Data da publicação:
Sentenças
Fabricio Lima Silva - TRT/MG
Trabalhadora será indenizada após sofrer piadas gordofóbicas ao solicitar para ligar o ar-condicionado
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO
VARA DO TRABALHO DE TEÓFILO OTONI
ATOrd 0010915-96.2022.5.03.0077
AUTOR: LIVIA OTTONI CARDOSO
RÉU: IRMAOS MATTAR & CIA LTDA
S E N T E N Ç A
Vistos os autos.
LÍVIA OTTONI CARDOSO ajuizou a presente Reclamação Trabalhista em face de IRMÃOS MATTAR & CIA LTDA apontando irregularidades no curso de sua relação de emprego, conforme salientado na petição inicial. Desta forma, postula o acolhimento dos pedidos formulados na petição inicial, com a consequente condenação da reclamada. Deu à causa o valor de R$ 304.466,76. Juntou documentos.
Regularmente citada, a reclamada apresentou defesa escrita, pugnando pela rejeição dos pedidos. Juntou documentos.
Sobre a defesa, manifestou-se a autora.
Em audiência, foram ouvidas as partes e quatro testemunhas.
Sem outras provas, encerrou-se a instrução processual.
Razões finais orais.
Infrutíferas as tentativas de conciliação.
Em síntese, é o relatório.
FUNDAMENTOS (Art. 93, inciso IX, CRFB c/c. art. 832/CLT)
Inépcia da petição inicial
Embora o Processo do Trabalho não exija o mesmo rigor formalístico do Processo Civil, a petição inicial, dentre outros requisitos, deverá conter uma "breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio", sem o que o pedido não sobrevive, por absoluta falta de causa de pedir.
A petição inicial deve propiciar, sem dificuldades, o debate do mérito, com direito ao contraditório e à ampla defesa, e a regular prestação jurisdicional. Também, não se pode cogitar que a caracterização do pedido possa ser feita pelo Juízo (mesmo que haja uma tênue tendência doutrinária e jurisprudencial em direção ao Princípio Ideal da Extra ou Ultra-Petição), tendo em vista os interligados Princípios Dispositivo, da Inércia (artigo 2o, do CPC) e da Adstrição do Julgamento ao Pedido.
In casu, a reclamante formulou pedido de indenização pelos 16 dias não usufruídos de férias 2021/2022, pleito destituído de causa de pedir, o que conduz inequivocamente à sua inépcia.
Por essa razão, declaro, de ofício, a inépcia do pedido de letra “e” da inicial, extinguindo-os, sem resolução de mérito, na forma do art. 485, inciso I, e art. 330, inciso I e § 1º, inciso I, do mesmo diploma processual c/c o art. 769 da CLT.
Enquadramento sindical
Consoante arts. 511, § 3º, e 570 da CLT, o enquadramento sindical do empregado, via de regra, ocorre em observância à atividade principal do empregador, salvo em se tratando de empregado de categoria profissional diferenciada e desde que o empregador tenha participado da negociação coletiva (Súmula nº 374 do TST).
Conforme se verifica nos autos, a atividade econômica principal da reclamada relaciona-se ao comércio varejista de produtos farmacêuticos, cosméticos, produtos de perfumaria e higiene pessoal, dentre outros produtos.
Os instrumentos normativos apresentados pela parte reclamante foram firmados pelo Sindicado dos Engenheiros no Estado de Minas Gerais e Sindicato da Indústria da Construção Pesada no Estado de Minas Gerais.
Destarte, ainda que se constate que a autora pertence a categoria diferenciada, é nítido que a reclamada não é representada pela entidade da categoria econômica mencionada, não tendo, por óbvio, participado da negociação coletiva.
Assim sendo, as normas coletivas anexadas aos autos pela autora não se aplicam ao caso presente.
Diferenças salariais – salário profissional
A reclamante alega que foi contratada para exercer a função de líder de infraestrutura e obra, em 11.01.2021, sendo exigido na contratação, que possuísse graduação em engenhara civil, tendo a ré, contudo, registrado o CBO 3121- 05, que se refere a técnica de obras civis, com salário mensal de R$2.500,00. Ressalta que liderava uma equipe formada por engenheiros e arquitetos. Pugna pelo pagamento de diferenças salariais a serem apuradas entre o salário mínimo de diplomado em engenharia civil e o salário pago.
