CORREÇÃO MONETÁRIA Cálculo e incidência

Data da publicação:

Acordão - TST

Cláudio Mascarenhas Brandão - TST



ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. EXPRESSÃO "EQUIVALENTES À TRD" CONTIDA NO ARTIGO 39 DA LEI Nº 8.177/91. RATIO DECIDENDI DEFINIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR ARRASTAMENTO, POR ATRAÇÃO, CONSEQUÊNCIA, DECORRENTE OU REVERBERAÇÃO NORMATIVA. INTERPETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. MODULAÇÃO DE EFEITOS AUTORIZADA PELA INTEGRAÇÃO ANALÓGICA PREVISTA NO ARTIGO 896-C,M § 17, DA CLT, INTRODUZIDO PELA LEI Nº 13.015/2014. RESPEITO AO ATO JURÍDICO PERFEITO.



A C Ó R D Ã O

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE.  EXPRESSÃO "EQUIVALENTES À TRD" CONTIDA NO ARTIGO 39 DA LEI Nº 8.177/91. RATIO DECIDENDI DEFINIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR ARRASTAMENTO, POR ATRAÇÃO, CONSEQUÊNCIA, DECORRENTE OU REVERBERAÇÃO NORMATIVA. INTERPETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. MODULAÇÃO DE EFEITOS AUTORIZADA PELA INTEGRAÇÃO ANALÓGICA PREVISTA NO ARTIGO 896-C,M § 17, DA CLT, INTRODUZIDO PELA LEI Nº 13.015/2014. RESPEITO AO ATO JURÍDICO PERFEITO. Na decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal nas ADIs nºs 4.357, 4.372, 4.400 e 4425, foi declarada inconstitucional a expressão "índice oficial da remuneração básica da caderneta de poupança", constante do § 12 do artigo 100 da Constituição Federal. Mais recentemente e na mesma linha, desta feita por meio da decisão proferida nos autos da Ação Cautelar n° 3764 MC/DF, em 24/03/2015, o entendimento foi reafirmado pela Suprema Corte, e fulminou a aplicação da TR como índice de correção monetária. A ratio decidendi desses julgamentos pode ser assim resumida: a atualização monetária incidente sobre obrigações expressas em pecúnia constitui direito subjetivo do credor e deve refletir a exata recomposição do poder aquisitivo decorrente da inflação do período em que apurado, sob pena de violar o direito fundamental de propriedade, protegido no artigo 5o, XXII, a coisa julgada (artigo 5o, XXXVI),  a isonomia (artigo 5º, caput), o princípio da separação dos Poderes (artigo 2o) e o postulado da proporcionalidade, além da eficácia e efetividade do título judicial, a vedação ao enriquecimento ilícito do devedor. Diante desse panorama, inevitável reconhecer que a expressão "equivalentes à TRD", contida no artigo 39 da Lei n° 8.177/91, também é inconstitucional, pois impede que se restabeleça o direito à recomposição integral do crédito reconhecido pela sentença transitada em julgado. O reparo, portanto, dessa iníqua situação se impõe e com urgência, na medida em que, ao permanecer essa regra, a cada dia o trabalhador amargará perdas crescentes resultantes da utilização de índice de atualização monetária do seu crédito que não reflete a variação da taxa inflacionária. A solução para a questão emana do próprio Supremo Tribunal Federal e recai sobre a declaração de Inconstitucionalidade por Arrastamento (ou por Atração, Consequência, Decorrente, Reverberação Normativa), caracterizada quando a declaração de inconstitucionalidade de uma norma impugnada se estende aos dispositivos normativos que apresentam com ela relação de conexão ou de interdependência. A técnica já foi utilizada pela Corte Maior, em inúmeros casos e, especificamente na discussão em exame, em relação à regra contida no art. 1o-F da Lei n° 9.494/97, a partir do reconhecimento de que os fundamentos da ratio decidendi principal também se encontravam presentes para proclamar o mesmo "atentado constitucional" em relação a este dispositivo que, na essência, continha o mesmo vício. A consequência da declaração da inconstitucionalidade pretendida poderá acarretar, por sua vez, novo debate jurídico, consistente em definir o índice a ser aplicável e, também, o efeito repristinatório de distintas normas jurídicas, considerando haverem sido diversas as leis que, ao longo da história, regularam o tema. Porém, a simples declaração de que as normas anteriores seriam restabelecidas, de pronto, com a retirada do mundo jurídico da lei inconstitucional, ainda que possível, não permitiria encontrar a solução, diante da extinção da unidade de referência de cuja variação do valor nominal se obtinha a definição do fator de reajuste, além de, de igual modo, haver sido assegurado no comando do STF a indicação do índice que reflete a variação plena da inflação. Nessa mesma linha de argumentação e como solução que atenda à vontade do legislador e evite a caracterização do "vazio normativo", pode ser adotada a técnica de interpretação conforme a Constituição para o texto remanescente do dispositivo impugnado, que mantém o direito à atualização monetária dos créditos trabalhistas. Pretende-se, pois, expungir do texto legal a expressão que atenta contra a Constituição e, uma vez mantida a regra que define direito à atualização monetária (o restante do artigo 39), interpretá-la em consonância com as diretrizes fixadas na Carta, para assegurar o direito à incidência do índice que reflita a variação integral da "corrosão inflacionária", dentre os diversos existentes (IPC, IGP, IGP-M, ICV, INPC e IPCA, por exemplo), acolhendo-se o IPCA-E, tal como definido pela Corte Maior. Mas isso também não basta. Definido o novo índice de correção, consentâneo com os princípios constitucionais que levaram à declaração de inconstitucionalidade do parâmetro anterior, ainda será necessária a modulação dos efeitos dessa decisão, autorizada esta Corte por integração analógica do artigo 896-C, § 17, da CLT, introduzido pela Lei nº 13.015/2014, a fim de que se preservem as situações jurídicas consolidadas resultantes dos pagamentos efetuados nos processos judiciais em virtude dos quais foi adimplida a obrigação, sobretudo em decorrência da proteção ao ato jurídico perfeito, resguardado desde o artigo 5º, XXXVI, da Constituição, até o artigo 6º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro – LIDB. Em conclusão: declara-se a inconstitucionalidade por arrastamento da expressão "equivalentes à TRD", contida no caput do artigo 39 da Lei n° 8.177/91; adota-se a técnica de interpretação conforme a Constituição para o texto remanescente do dispositivo impugnado, a preservar o direito à atualização monetária dos créditos trabalhistas; define-se a variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) como fator de atualização a ser utilizado na tabela de atualização monetária dos débitos trabalhistas na Justiça do Trabalho; e atribui-se efeito modulatório à decisão, que deverá prevalecer a partir de 30 de junho de 2009 (data de vigência da Lei nº 11.960/2009, que acresceu o artigo 1º-F à Lei nº 9.494/1997, declarado inconstitucional pelo STF, com o registro de que essa data corresponde à adotada no Ato de 16/04/2015, da Presidência deste Tribunal, que alterou o ATO.TST.GDGSET.GP.Nº 188, de 22/4/2010, publicado no BI nº 16, de 23/4/2010, que estabelece critérios para o reconhecimento administrativo, apuração de valores e pagamento de dívidas de exercícios anteriores – passivos – a magistrados e servidores do Tribunal Superior do Trabalho), observada, porém, a preservação das situações jurídicas consolidadas resultantes dos pagamentos efetuados nos processos judiciais em virtude dos quais foi adimplida a obrigação, em respeito à proteção ao ato jurídico perfeito, também protegido constitucionalmente (art. 5º, XXXVI). (TST-ArgInc-479-60.2011.5.04.0231, Claúdio Brandão, DEJT 14.08.2015).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Arguição de Inconstitucionalidade n° TST-ArgInc-479-60.2011.5.04.0231, em que é Suscitante 7ª TURMA DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, Interessados MUNICÍPIO DE GRAVATAÍ e LISSANDRA ANGÉLICA MARQUES e Amicus Curiae CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL.

