Data da publicação:
Acordão - TST
Hugo Carlos Scheuermann - TST
Fazendeiro do Pará que fornecia curral como alojamento é condenado por dano moral coletivo. O proprietário da Fazenda Vale Verde, no Pará deverá pagar R$ 200 mil a título de dano moral coletivo em razão da submissão de 11 trabalhadores rurais a condições degradantes. No julgamento do recurso de revista do fazendeiro, a Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve o reconhecimento de que a situação justifica a condenação por dano moral coletivo, mas reajustou de R$ 3 milhões para R$ 200 mil, por entender que a manutenção do valor anteriormente fixado é desproporcional, por se tratar de pessoa física.
AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. DANOS MORAIS COLETIVOS. QUANTUM. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO. TRABALHADOR RURAL. CONTRATAÇÃO IRREGULAR. VÍNCULO DE EMPREGO RECONHECIDO. CONDIÇÕES DEGRADANTES. USO DE CURRAL COMO ALOJAMENTO. DECISÃO AGRAVADA PROFERIDA PELO RELATOR ORIGINÁRIO PAUTADA NA APLICAÇÃO DO ART. 896, § 1º-A, I, DA CLT. EQUÍVOCO. ÓBICE AFASTADO. Constatado equívoco na análise dos pressupostos intrínsecos do recurso de revista, afasta-se o óbice oposto na decisão agravada.
Agravo conhecido e provido.
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. DANOS MORAIS COLETIVOS. QUANTUM. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO. TRABALHADOR RURAL. CONTRATAÇÃO IRREGULAR. VÍNCULO DE EMPREGO RECONHECIDO. CONDIÇÕES DEGRADANTES. USO DE CURRAL COMO ALOJAMENTO. DECISÃO AGRAVADA PAUTADA NA APLICAÇÃO DO ART. 896, § 1º-A, I, DA CLT. EQUÍVOCO. ÓBICE AFASTADO. Constatado equívoco na análise dos pressupostos intrínsecos do recurso de revista, afasta-se o óbice oposto na decisão agravada. Ante a aparente violação dos arts. 944, caput e 5º, V, da CF, nos moldes do art. 896, "c" da CLT, merece processamento o recurso de revista, no tema.
Agravo de instrumento conhecido e provido.
RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO ANTERIOR À LEI 13.015/2014. DANOS MORAIS COLETIVOS. QUANTUM. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO. TRABALHADOR RURAL. CONTRATAÇÃO IRREGULAR. VÍNCULO DE EMPREGO RECONHECIDO. CONDIÇÕES DEGRADANTES. USO DE CURRAL COMO ALOJAMENTO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. INOBSERVÂNCIA. 1. Hipótese em que o e. Tribunal regional manteve a condenação do reclamado, pessoa física, ao pagamento de danos morais coletivos fixados no valor de R$3.000.000,00 (três milhões de reais). 2. Em relação ao valor dos danos morais, o entendimento desta Corte é de que a revisão do montante arbitrado na origem, em compensação pelo dano moral sofrido, dá-se, tão somente, em hipóteses em que é nítido o caráter irrisório ou exorbitante da condenação, de modo tal que sequer seja capaz de atender aos objetivos estabelecidos pelo ordenamento para o dever de indenizar. A indenização não pode ser excessiva à parte que indeniza e também não pode ser fixada em valores irrisórios e apenas simbólicos. 3. Assim, considerados os fatos descritos no acórdão regional, no sentido de que se trata de contratação irregular de onze trabalhadores, que laboravam em condições degradantes, decorrentes do uso de curral como alojamento, sendo o réu da presente ação civil pública pessoa física, mostra-se desproporcional o valor da compensação por danos morais coletivos fixados nas instâncias ordinárias, sob pena de inviabilização da atividade econômica.
Recurso de Revista conhecido e provido. (TST-RR-1811-68.2012.5.08.0117, Hugo Carlos Scheuermann, DEJT, 24.05.19).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n.º TST-RR-1811-68.2012.5.08.0117, em que é Recorrente HIDELFONSO DE ABREU ARAÚJO e Recorrido MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 8.ª REGIÃO.
O e. TRT, por meio do acórdão das fls. 581-603, negou provimento ao recurso ordinário do réu, mantendo a condenação ao pagamento de danos morais coletivo, no valor de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais).
Os embargos opostos a essa decisão foram rejeitados (acórdão das fls. 617-623).
A parte interpõe recurso de revista (fls. 630-654) em que arguida nulidade por negativa de prestação jurisdicional.
O recurso de revista não foi admitido (decisão às fls. 658-662), sendo interposto agravo de instrumento (fls. 674-688).
Esta e. Turma, por meio do acórdão das fls. 771-788, da lavra do eminente Desembargador Convocado Marcelo Lamego Pertence, deu provimento ao agravo de instrumento e conheceu do recurso de revista por violação dos arts. 93, IX, da CF; 832 da CLT e 458 do CPC de 1973 e, no mérito, deu-lhe provimento para "anulando a decisão proferida quando do julgamento dos Embargos de Declaração interpostos pelo réu, determinar o retorno dos autos ao Tribunal Regional de origem a fim de que proceda a novo exame dos Embargos de Declaração veiculados às fls. 438/446 dos autos físicos (pp. 607/615 do eSIJ), pronunciando-se, de forma expressa e específica, acerca de quais elementos probatórios permitiram concluir que os trabalhadores que se encontravam na Fazenda Maroisa retornariam para a Fazenda Vale Verde para prestar serviços ao réu, resultando devido o reconhecimento do vínculo empregatício também em relação aos referidos trabalhadores, bem como explicitando quais parâmetros foram adotados para a manutenção dos valores arbitrados a título de indenização por danos morais individuais [R$ 2.100,00 (dois mil e cem reais) para cada trabalhador] e por dano moral coletivo [R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais)], considerando os aspectos fáticos alegados pelo réu no Recurso Ordinário e nos Embargos de Declaração, se existentes, e registrando expressamente os fatos que embasaram o entendimento acerca da contumácia do réu na violação da legislação trabalhista. Resulta prejudicado o exame dos demais temas veiculados no presente apelo."
O e. TRT em face dessa decisão julgou os embargos de declaração (acórdão às fls. 807-817).
O reclamado interpõe novo recurso de revista (fls. 846-867) apresentando insurgência em relação ao valor do dano moral coletivo, reconhecimento do vínculo de emprego e ilegitimidade do Ministério Público do Trabalho para pleitear dano moral individual.
Por tudo, aponta violação dos arts. 5º, V e X, da CF, 944 e 945 do CCB; 2º, 3º e 818, da CLT e 333, I, do CPC de 1973 e divergência jurisprudencial.
O recurso de revista teve seu trânsito negado (decisão às fls. 878-881), em face da qual o reclamado interpõe agravo de instrumento (fls. 892-918).
Pela decisão monocrática das fls. 935-939 o eminente Ministro Emmanoel Pereira, Relator, nega seguimento ao agravo de instrumento, ao fundamento de que inobservado o contido no art. 896, § 1º-A, I, da CLT (Lei 13.015/2014).
Interposto recurso de agravo pelo reclamado, o eminente Desembargador Convocado Roberto Nóbrega de Almeida Filho, na sessão do dia 03/10/2018, votou no sentido de negar "provimento ao Agravo, aplicando ao Agravante a multa de 1%, de acordo com o que dispõe o art. 1.021, § 4.º, do CPC", sendo o julgamento suspenso em virtude de vista regimental pro mim requerida.
Na sessão do dia 10/10/2018, o julgamento foi adiado, a pedido do eminente Desembargador Convocado Roberto Nobrega de Almeida Filho, Relator.
Na sessão do dia 08/05/2019, apresentei divergência, ficando como Redator Designado.
É o relatório.
A - AGRAVO DO RÉU
Satisfeitos os pressupostos referentes a tempestividade e representação.
Trata-se de ação civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho da 8ª Região, em face da Hildefonso de Abreu Araújo, com pedido de reconhecimento de vínculo de emprego com os trabalhadores resgatados, com consectários legais e a rescisão indireta, com os consectários legais; pagamento de danos morais individuais equivalente a no mínimo ao valor das verbas rescisórias (R$ 2.072,98); pedido de obrigação de fazer e de não fazer (elencado às fls. 48-49) em relação aos empregados; pedido de indenização por danos morais coletivos de no mínimo R$ 3.000.000,00 (três milhões).
A r. sentença (fls. 413-430) deferiu os pedidos, condenando o réu em dano moral individual de 2,1 mil reais a cada empregado, total de 11 empregados (fl. 423) e danos morais no valor de 3 milhões de reais, revertido à própria comunidade lesada, pela via de projetos derivados de políticas públicas de defesa e promoção de direitos humanos do trabalhador.
O e. TRT, por meio do acórdão das fls. 581-603, negou provimento ao recurso ordinário do réu.
Eis seus termos:
"2.4.1 DA RELAÇÃO DE EMPREGO. DO VÍNCULO EMREPGATÍCIO.
Inconforma-se o recorrente com a r. sentença que reconheceu o vínculo empregatício direto entre si e os onze trabalhadores que laboravam na Fazenda Vale Verde.
Em síntese, aduz que das provas produzidas nos autos não se consegue vislumbrar a presença dos elementos e requisitos caracterizadores da relação reconhecida, sobretudo porque: não é proprietário das fazendas em que foram encontrados os obreiros; não contratou empreiteiro ou gato para colocação de cercas em fazendas de terceiros, tampouco isto lhe traria proveito econômico; não assalariou os trabalhadores em questão (quem o fez foi o proprietário da fazenda JUSCELINO, inclusive perante os auditores fiscais do trabalho); não esteve na Fazenda Vale Verde nenhuma vez durante o curto período da prestação de serviços; não deu qualquer ordem quanto à colocação de cercas nas fazendas para ser executada pelos onze trabalhadores. Além disso, salienta que para a engorda do gado que possuía em parceria na fazenda do sr. Juscelino, deslocou vaqueiro que era seu empregado, ficando o mesmo devidamente instalado em uma das casas da fazenda.
Argumenta que ainda que se admitisse algum benefício econômico do recorrente na colocação de cercas na fazenda de terceiros (Juscelino e Roberto) em razão de possuir parceria de engorda de gado em uma dessas propriedades, a sua responsabilidade seria subsidiária, apenas solidária com o proprietário das fazendas que, segundo as testemunhas ouvidas em juízo e a prova documental anexada pelo próprio órgão recorrido, foi quem admitiu (contratou), assalariou os trabalhadores na presença dos fiscais do trabalho e dirigiu a prestação dos serviços.