A ré assevera que a função para a qual a autora foi admitida, não exige qualquer tipo de formação superior, porquanto ela tinha como atividade principal realizar a contratação de prestadores de serviços e empresas para elaboração de orçamentos e projetos necessários à construção de novas lojas.
Nas descrições do cargo de líder de infraestrutura e planejamento da ré (fl. 340 e 381), estão relacionadas atividades, dentre elas, realizar cotação de serviços com empresas terceirizadas para execução de obras serviços gerais, contratar prestadores de serviço para elaboração e projetos e planilhas orçamentárias, contratar empresas para a execução de oras e serviço, controlar serviços dos terceirizados referente ao levantamento de quantitativo de insumos e serviço para alimentar a planilha orçamentária das obras, físico-financeira para fins de controle, executar outras atividades correlatas, a critério do gestor, dentre outras.
O preposto declarou que:
“a reclamante era responsável pela contratação de serviços; como analista a reclamante solicitava cotações de propostas comerciais para as terceirizadas; a reclamante, como líder do setor de planejamento executava as mesmas atividades, além de administrar o setor; a reclamante liderava analistas, auxiliares administrativos, estagiários, tais como Carol, Meirick, João; Meirick, quando admitida, não era formada atualmente é arquiteta; Caroline é formada em arquitetura; o depoente é formado em engenhara civil, mas trabalha como gerente administrativo; João é terceirizado e sua formação é de engenharia civil, responsável pelo orçamento das obras; para a função da autora não era necessário ter curo superior; a vaga atual de analista, que consta no instagram é para atividade de vistoria de imóveis, o que difere da função da autora”
A primeira testemunha ouvida a rogo da autora, Meirick Rodrigues Starick, informou que:
“a depoente é projetista e a reclamante era sua chefe, responsável pelo planejamento; quando foi admitida já era arquiteta e já tinha feiro projetos; para sua área tem que saber um pouco de engenharia; na sua equipe eram a depoente, Carol (arquiteta), Joao e Artur (engenheiros); a reclamante liderava todos; atualmente quem exerce a função da autora é Késia, formada em engenharia; a reclamante sofreu alteração de função e passou a ser subordinada a Tairo e responsável pelo levantamento; a função que a autora passou a executar antes era executada por Mateus; acredita que um técnico em edificações poderia exercer a função da autora, mas não com a mesma qualidade”
Karoline Cardoso Apolônio, segunda testemunha da autora, disse que:
“trabalha na ré desde novembro de 2020 como projetista de construção civil; a reclamante era a líder da equipe de projetos; a autora organizava e gerenciava a equipe; a reclamante tem formação de engenheira; a reclamante sofreu alteração de função, mas não sabe quando; a autora, da liderança foi trabalhar na prospecção; a autora passou a exercer a função de Mateus; na equipe da autora tinham Meirick e a depoente, que são arquitetas, Talita, Jarbas, João Felipe e Artur, que são engenheiros”
A primeira testemunha da ré, Cecília Coimbra Santana, afirmou que:
“trabalha na indiana desde dezembro de 2017 atualmente líder de infra estrutura e obras; Lívia liderava equipe que fazia levantamentos; não é requisito para exercer a função a graduação em engenharia; uma pessoa sem formação em engenharia consegue desenvolver a atividade que a autora desenvolvia; um técnico em edificações ou profissional com experiência prática conseguiriam executar as atividades da autora; a reclamante fazia levantamento de custos de obras em planilha; a reclamante não fazia vistoria técnica em imóveis; tem uma vaga em aberto para pessoa que faça vistoria; um profissional com qualquer tipo de estudo consegue desenvolver as atividades da autora; atualmente késsia, que é engenheira, exerce a função da autora; a reclamante era superiora de Karol, Meirick, Jarbas João Artur, que são engenheiros ou arquitetos; a autora, em determinado momento foi para a prospecção, no lugar de Mateus, mas com algumas atividades extras a autora ficou feliz com essas alteração; Mateus era engenheiro e exercia a função de filtrar informações que recebia de outros funcionários e repassar para a autora; a média de custo das obras é de R$1.000.000,00”
Por fim, Késsia de Souza Braun, última testemunha convidada pela ré, assim declarou:
“trabalha desde março de 2019, como líder de planejamento; a reclamante era líder de planejamento, assim como a depoente; não é pré-requisito para a função a formação em engenharia; a depoente gerencia uma equipe que é responsável pela contratação de projetos, terceirizados e empreiteiras, pela negociação de valores, definição de metas e programações de ordem de serviço; um técnico em execução consegue exercer tais atividades se tiver experiência; atualmente há uma vaga divulgada com requisito de curso de engenharia, para prospecção com responsabilidade técnica, atribuição que não é da depoente ou da reclamante; a função surgiu pela necessidade de execução de serviços de vistoria de imóveis que serão alugados ou adquiridos pela Indiana; na função de líder de planejamento a depoente não tem responsabilidade técnica, mas sim de garantir que os projetos sejam entregues no prazo”
A prova oral demonstrou que a autora era líder de uma equipe formada por arquitetos e engenheiros, cabendo a ela toda a coordenação dos trabalhos, além de fazer levantamento de custos de obras em planilha, bem como aprovar orçamento, fazer planejamento junto à diretoria e contratar empreiteiro (fl. 74).
