. Nota que os direitos à vida, à honra, à integridade física, à integridade psíquica, à privacidade, dentre outros, são essenciais, pois, sem eles, não se concretiza a dignidade humana. Assim, pugna pela  reforma da sentença.

Acolho o recurso da autora, na espécie. Para tanto, ganham relevo as lições de Sebastião Geraldo de Oliveira que, citando Flaviana Rampazzo, traz luzes à definição e alcance dos danos existenciais:

[...]

Para facilitar a compreensão dessa nova figura jurídica, a professora Flaviana Rampazzo elaborou um interessante roteiro com quatro passos que auxilia na constatação do dano existencial e que pode ser assim sintetizado:

a) Um não mais poder fazer - a pessoa por força da conduta lesiva da qual foi vítima não tem mais condições de praticar algo que tinha o hábito de fazer na vida pessoal ou profissional.

b) Um ter que fazer diferente - Após o ato danoso a vítima terá que passar por um processo de readaptação ou reabilitação pra continuar sua atividade, normalmente com redução da produtividade, além das implicações inevitáveis na sua rotina extralaboral.

c) Um ter que fazer que não necessitava fazer antes - Em decorrência do dano injusto a vítima terá que mudar sua rotina, incorporando compulsoriamente outras atividades que demandam tempo, esforço ou incômodo tais como fisioterapia, consultas, assistência para deslocamento e outros procedimentos.

d) Uma necessidade de auxílio para poder fazer - O ato danoso pode determinar a necessidade permanente ou temporária de auxílio de outra pessoa para realização das atividades pessoais ou profissionais que fazem parte o cotidiano da vítima (SOARES, Flaviana Rampazzo (Coord.), Danos extrapatrimoniais no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2017, p. 126-127)

Pelo roteiro indicado, constata-se o dano existencial quando a vítima não pode mais fazer o que antes fazia; terá que fazer agora o que não queria; fará diferente o que habitualmente fazia; fará doravante o que antes nunca fazia ou será auxiliada para fazer o que sozinha faria. Se for identificada uma ou algumas dessas situações decorrentes da lesão injusta, estará caracterizado o dano existencial e será cabível o deferimento da respectiva indenização.

Podemos concluir, portanto, que ocorre o dano existencial na relação de trabalho quando o ato lesivo provoca uma alteração não programada na rotina de vida da vítima, prejudicando suas escolhas, suas preferências e opções de lazer, o desenrolar natural da sua agenda diária, com imposição de um roteiro de sobrevivência não desejado. Seus hábitos e o modo de desfrutar o tempo livre são afetados pelo ato danoso, sobrevindo a necessidade de ajustes, adaptações ou restrições, temporárias ou permanentes, com real prejuízo para a sua qualidade de vida. (OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de, Indenizações por Acidente de Trabalho ou Doença Ocupacional, 12 ed. rev. ampl e atual. - Salvador: Editora Juspodivm, 2021, p. 352-353) – [...]

A inicial dá conta de que, em razão dos assaltos, a autora teve perda da sua capacidade laborativa, trazendo reflexos não somente para a sua vida profissional, mas também para o seu dia a dia. Relatou que teve sua vida modificada de forma exacerbada desde 2008, passando a viver com medo, sujeita a tratamento de saúde, medicamentos diários, consultas médicas.

Como já visto, em regra, as situações de assalto colocam o trabalhador sob ameaça de agressão física e geram sentimentos de medo, angústia e ansiedade, que podem vir a se prolongar no tempo.

O médico psiquiatra, perito de confiança do Juízo, a partir da análise da autora, assim concluiu:

A reclamante apresentou um estado de "stress" pós traumático.