Destarte, requer a reforma da sentença, a fim de que sejam julgados improcedentes os pedidos constantes no item 3, subitens 3.1 a 3.6, da exordial.
Razão não lhe assiste.
Em que pese o recorrente insistir na tese de que a fazenda em que foram encontrados os trabalhadores não era de sua propriedade, restou mais do que evidenciado nos autos, seja pela prova documental, seja pela prova testemunhal, que era ele o real beneficiário do labor dessas pessoas, obreiros arregimentados a seu mando por intermédio do "gato" conhecido por Nonato para desempenhar funções diretamente ligadas à atividade econômica por ele desenvolvida, qual seja, a criação de gado, esta a única explorada naquelas terras.
Aliás, os depoimentos prestados junto aos Auditores Fiscais do Trabalho, folhas 67/69, foram esclarecedores para comprovar que o réu foi o responsável pela contratação dos empregados, inclusive comparecendo a fazenda para fiscalizar o andamento dos serviços. Ressalte-se que a testemunha arrolada pelo requerido, Sr. Roberto Montaroulo, proprietário da fazenda Maroisa, também confirmou que a fazenda Vale Verde se utilizava dos trabalhadores arregimentados por Nonato (folha 260-verso).
Convém gizar que o fato de os valores concernentes as verbas rescisórias terem sido pagas pelo irmão do recorrido, Sr. Juscelino, que seria o proprietário da Fazenda Vale Verde, não é suficiente para afastar o vínculo reconhecido, levando em conta, sobretudo, que na seara trabalhista vigora o princípio da primazia da realidade sobre a forma (princípio do contrato realidade), à luz do qual se deve pesquisar a prática realmente efetivada, independentemente de rótulos e nomenclaturas utilizadas pelos contratantes dentro da relação jurídica, sendo certo que in casu não há qualquer dúvida que o Sr. Hildefonso era o verdadeiro empregador dos obreiros encontrados durante a fiscalização realizada pelo Grupo Móvel na fazenda mencionada, ficando rechaçado, portanto, qualquer argumento de que a responsabilidade do recorrente seria subsidiária.
De igual modo, não há como dar guarida a alegação de que o vínculo não poderia ser reconhecido com os trabalhadores (seis) que se encontravam na fazenda Maroisa na ocasião da fiscalização, mesmo porque exsurge dos autos que apenas houve o deslocamento dos referidos empregados para a realização de serviço temporário em outra propriedade, mas que os mesmos retornariam para a Fazenda Vale Verde.
Diante das razões expendidas, nego provimento ao apelo, mantendo irretocável a decisão de 1º grau, que reconheceu o vínculo de emprego entre as partes, bem como a rescisão indireta dos contratos de trabalho.
2.4.2 DO DANO MORAL INDIVIDUAL E DO DANO MORAL COLETIVO
Insurge-se o recorrente contra a decisão de origem, que deferiu o pleito de pagamento de indenização por danos morais individuais e coletivos.
Inicialmente, requer a improcedência dos pedidos em virtude da ausência de vínculo empregatício entre si e os trabalhadores encontrados nas fazendas de terceiros, o que afastaria a sua responsabilidade em relação ao pagamento da referida indenização.
Alega que restou demonstrado, mormente pela prova documental, que as Fazendas Vale Verde e Maroisa possuíam alojamento, instalações sanitárias e elétricas, além de água encanada potável e outras condições de habitalidade suficientes para o número de trabalhadores que se encontravam em cada uma dessas propriedades.
Destaca a insubsistência dos autos de infração lavrados contra si, instrumentos que, no seu entender, não deveriam ser tomados como procedentes para impor ao recorrente a condenação por danos morais antes do julgamento final pelo órgão competente (Superintendência Regional do Trabalho no Pará) Argumenta que não pode ser responsabilizado pelo pagamento das indenizações também pela ausência de nexo de causalidade entre a sua conduta e eventual dano moral individual ou coletivo, não restando configurado qualquer ato ilícito decorrente da celebração de contrato de parceria pecuária com o proprietário da Fazenda Vale Verde.
Por essas razões, em síntese, pugna pela reforma da r. sentença.
Analiso.
Preliminarmente, ressalto que os argumentos atinentes a insubsistência dos autos de infração na foram trazidos com a defesa, tratando-se de inovação ao debate, o que não é admitido em nosso sistema processual, considerando o disposto no artigo 300 do CPC, de aplicação subsidiária ao processo do trabalho (artigo 769 da CLT). Logo, resta prejudicada a análise da referida questão, porque aduzida apenas em sede recursal pelo ora apelante.
Pois bem.
Quanto à alegação de que os pedidos não subsistem em razão da inexistência de vínculo empregatício, despiciendo maiores comentários, em virtude do decidido no item anterior.
No tocante a afirmação de que a propriedade possuía condições adequadas de habitalidade para os trabalhadores, não sendo os mesmos submetidos a qualquer situação degradante, a assertiva não se comprovou. Ao contrário, os depoimentos das testemunhas arroladas pelo próprio requerido confirmam que os trabalhadores ficaram alocados na frente de serviço, que era distante do alojamento, sendo que na frente de trabalho não havia mesas e cadeiras para se fazer a refeição, e nem banheiro (declaração do "gato" e do vaqueiro da fazenda, folha 261).
Na verdade, um simples exame na mídia eletrônica (CD-ROM) anexada à folha 191 dos autos, que traz em seu bojo a gravação de vídeos realizados por ocasião da fiscalização realizada pelo Grupo Móvel, prova que tenho por plenamente hábil, é suficiente para reconhecer que os empregados estavam submetidos a condições de trabalho degradantes, sendo que desde a chegada à propriedade foram obrigados a permanecer no curral da fazenda, local completamente insalubre, em que dormiam, preparavam e consumiam as refeições, não sendo a eles disponibilizada alimentação adequada, água potável, tampouco banheiro para que pudessem fazer as necessidades fisiológicas. Ressalte-se que havia uma mulher no grupo, a cozinheira dos trabalhadores. Tal situação foi corroborada pelos depoimentos prestados pelos Auditores Fiscais do Trabalho (folhas 269/271) Oportuno frisar que das referidas condições o ora recorrente tinha plena ciência, já que, consoante constatado, compareceu em pelo menos duas ocasiões ao local em que as atividades eram desenvolvidas.
Nesse viés, é inquestionável o sofrimento experimentado pelos trabalhadores em razão da omissão e desleixo do empregador para com sua saúde e integridade física, o que além de provocar sentimento de revolta e constrangimento, representa acentuado aumento nos problemas de baixa autoestima comuns em casos de trabalhadores de pouca escolaridade expostos a situações humilhantes e de desrespeito.
Não há como entender que o trabalhador vítima desse tipo de tratamento não sofre ofensa aos seus direitos da personalidade, que tal situação não tenha abalado os seus sentimentos, provocando-lhe dor e tristeza. Em outras palavras, entendo que, no caso concreto, o prejuízo moral sofrido pelo trabalhador é provado in re ipsa (pela força dos próprios fatos) Diante das razões expendidas, não há como afastar a responsabilidade do réu pelas lesões de natureza individual e coletiva aqui reconhecida.
Não se pode perder de vista que o valor social do trabalho é fundamento do Estado Democrático de Direito, que o trabalho constitui um dos direitos sociais, sua valorização é estruturante da ordem econômica e a ordem social tem nele a sua base, consoante as disposições constantes nos arts. lº, IV, 6°, 170 e 193 da Constituição Federal. Portanto, a Constituição como um todo busca proteger e dignificar o trabalhador.
Assim, caracterizado sobejamente que o reclamado incorreu em ofensa "ampla" e "generalizada" de direitos laborais que tutelam bens jurídicos da maior valia, dentre eles inclusive direitos inerentes à personalidade dos trabalhadores, tais como saúde, higidez e segurança do trabalho, além de não registrar sequer os seus empregados, não há dúvidas de que tal conduta viola, de forma macro, bens e valores que a sociedade, os trabalhadores e a ordem jurídica primam por preservar.
A responsabilização civil da conduta do reclamado urge ante o "dever de garantia" da observância dos ditames legais para que o trabalho humano seja realizado dentro de um nível adequado de regularidade e de legalidade. Presente se faz também nesse contexto o "dever de confiança", que implica no fato de que todo aquele que se propõe a desenvolver um empreendimento econômico e alocar força de trabalho deve fazê-lo em estreita observância aos comandos jurídicos, sob pena de, ao se tolerar a conduta violadora, estimular-se a que outros empregadores incidam na mesma conduta irregular e ofensiva aos direitos humanos dos trabalhadores.
Quando o recorrente insiste em descumprir de forma reiterada e insidiosa as normas laborais, ofende a bens jurídicos que devem ser preservados. Na seara jurídica a tutela não é feita apenas tendo por base bens jurídicos individuais, mas também a bens jurídicos transindividuais, dentre eles inseridos os coletivos.
A legislação infraconstitucional prevê a possibilidade de reparação do dano moral coletivo no artigo 6º , VI da Lei 8078/90, assim redigido: "a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais individuais, coletivos e difusos".
O artigo 81, da Lei 8078/90, define, por meio de interpretação autêntica, os interesses transindividuais, do qual o interesse coletivo é uma das suas espécies, assim entendidos, para efeitos do Código, os transindividuais de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.
Quando um empregador, como nos presentes autos, de forma contumaz, incide em conduta violadora de direitos laborais, está a servir de incentivo para que outras condutas da mesma natureza e gravidade sejam praticadas, ante o sentimento de impunidade que grassa. Pior que a agressão e a violência dela decorrente aos bens jurídicos coletivos é a impunidade.
Em síntese, urge e é necessário que o requerido seja responsável por sua conduta transgressora da ordem jurídica, de forma massiva e continuada e a via adequada e justa é a responsabilização não só pelo dano experimentado por cada trabalhador, mas também, e principalmente, pelo dano moral coletivo, com o objetivo de coibir e de evitar que tanto ele quanto outros empregadores sintam-se incentivados a adotar as práticas violadoras dos bens jurídicos tutelados pelas normas laborais. O grupo de trabalhadores e a sociedade clamam por isso.
Sendo assim, mantenho incólume a r. decisão também neste particular.