Ao apreciar o AIRR-479-60.2011.5.04.0231, em que ambas as partes provocam a manifestação desta Corte quanto ao índice de correção monetária aplicável aos créditos trabalhistas, a 7ª Turma desta Corte, acompanhando voto de minha lavra, decidiu, à unanimidade, dar provimento aos agravos de instrumentos das partes para determinar o processamento dos recursos de revista.

Também à unanimidade, decidiu conhecer dos recursos de revista, por violação do art. 100, § 12, da Constituição Federal, e, na sequência, suscitou o incidente de inconstitucionalidade da expressão "equivalentes à TRD", contida no caput do artigo 39 da Lei n° 8.177/91, tendo sido determinada a remessa dos presentes autos ao exame do egrégio Tribunal Pleno, consoante previsão contida no § 3o do artigo 245 do Regimento Interno.

Deferido o ingresso do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, na qualidade de amicus curiae.

É o relatório.

V O T O

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA REGRA PREVISTA NO ARTIGO 39 DA LEI N° 8.177/91, QUE DETERMINA A UTILIZAÇÃO DO ÍNDICE CORRESPONDENTE À VARIAÇÃO DA TAXA REFERENCIAL (TR) COMO CRITÉRIO DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA DOS DÉBITOS TRABALHISTAS – DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 12 DO ARTIGO 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – MODULAÇÃO DE EFEITOS – APLICAÇÃO DO ÍNDICE IPCA-E

Discute-se a definição do índice a ser adotado para a atualização monetária dos créditos trabalhistas, tendo em vista a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal nas ADIs nºs 4.357, 4.372, 4.400 e 4425, em que foi Relator originário o Exmo. Ministro Carlos Ayres Britto e Redator para o acórdão o Exmo. Ministro Luiz Fux, nas quais foi declarada inconstitucional a expressão "índice oficial da remuneração básica da caderneta de poupança", constante do § 12 do artigo 100 da Constituição Federal.