Este transtorno constitui uma resposta retardada ou protraída a uma situação ou evento estressante (de curta ou longa duração), de natureza excepcionalmente ameaçadora ou catastrófica, e que provocaria sintomas evidentes de perturbação na maioria dos indivíduos. Os sintomas típicos incluem a revivescência repetida do evento traumático sob a forma de lembranças invasivas ("flashbacks"), de sonhos ou de pesadelos; ocorrem num contexto durável de "anestesia psíquica" e de embotamento emocional, de retraimento com relação aos outros, insensibilidade ao ambiente, anedonia, e de evitação de atividades ou de situações que possam despertar a lembrança do traumatismo. Os sintomas precedentes se acompanham habitualmente de uma hiperatividade neurovegetativa, com hipervigilância, estado de alerta e insônia, associadas frequentemente a uma ansiedade, depressão ou ideação suicida. Apresenta atualmente o diagnóstico de transtorno afetivo bipolar, que é uma doença caracterizada por dois ou mais episódios no qual o humor e o nível de atividade do sujeito estão profundamente perturbados, sendo que este distúrbio consiste em algumas ocasiões de uma elevação do humor e aumento da energia e da atividade (hipomania ou mania) e em outras, de um rebaixamento do humor e de redução da energia e da atividade (depressão).

No caso da reclamante, existe um episódio depressivo leve.

O dano existencial é in re ipsa, em vista da violação de direitos da personalidade, como integridade física e psicológica. Isso porque é do empregador o risco da atividade, ainda que também tenha sido prejudicado em seu patrimônio e a segurança pública integre o dever do Estado. O fato é que a ele cabe propiciar condições para a existência de um ambiente seguro aos empregados e clientes. Na espécie, dano existencial está suficientemente demonstrado.

Não se está aqui a reconhecer um ilícito compensável a partir da quantificação do dano, mas, sobretudo, pelo que naturalmente a trabalhadora deixou - e ao certo até hoje deixa - de fazer em razão das consequências provocadas pela violência que de tão perto vivenciou, sobretudo diante da necessidade de afastamento da atividade profissional por longos anos para fins de tratamento psiquiátrico.

De ver-se, ademais, que a prova acerca da frustração de algum projeto pessoal, do convívio familiar e social, bem como à fruição de lazer, ficaria evidentemente a cargo de testemunhos de pessoas que, por laços afetivos ou sanguíneos, a própria lei processual estatui como impedidas ou suspeitas de depor, como o cônjuge, o companheiro, o ascendente e descendente em qualquer grau, ou amigos próximos (art. 447, § 2º, I, e § 3º, I, do CPC). Na prática, exigir-se tamanho esforço probatório da autora, implicaria por imobilizá-la na demonstração da procedência do seu pleito.

Na mesma toada, versado acerca de hipótese em muito semelhante ao caso dos autos, acórdão oriundo do TRT da 23ª Região, cujo excerto transcrevo:

[...]

Na hipótese, não resta dúvida de que o trauma vivenciado pela Autora em razão do assalto ocasionou transtornos psicológicos, o que, a meu ver, autoriza a presunção de que, ao menos no período de incapacidade total em razão da doença diagnosticada, esteve a Obreira impossibilitada de continuar seus projetos de vida, ligados aos seus anseios de realização pessoal e profissional.

Com efeito, embora não haja nos autos prova direta de que a Demandante tenha deixado de cursar a faculdade e o curso de inglês, tal como alega, certo é que o quadro fático delineado nos autos, especialmente pelas provas oral e pericial, autoriza a presunção de que restou caracterizado um dano existencial, pois o trauma sofrido foi apto, repiso, a gerar uma incapacidade total, ainda que temporária, impedindo-a de realizar suas atividades, em razão do quadro de saúde apresentado.

Dessa forma, entendo que ao menos durante o período de incapacidade total e temporária, houve prejuízos aos seus projetos de vida, que advêm da própria incapacidade caracterizada pelos transtornos mentais - estresse pós traumático e correlato estado depressivo, o que, assim, acarreta a responsabilidade da Ré pelo pagamento de indenização também pelo dano existencial.

