COVID-19 - CORONAVIRUS Afastamento. Vacina. Obrigatoriedade

Data da publicação:

Acordão - TRT

Roberto Barros da Silva - TRT/SP



A colaboradora está sendo advertida por se recusar a tomar a vacina COVID, sendo que trabalha em área crítica hospitalar.



PROCESSO nº 1000122-24.2021.5.02.0472 (RORSum)

RECORRENTE: CRISTIANE APARECIDA PEDROSO

RECORRIDO: GUIMA-CONSECO CONSTRUCAO, SERVICOS E COMERCIO LTDA

RELATOR: ROBERTO BARROS DA SILVA

JUIZ(A) PROLATOR(A) DA SENTENÇA:

RELATÓRIO

Dispensado o relatório, nos termos do artigo 852-I, "caput", da CLT.

VOTO

Admissibilidade

O recurso é adequado, tempestivo, e foi subscrito por patrono constituído pela parte (fls. 17 - Id. a01462d). As custas processuais foram isentas de recolhimento.

Conheço do apelo, portanto, por preenchidos os requisitos legais de admissibilidade recursal.

Do pedido de reversão da justa causa

A recorrente insiste na reversão da justa causa que lhe foi aplicada, e reconhecida como válida e legítima pelo Sentenciador de origem. Aduz que a dispensa foi abusiva e acrescenta que o simples fato de ter se recusado a tomar vacina contra a COVID19 não pode ser considerado ato de indisciplina ou insubordinação, pois sempre cumpriu com todos os seus deveres profissionais, e nunca desrespeitou as ordens de seus superiores. Sustenta que a recorrida não fez campanhas, não fixou cartazes, tampouco fez reuniões com seus empregados informando a respeito da necessidade de tomar vacina. Assevera que o ato do empregador em forçar que a sua empregada tomasse a vacina fere a sua honra e a dignidade humana. Acrescenta que não foi instaurado processo administrativo para apurar a suposta falta grave cometida.

Pois bem. O reexame do processado revelou que a reclamante foi admitida pela primeira reclamada em 12/11/2019, para exercer o cargo de auxiliar de limpeza. Foi dispensada por justa causa em 02/02/2021, por "ato de indisciplina e insubordinação" (artigo 482, alínea "h"da CLT), conforme se infere do documento acostado às fls. 23 - Id. 0a9f43d.

Restou incontroverso que no exercício das atribuições de seu cargo, a obreira atuava em ambiente hospitalar, haja vista que durante todo o período em que vigorou seu contrato de trabalho prestou serviços no "Hospital Infantil Municipal Marcia Braido", como auxiliar de limpeza.

Também restou corroborado que por atuar diariamente no referido hospital municipal, a reclamante foi orientada pela reclamada a se vacinar contra o novo Coronavírus (COVID19), já que o governo havia disponibilizado de forma emergencial a vacina para o grupo de funcionários que atuam em hospitais, e, portanto, exercem suas funções na chamada linha de frente ao combate contra o novo coronavírus.

A reclamante admitiu em sua petição inaugural que se recusou a tomar a vacina, mas informou que não lhe foi dada a oportunidade de justificar sua recusa, tendo sido surpreendida com a rescisão de seu contrato por justo motivo.

A reclamada contestou o pleito, e em sua tese defensiva, informou que a reclamante sempre laborou no Hospital Infantil Municipal, e que justamente por esse motivo, foi orientada a tomar a vacina contra a COVID 19, disponibilizada de forma gratuita e emergencial pelo Governo, no intuito de conter o avanço da pandemia e proteger os profissionais que atuavam de forma habitual na linha de frente da área da saúde, em ambiente hospitalar.

A reclamada asseverou que realizou a primeira campanha de vacinação, após disponibilizar aos empregados informativos acerca das medidas protetivas necessárias para conter os riscos de contágio pelo novo Coronavírus. Asseverou que a obreira simplesmente se recusou a tomar a referida vacina, sem apresentar nenhuma explicação ou justificativa, circunstância que deu ensejo à advertência aplicada em 27/01/2021, por descumprimento de normas da empresa, nos seguintes termos:

"A colaboradora está sendo advertida por se recusar a tomar a vacina COVID, sendo que trabalha em área crítica hospitalar.

Esclarecemos que a reincidência em atos iguais, similares ou que de qualquer forma conflitem com as normas legais e do regulamento interno da empresa, sujeitará V.Sa. a outras penalidades mais graves, tais como suspensão e posterior dispensa prevista pelo artigo 482 da CLT, com a rescisão do contrato de trabalho por justa causa" - (vide fls. 73 - Id. cadf467).