DA REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO Postula o recorrente a redução do valor das indenizações fixadas para R$10.000,00 (dez mil reais) ou para quantum inferior ao arbitrado na r. sentença, tendo em vista: o grau de culpa a si atribuído unicamente pelo fato de possuir gado para engorda em parceria na fazenda de propriedade do Sr. Juscelino; o valor econômico que viria a ser auferido pelo recorrente após a engorda do gado; o número de trabalhadores que efetivamente estavam prestando serviços na mencionada propriedade rural - apenas cinco com o gato; o curto período de prestação de serviços (menos de um mês); o pagamento de salários e verbas rescisórias efetuado pelo proprietário da fazenda; as reais condições de alojamento e trabalho nas fazendas Vale Verde e Maroisa que conduzem a insubsistência e inexigibilidade dos autos de infração; o valor do acordo proposto pelo MPT (R$110.000,00) que foi quase multiplicado por trinta na condenação; e, sobretudo, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, previsto no artigo 5°, V da CF e artigo 944, parágrafo único do CC.
Não há o que prover.
Diante da postura patronal em afrontar duras conquistas históricas dos trabalhadores, é necessária a intervenção contundente e eficaz, inibitória e coibitiva, do Estado na proteção dos direitos do trabalhador, a fim de evitar a exploração e o desrespeito ao obreiro, à sua força de trabalho, fundamental para o lucro do empregador.
Em verdade, os prejuízos experimentados pelos empregados e pela coletividade em razão da inobservância dos deveres legais aqui apontados são imensuráveis, pois trata-se da vida do obreiro, lesada pelo desrespeito do empregador às normas básicas de tutela do trabalho, o qual visa, tão-somente, o aumento de seu lucro, sem qualquer preocupação ou respeito pelos direitos básicos de seus empregados. A coletividade, sem dúvida, se vê privada de ações públicas que dependem da verba não adimplida, que, por óbvio, será cobrada no Judiciário, já tão sobrecarregado de demandas.
Diante disso, mantenho sem reparos a decisão de lº grau, que condenou o réu ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$2.100,00 (dois mil e cem reais) a cada trabalhador, bem como de indenização por dano moral coletivo no valor de R$3.000.000,00 (três milhões de reais), tendo em vista a prática violadora contumaz, mantendo também a destinação da quantia arbitrada a título de dano moral coletivo, já que não houve qualquer irresignação quanto a esse aspecto.
Apelo improvido.
2.4.4 DAS OBRIGAÇÕES DA FAZER E NÃO FAZER Aduz o recorrente que não sendo proprietário das fazendas onde estavam os trabalhadores indicados na inicial, empregador destes ou responsável pelos danos morais individuais ou coletivos, não é também parte legítima para adimplir as obrigações de fazer ou de não fazer relativas as condições de trabalho das fazendas de terceiros, motivo pelo qual requer a reforma da sentença também nesse particular.
Nada a prover, considerando que os argumentos aqui esposados já foram completamente rechaçados nos itens anteriores.
Os embargos opostos a essa decisão foram rejeitados (acórdão das fls. 617-623).
A parte interpõe recurso de revista (fls. 630-654) em que arguida nulidade por negativa de prestação jurisdicional.
Esta e. Turma, por meio do acórdão das fls. 771-788 deu provimento ao agravo de instrumento e conheceu do recurso de revista por violação dos arts. 93, IX, da CF; 832 da CLT e 458 do CPC de 1973 e, no mérito, deu-lhe provimento para "anulando a decisão proferida quando do julgamento dos Embargos de Declaração interpostos pelo réu, determinar o retorno dos autos ao Tribunal Regional de origem a fim de que proceda a novo exame dos Embargos de Declaração veiculados às fls. 438/446 dos autos físicos (pp. 607/615 do eSIJ), pronunciando-se, de forma expressa e específica, acerca de quais elementos probatórios permitiram concluir que os trabalhadores que se encontravam na Fazenda Maroisa retornariam para a Fazenda Vale Verde para prestar serviços ao réu, resultando devido o reconhecimento do vínculo empregatício também em relação aos referidos trabalhadores, bem como explicitando quais parâmetros foram adotados para a manutenção dos valores arbitrados a título de indenização por danos morais individuais [R$ 2.100,00 (dois mil e cem reais) para cada trabalhador] e por dano moral coletivo [R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais)], considerando os aspectos fáticos alegados pelo réu no Recurso Ordinário e nos Embargos de Declaração, se existentes, e registrando expressamente os fatos que embasaram o entendimento acerca da contumácia do réu na violação da legislação trabalhista. Resulta prejudicado o exame dos demais temas veiculados no presente apelo."
O e. TRT em face dessa decisão julgou os embargos de declaração (acórdão às fls. 807-817), nestes termos:
Diante da decisão acima, passo a uma nova análise acerca das questões trazidas em sede de embargos de declaração.
2.2.1 DA OBSCURIDADE - DOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS QUE PERMITIRAM CONCLUIR QUE OS TRABALHADORES QUE SE ENCONTRAVAM NA FAZENDA MAROISA RETORNARIAM PARA A FAZENDA VALE VERDE PARA PRESTAR SERVIÇOS AO RÉU, RESULTANDO NO RECONHECIMENTO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO TAMBÉM EM RELAÇÃO AOS REFERIDOS TRABALHADORES.
Alude o embargante que há obscuridade ou dúvida quanto ao reconhecimento do vinculo de emprego, bem como em relação a condenação ao pagamento de indenização por danos morais e individuais no tocante aos seis trabalhadores que estavam na Fazenda Maroisa, pertencente a Roberto Maltarolo, em decorrência da presunção ou premonição de que os mesmos retornariam para a Fazenda Vale Verde, sobretudo porque, conforme destacado na decisão embargada, todas as provas colhidas nos autos, inclusive a única valorada, que foi o depoimento dos fiscais do trabalho sobre o que ouviram dizer, são no sentido de que das onze pessoas que chegaram com o "gato", seis foram trabalhar na Fazenda Maroisa, onde havia alojamento e condições adequadas de trabalho, hospedagem, etc, como declarado pela própria fiscalização.
Razão não lhe assiste.
Ressalto que no Relatório de Fiscalização, à folha 60, foi atestado que: "A equipe de fiscalização, ao chegar ao interior da fazenda verificou que, naquele momento, somente 06 (seis) empregados utilizavam estrutura de curral para alojamento, os demais, haviam sido deslocados para outra frente de trabalho, onde realizavam as atividades de, preparação de cerca utilizavam as instalações de alojamento da fazenda vizinha." (Grifei)
Em depoimentos às folhas 269/271, as testemunhas do Ministério Público do Trabalho, autor da ação, relataram:
Depoimento da testemunha do MPT, Senhor GERALDO FONTANA FILHO, brasileiro, AUDITOR FISCAL DO TRABALHO: "(....) que foram encontrados 11 trabalhadores na fazenda Vale Verde, sendo que, — a partir de determinado momento, 6 trabalhadores foram deslocados para realizarem um trabalho na cerca da fazenda vizinha, mas que voltariam à fazenda Vale Verde; que os trabalhadores estavam alojados no curral; que, na fazenda havia uma casa, onde vivia o vaqueiro; que havia alojamento na fazenda vizinha;" (Grifei).
Depoimento da testemunha do MPT, Senhor ROGÉRIO DA COSTA, brasileiro, AUDITOR FISCAL DO TRABALHO:
‘( ) que alguns trabalhadores estavam na fazenda vizinha e foram resgatados pelo grupo móvel; que não sabe quem pagava aos trabalhadores; que não havia kit de primeiros socorros e garrafa térmica para uso dos trabalhadores; que os trabalhadores estavam há 21 ou 22 dias; que havia alojamento na fazenda vizinha, mas os trabalhadores foram resgatados porque o trabalho ali era temporário e voltariam para a fazenda Vale Verde; que havia pertences dos trabalhadores no curral, evidenciado seu retorno;" (Grifei).
Depoimento da testemunha do MPT, Senhor RAIMUNDO BARBOSA DA SILVA, brasileiro, AUDITOR FISCAL DO TRABALHO: "(....) declarou que participou da operação na fazenda Vale Verde; onde foram encontrados 13 trabalhadores, sendo um gerente e um vaqueiro contratados diretamente e os outras por interposta pessoa, tal seja, por Raimundo Gomes, vulgo Nonato; que, após 22 dias de atividade, parte dos trabalhadores foi deslocada ( para um trabalho na fazenda vizinha , também na confecção de cerca ; que havia 2 ou 3 empregados no roço do pasto ; que os trabalhadores da fazenda vizinha estavam em condições de habitabilidade , mas retornariam à fazenda Vale Verde, deixando parte de seus pertences na referida fazenda; que os trabalhadores que estevam na fazenda vizinha retornaram à fazenda Vale Verde ao saber da presença do grupo móvel; ( G r i f e i ).
Portanto, foi sobejamente demonstrado nos autos que os empregados que estavam prestando serviços na Fazenda vizinha MAROISA, eram sim, empregados da Fazenda Vale Verde.
Improvido.
2.2.2 DA OMISSÃO - DOS PARÂMETROS ADOTADOS PARA A MANUTENÇÃO DOS VALORES ARBITRADOS A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS INDIVIDUAIS, NO IMPORTE DE R$ 2.100,00 (DOIS MIL E CEM REAIS) PARA CADA TRABALHADOR E POR DANO MORAL COLETIVO, DE R$ 3.000.000,00 (TRÊS MILHÕES DE REAIS).
Alega o embargante que o v. acórdão Turmário incorreu em omissão ao analisar o pedido de exclusão ou redução dos valores a titulo de dano moral individual e dano moral coletivo, em especial o último caso, cujo valor global importa em R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais).
Ressalta que o E. Regional, além de não levar em consideração os principios da razoabilidade e proporcionalidade, deixou de sopesar, para fins de arbitramento das condenações, fatos relevantes provados sobejamente nos autos, e alguns até mesmo incontroversos, tais como o baixo número de trabalhadores que efetivamente estavam prestando serviço na Fazenda Vale Verde (cinco); o curto período de duração da prestação de serviços (menos de um mês); o pagamento de salários e a quitação das verbas rescisórias, já ocorridas; o valor recebido por cada trabalhador a titulo de verba rescisória e o valor do salário de cada um; a transitoriedade do serviço prestado pelos trabalhadores, na limpeza e formação de pastos, que ocorria em frentes de trabalho e não na sede das fazendas, onde segundo os próprios trabalhadores beneficiados por esta Ação havia alojamento (fato reconhecido expressamente pelo MPT em suas contrarrazões) ; que a sede das fazendas tinha alojamento com condições de habitabilidade e saneamento; o valor econômico da propriedade, o beneficio econômico (lucro) auferido pelo embargante, na medida em que a fazenda era do seu irmão, e o obtido teria que ser partilhado.