Vale dizer, para que não paire qualquer dúvida, que entendo cabível a cumulação entre o dano moral stricto sensu e o dano existencial, tendo em vista que o segundo visa reparar um aspecto específico da lesão, qual seja, a frustração de planos pessoais/profissionais do empregado vitimado pelo infortúnio laboral (TRT-23 00009980720175230066 MT, Relator: TARCISIO REGIS VALENTE, Gab. Des. Tarcísio Valente, Data de Publicação: 15/06/2020)

Importante ponderar, por demasia, que o caso dos autos não se afeiçoa àquele retratado na Tese Jurídica Prevalecente nº 2 deste TRT4, porquanto não se está a tratar de danos existenciais em razão de jornada excessiva.

Diante de tal cenário, concluo fazer, a reclamante, ao pagamento de reparação por danos existenciais que arbitro, forte em observância a critérios de razoabilidade e proporcionalidade, observado, ainda, os limites da estimativa do pedido, no valor de R$ 15.000,00, com correção monetária e juros na forma da Súmula nº 439 do TST.

Dou provimento." (destacamos)

A Parte Recorrente, em suas razões recursais, pugna pela reforma do acórdão recorrido.

Sem razão.

Inicialmente, registra-se que o cabimento de recurso de revista, tratando-se de procedimento sumaríssimo, cinge-se à demonstração de contrariedade a teor de súmula de jurisprudência uniforme do TST ou de súmula vinculante do STF e/ou de violação direta de dispositivo da CF, nos termos do art. 896, § 9º, da CLT.

No tocante ao tema "responsabilidade civil do empregador – indenização por dano moral", a indenização por dano moral é devida quando presentes os requisitos essenciais para a responsabilização empresarial. É necessária, de maneira geral, a configuração da culpa do empregador ou de suas chefias pelo ato ou situação que provocou o dano no empregado.

É que a responsabilidade civil de particulares, no Direito Brasileiro, ainda se funda, predominantemente, no critério da culpa (negligência, imprudência ou imperícia), nos moldes do art. 186 do CCB, que dispõe: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".

Contudo, por exceção, o art. 927 do CCB, em seu parágrafo único, trata da responsabilidade objetiva independentemente de culpa - "quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".

Nessa hipótese excepcional, a regra objetivadora do Código Civil também se aplica ao Direito do Trabalho, uma vez que a Constituição da República manifestamente adota, no mesmo cenário normativo, o princípio da norma mais favorável (art. 7º, caput: "... além de outros que visem à melhoria de sua condição social"), permitindo a incidência de regras infraconstitucionais que aperfeiçoem a condição social dos trabalhadores.

Releva agregar a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em 12/03/2020, em sede de repercussão geral, sob a Relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, no julgamento do Recurso Extraordinário nº RE 828.040, no sentido de reconhecer a constitucionalidade (art. 7º, XXVIII, da Lei Maior) da responsabilização civil objetiva do empregador, no caso de acidente de trabalho, nos moldes previstos no art. 927, parágrafo único, do Código Civil – pontuando-se que a respectiva ata de julgamento foi publicada no DJE em 20/03/2020.

Faz-se pertinente transcrever a seguinte tese que se extraiu do site do Supremo Tribunal Federal (em 16/04/2020):

O Tribunal, por maioria, fixou a seguinte tese de repercussão geral: "O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil é compatível com o artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal, sendo constitucional a responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade", nos termos do voto do Ministro Alexandre de Moraes (Relator).

A jurisprudência do TST é nesse sentido e considera objetiva a responsabilidade por danos morais resultantes do evento "assalto" e seus consectários, relativamente a empregados que exerçam atividade de alto risco, tais como bancários, motoristas de carga, motoristas de transporte coletivo e outros (art. 927, parágrafo único, CCB).