Nota-se que embora testemunhas tenham dito que um profissional com qualquer tipo de estudo, sem curso de engenharia, conseguiria desenvolver as atividades da autora, todos aqueles que desempenham ou desempenharam na ré a função de líder de infraestruturas na ré, possuem graduação em engenharia, o que demonstra que, embora conste na descrição de cargos (fls. 340 e 381), que a educação requerida é o ensino médio, em verdade, a contratação ficava restrita àqueles com curso superior.
E não poderia ser diferente. Com efeito, somente um profissional com conhecimento específico em engenharia ou arquitetura tem capacidade para elaborar planilhas orçamentárias de obras e gerenciar os trabalhos de outros engenheiros e arquitetos, notadamente em se tratando de obras que tinham custo médio de um milhão de reais, como demonstrado em audiência pela prova oral.
Não é razoável crer que a ré, uma empresa que, como é de conhecimento público, está em plena de expansão de suas atividades, com implementação de inúmeras novas lojas em várias cidades que, em setembro de 2022, contava com 999 filiais (fls. 221/252), entregue a liderança de um setor tão importante para sua expansão, nas mãos de profissional não habilitado e que não detenha a necessária formação acadêmica superior.
Soma-se, ainda, o fato de que, segundo a descrição do cargo de líder de infraestrutura e planejamento, elaborado pela própria ré, não há distinção entre profissionais que atuem in loco em obras ou imóveis, daqueles que trabalham internamente. Logo, independentemente das atividades a serem desempenhadas pelo analista de infraestrutura, reconheço que a ré utiliza como um dos critérios para contratação, a necessária formação em curso superior em engenharia civil, como consta das publicações de novas vagas para o referido cargo (fls. 266 e 339).
Em síntese, a ré contrata apenas profissionais com curso superior para executar atividades de gestão, utilizando-se do subterfúgio de incluir na descrição do cargo, que a educação requerida é o ensino médio, com intuito de locupletar-se com o descumprimento da obrigação de pagar piso nacional profissional a seus empregados que possuem e exercem de forma efetiva atividades específicas e restritas a engenheiros.
Em face do exposto, defiro à autora diferenças salariais ao longo de todo o contrato, a serem apuradas entre o salário pago e o salário profissional previsto na Lei 4.950-A/66, observando-se, para tanto, que quando da admissão a autora tinha mais de 04 anos de formada em engenharia (fl. 70) e cumpria jornada de 8h diárias.
Consigne-se que não há que se falar em inconstitucionalidade da Lei 4.950-A/66, uma vez que esta somente vincula o piso profissional dos engenheiros ao salário-mínimo, cujas progressões não são realizadas automaticamente com a majoração do salário-mínimo, ou seja, não há fixação de correção automática do salário do empregado engenheiro pelo reajuste do salário- mínimo, motivo pelo qual atende aos preceitos da Súmula Vinculante nº 4 do STF e, ainda, da OJ 71 da SDI-II do TST.
Esclarecendo o tema, as seguintes ementas:
“SALÁRIO MÍNIMO DE ENGENHEIRO. APLICABILIDADE, CONSTITUCIONALIDADE E OBSERVÂNCIA DA LEI 4950-A/1966 Comprovado que o Reclamante laborava como Engenheiro, tem direito ao recebimento do salário nos termos do disposto na Lei 4.950-A/66. E, a teor da OJ 71, da SDI-II, do c. TST "a estipulação do salário profissional em múltiplos do salário mínimo não afronta o art. 7º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988, só incorrendo em vulneração do referido preceito constitucional a fixação de correção automática do salário pelo reajuste do salário mínimo”. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0011530-47.2017.5.03.0082 (RO); Disponibilização: 19/10/2018; Órgão Julgador: Sétima Turma; Relator: Convocado Vitor Salino de Moura Eca); “SALÁRIO DO ENGENHEIRO.
CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 4950-A/1966. Deve ser observado o piso salarial previsto na Lei 4.950-A/66 para a categoria dos engenheiros, certo que vedada, apenas, a aplicação da correção automática (indexação) do salário profissional, quando reajustado o salário mínimo. Inteligência da Súmula Vinculante nº 4 do STF e OJ 71 da SDI-II do TST.” (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010353-57.2017.5.03.0079 (RO); Disponibilização: 17/08/2018, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 566; Órgão Julgador: Terceira Turma; Redator: Convocado Danilo Siqueira de C.Faria).
Logo, deverá ser fixado o salário-mínimo profissional na data de 11.01.2021, nos termos da Lei 4950-A/66, conforme for apurado em fase de liquidação de sentença, considerada a jornada diária contratual.
A partir de tal data seriam aplicados reajustes porventura estabelecidos em instrumentos normativos aplicáveis ao presente caso, os quais, contudo, não foram juntados em relação ao período contratual da autora, mas apenas de 2017/2018 (fl. 324).
São devidas as diferenças reflexas em férias com 1/3 do período de 2021/2022 e do 13º salário integral de 2021, como requerido.
Danos morais - Assédio moral
A autora diz ter sido vítima de assédio moral relatando que: a) quando solicitava para ligar o ar condicionado, escutava de seus colegas de trabalho José César e Vitória, piadas gordofóbicas; b) após ter denunciado a prática de assédio praticada pelo gerente Sérgio contra colegas de trabalho (Talita, Meirick, Yaskara e Karoline), passou a sentir que os colegas se distanciaram dela, ganhou a fama de mentirosa, passou a ser perseguida pelo gerente Sérgio, sofreu rebaixamento de função e foi retirada do grupo de trabalho em aplicativo de conversa.
A reclamada nega os fatos.
O dano moral, dentre suas várias conceituações, pode ser definido como aquele que representa efeito não patrimonial da lesão de direito. Via de regra, está identificado com o sofrimento íntimo relacionado à esfera moral, psíquica, etc.
Por assédio moral, no âmbito da relação de emprego, entende_se como a conduta do empregador ou de seus prepostos ou superiores hierárquicos, caracterizada por ameaças, manipulações, ou ironias, em nítido abuso do poder diretivo, objetivando expor o empregado a situações vexatórias e humilhantes, ferindo_lhe a dignidade e a integridade física ou psíquica, degradando, ainda, o seu ambiente de trabalho.
Assim, não basta a simples conduta rígida ou séria do empregador o suficiente para caracterizar o assédio moral. O empregador e seus prepostos têm o poder diretivo na relação de emprego, cabendo-lhes organizar, fiscalizar e aplicar penalidades. Para a caracterização do assédio moral, faz-se necessário que o empregador ultrapasse os limites do seu poder diretivo, de forma reiterada, cansando os danos acima mencionados.
A reparação do dano moral no direito brasileiro encontra sede constitucional (art. 5º, incisos V e X, CR/88).
A indenização por dano moral, sofrido no âmbito do contrato de trabalho, pressupõe ato ilícito, consubstanciado em erro de conduta ou abuso de direito, praticado pela empregadora ou seu preposto; um prejuízo suportado pelo ofendido, com a subversão de seus valores subjetivos da honra, dignidade, intimidade ou imagem; um nexo de causalidade entre a conduta injurídica da ofensora e o dano experimentado pela vítima.
A existência dos danos, fato constitutivo do direito da reclamante, não prescinde de prova robusta por parte de quem o alega, ônus que a ela competia e do qual logrou se desincumbir apenas parcialmente.
Pois bem.
Segundo o preposto da ré, a alteração de função ocorrida era almejada pela autora, o que foi corroborado pelos depoimentos das duas testemunhas ouvidas a rogo da demandada, que afirmaram que a autora ficou satisfeita ao passar de líder de planejamento para líder de prospecção, o que era por ela de fato almejado, já que ficaria em contato direto com a direção da empresa.