Além disso, salienta que o Colegiado não indicou expressamente de que forma chegou a estratosférica cifra de R$ 3.000.000,00 a titulo de danos morais coletivos e R$ 2.100,00, por pessoa, a titulo de dano moral individual, o que macula a prestação jurisdicional em sua totalidade, bem como não apontou em que elementos se baseou quando se referiu a uma suposta contumácia do embargante.
Sustenta, ainda, que a decisão embargada, embora tenha mantido os valores fixados na sentença de 1° grau, não se pronunciou quanto aos fundamentos adotados pelo juizo de origem para esse fim, tampouco sobre aqueles da insurgência recursal, tendo em vista os critérios determinantes definidos no âmbito deste Regional como fundamento para fixação, omissão que deve ser sanada por esta via.
Pois bem.
O parâmetro adotado para a indenização por danos morais individuais foi, como já dito na sentença, o mesmo valor das verbas rescisórias dos reclamantes, no importe de de R$ 2.100,00 por cada um trabalhador, como requerido na inicial à folha 45.
Como eram 11 trabalhadores, basta uma simples operação aritmética (R$2.100,00 X 11) para se chegar ao resultado de 23.100,00.
Portanto, são valores existentes nos autos e que não fogem aos limites da razoabilidade e da proporcionalidade, uma vez que esses são montantes de verbas rescisórias que podem ser considerados dentro da média de trabalhadores braçais, não havendo que se dizer que foram apanhados exemplos exorbitantes como parâmetro.
Quanto ao valor de R$3.000.000,00 (três milhões de reais), a titulo de indenização por dano moral coletivo que foi pedido na inicial de folhas 01/48, mais especificamente à folha 47, no item 3.6, e que foi acatado pelo Juízo de primeiro grau, adveio, como já definido na r. Sentença, levando-se em conta as parcelas de indenização das verbas rescisórias e das infrações cometidas pelo réu, com as quais esta Desembargadora Relatora está de acordo.
Então, partindo-se do número de empregados da Fazenda (11 trabalhadores), e do valor estimado de cada rescisão em R$2.000,00, como consta na folha 45, temos o valor de R$ 23,1 mil.
Considerando-se o valor de R$50.000,00 por cada uma das doze obrigações genéricas descumpridas pelo réu contidas nas folhas 46 e 47, temos um total de R$ 600.000,00.
Considerando a multa individual aplicada por cada um trabalhador atingido, no valor de R$ 10 mil e multiplicando esse valor pelas doze obrigações genéricas incidentes, tem-se um total de R$1.320.000,00, que somado ao valor do parágrafo anterior, resulta no montante de R$1.943.100,00.
Considerando, finalmente que o reclamado é reincidente na prática de descumprimento dos direitos trabalhistas de seus empregados, têm-se como parâmetro de indenização o dobro dessa quantia, que resulta no valor de R$3.886.200,00, sendo esse valor proporcional e equitativo, devendo ser reconhecida também que a condição econômica do ofensor está perfeitamente configurada, uma vez que se trata de grande produtor rural, sendo proprietário de diversas outras fazendas.
Essa contumácia do réu no descumprimento de obrigações trabalhistas pode ser aferida pelos Relatório de Fiscalização na Fazenda Jesus de Nazaré, de folhas 123/131, que resultaram nos autos de fiscalização de folhas 150/157 e Termo de Ajuste de Conduta n° 008/2007 de folhas 173/175 e pelo Relatório de Fiscalização na Fazenda Vale Verde, de folhas 58/64, que resultou nesta presente ação.
Com relação às fotografias do alojamento da Fazenda, de folhas 238/243, devo lembrar que, apesar de mostrarem condições razoáveis de uso, foi comprovado nos autos que os trabalhadores resgatados pelo Ministério Público do Trabalho estavam alojados em um curral, uma vez que laboravam em frente de trabalho dentro da Fazenda, mas distante dos referidos alojamentos.
Destarte, rejeito a presente medida também nesse aspecto.
Ante o exposto, conheço dos embargos declaratórios opostos pelo réu, porque preenchidos os pressupostos de admissibilidade; no mérito, rejeito-os in totum, à falta de supedâneo legal. Tudo conforme os fundamentos.
O reclamado interpõe novo recurso de revista (fls. 846-867) apresentando insurgência em relação ao valor do dano moral coletivo, reconhecimento do vínculo de emprego e ilegitimidade do Ministério Público do Trabalho para pleitear dano moral individual.
Por tudo, aponta violação dos arts. 5º, V e X, da CF, 944 e 945 do CCB; 2º, 3º e 818, da CLT e 333, I, do CPC de 1973 e divergência jurisprudencial.
O recurso de revista teve seu trânsito negado (decisão às fls. 878-881), em face da qual o reclamado interpõe agravo de instrumento (fls. 892-918).
Pela decisão monocrática das fls. 935-939 o eminente Ministro Emmanoel Pereira, Relator, nega seguimento ao agravo de instrumento, ao fundamento de que inobservado o contido no art. 896, § 1º-A, I, da CLT (Lei 13.015/2014).
Interposto recurso de agravo pelo reclamado, o eminente Desembargador Relator propõe conhecer e negar-lhe provimento. Eis seus termos:
"Por meio da decisão monocrática, foi denegado seguimento ao Agravo de Instrumento do Reclamado, por aplicação do art. 896, § 1.º-A, I, da CLT.
A decisão está assim fundamentada:
"No agravo de instrumento interposto, sustenta-se a viabilidade do Recurso de Revista ao argumento de que atendeu aos requisitos do artigo 896, alíneas ‘a’, e ‘c’, da CLT.
Sem razão.
Primeiramente, cumpre registrar que o Recurso em exame foi interposto sob a égide da Lei n.º 13.015/2014 e anterior à Lei n.º 13.467/2017.
Ademais, do exame detido da matéria em debate no recurso da parte, em cotejo com os fundamentos do despacho agravado, observa-se que as alegações expostas não logram êxito em demonstrar o desacerto do despacho de admissibilidade, considerando, sobretudo, os termos da decisão proferida pelo Regional, a evidenciar a correta aplicação de entendimento pacificado nesta Corte.
Corroboro in totum com a fundamentação expendida pelo juízo de prelibação, no sentido de que o réu, ora agravante, não observou as disposições normativas contidas no artigo 896, § 1.º-A, I, da CLT, relativamente à transcrição dos trechos do acórdão regional que consubstancia o prequestionamento da controvérsia objeto do Recurso de Revista.
Mantém-se, portanto, o despacho negativo de admissibilidade, cujos fundamentos passam a fazer parte integrante das motivações desta decisão.
Ante o exposto, e amparado no artigo 932, III e IV, do CPC (correspondente ao art. 557, caput, do CPC/1973), nego provimento ao agravo de instrumento."
O Agravante não se conforma.
Afirma que o Recurso de Revista preenche todos os pressupostos do art. 896 da CLT para ser conhecido.
Sem razão.
Apesar do inconformismo do Agravante, merece ser mantida a decisão monocrática, uma vez que os argumentos lançados não demonstram nenhuma incorreção no entendimento adotado no despacho atacado.
Dentre as inovações inseridas na sistemática recursal trabalhista pela Lei n.º 13.015/2014, consta, expressa e literalmente, a exigência de que a parte proceda à indicação do trecho da decisão impugnada que consubstancia o prequestionamento da matéria objeto da insurgência recursal.
Vejam-se os termos do § 1.º-A do art. 896 da CLT, introduzido pela lei referida:
"§ 1.º-A. Sob pena de não conhecimento, é ônus da parte:
I - indicar o trecho da decisão recorrida que consubstancia o prequestionamento da controvérsia objeto do Recurso de Revista;
II - indicar, de forma explícita e fundamentada, contrariedade a dispositivo de lei, súmula ou orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho que conflite com a decisão regional;
III - expor as razões do pedido de reforma, impugnando todos os fundamentos jurídicos da decisão recorrida, inclusive mediante demonstração analítica de cada dispositivo de lei, da Constituição Federal, de súmula ou orientação jurisprudencial cuja contrariedade aponte."
O escopo da lei foi exatamente contribuir para a efetivação do princípio constitucional da razoável duração do processo, criando mecanismos para reforçar a real função desta Corte Superior, que é a de uniformizar, consolidar e pacificar a jurisprudência trabalhista nacional.
Por essa razão, é imperioso que as razões recursais demonstrem de maneira explícita, fundamentada e analítica a divergência jurisprudencial ou violação legal.
Equivale a dizer que recursos com fundamentações genéricas, baseadas em meros apontamentos de dispositivos tidos como violados, e sem a indicação do ponto/trecho da decisão recorrida que a parte entende ser ofensivo à ordem legal ou divergente de outro julgado, não merecem mesmo seguimento.
Note-se que a vacatio legis fixada para a vigência da norma em questão foi de sessenta dias, tempo suficiente para que o jurisdicionado conhecesse o novo regramento instituído e a ele se adaptasse, passando a observar a nova técnica estabelecida.
In casu, a parte transcreveu apenas um trecho do acórdão proferido em julgamento dos Embargos de Declaração, onde não se verifica o prequestionamento de toda matéria discutida no Recurso de Revista. Para atender à exigência do art. 896, § 1.º-A, inciso I, da CLT, o Reclamado deveria ter transcrito também os trechos do acórdão que julgou o Recurso Ordinário, até mesmo para se verificar a existência de omissões por parte da Corte de origem.
A ausência de transcrição dos trechos do acórdão recorrido que consubstancia a controvérsia impede que esta Corte análise a pertinência dos argumentos ventilados no Recurso de Revista em face dos fundamentos adotados pela Corte a quo.
Pontuo, ainda, que a hipótese não caracteriza defeito meramente formal passível de ser desconsiderado ou saneado com fundamento no permissivo do parágrafo 11 do art. 896 da CLT. De modo diverso, trata-se do não atendimento de requisito essencial e exigido por lei para a admissão do Recurso de Revista. A única forma de sanar o defeito seria ofertando à parte oportunidade para elaborar outra petição recursal, o que é inadmissível.
Como se vê, a decisão agravada, na realidade, nada mais fez do que aplicar a nova lei de regência do Recurso de Revista, nem de longe se mostrando arbitrária ou desarrazoada.