No caso concreto, consta na decisão recorrida que o ônibus no qual a Autora era cobradora foi assaltado e que a atuação violenta dos assaltantes – ameaças verbais e o desferimento de tiro na cabeça de uma passageira, cujos pedaços do cérebro voaram sobre a Autora – implicou o adoecimento psiquiátrico da Obreira, que foi afastada das atividades laborais para o gozo de benefício previdenciário de fevereiro de 2008 até 2019.

Anote-se que, em relação ao dano moral, não há necessidade de prova de prejuízo concreto, até porque a tutela jurídica, neste caso, incide sobre um interesse imaterial (art. 1º, III, da CF). Os danos foram patentes, pois o TRT descreve a extrema violência física e psíquica empregada pelos assaltantes no assalto e o adoecimento psíquico da Autora em decorrência de tal evento.

Assim, enquadrando-se a situação dos autos nessa hipótese extensiva de responsabilização – a Autora trabalhava como cobradora de ônibus -, deve ser mantida a condenação da Reclamada no pagamento de indenização por danos morais, em conformidade com os arts. 1º, III, 5º, V e X, da CF; e 927, parágrafo único, do Código Civil.

Vejam-se, a propósito, os seguintes julgados desta Corte:

"RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.015/2014. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TRANSPORTE COLETIVO URBANO. COBRADOR DE ÔNIBUS. ATIVIDADE DE RISCO. ASSALTOS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO EMPREGADOR. A questão acerca da responsabilidade civil objetiva do empregador, quando ocorrerem danos decorrentes do exercício da atividade de risco, encontra-se pacificada na jurisprudência desta Corte no sentido de que as atividades de motorista e de cobrador de ônibus de transporte coletivo urbano pressupõem a existência de risco potencial à incolumidade física e psíquica do empregado, a atrair a responsabilidade civil objetiva do empregador, nos termos do art. 927 do Código Civil, desde o julgamento, do E-RR-184900-63.2007.5.16.0015, pelo Tribunal Pleno. No caso, trata-se de empregado cobrador de ônibus, de empresa de transporte coletivo urbano, hipótese em que o risco é considerado pela jurisprudência do TST inerente a essa atividade, porquanto diz respeito a situações em que a atividade desenvolvida pelo empregador expõe o empregado a risco mais acentuado do que aos demais indivíduos. Recurso de Embargos de que não se conhece" (E-ED-RR-855-07.2011.5.09.0005, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Joao Batista Brito Pereira, DEJT 27/10/2017). (g.n.)

PROCESSO POSTERIOR À LEI Nº 13.015/2014. I - AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. ASSALTO A ÔNIBUS. COBRADOR. ATIVIDADE DE RISCO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. Na hipótese, o Tribunal Regional, levando em conta os sete Boletins de Ocorrência acostados aos autos pelo reclamante consignando os assaltos no exercício da função de cobrador de ônibus, deferiu o pagamento de indenização por danos morais. Os trabalhos de motorista e de cobrador de coletivo devem ser caracterizados como tarefas compreendidas em atividades de risco, porque lidam com recebimento de dinheiro, propiciando assaltos e assim risco à sua integridade física e vida. Logo, a responsabilidade do empregador transportador é objetiva, conforme o art. 927, paragrafo único, do CCB. A questão já não comporta mais discussão, tendo em vista o julgamento, pelo Pleno do TST,no Processo E-RR-184900-63.2007.5.16.0015, Relator Min. Lelio Bentes Corrêa. Anteriormente ao julgamento da matéria pelo Tribunal Pleno, o entendimento desta Corte já era no sentido de que a atividade de motorista e cobrador de ônibus é de risco, o que enseja, por si só, a responsabilização objetiva da empresa em reparar os danos, ainda que provocados por terceiros, como no caso de assaltos. Precedentes. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (ARR - 20797-58.2015.5.04.0026 , Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, Data de Julgamento: 04/09/2019, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 06/09/2019) (g.n.)