A prova também demonstrou que era corriqueira a instauração de auditorias na empresa, não havendo prova de que tenha sido instaurada para apurar qualquer fato relacionado especificamente à autora ou para puni-la e persegui_la.
Quanto à retirada da autora do grupo de “líder Infra. Obras” (fl. 35), não há prova de que tenha ocorrido por retaliação, sendo perfeitamente compreensível que quando o empregado é transferido de determinado setor, deixe de participar de grupo formado para comunicação de trabalho daquele setor ou grupo.
Desta forma, não há prova de que em decorrência da denúncia de possível assédio praticado pelo gerente Sérgio contra outras empregadas da ré, tenha a autora sido vítima de assédio moral, perseguição ou retaliação, sendo irrelevante, aqui, portanto, analisar se, de fato, ocorreram os assédios denunciados.
Consigne-se, para que dúvidas não pairem a respeito, que o fato de colegas de trabalho não terem ficado satisfeitas com as denúncias da autora, ou até mesmo dela se distanciado, sem maiores consequências, por si só, não caracteriza assédio moral.
Por outro lado, o preposto reconheceu que Cecília já havia narrado fato relacionado a piadas em grupo de conversa e que ele chegou a solicitar a José César, colega de trabalho da reclamante, que não mais fizesse piada de mau gosto envolvendo a reclamante.
As testemunhas convidadas pela autora também informaram que havia rumores sobre “brincadeiras” feitas por José César, em relação ao peso da autora.
Insinuações ofensivas relacionadas ao sobrepeso não podem ser aceitas como mera brincadeira, tratando-se, em verdade, da repugnante, reprovável e preconceituosa prática da gordofobia.
E, embora tenha sido praticada por um colega de trabalho, o art. 932, inciso, III do Código Civil estabelece que o empregador é responsável pela reparação civil por seus empregados no exercício do trabalho que lhes competia ou em razão deles.
Desta forma, independentemente de ter a autora, eventualmente se dirigido ao Sr. José César como “careca”, o fato é que à ré incumbia à ré coibir a utilização de alcunha no trato interpessoal, sendo dela a obrigação de manter um ambiente de trabalho saudável, coibindo a prática de todo e qualquer tipo de discriminação.
Assim, a situação a que era exposta a autora é sem sombra de dúvidas vexatória e constrangedora, sendo o dano passível de indenização.
Isso posto, considerando-se a gravidade, extensão e repercussão da falta, os efeitos pedagógicos da sanção judicial, as circunstâncias e o ambiente em que se deram a prática dos atos ilícitos, os incômodos psicológicos experimentados pela autora, os caracteres retributivos e repressores da sanção, enfim, todos aspectos que norteiam o ressarcimento de dano moral (artigo 235-G, da CLT), arbitro a indenização no importe de R$5.000,00.
Rescisão indireta
A reclamante pretende a declaração da rescisão indireta do contrato de trabalho em virtude das ofensas sofridas, bem como pelo pagamento de salários inferiores ao devido.
A ré afirma que foi da autora a iniciativa em romper o contrato.
Para que se autorize a resolução do contrato por ato faltoso do empregador, como requerido pela autora, há que se verificar, tal qual ocorre na hipótese de dispensa por justa causa, a gravidade da conduta faltosa, de modo a inviabilizar a continuidade da relação de emprego.
A rescisão indireta está capitulada no art. 483 da CLT e é autorizada, dentre outras situações, no caso de descumprimento das obrigações do contrato pelo empregador. Além das hipóteses elencadas, ainda é possível a configuração de outros casos passíveis de justa causa do empregador, uma vez que o rol do art. 483 da CLT não é taxativo, sendo apenas exemplificativo.
São requisitos para o reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho, a prática de um ato doloso ou culposo pelo empregador, a tipicidade da conduta e a sua gravidade, além da atualidade e da imediatidade e do nexo entre a falta e a ruptura contratual, conforme estabelece o art. 483 da CLT.
Consigne-se que em casos como o presente, em que o empregado requer a declaração da rescisão indireta, pode optar por continuar trabalhando ou não (§ 3º do art. 483 da CLT).
Constata-se, portanto, que a demandante valeu-se exatamente do permissivo legal em comento. Impossível, por conseguinte, o acolhimento da tese patronal de abandono de emprego, uma vez que a autora agiu com respaldo legal.