A matéria, como se vê, é por demais importante e exige, de início, que se analise o citado acórdão, a fim de que dele possa ser extraída a ratio decidendi, para, a partir dela, reunir os elementos necessários para aferir se igualmente estão presentes no dispositivo regente da atualização monetária dos créditos trabalhistas e que serve de base para a tabela confeccionada e periodicamente atualizada pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho, utilizada pelos Tribunais Regionais do Trabalho para esse fim e também disponibilizada para o público em geral.

A regra em foco consiste no caput do artigo 39 da Lei n° 8.177/91 e, mais especificamente, na expressão "equivalentes à TRD acumulada" nele contida, que ora destaco:

"Art. 39. Os débitos trabalhistas de qualquer natureza, quando não satisfeitos pelo empregador nas épocas próprias assim definidas em lei, acordo ou convenção coletiva, sentença normativa ou cláusula contratual sofrerão juros de mora equivalentes à TRD acumulada no período compreendido entre a data de vencimento da obrigação e o seu efetivo pagamento."

Para tanto, cumpre destacar alguns dos caminhos trilhados pela Suprema Corte neste demorado e importante julgamento que provocou verdadeira reviravolta no sistema de pagamento dos precatórios adotado pela Emenda Constitucional n° 62.

O longo e erudito voto proferido pelo Relator originário, Ministro Carlos Ayres Britto, encaminhou-se no sentido da declaração de inconstitucionalidade de toda a citada Emenda, por vício formal, considerando o artifício utilizado em sua tramitação, representado pela supressão do interstício de cinco dias entre os dois turnos de votação e, em menos de um dia, discutido e votado.

Verberou, enfaticamente, S. Exa.:

13. Ora, o que se viu da tramitação da Proposta de Emenda no 12-A/06 à Constituição, no Senado Federal, foi algo bem diverso de uma ampla discussão e, principalmente, rediscussão da matéria. Digo isso porque, no dia 02 de dezembro de 2009, em menos de uma hora, o Senado Federal discutiu, votou e tornou a discutir e votar o projeto. A revelar que se verificou, de fato, apenas um turno de discussão e votação. O artifício de abrir e encerrar, numa mesma noite, sucessivas sessões deliberativas não atende à exigência constitucional da realização de uma segunda rodada de discussão e votação, precedida de razoável intervalo até para a serenização de ânimos eventualmente exacerbados, ao lado de amadurecimento das ideias. Segundo turno que, não se limitando a uma nova e imediata votação, implica a necessidade de um tão renovado quanto amplo debate da proposta de emenda à Constituição, volto a dizer. O que demanda o encarecido espaçamento temporal, ora maior, ora menor, mas nunca num mesmo dia, ou no curso de uma única noite e, pior ainda, de mecânicos sessenta minutos. Do contrário, deixar-se-ia à discrição do poder constituinte derivado (a que prefiro chamar de reformador, por se tratar de um poder deliberativo já normado pela nova ordem constitucional) afrouxar e até factualmente ignorar os condicionamentos procedimentais e temporais que lhe impôs o poder autenticamente constituinte. Único a deter, mais que simples competência, uma original "potência" normante (para me valer da palavra cunhada pelo constitucionalista argentino Reinaldo Vanossi).

14. Segue-se daqui o óbvio: a Emenda Constitucional no 62/2009 é formalmente inconstitucional. E não afirmo isso apenas porque o prazo regimental de cinco dias úteis deixou de ser observado (art. 362 do Regimento Interno do Senado Federal[1]). Não! Não se cuida, aqui, exclusivamente, de matéria regimental e, portanto, interna corporis a uma das Casas do Congresso Nacional. Louvo-me principalmente é na substância mesma do § 2o do art. 60 da Constituição Federal, ainda que nele não se faça menção ao preciso interstício entre os dois turnos de discussão e votação da proposta de emenda a ela, Constituição Federal.

Tal afirmação, contudo, não foi acolhida pela maioria dos Ministros que, de maneira diversa e a partir do voto condutor do eminente Ministro Luiz Fux, concluiu no sentido da autonomia das Casas Legislativas para disporem sobre a matéria, em especial pela ausência de regra definidora de limite temporal para o interregno entre as sessões correspondentes aos dois turnos de votação, além de, no plano material, haver sido precedida de amplo debate democrático sobre o seu texto, como salientou:

"Em suma, parece-me que esta Suprema Corte não pode se arvorar à condição de juiz da robustez do debate parlamentar para além das formas expressamente exigidas pela Constituição Federal. No que excede os limites constitucionais, há que se reconhecer uma espécie de deferência à atuação do Poder Legislativo no campo dos atos formais que se inserem no processo político, dotadas de um valor intrínseco pelo batismo democrático também no que concerne à interpretação da Constituição. É tênue, com efeito, o limite entre a defesa judicial dos valores da Constituição, missão irrenunciável deste Supremo Tribunal Federal por força da própria Carta de 1988 (CF, art. 102, caput), e uma espécie perigosa de supremacia judicial, através da qual esta Corte acabe por negar qualquer voz aos demais poderes políticos na construção do sentido e do alcance das normas constitucionais. Como aponta a moderna doutrina, "é fundamental para a realização dos pressupostos do Estado Democrático de Direito um desenho institucional em que o sentido futuro da Constituição se dê através de um diálogo aberto entre as instituições políticas e a sociedade civil, em que nenhum deles seja ‘supremo’, mas antes, que cada um dos ‘poderes’ contribua com a sua específica capacidade institucional" (BRANDÃO, Rodrigo. Supremacia judicial versus diálogos constitucionais – a quem cabe a última palavra sobre o sentido da Constituição? Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2012, p. 287).