"A) AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMANTE. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. 1. MOTORISTA E COBRADOR DE ÔNIBUS. DANO MORAL. ASSALTOS SOFRIDOS DURANTE O TRABALHO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. ATIVIDADE DE RISCO (ART. 927, PARÁGRAFO ÚNICO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002). Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da arguição de violação do art. 927, parágrafo único, do CCB, suscitada no recurso de revista. Agravo de instrumento provido. B. RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. 1. MOTORISTA E COBRADOR DE ÔNIBUS. DANO MORAL. ASSALTOS SOFRIDOS DURANTE O TRABALHO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. ATIVIDADE DE RISCO (ART. 927, PARÁGRAFO ÚNICO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002). A indenização por danos morais é devida quando presentes os requisitos essenciais para a responsabilização empresarial. É necessária, de maneira geral, a configuração da culpa do empregador ou de suas chefias pelo ato ou situação que provocou o dano no empregado. É que a responsabilidade civil de particulares, no Direito Brasileiro, ainda se funda, predominantemente, no critério da culpa (negligência, imprudência ou imperícia), nos moldes do art. 186 do CCB, que dispõe: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito". Contudo, por exceção, o art. 927 do CCB, em seu parágrafo único, trata da responsabilidade objetiva independentemente de culpa - " quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem ". Nessa hipótese excepcional, a regra objetivadora do Código Civil também se aplica ao Direito do Trabalho, uma vez que a Constituição da República, manifestamente, adota no mesmo cenário normativo o princípio da norma mais favorável (art. 7º, caput : " ... além de outros que visem à melhoria de sua condição social "), permitindo a incidência de regras infraconstitucionais que aperfeiçoem a condição social dos trabalhadores. A jurisprudência do TST é nesse sentido e considera objetiva a responsabilidade por danos morais resultantes do evento "assalto" e seus consectários, relativamente a empregados que exerçam atividade de alto risco, tais como bancários, motoristas de carga, motoristas de transporte coletivo e outros (art. 927, parágrafo único, CCB). Enquadrando-se a situação dos autos nessa hipótese extensiva de responsabilização - o Empregado, motorista de ônibus de transporte coletivo urbano, sofreu assaltos no exercício de suas atividades -, deve ser reconhecida a responsabilidade da Reclamada pelo pagamento de indenização por danos morais, em conformidade com os arts. 1º, III e 5º, V e X, da CF; e 927, parágrafo único, do Código Civil. Recurso de revista conhecido e provido no tema." (RR-10385-90.2016.5.15.0070, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 03/09/2021). (g.n.)

I - AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMANTE RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO ANTES DA LEI N.º13.015/2014.  DANOS MORAIS. COBRADOR DE ÔNIBUS. ASSALTO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. O Tribunal Regional consignou que a prova documental demonstra que o reclamante, cobrador de ônibus, foi vítima de dois assaltos no exercício do contrato de trabalho. Nesse viés, a jurisprudência desta Corte consolidou o entendimento no sentido de considerar objetiva a responsabilidade por danos morais resultantes de assaltos a cobrador de ônibus. Precedentes. Óbice da Súmula 333/TST. Recurso de revista não conhecido. (ARR - 1466-08.2012.5.09.0010 , Relatora Ministra: Maria Helena Mallmann, Data de Julgamento: 10/04/2019, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 16/04/2019) (g.n.)

"RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014 E ANTERIORMENTE À VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. 1. TRANSPORTE COLETIVO. ATIVIDADE DE RISCO. ASSALTO. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO EMPREGADOR. CONHECIMENTO E PROVIMENTO. I. Apesar de a regra geral ser de responsabilidade subjetiva existem exceções. Esse é o caso da responsabilização do empregador fundamentado no risco inerente da atividade empresarial, na forma do art. 927 parágrafo único do Código Civil/2002. Assim, cabe responsabilidade objetiva do empregador no caso de acidentes de trabalho decorrentes de um contrato de trabalho que seja considerado de risco . II. A decisão regional se encontra em dissonância com a jurisprudência desta Corte Superior que é no sentido de reconhecer a responsabilidade objetiva quanto aos motoristas e cobradores de ônibus de transporte coletivo, nos casos de assalto em ônibus de transporte coletivo, conforme o julgamento, do E-RR-184900-63.2007.5.16.0015, pelo Tribunal Pleno. III. Recurso de revista de que se conhece e se dá provimento" (RR-467-96.2015.5.11.0009, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 15/10/2021). (g.n.)