Pois bem. Considerando-se o descumprimento relacionado ao pagamento do piso salarial profissional, bem como o dano moral constatado pela prática de gordofobia, da qual foi vítima a autora no ambiente de trabalho, reconheço que a ré descumpriu o contrato de trabalho e declaro a rescisão indireta, com base no art. 483, “d” e “e”, da CLT, em 15.09.2022.
Embora não tenha a autora informado, de forma expressa, o último dia trabalhado, pede saldo de salário de 15 dias de setembro/2022.
Assim, ausente a comprovação de quitação, defiro à reclamante o pagamento das seguintes parcelas, observada a declaração da rescisão indireta, o salário aqui reconhecido, a projeção do aviso prévio e os limites impostos pela inicial: 15 dias de saldo de salário de setembro de 2022; aviso prévio indenizado (33 dias); 09 /12 de 13º salário de 2022; 08/12 de férias proporcionais com 1/3; multa de 40% sobre o FGTS.
Anotação da CTPS. Entrega de guias
Determino que a reclamada, após o trânsito em julgado, no prazo de 8 (oito) dias e após intimação para tanto, proceda às retificações na CTPS da autora, junto ao registro eletrônico do contrato de trabalho, fazendo constar o CBO 2142-05 e o salário profissional aqui reconhecido, bem como anotar baixa em 18.10.2022 (OJ 82 da SDI-1 do TST), tudo sob pena de multa diária de R$ 500,00 até o limite de R$ 5.000,00, reversível ao reclamante, após intimada para tanto, sem prejuízo de expedição de ofício à DRT para ciência e aplicação das penalidades administrativas cabíveis, e ao INSS, podendo a própria reclamante, neste caso, requerer as retificações das informações de vínculos e remunerações constantes do CNIS, junto ao órgão previdenciário, por telefone, através do número 135, conforme Portaria número 123/20 do INSS, com a apresentação de documentos comprobatórios dos dados divergentes (sentença e/ou eventual acórdão e do referido ofício), conforme critérios definidos pelo referido órgão, (artigos 29-A, § 2º, da Lei 8.213/91 e 19, § 1º, do Decreto 3.048/99).
Determino também que, após o trânsito em julgado e no prazo de 8 dias contados de intimação específica, a reclamada entregue à reclamante o TRCT no código RI2 e chave de conectividade, para saque do FGTS relativo a todo o período contratual, observando-se o salário aqui reconhecido, bem como as guias CD/SD para que a autora possa pleitear o recebimento das parcelas do seguro-desemprego, em caso do preenchimento dos requisitos legais, sob pena de incidência de multa de R$100,00 por dia de descumprimento dessas obrigações, limitado ao total de R$1.000,00, sem prejuízo da expedição de alvarás para tais finalidades e de execução de eventual diferença de FGTS.
A parte ré deverá, ainda, comprovar nos autos, no prazo de 10 dias contados da intimação específica, após o trânsito em julgado, a entrega da RAIS, ano base 2021, com inclusão do nome da autora, sob pena de pagamento de multa diária de R$100,00, até o limite de R$1.000,00.
Quanto ao ano-base 2022, ainda não surgiu a obrigação da ré em prestar informações da RAIS com inclusão do nome da autora, sendo indevido, nesta oportunidade, a indenização requerida.
Compensação
Não há prova de quitação de valores aos mesmos títulos ora deferidos. Nada a ser compensado, portanto.
Gratuidade Judiciária
A reclamante requereu o benefício da gratuidade da justiça, juntando declaração de hipossuficiência firmada nos termos da lei, o que é suficiente para a comprovação da miserabilidade jurídica e, por corolário, o reconhecimento do pleito de prestação jurisdicional gratuita, a teor da Súmula n° 463, I, do TST e art. 99, § 3º, do CPC, aplicável de forma supletiva ao Processo do Trabalho. Portanto, à míngua de prova capaz de infirmar o teor da referida declaração, defere-se o benefício da justiça gratuita à trabalhadora.
Honorários advocatícios
Como a presente ação foi distribuída já na vigência da nova legislação trabalhista, há de ser aplicada a regra do art. 791-A da CLT, incluído pela Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, e reconhecido o direito dos advogados aos honorários de sucumbência.
Assim, condeno a reclamado ao pagamento dos honorários dos advogados do reclamante, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor do crédito trabalhista que resultar da liquidação da sentença.
A reclamante, a seu turno, arcará com o pagamento dos honorários da advogada da ré, correspondente a 10% dos valores dos pedidos com expressão econômica indeferidos.