No entanto, mesmo que assumida como verdadeira a premissa oposta, é importante ressaltar que ainda assim, sob o ângulo material, a argumentação dos autores não prosperaria. É que não se revela verdadeira a tese de que a reforma da sistemática constitucional dos precatórios foi levada a cabo, no Senado Federal, sem o devido debate democrático.

Ora, em um processo legislativo longo e aberto como este, iniciado em 2006 e findo em 2009, pautado não por uma, mas por quatro audiências públicas realizada com a participação da sociedade civil, parece não haver espaço, sob o ângulo material, para a tese de inocorrência de debate parlamentar suficientemente refletido para a aprovação da EC no 62/09, de modo que não cabe falar em vício formal nem mesmo sob a suposta vertente teleológica de interpretação do art. 60, §2o, da Constituição.

Rejeito, por todas essas razões, o alegado vício de forma da Emenda Constitucional n° 62/09."

 

Contudo, ambos os Ministros, Ayres Britto e Fux, avançaram na análise do mérito dos diversos dispositivos e, para o que interessa, do citado § 12 do artigo 100 da Carta Maior, que fixava critério de atualização monetária dos créditos inseridos em precatórios.

No voto do Ministro Ayres Britto, foram assentadas as premissas que sustentaram a sua inconstitucionalidade, o qual, apesar de longo, exige integral transcrição, a fim de que se compreenda o alcance do comando que, posteriormente, veio a ser proclamado pelo Supremo, já nas palavras do Ministro Fux.

Disse o Ministro Ayres Britto:

"29. Ora, o § 5O do art. 100 da Magna Carta, cuja redação é idêntica àquela que já constava do § 1o do mesmo artigo da Constituição originária, dispõe ser "obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1o de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente". Pois foi justamente em face desse dispositivo constitucional (e também do art. 33 do ADCT), que este Supremo Tribunal Federal consolidou sua jurisprudência no sentido de que: a) "o valor do crédito constante de precatório deve ser atualizado monetariamente, - também a partir de 1o de julho do exercício de sua expedição, até a data do efetivo pagamento" (RE 212.285- AgR, Rel. Min. Néri da Silveira); b) "durante o período previsto no parágrafo 1o do artigo 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos" (Súmula Vinculante no 17), sendo cabíveis os juros moratórios apenas "se houver atraso no pagamento" (AI 643.732-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia); c) "não são devidos [juros compensatórios] ainda que o pagamento do precatório tenha ocorrido a destempo" (AI 494.526-ED-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence).

30. Observa-se, então, que, em princípio, o novo § 12 do art. 100 da Constituição Federal retratou a jurisprudência consolidada desta nossa Corte, ao deixar mais clara: a) a exigência da "atualização de valores de requisitórios, após sua expedição [e] até o efetivo pagamento"; b) a incidência de juros simples "para fins de compensação da mora"; c) a não incidência de juros compensatórios (parte final do § 12 do art. 100 da CF). Mas o fato é que o dispositivo em exame foi além: fixou, desde logo, como referência para correção monetária, o índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, bem como, "para fins de compensação de mora", o mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança. E contra esse plus normativo é que se insurgem os requerentes.

31. Insurgência, a meu ver, que é de ser acolhida quanto à utilização do "índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança" para a atualização monetária dos débitos inscritos em precatório. É que a correção monetária, consoante já defendi em artigo doutrinário[2] é instituto jurídico-constitucional, porque tema específico ou a própria matéria de algumas normas figurantes do nosso Magno Texto, tracejadoras de um peculiar regime jurídico para ela.[3] Instituto que tem o pagamento em dinheiro como fato-condição de sua incidência e, como objeto, a agravação quantitativa desse mesmo pagamento. Agravação, porém, que não corresponde a uma sobrepaga, no sentido de constituir obrigação nova que se adiciona à primeira, com o fito de favorecer uma das partes da relação jurídica e desfavorecer a outra. Não é isso. Ao menos no plano dos fins a que visa a Constituição, na matéria, ninguém enriquece e ninguém empobrece por efeito de correção monetária, porque a dívida que tem o seu valor nominal atualizado ainda é a mesma dívida. Sendo assim, impõe-se a compreensão de que, com a correção monetária, a Constituição manda que as coisas mudem..., para que nada mude; quero dizer: o objetivo constitucional é mudar o valor nominal de uma dada obrigação de pagamento em dinheiro, para que essa mesma obrigação de pagamento em dinheiro não mude quanto ao seu valor real. É ainda inferir: a correção monetária é instrumento de preservação do valor real de um determinado bem, constitucionalmente protegido e redutível a pecúnia. Valor real a preservar que é sinônimo de poder de compra ou "poder aquisitivo", tal como se vê na redação do inciso IV do art. 7o da C.F., atinente ao instituto do salário mínimo.[4] E se se coloca assim na aplainada tela da Constituição a imagem de um poder aquisitivo a resguardar, é porque a expressão financeira do bem juridicamente protegido passa a experimentar, com o tempo, uma deterioração ou perda de substância, por efeito, obviamente, do fato econômico genérico a que se dá o nome de "inflação". Daí porque deixar de assegurar a continuidade desse valor real é, no fim das contas, desequilibrar a equação econômico-financeira entre devedor e credor de uma dada obrigação de pagamento, em desfavor do último.