Registro, por fim, que as garantias do acesso à jurisdição, do devido processo legal e do exercício do direito de defesa, previstas na Constituição Federal, não são absolutas e irrestritas, pressupondo a observância, pelas partes, do regramento processual ordinariamente aplicável.
Por essas razões, deve ser mantida a denegação de seguimento.
Ademais, tendo em vista o que dispõe o art. 1.021, §4.º, do CPC, e em se tratando de hipótese prevista nesse dispositivo, aplico ao Agravante a multa prevista no citado preceito legal.
Nego provimento ao Agravo".
Ao exame.
De todo o relato acima, verifica-se que o acórdão proferido ao julgamento do recurso ordinário do reclamado foi publicado em 30/05/2014 (fl. 604). E o acórdão proferido ao julgamento dos embargos de declaração em cumprimento à decisão desta e. Primeira Turma foi publicado em 17/02/2017 (fl. 818) e o dos embargos de declaração opostos a essa decisão foi publicado em 17/04/2017 (fl. 838) sendo ambos rejeitados. E o recurso de revista interposto em 25/04/2017 (fl. 845).
Acerca da aplicação intertemporal da Lei 13.015/2014, esta c. Corte Superior editou o ATO TST.SEGJUD.GP Nº 491/2014, fixando no art. 1º que "A Lei 13.015, de 21 de julho de 2014, aplica-se aos recursos interpostos das decisões publicadas a partir da data de sua vigência".
Por sua vez nos Ofícios Circulares SEGJUD. GP 24/2015 e 30/2015, a Presidência do TST emitiu orientação no sentido de que se os embargos de declaração forem acolhidos com efeito modificativo, a data da publicação do acórdão que os julgou deverá ser considerada para efeitos de aplicação da Lei 13.015/2014.
Assim, contrario senso, se os embargos de declaração não forem acolhidos como efeito modificativo, hipótese dos autos, a data de publicação dessa decisão não será considerada para fins da incidência ou não da Lei 13.015/2014, devendo-se levar em conta a data da publicação do acórdão recorrido.
Colho julgados dessa Corte acerca da questão:
"RECURSO DE EMBARGOS. RECURSO DE REVISTA NÃO CONHECIDO. DECISÃO REGIONAL PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI 13015/2014. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, SEM EFEITO MODIFICATIVO, PUBLICADOS JÁ NA VIGÊNCIA DA NORMA. INAPLICABILIDADE DOS REQUISITOS DO §1º-A DO ART. 896 DA CLT ATUAL. A análise do recurso de revista, com imposição dos requisitos do §1º-A do art. 896 da CLT, nos termos do que dispõe a Lei 13015/2014, deve ser afastada, em respeito ao devido processo legal, quando a decisão do recurso ordinário foi publicada antes da vigência da norma, e os embargos de declaração opostos posteriormente, já na vigência, não traduzem decisão com efeito modificativo ao julgado. À c. Turma, portanto, incumbe a análise do recurso de revista nos moldes da redação anterior do art. 896 da CLT. Embargos conhecidos e providos". (TST-E-ED-Ag-RR - 36200-18.2014.5.13.0005, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, DEJT 20/05/2016).
"Registro, de plano, que apenas o agravo de instrumento interposto pelos reclamantes é regido pela Lei 13.015/2014. Com efeito, a decisão proferida ao julgamento do recurso ordinário foi publicada em 16.08.2011, ou seja, em momento anterior à entrada em vigor da referida lei. E é irrelevante, para tal fim, o fato de ter sido publicado em 10.10.2014 o acórdão mediante o qual reexaminados os embargos de declaração opostos pelo reclamante, pois os mesmos foram acolhidos sem a concessão de efeito modificativo". (TST-ARR - 2138600-64.2008.5.09.0016, Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, 1ª Turma, DEJT 18/09/2015).
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. RECLAMADO. IN Nº 40 DO TST. DESPACHO DE ADMISSIBILIDADE DO REGIONAL NEGANDO SEGUIMENTO PORQUE NÃO ATENDIDO O REQUISITO DO ART. 896, § 1º-A, I, DA CLT. ACÓRDÃO DE RECURSO ORDINÁRIO PUBLICADO ANTES DA LEI Nº 13.015/2014. ACÓRDÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO SEM EFEITO MODIFICATIVO PUBLICADO APÓS A LEI Nº 13.015/2014. OJ Nº 282 DA SBDI-1 1 - O TRT denegou seguimento a recurso de revista, sob o fundamento de que não é viável o seu conhecimento, tendo em vista o não preenchimento do art. 896, § 1º-A, da CLT. 2 - O primeiro recurso de revista foi interposto contra o acórdão de recurso ordinário publicado antes da vigência da Lei nº 13.015/2014. 3 - Foram opostos embargos de declaração, aos quais foi dado provimento parcial, sem efeito modificativo. O acórdão respectivo foi publicado após a vigência da nova legislação. 4 - O reclamado interpôs novo recurso de revista, quanto às matérias decididas nos dois acórdãos. 5 - De acordo com o art. 1º, parágrafo único, do Ato nº 491/SEGJUD.GP, de 23/9/2014, a Lei nº 13.015, de 21/7/2014, aplica-se aos recursos interpostos das decisões publicadas a partir de sua vigência (22/9/2014), assegurado o direito processual adquirido, em especial o efeito interruptivo do prazo recursal mediante a oposição de embargos de declaração. Por meio do Ofício Circular SEGJUD.GP nº 24, de 31/3/2015, a Presidência do TST orientou os Tribunais Regionais do Trabalho no sentido de que "no caso de a parte interpor embargos de declaração, com efeito modificativo, e o Regional os acolher, ainda que em relação a um tema do recurso de revista, o termo inicial para a aplicação da Lei 13.015/2014 deverá coincidir não com a data da publicação do acórdão recorrido, mas a partir da publicação do acórdão dos embargos de declaração acolhidos com efeito modificativo". 6 - Assim, fica afastada a aplicação da Lei nº 13.015/2014. 7 - Nesse contexto, supera-se o despacho denegatório do recurso de revista, e segue-se no exame dos demais pressupostos de admissibilidade do recurso de revista, nos termos da OJ nº 282 da SBDI-1 do TST. (...)" (TST-RR - 248-97.2010.5.04.0027, Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, 6ª Turma, DEJT 07/10/2016).
No caso, o acórdão proferido ao julgamento do recurso ordinário foi publicado em 30/05/2014, antes, portanto, a entrada em vigência da Lei 13.015/2014, ocorrida em 22/09/2014, sendo irrelevante que os acórdãos proferidos ao julgamento dos embargos de declaração, sem a concessão de efeito modificativo, tenham sido publicados em 17/02/2017 e 17/04/2017.
Ante o exposto, mostra-se inaplicável, no caso, a Lei 13.015/2014.
Assim, com base na OJ 282 da SBDI-1 do TST, supero o óbice da decisão agravada para analisar os demais pressupostos intrínsecos do recurso de revista.
Destaco que no agravo a parte renova a insurgência apenas quanto ao valor do quantum indenizatório relativo aos danos morais coletivos, razão por que somente esse tema será apreciado.
O e. TRT em face da constatação de existência de trabalhadores prestando serviços sem registro e em condições degradantes manteve a r. sentença em que fixado o valor de R$3.000.000, 00 (três milhões) para os danos morais coletivos.
Eis seus termos:
"Diante da postura patronal em afrontar duras conquistas históricas dos trabalhadores, é necessária a intervenção contundente e eficaz, inibitória e coibitiva, do Estado na proteção dos direitos do trabalhador, a fim de evitar a exploração e o desrespeito ao obreiro, à sua força de trabalho, fundamental para o lucro do empregador.
Em verdade, os prejuízos experimentados pelos empregados e pela coletividade em razão da inobservância dos deveres legais aqui apontados são imensuráveis, pois trata-se da vida do obreiro, lesada pelo desrespeito do empregador às normas básicas de tutela do trabalho, o qual visa, tão-somente, o aumento de seu lucro, sem qualquer preocupação ou respeito pelos direitos básicos de seus empregados. A coletividade, sem dúvida, se vê privada de ações públicas que dependem da verba não adimplida, que, por óbvio, será cobrada no Judiciário, já tão sobrecarregado de demandas.
Diante disso, mantenho sem reparos a decisão de lº grau, que condenou o réu ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$2.100,00 (dois mil e cem reais) a cada trabalhador, bem como de indenização por dano moral coletivo no valor de R$3.000.000,00 (três milhões de reais), tendo em vista a prática violadora contumaz, mantendo também a destinação da quantia arbitrada a título de dano moral coletivo, já que não houve qualquer irresignação quanto a esse aspecto.
Apelo improvido".
E ao julgar os embargos de declaração, o e. TRT registrou que:
"Quanto ao valor de R$3.000.000,00 (três milhões de reais), a titulo de indenização por dano moral coletivo que foi pedido na inicial de folhas 01/48, mais especificamente à folha 47, no item 3.6, e que foi acatado pelo Juízo de primeiro grau, adveio, como já definido na r. Sentença, levando-se em conta as parcelas de indenização das verbas rescisórias e das infrações cometidas pelo réu, com as quais esta Desembargadora Relatora está de acordo.
Então, partindo-se do número de empregados da Fazenda (11 trabalhadores), e do valor estimado de cada rescisão em R$2.000,00, como consta na folha 45, temos o valor de R$ 23,1 mil.
Considerando-se o valor de R$50,000,00 por cada uma das doze obrigações genéricas descumpridas pelo réu contidas nas folhas 46 e 47, temos um total de R$ 600.000,00.
Considerando a multa individual aplicada por cada um trabalhador atingido, no valor de R$ 10 mil e multiplicando esse valor pelas doze obrigações genéricas incidentes, tem-se um total de R$1.320.000,00, que somado ao valor do parágrafo anterior, resulta no montante de R$1.943.100,00.
Considerando, finalmente que o reclamado é reincidente na prática de descumprimento dos direitos trabalhistas de seus empregados, têm-se como parâmetro de indenização o dobro dessa quantia, que resulta no valor de R$3.886.200,00, sendo esse valor proporcional e equitativo, devendo ser reconhecida também que a condição econômica do ofensor está perfeitamente configurada, uma vez que se trata de grande produtor rural, sendo proprietário de diversas outras fazendas.
Essa contumácia do réu no descumprimento de obrigações trabalhistas pode ser aferida pelos Relatório de Fiscalização na Fazenda Jesus de Nazaré, de folhas 123/131, que resultaram nos autos de fiscalização de folhas 150/157 e Termo de Ajuste de Conduta n° 008/2007 de folhas 173/175 e pelo Relatório de Fiscalização na Fazenda Vale Verde, de folhas 58/64, que resultou nesta presente ação.