No entendimento deste Juízo, o deferimento parcial do pedido afasta o ônus relativo à verba honorária, em relação à autora, de maneira que os honorários por ele devidos incidem somente sobre aquela parcela indeferida em sua totalidade.
Diante da concessão dos benefícios da justiça gratuita à reclamante, os honorários devidos pelo mesmo ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executados se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que a certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, a obrigação relativa ao pagamento da verba honorária.
Atualização monetária e dos juros de mora
Sobre o valor da condenação incidirão juros de mora e atualização monetária até a data do efetivo pagamento ao credor (Súmula 15 do Egrégio TRT da 3ª Região), observada a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal a respeito da matéria nas ADCs 58 e 59 e ADIs 5867 e 6021 – IPCA-E até a véspera da propositura da ação, acrescidos de juros de mora (art. 39, caput, da Lei nº 8.177/91), e taxa SELIC a partir do ajuizamento da ação, sem a incidência de juros de mora –, utilizando-se o índice referente ao primeiro dia do mês subsequente ao da prestação de serviços, ou, no caso de verbas rescisórias, o índice do primeiro dia do mês posterior àquele em que decorreu o prazo do art. 477, § 6º, da CLT; pela aplicação analógica da orientação da Súmula 381/TST.
Registre-se que a incidência dos juros de mora previstos no art. 39, caput, da Lei nº 8.177/91, sobre as parcelas trabalhistas corrigidas pelo IPCA-E na fase pré-judicial encontra-se em consonância com o entendimento exarado pelo STF em recentes decisões, a exemplo daquelas proferidas nas Reclamações de nº 49.310, 49.545 e 50.117.
De acordo com a Súmula 439 do TST c/c a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal a respeito da matéria nas ADCs 58 e 59 e ADIs 5867 e 6021 súmula, a correção monetária da indenização por danos morais, será feita a partir da prolação da presente decisão, pela SELIC, que já abarca também juros moratórios.
Liquidação e contribuições previdenciárias e do imposto de renda
Conforme § 2° do art. 12 da Instrução Normativa 41/2018 do TST, o valor da causa deve ser estimado, não havendo exigência, portanto, de efetiva liquidação prévia dos pleitos. Logo, não há que se falar em condenação pelo limite estimado na inicial, notadamente porque a efetiva apuração dos valores devidos ocorrerá apenas na fase de liquidação de sentença. Por tais motivos, entendo aplicável em todos os ritos processuais, o disposto na Tese Jurídica Prevalecente 16 do TRT3ª Região.
Em atendimento ao artigo 832, § 3º, da CLT (com redação da Lei nº 10.035/00), declaro que das parcelas deferidas ostentam natureza indenizatória aquelas que constam do artigo 28, § 9º, da Lei 8.212/91; as demais ostentam natureza salarial. As contribuições sociais deverão ser recolhidas pelo empregador (Súmula n.
368, II, do TST), na forma prevista no artigo 276, § 4º, do Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999.
O imposto de renda deverá ser retido pelo empregador e apurado pelo regime progressivo mês a mês, conforme artigo 12-A, da Lei n. 7.713, de 22 de dezembro de 1988. Excluem-se da base de cálculo do imposto de renda os juros de mora (Orientação Jurisprudencial n. 400, da SBDI-1, do TST).
Embargos de Declaração. Cabimento
As partes devem atentar para o fato de que não cabem embargos de declaração para reexame de fatos e provas.
Adotou-se tese explícita sobre as matérias suscitadas, de modo que a referência a dispositivos legais e constitucionais é desnecessária.
Nos termos do art. 15, III, da Instrução Normativa nº 39/2016 do Col. Tribunal Superior do Trabalho, o Juiz não está obrigado a rebater especificamente todas as questões surgidas no processo, podendo ficar excluídas da apreciação aquelas cujo exame tenha sido prejudicado pela análise anterior de questão subordinante; o que não configura, portanto, omissão que autorize o manejo de embargos de declaração, devendo, neste caso, a parte interessada interpor o recurso apropriado.
Além disso, os embargos declaratórios são desnecessários defronte decisão de primeiro grau para efeito de prequestionamento, pois esse visa alcançar jurisdição extraordinária, como a revista, nos casos em que a questão suscitada no recurso principal não recebeu o pronunciamento do Órgão julgador (Súmulas 184 e 297, II, do Col. TST e 356 do Exc. STF).