32. Com efeito, neste ponto de intelecção das coisas, nota-se que a correção monetária se caracteriza, operacionalmente, pela citada aptidão para manter um equilíbrio econômico-financeiro entre sujeitos jurídicos. E falar de equilíbrio econômico-financeiro entre partes jurídicas é, simplesmente, manter as respectivas pretensões ou os respectivos interesses no estado em que primitivamente se encontravam. Pois não se trata de favorecer ou beneficiar ninguém. O de que se cuida é impedir que a perda do poder aquisitivo da moeda redunde no empobrecimento do credor e no correlato enriquecimento do devedor de uma dada obrigação de pagamento em dinheiro. Pelo que já se pode compreender melhor que a agravação no "quantum" devido pelo sujeito passivo da relação jurídica não é propriamente qualitativa, mas tão-somente quantitativa. A finalidade da correção monetária, enquanto instituto de Direito Constitucional, não é deixar mais rico o beneficiário, nem mais pobre o sujeito passivo de uma dada obrigação de pagamento. É deixá-los tal como qualitativamente se encontravam, no momento em que se formou a relação obrigacional. Daí me parecer correto ajuizar que a correção monetária constitui verdadeiro direito subjetivo do credor, seja ele público, ou, então, privado. Não, porém, uma nova categoria de direito subjetivo, superposta àquele de receber uma prestação obrigacional em dinheiro. O direito mesmo à percepção da originária paga é que só existe em plenitude, se monetariamente corrigido. Donde a correção monetária constituir-se em elemento do direito subjetivo à percepção de uma determinada paga (integral) em dinheiro. Não há dois direitos, portanto, mas um único direito de receber, corrigidamente, um valor em dinheiro. Pois que, sem a correção, o titular do direito só o recebe mutilada ou parcialmente. Enquanto o sujeito passivo da obrigação, correlatamente, dessa obrigação apenas se desincumbe de modo reduzido.

33. Convém insistir no raciocínio. Se há um direito subjetivo à correção monetária de determinado crédito, direito que, como visto, não difere do crédito originário, fica evidente que o reajuste há de corresponder ao preciso índice de desvalorização da moeda, ao cabo de um certo período; quer dizer, conhecido que seja o índice de depreciação do valor real da moeda – a cada período legalmente estabelecido para a respectiva medição – , é ele que por inteiro vai recair sobre a expressão financeira do instituto jurídico protegido com a cláusula de permanente atualização monetária. É o mesmo que dizer: medido que seja o tamanho da inflação num dado período, tem-se, naturalmente, o percentual de defasagem ou de efetiva perda de poder aquisitivo da moeda que vai servir de critério matemático para a necessária preservação do valor real do bem ou direito constitucionalmente protegido.

34. O que determinou, no entanto, a Emenda Constitucional n° 62/2009? Que a atualização monetária dos valores inscritos em precatório, após sua expedição e até o efetivo pagamento, se dará pelo "índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança". Índice que, segundo já assentou este Supremo Tribunal Federal na ADI 493, não reflete a perda de poder aquisitivo da moeda.[5] Cito passagem do minucioso voto do Ministro Moreira Alves:

 "Como se vê, a TR é a taxa que resulta, com a utilização das complexas e sucessivas fórmulas contidas na Resolução n° 1085 do Conselho Monetário Nacional, do cálculo da taxa média ponderada da remuneração dos CDB/RDB das vinte instituições selecionadas, expurgada esta de dois por cento que representam genericamente o valor da tributação e da ‘taxa real histórica de juros da economia’ embutidos nessa remuneração.

Seria a TR índice de correção monetária, e, portanto, índice de desvalorização da moeda, se inequivocamente essa taxa média ponderada da remuneração dos CDB/RDB com o expurgo de 2% fosse constituída apenas do valor correspondente à desvalorização esperada da moeda em virtude da inflação. Em se tratando, porém, de taxa de remuneração de títulos para efeito de captação de recursos por parte de entidades financeiras, isso não ocorre por causa dos diversos fatores que influem na fixação do custo do dinheiro a ser captado.

(...)A variação dos valores das taxas desse custo prefixados por essas entidades decorre de fatores econômicos vários, inclusive peculiares a cada uma delas (assim, suas necessidades de liquidez) ou comuns a todas (como, por exemplo, a concorrência com outras fontes de captação de dinheiro, a política de juros adotada pelo Banco Central, a maior ou menor oferta de moeda), e fatores esses que nada têm que ver com o valor de troca da moeda, mas, sim – o que é diverso -, com o custo da captação desta."