"II - RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. INTERPOSIÇÃO POSTERIOR À LEI 13.015/2014. MOTORISTA DE TRANSPORTE PÚBLICO. ASSALTO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO EMPREGADOR. REQUISITOS DO ART. 896, § 1º-A, DA CLT, ATENDIDOS. Em decorrência das constantes ocorrências dos assaltos a ônibus, esta Corte firmou sua jurisprudência no sentido de serem consideradas de risco as atividades desse ramo de trabalho, atraindo, portanto, a responsabilidade objetiva do empregador para responder pelos danos sofridos pelo empregado advindos dos riscos causados pelos assaltos. Importa salientar, ainda, que o abalo íntimo sofrido pelo empregado é algo inquestionável, porquanto o sofrimento com episódios de violência e ação criminosa, tal como ocorreu com o reclamante, causa presumidamente dor e angústia. Nesse caso, o dano, em si, não precisa ser provado, pois decorre da própria situação violenta (in re ipsa). Recurso de revista conhecido e provido. " (RR-576-21.2014.5.03.0025, 6ª Turma, Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 24/09/2021). (g.n.)

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. 1. HORAS EXTRAS. DENEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO DE REVISTA COM FUNDAMENTO NO ART. 896, § 1º-A, III, DA CLT. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO AO FUNDAMENTO DA DECISÃO DENEGATÓRIA. SÚMULA Nº 422, I, DO TST. O conhecimento do agravo de instrumento não se viabiliza ante a ausência de impugnação ao fundamento adotado na decisão (art. 896, § 1º-A, III, da CLT), limitando-se a agravante a se insurgir contra a questão da indenização por dano moral. Incidência da Súmula nº 422, I, desta Corte. Agravo de instrumento não conhecido. 2. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. COBRADOR DE ÔNIBUS DE TRANSPORTE PÚBLICO COLETIVO. ASSALTO. ATIVIDADE DE RISCO. A jurisprudência desta Corte Superior segue no sentido de que o trabalho realizado por cobrador de ônibus é considerado de risco, pois pressupõe a existência de risco potencial à incolumidade física e psíquica do empregado, situação que atrai a responsabilidade civil objetiva do empregador, prevista no art. 927, parágrafo único, do Código Civil. Precedentes. Incidência da Súmula nº 333 do TST e do art. 896, § 7º, da CLT. Agravo de instrumento conhecido e não provido. (AIRR - 20538-81.2015.5.04.0020 , Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 29/04/2020, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 04/05/2020) (g.n.)

De outra face, decidida a matéria com base no conjunto probatório produzido nos autos, o processamento do recurso de revista fica obstado, por depender do reexame de fatos e provas (Súmula 126 do TST).

Isso porque, no sistema processual trabalhista, o exame da matéria fática dos autos é atribuição da Instância Ordinária, quer pelo Juízo de Primeiro Grau, quer pelo TRT. Sendo o recurso de revista um apelo de caráter extraordinário, em que se examinam potenciais nulidades, a interpretação da ordem jurídica e as dissensões decisórias em face da jurisprudência do TST, somente deve a Corte Superior Trabalhista se imiscuir no assunto fático se houver manifestos desajustes ou contradições entre os dados fáticos expostos e a decisão tomada – o que não é o caso dos autos.

No que diz respeito ao valor da indenização por dano moral, não há na legislação pátria delineamento do montante a ser fixado a tal título. Caberá ao juiz fixá-lo, equitativamente, sem se afastar da máxima cautela e sopesando todo o conjunto probatório constante dos autos.