De se ver também que a contradição que autoriza a oposição de embargos declaratórios, segundo a melhor doutrina e jurisprudência, é a decorrente de proposições inconciliáveis entre si no texto da decisão, não se caracterizando em razão da análise e valoração de provas, ainda que entenda a parte que tenha configurado eventual desacerto na interpretação do contexto probatório.
Por fim, ficam as partes advertidas de que oposição de embargos de declaração fora das hipóteses arroladas no art. 1.022 do CPC, serão considerados protelatórios e apenados com multa.
CONCLUSÃO
Pelo exposto, declaro, de ofício, a inépcia do pedido de de letra “e” da inicial, extinguindo-os, sem resolução de mérito, na forma do art. 485, inciso I, e art. 330, inciso I e § 1º, inciso I, do mesmo diploma processual c/c o art. 769 da CLT e julgo PROCEDENTES, EM PARTE, os demais pedidos formulados na presente ação trabalhista para condenar a reclamada, IRMÃOS MATTAR & CIA LTDA, a pagar à autora, LÍVIA OTTONI CARDOSO, tudo de acordo com os critérios e parâmetros fixados na fundamentação, que deverão ser observados para efeito de liquidação de sentença, as seguintes obrigações:
- diferenças salariais e consequentes diferenças reflexas em férias com 1/3 do período de 2021/2022 e em 13º salário integral de 2021;
-15 dias de saldo de salário de setembro de 2022;
- aviso prévio indenizado (33 dias);
- 09/12 de 13º salário de 2022;
- 08/12 de férias proporcionais com 1/3;
- multa de 40% sobre o FGTS;
-indenização por danos morais, no importe de R$5.000,00.
Determino que a reclamada, após o trânsito em julgado, no prazo de 8 (oito) dias e após intimação para tanto, proceda às retificações na CTPS da autora, junto ao registro eletrônico do contrato de trabalho, fazendo constar o CBO 2142-05 e o salário profissional aqui reconhecido, bem como anotar baixa em 18.10.2022 (OJ 82 da SDI-1 do TST), tudo sob pena de multa diária de R$ 500,00 até o limite de R$ 5.000,00, reversível ao reclamante, após intimada para tanto, sem prejuízo de expedição de ofício à DRT para ciência e aplicação das penalidades administrativas cabíveis, e ao INSS, podendo a própria reclamante, neste caso, requerer as retificações das informações de vínculos e remunerações constantes do CNIS, junto ao órgão previdenciário, por telefone, através do número 135, conforme Portaria número 123/20 do INSS, com a apresentação de documentos comprobatórios dos dados divergentes (sentença e/ou eventual acórdão e do referido ofício), conforme critérios definidos pelo referido órgão, (artigos 29-A, § 2º, da Lei 8.213/91 e 19, § 1º, do Decreto 3.048/99).
Determino também que, após o trânsito em julgado e no prazo de 8 dias contados de intimação específica, a reclamada entregue à reclamante o TRCT no código RI2 e chave de conectividade, para saque do FGTS relativo a todo o período contratual, observando-se o salário aqui reconhecido, bem como as guias CD/SD para que a autora possa pleitear o recebimento das parcelas do seguro-desemprego, em caso do preenchimento dos requisitos legais, sob pena de incidência de multa de R$100,00 por dia de descumprimento dessas obrigações, limitado ao total de R$1.000,00, sem prejuízo da expedição de alvarás para tais finalidades e de execução de eventual diferença de FGTS.
A parte ré deverá, ainda, comprovar nos autos, no prazo de 10 dias contados da intimação específica, após o trânsito em julgado, a entrega da RAIS, ano base 2021, com inclusão do nome da autora, sob pena de pagamento de multa diária de R$100,00, até o limite de R$1.000,00.
Honorários advocatícios, atualização monetária, juros de mora, contribuições previdenciárias, imposto de renda e justiça gratuita, nos termos da fundamentação.
As custas processuais são devidas pela parte reclamada, no importe de R$3.800,00, calculadas sobre o valor da condenação, arbitrado em R$190.000,00 (artigo 789, I, da CLT).
Adverte-se às partes que a oposição de embargos declaratórios meramente protelatórios ensejará a aplicação de multa, nos termos da fundamentação.
Intimem-se as partes.
TEOFILO OTONI/MG, 11 de janeiro de 2023.
FABRICIO LIMA SILVA
Juiz Titular de Vara do Trabalho
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