35. O que se conclui, portanto, é que o § 12 do art. 100 da Constituição acabou por artificializar o conceito de atualização monetária. Conceito que está ontologicamente associado à manutenção do valor real da moeda. Valor real que só se mantém pela aplicação de índice que reflita a desvalorização dessa moeda em determinado período. Ora, se a correção monetária dos valores inscritos em precatório deixa de corresponder à perda do poder aquisitivo da moeda, o direito reconhecido por sentença judicial transitada em julgado será satisfeito de forma excessiva ou, de revés, deficitária. Em ambas as hipóteses, com enriquecimento ilícito de uma das partes da relação jurídica. E não é difícil constatar que a parte prejudicada, no caso, será, quase que invariavelmente, o credor da Fazenda Pública. Basta ver que, nos últimos quinze anos (1996 a 2010), enquanto a TR (taxa de remuneração da poupança) foi de 55,77%, a inflação foi de 97,85%, de acordo com o IPCA.

36. Não há como, portanto, deixar de reconhecer a inconstitucionalidade da norma atacada, na medida em que a fixação da remuneração básica da caderneta de poupança como índice de correção monetária dos valores inscritos em precatório implica indevida e intolerável constrição à eficácia da atividade jurisdicional. Uma afronta à garantia da coisa julgada e, por reverberação, ao protoprincípio da separação dos Poderes.

37. Certo que, bem pontuou o Advogado-Geral da União, o § 12 do art. 100 da Constituição Federal não se reporta à correção monetária já aplicada pelo Juízo competente.[6] Trata, isto sim, de atualização dos valores constantes de ofícios requisitórios, após sua expedição e até a data do efetivo pagamento. Também correta a assertiva de que pode a lei, a fim de evitar "dissensos jurisprudenciais e morosos debates acerca do índice a ser aplicado", fixar, desde logo, um índice oficial. Mas nem por isso deixa de haver violação à coisa julgada e à separação dos Poderes. Primeiro, porque de nada adianta o direito reconhecido pelo Judiciário ser corretamente atualizado até a data de expedição do precatório[7], se, entre a expedição do requisitório e seu efetivo pagamento, pode ele (o direito) sofrer depreciação de 10, 20, 40%. Qualquer ideia de incidência mutilada da correção monetária, isto é, qualquer tentativa de aplicá-la a partir de um percentualizado redutor, caracteriza fraude à Constituição. Segundo, o que jaz à disponibilidade do legislador (inclusive o de reforma da Constituição) não é o percentual da inflação. Esse percentual, seja qual for, já estará constitucionalmente recepcionado como o próprio reajuste nominal da moeda. O que fica à mercê do poder normativo do Estado é a indicação de providências viabilizadoras de uma isenta aferição do crescimento inflacionário, tais como: a) o lapso temporal em que se fará a medida da inflação, compreendendo a data-base e a periodicidade; b) as mercadorias ou os bens de consumo que servirão de objeto de pesquisa para o fim daquela aferição, com o que se terá um índice geral, ou, então, um índice setorial de preços; c) o órgão ou entidade encarregada da pesquisa de mercado. Daí que um dado índice oficial de correção monetária de precatórios possa constar de lei, desde que tal índice traduza o grau de desvalorização da moeda. Principalmente se se levar em conta que o art. 97 do ADCT (acrescentado pela EC n° 62/2009) instituiu nova moratória de 15 (quinze) anos para pagamento de precatórios por Estados, Distrito Federal e Municípios. Do que resulta o óbvio: se a "preservação do valor real" do patrimônio particular é constitucionalmente assegurada, mesmo nos casos de descumprimento da função social da propriedade (inciso III do § 4o do art. 182 e caput do art. 184, ambos da CF[8]), como justificar o sacrifício ao crédito daquele que tem a seu favor uma sentença judicial transitada em julgado?

38. Com estes fundamentos, tenho por inconstitucional a expressão "índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança", constante do § 12 do art. 100 da Constituição Federal, do inciso II do § 1o e do § 16, ambos do art. 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.[9]

[...]

56. Por todo o exposto, julgo procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade formal de toda a Emenda Constitucional no 62, de 09 de dezembro de 2009. Caso vencido quanto ao vício de inconstitucionalidade formal, julgo parcialmente procedente a ação para o fim de: a) declarar a inconstitucionalidade da expressão "na data de expedição do precatório", contida no § 2o do art. 100 da Constituição Federal; b) declarar inconstitucionais os §§ 9o e 10 do art. 100 da Constituição da República; c) assentar a inconstitucionalidade da expressão "índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança", constante do § 12 do art. 100 da Constituição Federal, do inciso II do § 1o e do § 16, ambos do art. 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; d) declarar inconstitucional o fraseado "independentemente de sua natureza", contido no § 12 do art. 100 da Constituição, para que aos precatórios de natureza tributária se apliquem os mesmos juros de mora incidentes sobre o crédito tributário; e) declarar a inconstitucionalidade, por arrastamento (itens "c" e "d" acima), do art. 5o da Lei no 11.960/2009; f) assentar a inconstitucionalidade do § 15 do art. 100 da Constituição Federal e de todo o art. 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (especificamente o caput e os §§ 1o, 2o, 4o, 6o, 8o, 9o, 14 e 15, sendo os demais por arrastamento ou reverberação normativa).