Com relação às fotografias do alojamento da Fazenda, de folhas 238/243, devo lembrar que, apesar de mostrarem condições razoáveis de uso, foi comprovado nos autos que os trabalhadores resgatados pelo Ministério Público do Trabalho estavam alojados em um curral, uma vez que laboravam em frente de trabalho dentro da Fazenda, mas distante dos referidos alojamentos".
Tendo em vista o alto montante do valor da compensação por danos morais, entendo prudente o provimento do agravo, ante provável violação dos arts. 944 do CCB e 5º, V, da CF para melhor exame da matéria.
Agravo provido.
B - AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RÉU
Satisfeitos os pressupostos referentes a tempestividade e representação.
No tema relativo ao quantum indenizatório dos danos morais coletivos, o e. TRT aplicou o óbice do art. 896, § 1º-A, I, da CLT.
Pelos mesmos fundamentos já apreciados no agravo, afasto o óbice oposto na decisão denegatória de seguimento do recurso de revista e em face de aparente violação dos art. 944 da CLT e 5º, V, da CF, dou provimento ao agravo de instrumento para processamento do recurso de revista.
C - RECURSO DE REVISTA DO RÉU
I - CONHECIMENTO
1. PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS
Satisfeitos os pressupostos referentes a tempestividade (fls. 838 e 846), representação (fl. 453) e preparo (fl. 868).
2. PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS
DANO MORAL COLETIVO. QUANTUM INDENIZATÓRIO.
O e. Tribunal regional assim se manifestou:
"2.4.1 DA RELAÇÃO DE EMPREGO. DO VÍNCULO EMREPGATÍCIO.
Inconforma-se o recorrente com a r. sentença que reconheceu o vínculo empregatício direto entre si e os onze trabalhadores que laboravam na Fazenda Vale Verde.
Em síntese, aduz que das provas produzidas nos autos não se consegue vislumbrar a presença dos elementos e requisitos caracterizadores da relação reconhecida, sobretudo porque: não é proprietário das fazendas em que foram encontrados os obreiros; não contratou empreiteiro ou gato para colocação de cercas em fazendas de terceiros, tampouco isto lhe traria proveito econômico; não assalariou os trabalhadores em questão (quem o fez foi o proprietário da fazenda JUSCELINO, inclusive perante os auditores fiscais do trabalho); não esteve na Fazenda Vale Verde nenhuma vez durante o curto período da prestação de serviços; não deu qualquer ordem quanto à colocação de cercas nas fazendas para ser executada pelos onze trabalhadores. Além disso, salienta que para a engorda do gado que possuía em parceria na fazenda do sr. Juscelino, deslocou vaqueiro que era seu empregado, ficando o mesmo devidamente instalado em uma das casas da fazenda.
Argumenta que ainda que se admitisse algum benefício econômico do recorrente na colocação de cercas na fazenda de terceiros (Juscelino e Roberto) em razão de possuir parceria de engorda de gado em uma dessas propriedades, a sua responsabilidade seria subsidiária, apenas solidária com o proprietário das fazendas que, segundo as testemunhas ouvidas em juízo e a prova documental anexada pelo próprio órgão recorrido, foi quem admitiu (contratou), assalariou os trabalhadores na presença dos fiscais do trabalho e dirigiu a prestação dos serviços.
Destarte, requer a reforma da sentença, a fim de que sejam julgados improcedentes os pedidos constantes no item 3, subitens 3.1 a 3.6, da exordial.
Razão não lhe assiste.
Em que pese o recorrente insistir na tese de que a fazenda em que foram encontrados os trabalhadores não era de sua propriedade, restou mais do que evidenciado nos autos, seja pela prova documental, seja pela prova testemunhal, que era ele o real beneficiário do labor dessas pessoas, obreiros arregimentados a seu mando por intermédio do "gato" conhecido por Nonato para desempenhar funções diretamente ligadas à atividade econômica por ele desenvolvida, qual seja, a criação de gado, esta a única explorada naquelas terras.
Aliás, os depoimentos prestados junto aos Auditores Fiscais do Trabalho, folhas 67/69, foram esclarecedores para comprovar que o réu foi o responsável pela contratação dos empregados, inclusive comparecendo a fazenda para fiscalizar o andamento dos serviços. Ressalte-se que a testemunha arrolada pelo requerido, Sr. Roberto Montaroulo, proprietário da fazenda Maroisa, também confirmou que a fazenda Vale Verde se utilizava dos trabalhadores arregimentados por Nonato (folha 260-verso).
Convém gizar que o fato de os valores concernentes as verbas rescisórias terem sido pagas pelo irmão do recorrido, Sr. Juscelino, que seria o proprietário da Fazenda Vale Verde, não é suficiente para afastar o vínculo reconhecido, levando em conta, sobretudo, que na seara trabalhista vigora o princípio da primazia da realidade sobre a forma (princípio do contrato realidade), à luz do qual se deve pesquisar a prática realmente efetivada, independentemente de rótulos e nomenclaturas utilizadas pelos contratantes dentro da relação jurídica, sendo certo que in casu não há qualquer dúvida que o Sr. Hildefonso era o verdadeiro empregador dos obreiros encontrados durante a fiscalização realizada pelo Grupo Móvel na fazenda mencionada, ficando rechaçado, portanto, qualquer argumento de que a responsabilidade do recorrente seria subsidiária.
De igual modo, não há como dar guarida a alegação de que o vínculo não poderia ser reconhecido com os trabalhadores (seis) que se encontravam na fazenda Maroisa na ocasião da fiscalização, mesmo porque exsurge dos autos que apenas houve o deslocamento dos referidos empregados para a realização de serviço temporário em outra propriedade, mas que os mesmos retornariam para a Fazenda Vale Verde.
Diante das razões expendidas, nego provimento ao apelo, mantendo irretocável a decisão de 1º grau, que reconheceu o vínculo de emprego entre as partes, bem como a rescisão indireta dos contratos de trabalho.
2.4.2 DO DANO MORAL INDIVIDUAL E DO DANO MORAL COLETIVO
Insurge-se o recorrente contra a decisão de origem, que deferiu o pleito de pagamento de indenização por danos morais individuais e coletivos.
Inicialmente, requer a improcedência dos pedidos em virtude da ausência de vínculo empregatício entre si e os trabalhadores encontrados nas fazendas de terceiros, o que afastaria a sua responsabilidade em relação ao pagamento da referida indenização.
Alega que restou demonstrado, mormente pela prova documental, que as Fazendas Vale Verde e Maroisa possuíam alojamento, instalações sanitárias e elétricas, além de água encanada potável e outras condições de habitalidade suficientes para o número de trabalhadores que se encontravam em cada uma dessas propriedades.
Destaca a insubsistência dos autos de infração lavrados contra si, instrumentos que, no seu entender, não deveriam ser tomados como procedentes para impor ao recorrente a condenação por danos morais antes do julgamento final pelo órgão competente (Superintendência Regional do Trabalho no Pará) Argumenta que não pode ser responsabilizado pelo pagamento das indenizações também pela ausência de nexo de causalidade entre a sua conduta e eventual dano moral individual ou coletivo, não restando configurado qualquer ato ilícito decorrente da celebração de contrato de parceria pecuária com o proprietário da Fazenda Vale Verde.
Por essas razões, em síntese, pugna pela reforma da r. sentença.
Analiso.
Preliminarmente, ressalto que os argumentos atinentes a insubsistência dos autos de infração na foram trazidos com a defesa, tratando-se de inovação ao debate, o que não é admitido em nosso sistema processual, considerando o disposto no artigo 300 do CPC, de aplicação subsidiária ao processo do trabalho (artigo 769 da CLT). Logo, resta prejudicada a análise da referida questão, porque aduzida apenas em sede recursal pelo ora apelante.
Pois bem.
Quanto à alegação de que os pedidos não subsistem em razão da inexistência de vínculo empregatício, despiciendo maiores comentários, em virtude do decidido no item anterior.
No tocante a afirmação de que a propriedade possuía condições adequadas de habitalidade para os trabalhadores, não sendo os mesmos submetidos a qualquer situação degradante, a assertiva não se comprovou. Ao contrário, os depoimentos das testemunhas arroladas pelo próprio requerido confirmam que os trabalhadores ficaram alocados na frente de serviço, que era distante do alojamento, sendo que na frente de trabalho não havia mesas e cadeiras para se fazer a refeição, e nem banheiro (declaração do "gato" e do vaqueiro da fazenda, folha 261).
Na verdade, um simples exame na mídia eletrônica (CD-ROM) anexada à folha 191 dos autos, que traz em seu bojo a gravação de vídeos realizados por ocasião da fiscalização realizada pelo Grupo Móvel, prova que tenho por plenamente hábil, é suficiente para reconhecer que os empregados estavam submetidos a condições de trabalho degradantes, sendo que desde a chegada à propriedade foram obrigados a permanecer no curral da fazenda, local completamente insalubre, em que dormiam, preparavam e consumiam as refeições, não sendo a eles disponibilizada alimentação adequada, água potável, tampouco banheiro para que pudessem fazer as necessidades fisiológicas. Ressalte-se que havia uma mulher no grupo, a cozinheira dos trabalhadores. Tal situação foi corroborada pelos depoimentos prestados pelos Auditores Fiscais do Trabalho (folhas 269/271) Oportuno frisar que das referidas condições o ora recorrente tinha plena ciência, já que, consoante constatado, compareceu em pelo menos duas ocasiões ao local em que as atividades eram desenvolvidas.
Nesse viés, é inquestionável o sofrimento experimentado pelos trabalhadores em razão da omissão e desleixo do empregador para com sua saúde e integridade física, o que além de provocar sentimento de revolta e constrangimento, representa acentuado aumento nos problemas de baixa autoestima comuns em casos de trabalhadores de pouca escolaridade expostos a situações humilhantes e de desrespeito.
Não há como entender que o trabalhador vítima desse tipo de tratamento não sofre ofensa aos seus direitos da personalidade, que tal situação não tenha abalado os seus sentimentos, provocando-lhe dor e tristeza. Em outras palavras, entendo que, no caso concreto, o prejuízo moral sofrido pelo trabalhador é provado in re ipsa (pela força dos próprios fatos) Diante das razões expendidas, não há como afastar a responsabilidade do réu pelas lesões de natureza individual e coletiva aqui reconhecida.