A reclamada informou que no mês de fevereiro de 2021, realizou nova campanha de imunização, após novos treinamentos e informativos sobre o vírus, medidas adotadas para tentar reduzir os riscos de contágio e às consequências que o avanço da pandemia poderia causar na sociedade em geral. A reclamada relatou que a reclamante mais uma vez se recusou a se vacinar, mesmo atuando diária e habitualmente em ambiente hospitalar, e mesmo sabendo dos riscos de contágio por efetuar a limpeza dos recintos, salas e equipamentos do hospital em que se ativava. Asseverou que sempre agiu de maneira a evitar riscos aos seus funcionários, e cumpriu com a obrigação de lhes garantir um ambiente saudável e seguro para o labor, obedecendo todas as orientações do Ministério da Saúde para o combate ao vírus. Informou que não poderia permitir que uma funcionária que trabalha em hospital e que, portanto, está na linha de frente ao COVID não seja imunizada, pois apresentaria risco para si, para os outros empregados e para o restante da sociedade.

O Sentenciador de origem julgou improcedente o pedido de reversão da justa causa, e a reclamante, inconformada insiste na reforma do julgado.

Sem razão. Consigne-se que no sentir deste Relator, a sentença de mérito proferida na origem se mostrou irretocável e não enseja a reforma pretendida.

A reclamada logrou êxito em comprovar, pela extensa prova documental acostada à sua peça defensiva, a adoção de um Protocolo Interno focado no combate e enfrentamento à pandemia gerada pelo novo Coronavírus, que se revelou extremamente contagioso, e até presente data, somente no Brasil, já havia contaminado oficialmente mais de dezessete milhões de pessoas, e levado a óbito mais de quatrocentos e oitenta e oito mil brasileiros, conforme se infere dos dados oficiais obtidos na página eletrônica oficial do Ministério da Saúde do Governo Federal (número atual de contaminados em 14/06/2021 - 17.452,612, número de óbitos em 14/06/2021 - 488.228 - https://covid.saude.gov.br). Convém ressaltar que segundo os dados e boletins epidemiológicos constantes da referida página oficial, a Região Sudeste, na qual a reclamante trabalhava, apresenta maior número de contágios e de óbitos quando comparado às demais regiões do Brasil, sendo que quase metade dos óbitos está concentrado nessa Região.

Consigne-se que os principais objetivos do Protocolo adotado pela reclamada eram justamente promover e disseminar as diretrizes adotadas para conter o contágio entre os clientes e colaboradores em geral, fornecer orientações aos colaboradores da empresa sobre a prevenção e a necessidade de adoção de cuidados diante da pandemia, bem como consolidar as ações e as medidas práticas adotadas pela empresa para a mitigação dos riscos.

Prosseguindo, verifico que a reclamada comprovou ter disponibilizado diversos informativos, bem como adotou diversas medidas relevantes, tais como a antecipação das férias dos colaboradores com mais de sessenta anos ou com comorbidades, transferência dos postos de trabalho das gestantes evitando que elas prestassem assistência direta aos pacientes, realização de treinamentos inclusive por meio de vídeo-aulas, e distribuição de máscaras de proteção, álcool em gel, luvas, toucas e aventais para os colaboradores da área da saúde, escalonamento dos horários de saída de algumas equipes, e adoção de outras medidas de orientação para a higiene das superfícies, das mãos, entre outras providências que estão minuciosamente descritas no documento Id. 4d2050c.

Acrescento que é público e notório que a Organização Mundial de Saúde tem afirmado e reiterado que para conter a propagação do vírus e evitar a propagação de novas cepas e variantes ainda mais contagiosas, é necessária a adoção de diversas medidas práticas concomitantes, tais como: o distanciamento social, a higienização das mãos e superfícies com sabonete ou álcool em gel, o uso correto de máscaras de proteção, e principalmente a vacinação em massa da população, no intuito de atingir a chamada "imunidade de rebanho". Ressalte-se que tais medidas têm sido adotadas por diversos países que estão conseguindo bons resultados na diminuição do número de contágios, internações e óbitos, sendo relevante pontuar que a vacinação se constitui como medida urgente que visa proteger a população e, por conseguinte, assegurar o retorno das atividades comerciais, o desenvolvimento da economia, e a reabertura das vagas de emprego.

No caso vertente, não se pode perder de vista que a autora trabalhava diariamente em ambiente hospitalar, realizando atividades de limpeza no hospital municipal infantil no qual estava alocada. Desse modo, resta patente que ela trabalhava na chamada "linha de frente" do combate ao novo Coronavírus, e justamente por essa condição, pertencia a um dos primeiros grupos prioritários que foram contemplados com a disponibilização da vacinação tão almejada pela população em geral.

A despeito das alegações da reclamante no sentido de que não poderia ser obrigada a tomar a vacina, porque não existe lei que a obrigue, é preciso consignar que em 07/02/2020 foi pulicada a lei 13.979/2020, que dispõe justamente sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública mundial deflagrada do novo coronavírus. Veja-se que o referido regramento, previu, em seu artigo 3º, inciso III, a possiblidade de realização compulsória de vacinação e outras medidas profiláticas baseadas em evidências científicas.