57. É como voto."

De toda a fundamentação, porque relevantes, extraio os seguintes elementos valorativos acolhidos por S. Exa.:

1. a atualização monetária é instituto jurídico-constitucional, porque tema específico ou matéria própria de algumas normas contidas na Constituição;

2. não representa acréscimo à dívida originária, de modo a favorecer ao credor;

3. a dívida que tem o seu valor nominal atualizado ainda é a mesma dívida;

4. deixar de assegurar a sua incidência desequilibra a equação econômico-financeira entre devedor e credor, em desfavor deste último, ou seja, negar-lhe o direito acarreta o seu empobrecimento e correlato enriquecimento do devedor, pois a dívida é quitada mutilada ou de maneira parcial, ao passo que o sujeito passivo da obrigação dela se desincumbe de modo reduzido;

5. constitui verdadeiro direito subjetivo do credor à percepção de uma determinada paga (integral) em dinheiro;

6. é instrumento de preservação do valor real de determinado bem, constitucionalmente protegido e redutível a dinheiro, como fim de resguardar o seu "poder aquisitivo" e da deterioração ou perda de substância em virtude da inflação;

7. caracteriza-se, operacionalmente, pela aptidão para manter equilíbrio econômico-financeiro entre sujeitos da relação jurídica que lhe deu origem;

8. a sua incidência objetiva deixar os sujeitos da relação jurídica tal como qualitativamente se encontravam, no momento em que se formou a relação obrigacional;

9. o índice há de corresponder ao preciso índice de desvalorização da moeda, em um certo período.

Ao analisar a utilização da TR, assentou o então Ministro Relator:

1. o "índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança", na linha da jurisprudência do STF, não reflete a perda de poder aquisitivo da moeda (ADI 493);

2. a metodologia de cálculo da TR não revela a correspondente desvalorização da moeda, pois os fatores econômicos nela adotados não se relacionam com o valor de troca da moeda, mas, sim – o que é diverso -, com o custo da sua captação;

3. por não refletir a exata recomposição do poder de compra, representa afronta à garantia da coisa julgada e à separação dos Poderes, porque de nada adianta o direito reconhecido pelo Judiciário ser corretamente atualizado, até a data de expedição do precatório, se sofrer depreciação até o efetivo pagamento;

4. a incidência de índices com redutores caracteriza fraude à Constituição;

5. a "preservação do valor real" do patrimônio particular é constitucionalmente assegurada.

Posteriormente, ao proferir o seu voto, o Ministro Luiz Fux, não apenas ratificou o quanto já afirmado pelo Ministro Ayres Britto, como incorporou outros fundamentos, relacionados ao fato de ser aferida a taxa remuneratória das cadernetas de poupança de modo antecipado e, mais, não se mostrar idônea a mensurar a variação do poder aquisitivo da moeda, o que revela discrepância entre ambos, de modo que o primeiro não se presta a capturar o segundo.

Assentou, ainda, que a incidência dos índices de atualização monetária decorre diretamente do direito de propriedade assegurado no artigo 5o, XXII, da Constituição. Veja-se:

"Quanto à disciplina da correção monetária dos créditos inscritos em precatórios, a EC n° 62/09 fixou como critério o "índice oficial de remuneração da caderneta de poupança". Ocorre que o referencial adotado não é idôneo a mensurar a variação do poder aquisitivo da moeda. Isso porque a remuneração da caderneta de poupança, regida pelo art. 12 da Lei n° 8.177/91, com atual redação dada pela Lei n° 12.703/2012, é fixada ex ante, a partir de critérios técnicos em nada relacionados com a inflação empiricamente considerada. Já se sabe, na data de hoje, quanto irá render a caderneta de poupança. E é natural que seja assim, afinal a poupança é uma alternativa de investimento de baixo risco, no qual o investidor consegue prever com segurança a margem de retorno do seu capital.

A inflação, por outro lado, é fenômeno econômico insuscetível de captação apriorística. O máximo que se consegue é estimá-la para certo período, mas jamais fixá-la de antemão. Daí por que os índices criados especialmente para captar o fenômeno inflacionário são sempre definidos em momentos posteriores ao período analisado, como ocorre com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), divulgado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). A razão disso é clara: a inflação é sempre constatada em apuração ex post, de sorte que todo índice definido ex ante é incapaz de refletir a efetiva variação de preços que caracteriza a inflação. É o que ocorre na hipótese dos autos. A prevalecer o critério adotado pela EC n° 62/09, os créditos inscritos em precatórios seriam atualizados por índices pré-fixados e independentes da real flutuação de preços apurada no período de referência. Assim, o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança não é critério adequado para refletir o fenômeno inflacionário.