Não se pode perder de vista que o valor social do trabalho é fundamento do Estado Democrático de Direito, que o trabalho constitui um dos direitos sociais, sua valorização é estruturante da ordem econômica e a ordem social tem nele a sua base, consoante as disposições constantes nos arts. lº, IV, 6°, 170 e 193 da Constituição Federal. Portanto, a Constituição como um todo busca proteger e dignificar o trabalhador.
Assim, caracterizado sobejamente que o reclamado incorreu em ofensa "ampla" e "generalizada" de direitos laborais que tutelam bens jurídicos da maior valia, dentre eles inclusive direitos inerentes à personalidade dos trabalhadores, tais como saúde, higidez e segurança do trabalho, além de não registrar sequer os seus empregados, não há dúvidas de que tal conduta viola, de forma macro, bens e valores que a sociedade, os trabalhadores e a ordem jurídica primam por preservar.
A responsabilização civil da conduta do reclamado urge ante o "dever de garantia" da observância dos ditames legais para que o trabalho humano seja realizado dentro de um nível adequado de regularidade e de legalidade. Presente se faz também nesse contexto o "dever de confiança", que implica no fato de que todo aquele que se propõe a desenvolver um empreendimento econômico e alocar força de trabalho deve fazê-lo em estreita observância aos comandos jurídicos, sob pena de, ao se tolerar a conduta violadora, estimular-se a que outros empregadores incidam na mesma conduta irregular e ofensiva aos direitos humanos dos trabalhadores.
Quando o recorrente insiste em descumprir de forma reiterada e insidiosa as normas laborais, ofende a bens jurídicos que devem ser preservados. Na seara jurídica a tutela não é feita apenas tendo por base bens jurídicos individuais, mas também a bens jurídicos transindividuais, dentre eles inseridos os coletivos.
A legislação infraconstitucional prevê a possibilidade de reparação do dano moral coletivo no artigo 6º , VI da Lei 8078/90, assim redigido: "a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais individuais, coletivos e difusos".
O artigo 81, da Lei 8078/90, define, por meio de interpretação autêntica, os interesses transindividuais, do qual o interesse coletivo é uma das suas espécies, assim entendidos, para efeitos do Código, os transindividuais de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.
Quando um empregador, como nos presentes autos, de forma contumaz, incide em conduta violadora de direitos laborais, está a servir de incentivo para que outras condutas da mesma natureza e gravidade sejam praticadas, ante o sentimento de impunidade que grassa. Pior que a agressão e a violência dela decorrente aos bens jurídicos coletivos é a impunidade.
Em síntese, urge e é necessário que o requerido seja responsável por sua conduta transgressora da ordem jurídica, de forma massiva e continuada e a via adequada e justa é a responsabilização não só pelo dano experimentado por cada trabalhador, mas também, e principalmente, pelo dano moral coletivo, com o objetivo de coibir e de evitar que tanto ele quanto outros empregadores sintam-se incentivados a adotar as práticas violadoras dos bens jurídicos tutelados pelas normas laborais. O grupo de trabalhadores e a sociedade clamam por isso.
Sendo assim, mantenho incólume a r. decisão também neste particular.
DA REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO Postula o recorrente a redução do valor das indenizações fixadas para R$10.000,00 (dez mil reais) ou para quantum inferior ao arbitrado na r. sentença, tendo em vista: o grau de culpa a si atribuído unicamente pelo fato de possuir gado para engorda em parceria na fazenda de propriedade do Sr. Juscelino; o valor econômico que viria a ser auferido pelo recorrente após a engorda do gado; o número de trabalhadores que efetivamente estavam prestando serviços na mencionada propriedade rural - apenas cinco com o gato; o curto período de prestação de serviços (menos de um mês); o pagamento de salários e verbas rescisórias efetuado pelo proprietário da fazenda; as reais condições de alojamento e trabalho nas fazendas Vale Verde e Maroisa que conduzem a insubsistência e inexigibilidade dos autos de infração; o valor do acordo proposto pelo MPT (R$110.000,00) que foi quase multiplicado por trinta na condenação; e, sobretudo, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, previsto no artigo 5°, V da CF e artigo 944, parágrafo único do CC.
Não há o que prover.
Diante da postura patronal em afrontar duras conquistas históricas dos trabalhadores, é necessária a intervenção contundente e eficaz, inibitória e coibitiva, do Estado na proteção dos direitos do trabalhador, a fim de evitar a exploração e o desrespeito ao obreiro, à sua força de trabalho, fundamental para o lucro do empregador.
Em verdade, os prejuízos experimentados pelos empregados e pela coletividade em razão da inobservância dos deveres legais aqui apontados são imensuráveis, pois trata-se da vida do obreiro, lesada pelo desrespeito do empregador às normas básicas de tutela do trabalho, o qual visa, tão-somente, o aumento de seu lucro, sem qualquer preocupação ou respeito pelos direitos básicos de seus empregados. A coletividade, sem dúvida, se vê privada de ações públicas que dependem da verba não adimplida, que, por óbvio, será cobrada no Judiciário, já tão sobrecarregado de demandas.
Diante disso, mantenho sem reparos a decisão de lº grau, que condenou o réu ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$2.100,00 (dois mil e cem reais) a cada trabalhador, bem como de indenização por dano moral coletivo no valor de R$3.000.000,00 (três milhões de reais), tendo em vista a prática violadora contumaz, mantendo também a destinação da quantia arbitrada a título de dano moral coletivo, já que não houve qualquer irresignação quanto a esse aspecto.
Apelo improvido". (destaquei)
Ao apreciar os embargos de declaração postos pelo reclamado, o e. TRT, em cumprimento à determinação constante da decisão proferida por esta e. Primeira Turma, assim decidiu:
"(...)
O parâmetro adotado para a indenização por danos morais individuais foi, como já dito na sentença, o mesmo valor das verbas rescisórias dos reclamantes, no importe de de R$ 2.100,00 por cada um trabalhador, como requerido na inicial à folha 45.
Como eram 11 trabalhadores, basta uma simples operação aritmética (R$2.100,00 X 11) para se chegar ao resultado de 23.100,00.
Portanto, são valores existentes nos autos e que não fogem aos limites da razoabilidade e da proporcionalidade, uma vez que esses são montantes de verbas rescisórias que podem ser considerados dentro da média de trabalhadores braçais, não havendo de se dizer que foram apanhados exemplos exorbitantes como parâmetro.
Quanto ao valor de R$3.000.000,00 (três milhões de reais), a titulo de indenização por dano moral coletivo que foi pedido na inicial de folhas 01/48, mais especificamente à folha 47, no item 3.6, e que foi acatado pelo Juízo de primeiro grau, adveio, como já definido na r. Sentença, levando-se em conta as parcelas de indenização das verbas rescisórias e das infrações cometidas pelo réu, com as quais esta Desembargadora Relatora está de acordo.
Então, partindo-se do número de empregados da Fazenda (11 trabalhadores), e do valor estimado de cada rescisão em R$2.000,00, como consta na folha 45, temos o valor de R$ 23,1 mil.
Considerando-se o valor de R$50,000,00 por cada uma das doze obrigações genéricas descumpridas pelo réu contidas nas folhas 46 e 47, temos um total de R$ 600.000,00.
Considerando a multa individual aplicada por cada um trabalhador atingido, no valor de R$ 10 mil e multiplicando esse valor pelas doze obrigações genéricas incidentes, tem-se um total de R$1.320.000,00, que somado ao valor do parágrafo anterior, resulta no montante de R$1.943.100,00.
Considerando, finalmente que o reclamado é reincidente na prática de descumprimento dos direitos trabalhistas de seus empregados, têm-se como parâmetro de indenização o dobro dessa quantia, que resulta no valor de R$3.886.200,00, sendo esse valor proporcional e equitativo, devendo ser reconhecida também que a condição econômica do ofensor está perfeitamente configurada, uma vez que se trata de grande produtor rural, sendo proprietário de diversas outras fazendas.
Essa contumácia do réu no descumprimento de obrigações trabalhistas pode ser aferida pelos Relatório de Fiscalização na Fazenda Jesus de Nazaré, de folhas 123/131, que resultaram nos autos de fiscalização de folhas 150/157 e Termo de Ajuste de Conduta n.º 008/2007 de folhas 173/175 e pelo Relatório de Fiscalização na Fazenda Vale Verde, de folhas 58/64, que resultou nesta presente ação.
Com relação às fotografias do alojamento da Fazenda, de folhas 238/243, devo lembrar que, apesar de mostrarem condições razoáveis de uso, foi comprovado nos autos que os trabalhadores resgatados pelo Ministério Público do Trabalho estavam alojados em um curral, uma vez que laboravam em frente de trabalho dentro da Fazenda, mas distante dos referidos alojamentos.
Dessarte, rejeito a presente medida também nesse aspecto.
Ante o exposto, conheço dos Embargos Declaratórios opostos pelo réu, porque preenchidos os pressupostos de admissibilidade; no mérito, rejeito-os in totum, à falta de supedâneo legal. Tudo conforme os fundamentos."
Alega reclamado que o valor fixado em dano moral coletivo é desproporcional e desarrazoado nos termos do art. 944 do CCB, vistos que não foram sopesados os fatos comprovados nos autos, como por exemplo "o baixo número de trabalhadores que efetivamente estavam prestando serviço na propriedade fiscalizada (cinco); o curto período de duração da prestação de serviços (menos de um mês); o pagamento de salários e a quitação integral das verbas rescisórias, já ocorrido; o valor recebido por cada trabalhador a título de verba rescisória, o valor do salário de cada um; bem como, a inequívoca transitoriedade do serviço prestado (fazendo cercas e roçando pasto)".
Aponta violação dos arts. 944 do CCB e 5.º, V, da CF e divergência jurisprudencial.
Ao exame.
Em relação ao valor dos danos morais, o entendimento desta Corte é de que a revisão do montante arbitrado na origem, em compensação pelo dano moral sofrido, dá-se, tão somente, em hipóteses em que é nítido o caráter irrisório ou exorbitante da condenação, de modo tal que sequer seja capaz de atender aos objetivos estabelecidos pelo ordenamento para o dever de indenizar.
A indenização não pode ser excessiva à parte que indeniza e também não pode ser fixada em valores irrisórios e apenas simbólicos.