Com efeito, a vacinação em massa da população contra a COVID19 se constitui como medida emergencial que vem sendo adotada pelas autoridades de saúde pública de todo o mundo, no claro intuito de proteger a população em geral, evitar a propagação de novas variantes, bem como reduzir o contágio, diminuir as internações e óbitos e possibilitar o retorno da sociedade para as suas atividades laborativas, comerciais, empresariais, acadêmicas e familiares.

Ademais, convém destacar que o C. STF já se manifestou no sentido de que a vacinação obrigatória se afigura como conduta legítima, desde que as medidas profiláticas observem os critérios constantes do regramento supracitado, em especial o direito à informação, ao tratamento gratuito, entre outros, conforme se infere da decisão transcrita pelo magistrado de origem na fundamentação da sentença prolatada no primeiro grau.

Nesse passo, em se tratando de doença altamente contagiosa, que ensejou uma grave pandemia que vem sendo duramente combatida no mundo todo, e que causou o colapso do sistema de saúde em geral (escassez de vagas, elevação no número de internações hospitalares, falta de leitos de UTI, necessidade de compra de respiradores, oxigênio, medicamentos, contratação de profissionais de saúde) e ocasionou um aumento expressivo do número de óbitos, sem falar nos incontáveis prejuízos para a economia global, incluindo, por óbvio o fechamento de estabelecimentos comerciais, empresas e até mesmo a diminuição expressiva de postos de trabalho, não há como acolher a tese recursal suscitada pela apelante, no sentido de que, mesmo trabalhando na linha de frente e com vacina disponibilizada de forma gratuita pelo Governo, seu interesse pessoal, consubstanciado na simples recusa da vacina, sem a apresentação de qualquer justificativa, deve prevalecer sobre o interesse coletivo.

A bem da verdade, considerando a gravidade e a amplitude da pandemia, resta patente que se revelou inadequada a recusa da empregada que trabalha em ambiente hospitalar, em se submeter ao protocolo de vacinação previsto em norma nacional de imunização, e referendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), sobretudo se considerarmos que o imunizante disponibilizado de forma gratuita pelo Governo (vacina), foi devidamente aprovado pelo respectivo órgão regulador (ANVISA). Desse modo, considerando que a reclamada traçou estratégias para a prevenção da COVID19, divulgou informações e elaborou programa de conscientização para assegurar a adoçao de medidas protetivas e a vacinação de seus colaboradores, não se mostra razoável aceitar que o interesse particular do empregado prevaleça sobre o interesse coletivo, pois, ao deixar de tomar a vacina, a reclamante realmente colocaria em risco a saúde dos seus colegas da empresa, bem como os demais profissionais que atuam no referido hospital, além de pacientes, e seus acompanhantes.

Acrescente-se que é dever do empregador oferecer aos seus empregados ambiente de trabalho salubre e seguro, nos termos da Lei, reprisando-se que no caso vertente, a reclamada comprovou a adoção das medidas necessárias e disponibilizou aos seus colaboradores informativos sobre a necessidade de minimizar os riscos de contágio, incluindo, por óbvio, a necessidade de aderir ao sistema de imunização.

Diante de tais circunstâncias, e considerando que a reclamante já havia sido advertida anteriormente pelo mesmo motivo, e em nenhum momento tentou justificar (seja para a reclamada, seja em Juízo), o motivo que teria ensejado a recusa em tomar a vacina disponibilizada de forma emergencial e prioritária ao grupo de trabalho ao qual ela pertencia (dadas as condições de risco por trabalhar em ambiente hospitalar de risco), fico plenamente convencido de que a conduta adotada pela reclamada (aplicação da justa causa) não se revelou abusiva ou descabida, mas sim absolutamente legítima e regular, porquanto, para todos os efeitos, a reclamante não atendeu à determinação da empresa.

Ante todo o exposto, tenho por bem manter a improcedência dos pedidos formulados na exordial, e negar provimento ao apelo ora interposto, em todos os seus aspectos.

Acórdão

Pelo exposto, Acordam os magistrados da 13ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região em POR UNANIMIDADE DE VOTOS, conhecer e NEGAR PROVIMENTO ao recurso ordinário interposto pela reclamante, nos termos da fundamentação, restando inalterados os demais tópicos da sentença de mérito proferida na origem, por seus próprios e jurídicos fundamentos.

As partes atentarão ao artigo 1026, parágrafo segundo do novo CPC, bem como aos artigos 80 e 81 do mesmo diploma legal, não cabendo embargos de declaração para rever fatos, provas e a própria decisão. Nada mais.

Presidiu o julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador ROBERTO BARROS DA SILVA.

Tomaram parte no julgamento os Excelentíssimos Senhores Magistrados Federais do Trabalho ROBERTO BARROS DA SILVA  (Desembargador Relator), FERNANDO ANTÔNIO SAMPAIO DA SILVA  (Desembargador Revisor) e RAFAEL EDSON PUGLIESE RIBEIRO   (Terceiro Magistrado Votante).

Presente o(a) ilustre representante do Ministério Público do Trabalho.

ROBERTO BARROS DA SILVA

Desembargador Relator 

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