A lacuna legislativa na seara laboral quanto aos critérios para fixação leva o julgador a lançar mão do princípio da razoabilidade, cujo corolário é o princípio da proporcionalidade, pelo qual se estabelece a relação de equivalência entre a gravidade da lesão e o valor monetário da indenização imposta, de modo que possa propiciar a certeza de que o ato ofensor não fique impune e servir de desestímulo a práticas inadequadas aos parâmetros da lei.

De todo modo, é oportuno dizer que a jurisprudência desta Corte vem se direcionando no sentido de rever o valor fixado nas instâncias ordinárias a título de indenização apenas para reprimir valores estratosféricos ou excessivamente módicos.

No caso vertente, tem-se que o valor rearbitrado pelo TRT a título de indenização por dano moral (R$ 30.000,00) atende aos critérios da proporcionalidade e da razoabilidade, levando-se em consideração o dano (atuação criminosa violenta em assalto ao ônibus no qual a Autora era cobradora e patologia psiquiátrica decorrente de tal evento), o nexo causal, o tempo de serviço prestado à empresa (de 24/07/2001 a 06/05/2019), o período de afastamento previdenciário (de fevereiro de 2008 até 2019), o grau de culpa do ofensor (responsabilidade objetiva) e a sua condição econômica e o caráter pedagógico da medida, razão pela qual deve ser mantido.

Ademais, tratando-se de questões eminentemente fáticas - como as que ora se apresentam -, para que se pudesse chegar à conclusão contrária, seria necessário o reexame do conjunto fático-probatório delineado nos autos, procedimento vedado a esta Corte Superior, conforme já mencionado, ante o óbice da Súmula 126 do TST.

Por fim, instar destacar que a que não houve insurgência recursal quanto aos danos existenciais e ao valor da indenização.

Ressalte-se que as vias recursais extraordinárias para os tribunais superiores (STF, STJ, TST) não traduzem terceiro grau de jurisdição; existem para assegurar a imperatividade da ordem jurídica constitucional e federal, visando à uniformização jurisprudencial na Federação. Por isso seu acesso é notoriamente restrito, não permitindo cognição ampla.

Pelo exposto, com arrimo no art. 932, III e IV, do CPC/2015 (art. 557, caput, do CPC/1973), NEGO PROVIMENTO ao agravo de instrumento." (destacamos)

Nas razões do agravo, a Parte Agravante pugna pelo provimento do agravo de instrumento.

Sem razão, contudo.

Do cotejo da decisão agravada com as razões do agravo, verifica-se que a Parte Agravante não logra êxito em desconstituir os fundamentos da decisão monocrática que negou provimento ao seu agravo de instrumento.

Conforme pontuado na decisão agravada, a jurisprudência do TST considera objetiva a responsabilidade por danos morais resultantes do evento "assalto" e seus consectários, relativamente a empregados que exerçam atividade de alto risco, tais como bancários, motoristas de carga, motoristas de transporte coletivo e outros (art. 927, parágrafo único, CCB).

Assim, enquadrando-se a situação dos autos nessa hipótese extensiva de responsabilização – a Autora trabalhava como cobradora de ônibus -, despicienda a análise da controvérsia sob o enfoque da responsabilidade subjetiva.

O adoecimento psiquiátrico da Obreira, que foi afastada das atividades laborais para o gozo de benefício previdenciário de fevereiro de 2008 até 2019, também ficou comprovado, de forma que, para que se pudesse chegar a conclusão contrária, seria necessário o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, procedimento vedado a esta Corte Superior diante do óbice da Súmula 126 do TST.

Tratando-se, portanto, de decisão proferida em estrita observância às normas processuais (art. 557, caput, do CPC/1973; arts. 14 e 932, IV, "a", do CPC/2015), é insuscetível de reforma ou reconsideração.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, à unanimidade, negar provimento ao agravo.

Brasília, 23 de fevereiro de 2022.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

Mauricio Godinho Delgado

Ministro Relator

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