A doutrina e a jurisprudência têm se louvado de alguns fatores que podem ser considerados no arbitramento da indenização do dano moral coletivo, quais sejam: a) o bem jurídico danificado e a extensão da repercussão na coletividade atingida; b) a intensidade do ânimo em ofender determinado pelo dolo ou culpa do ofensor; c) a condição econômica do responsável pela lesão.
Acerca dos critérios para a fixação do valor dos danos morais coletivos, colho julgado da c. Subseção 1 em Dissídios Individuais, ace
‘RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 11.496/2007 - DANO MORAL COLETIVO - CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DO RESPECITIVO VALOR. I - Ressai incontroversa a caracterização do dano moral coletivo praticado pelo embargante, não só em razão da sólida fundamentação do acórdão do Regional, reproduzido no acórdão embargado, mas particularmente pela preclusão que se abatera sobre a questão, por ela não ter sido objeto do recurso de embargos, visto que o seu conhecimento devera-se unicamente à divergência em torno do valor da indenização. II - É bom assentar não ser nenhuma novidade, no âmbito do Poder Judiciário, especialmente agora na seara do Judiciário do Trabalho, a tormentosa dificuldade na mensuração da indenização por dano moral, quer o seja individual ou coletivo, por ela não se orientar pelo critério aritmético do dano material e sim pelo critério estimativo, em relação ao qual se abre considerável espaço para a subjetividade de cada magistrado. Mesmo assim, a doutrina tem preconizado devam ser levados em conta aspectos como a natureza, a gravidade e a repercussão da lesão, a situação econômica do ofensor, eventual proveito obtido com a conduta ilícita, o grau de culpa ou dolo, a verificação de reincidência e a intensidade, maior ou menor, do juízo de reprovabilidade social da conduta adotada. III - Do acórdão embargado observa-se ter sido arbitrado o valor da indenização por dano moral coletivo em R$ 5.054.400,00, para cujo cálculo tomara-se como referência um salário mínimo vigente à época, para cada mês de irregular prestação de serviços, num total de três, acabando por multiplicar-se o resultado alcançado pelos 6.480 estagiários. IV - Agiganta-se desse delineamento factual a certeza de a Turma ter-se guiado pelos prejuízos que cada um dos estagiários teria sofrido, com o desvirtuamento do estágio, tanto quanto a de ter-se valido do salário mínimo para a quantificação da multicitada indenização. V - Ocorre que, no caso de dano moral coletivo, o critério a ser observado no arbitramento da indenização não é o prejuízo experimentado individualmente por cada estagiário e sim a lesão causada à universalidade dos trabalhadores, afastada, ainda, a possibilidade de se utilizar como parâmetro o valor do salário mínimo, por força do teor cogente da norma do inciso IV do artigo 7.º da Constituição, ao vedar sua vinculação para qualquer fim. VI - Desconsiderados os critérios de que se cogitara no acórdão embargado, impõe-se enfocar a fixação do valor da indenização com respaldo nos requisitos representados pela natureza, gravidade e repercussão da lesão, situação econômica do ofensor, eventual proveito obtido com a conduta ilícita, grau de culpa ou dolo, verificação de reincidência e grau de reprovabilidade social da conduta adotada. VII – (...). VIII - Some-se a isso o caráter marginal do proveito obtido pelo Estado da Bahia com o desvio do estágio, à conta do propósito socialmente relevante que o levara a tanto, consistente na viabilização de milhares de matrículas de alunos da rede pública de ensino, aspecto que ameniza sobremaneira, a um só tempo, o grau de culpabilidade e o de reprovabilidade dessa conduta, notadamente pela inexistência de prova de sua reincidência, havendo, ao contrário, elementos probatórios eloquentes do seu insulamento. IX - Diante de tais singularidades factuais e mais a finalidade punitiva e dissuasória de eventual reiteração da conduta ilícita do embargante, entende este magistrado, por injunção inclusive do princípio da equidade, ser razoável e proporcional à lesão moral sofrida pelo contingente de estagiários arbitrar em R$ 150.000,00 o valor da indenização pelo dano moral coletivo. Ressalte-se que a simples constatação de o Embargante qualificar-se como Ente da Federação não se mostra bastante, por si só, para se inferir sua alentada estatura econômico-financeira, quando nada por ser uma incógnita o montante da sua arrecadação e o da suas despesas, quer se refiram a despesas correntes ou a despesas com investimentos em prol do bem comum. X - Recurso de embargos conhecido e parcialmente provido." (TST-E-ED-RR - 94500-35.2004.5.05.0008, Relator: Ministro Carlos Alberto Reis de Paula, Data de Julgamento: 22/9/2011, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 11/11/2011.) (destaquei)
Na hipótese, extrai-se do acórdão regional que se trata de trabalhadores rurais contratados de forma ilegal (11 empregados), por meio do "gato", sendo o réu, pessoa física, grande produtor rural, proprietário de outras fazendas.
Além disso, consta, ainda, do acórdão regional que "os depoimentos das testemunhas arroladas pelo próprio requerido confirmam que os trabalhadores ficaram alocados na frente de serviço, que era distante do alojamento, sendo que na frente de trabalho não havia mesas e cadeiras para se fazer a refeição, e nem banheiro (declaração do "gato" e do vaqueiro da fazenda, folha 261)". E, ainda com base na análise da prova dos autos, ficou registrado pelo e. TRT que "os empregados estavam submetidos a condições de trabalho degradantes, sendo que desde a chegada à propriedade foram obrigados a permanecer no curral da fazenda, local completamente insalubre, em que dormiam, preparavam e consumiam as refeições, não sendo a eles disponibilizada alimentação adequada, água potável, tampouco banheiro para que pudessem fazer as necessidades fisiológicas".
Ao ser questionado sobre os critérios para a manutenção do quantum indenizatório fixado pelo Juízo de primeiro grau, relativo aos danos morais coletivos, o e. TRT considerou como parâmetros a quantidade de trabalhadores, os valores das rescisões contratuais, a reincidência da prática ilegal pelo réu e a sua condição econômica, consignando que o réu é um grande produtor e proprietário de várias fazendas.
Acrescento que em processos julgados por esta e. Turma em que discutido dano moral coletivo, por desrespeito a direitos trabalhistas, envolvendo grandes empresas ou ente da Federação, foram fixados ou mantidos diversos valores a título de compensação coletiva, em patamares muito inferiores ao quantum fixado pelo e. TRT, no caso que ora se analisa.
Cito os seguintes julgados:
a) - Processo: RR - 1897-76.2011.5.10.0001 Data de Julgamento: 27/02/2019, Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 01/03/2019 – valor de R$1.000.000,00 (um milhão de reais) no caso de submissão dos empregados a detector de mentiras (polígrafo) – empresa AMERICAN AIRLINES INC (empresa de aviação com notória capacidade econômica, que, segundo dados extraídos do sítio da revista "Isto é Dinheiro", teve "lucro líquido de US$ 1,91 bilhão em 2017 e ocupa, atualmente, o posto de maior grupo global do setor de aviação, com uma receita operacional de US$ 42 bilhões e uma frota de 1,5 mil aeronaves, que transportou, apenas no ano passado, 209 milhões de passageiros" (artigo publicado no dia 15/06/2018 e visualizado no dia 28/01/2019 pelo endereço eletrônico https://www.istoedinheiro.com.br/american-airlines-reforca-sua-aposta-no-brasil/)".
b) - Processo: RR - 1794-03.2012.5.03.0107 Data de Julgamento: 28/11/2018, Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 30/11/2018 - valor de R$100.000,00 (cem mil reais) no caso de submissão dos empregados condutores de trem a condições degradantes de trabalho – ausência de local para necessidades fisiológicas – empresas FERROVIA CENTRO ATLÂNTICA S.A. e VALE S.A.
c) - Processo: RR - 836-11.2012.5.01.0030 Data de Julgamento: 24/10/2018, Relator Desembargador Convocado: Roberto Nobrega de Almeida Filho, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 26/10/2018 - valor de R$200.000,00 (duzentos mil reais) no caso de "desvio funcional reiterado. burla ao concurso público" – empresa COMPANHIA ESTADUAL DE ÁGUAS E ESGOTOS – CEDAE.
d) - Processo: RR - 103000-49.2005.5.01.0014 Data de Julgamento: 22/08/2018, Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/08/2018 - valor de R$200.000,00 (duzentos mil reais) no caso de "tratamento desumano e da consequente violação à dignidade humana, assim como às normas de segurança e higiene do trabalho, em alojamentos e postos de serviços de obras de responsabilidade da primeira ré em favor da segunda" – empresas TELSUL SERVIÇOS S.A. e TELEMAR NORTE LESTE S.A.
Assim, não obstante a caracterização do dano moral coletivo, demonstrado pela conduta ilegal do réu, a qual deve ser reprimida pelo Poder Judiciário, como está sendo, conforme provocado pelo Ministério Público do trabalho, na sua louvável atuação como fiscal da lei, tem-se que o valor dos danos morais coletivos fixados em R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), na hipótese em que o réu é uma pessoa física, ainda que se trate grande produtor rural e que tenha conduta reincidente, mostra-se desarrazoado e desproporcional, sob pena de inviabilização da atividade econômica, mostrando-se o valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) consentâneo com a situação descrita nos autos para a compensação do dano moral coletivo reconhecido na instância ordinária.
Conheço do recurso de revista, por violação dos arts. 944, caput, do CCB e 5º, V, da CF.
II - MÉRITO
DANO MORAL COLETIVO. QUANTUM INDENIZATÓRIO.
Conhecido o recurso de revista por violação dos arts. 944, caput, do CCB e 5º, V, da CF, a consequência é o seu provimento para reduzir o valor da compensação por danos morais para R$ 200.000,00 (duzentos mil reais).
ACORDAM os Ministros da Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria de votos, vencido o Exmo. Desembargador Convocado Roberto Nobrega de Almeida: I - conhecer do Agravo e, no mérito, dar-lhe provimento para prosseguir na apreciação do Agravo de Instrumento; II - conhecer do Agravo de Instrumento e, no mérito, dar-lhe provimento para, processar o recurso de revista. Por unanimidade, conhecer do Recurso de Revista quanto ao tema "dano moral coletivo - quantum indenizatório", por violação dos arts. 944, caput, do CCB e 5º, V, da CF, e, no mérito, dar-lhe provimento para reduzir o valor da compensação por danos morais para R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), com juros e correção monetária, nos termos da Súmula 439/TST. Valor da condenação que se reduz para R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) e custas de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
Brasília, 15 de maio de 2019.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
HUGO CARLOS SCHEUERMANN
Redator Designado
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