Destaco que nesse juízo não levo em conta qualquer consideração técnico-econômica que implique usurpação pelo Supremo Tribunal Federal de competência própria de órgãos especializados. Não se trata de definição judicial de índice de correção. Essa circunstância, já rechaçada pela jurisprudência da Casa, evidentemente transcenderia as capacidades institucionais do Poder Judiciário. Não obstante, a hipótese aqui é outra.

Diz respeito à idoneidade lógica do índice fixado pelo constituinte reformador para capturar a inflação, e não do valor específico que deve assumir o índice para determinado período. Reitero: não se pode quantificar, em definitivo, um fenômeno essencialmente empírico antes mesmo da sua ocorrência. A inadequação do índice aqui é autoevidente.

Corrobora essa conclusão reportagem esclarecedora veiculada em 21 de janeiro de 2013 pelo jornal especializado Valor Econômico. Na matéria intitulada "Cuidado com a inflação", o periódico aponta que "o rendimento da poupança perdeu para a inflação oficial, medida pelo IPCA, mês a mês desde setembro" de 2012. E ilustra: "Quem investiu R$1mil na caderneta em 31 de junho [de 2012], fechou o ano com poder de compra equivalente a R$996,40. Ganham da inflação apenas os depósitos feitos na caderneta antes de 4 de maio, com retorno de 6%. Para os outros, vale a nova regra, definida no ano passado, de rendimento equivalente a 70% da meta para a Selic, ou seja, de 5,075%". Em suma: há manifesta discrepância entre o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança e o fenômeno inflacionário, de modo que o primeiro não se presta a capturar o segundo. O meio escolhido pelo legislador constituinte (remuneração da caderneta de poupança) é, portanto, inidôneo a promover o fim a que se destina (traduzir a inflação do período).

Não bastasse essa constatação, é de se ver que o próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu que a Taxa Referencial não reflete a perda do poder aquisitivo da moeda. Ao julgar a ADIn 493, rel. Min. Moreira Alves, o plenário desta Corte entendeu que o aludido índice não foi criado para captar a variação de preços na economia, daí ser insuscetível de operar como critério de atualização monetária. Eis trecho esclarecedor da respetiva ementa:

"A taxa referencial (TR) não é índice de correção monetária, pois, refletindo as variações do custo primário da captação dos depósitos a prazo fixo, não constitui índice que reflita a variação do poder aquisitivo da moeda. Por isso, não há necessidade de se examinar a questão de saber se as normas que alteram índice de correção monetária se aplicam imediatamente, alcançando, pois, as prestações futuras de contratos celebrados no passado, sem violarem o disposto no artigo 5, XXXVI, da Carta Magna. - Também ofendem o ato jurídico perfeito os dispositivos impugnados que alteram o critério de reajuste das prestações nos contratos já celebrados pelo sistema do Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional (PES/CP). Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 18, "caput" e parágrafos 1 e 4; 20; 21 e paragrafo único; 23 e parágrafos; e 24 e parágrafos, todos da Lei n. 8.177, de 1 de maio de 1991". (ADI 493, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 25/06/1992, DJ 04-09-1992)

Assentada a premissa quanto à inadequação do aludido índice, mister enfrentar a natureza do direito à correção monetária. Na linha já exposta pelo i. Min. relator, "a finalidade da correção monetária, enquanto instituto de Direito Constitucional, não é deixar mais rico o beneficiário, nem mais pobre o sujeito passivo de uma dada obrigação de pagamento. É deixá-los tal como qualitativamente se encontravam, no momento em que se formou a relação obrigacional". Daí que a correção monetária de valores no tempo é circunstância que decorre diretamente do núcleo essencial do direito de propriedade (CF, art. 5O, XXII). Corrigem-se valores nominais para que permaneçam com o mesmo valor econômico ao longo do tempo, diante da inflação. A ideia é simplesmente preservar o direito original em sua genuína extensão. Nesse sentido, o direito à correção monetária é reflexo imediato da proteção da propriedade. Deixar de atualizar valores pecuniários ou atualizá-los segundo critérios evidentemente incapazes de capturar o fenômeno inflacionário representa aniquilar o direito propriedade em seu núcleo essencial.

Tal constatação implica a pronúncia de inconstitucionalidade parcial da EC n° 62/09 de modo a afastar a expressão "índice oficial de remuneração da caderneta de poupança" introduzida no §12 do art. 100 da Lei Maior como critério de correção monetária dos créditos inscritos em precatório, por violação ao direito fundamental de propriedade (art. 5O, XII, CF/88), inegável limite material ao poder de reforma da Constituição (art. 60, §4O, IV, CF/88)."

O Plenário, então, por maioria, julgou parcialmente procedentes as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) n°s 4357 e 4425 e proclamou a inconstitucionalidade de parte da Emenda Constitucional n° 62/2009, que instituiu o novo regime especial de pagamento de precatórios, e, no que se relaciona ao caso em tela, decidiu:

(iii) afastar a expressão "índice oficial de remuneração da caderneta de poupança", quanto à atualização monetária dos créditos em precatórios, contido no §12 do art. 100 da CF, por manifesta violação ao direito de propriedade (CF, art. 5O, XXII) e ao postulado da proporcionalidade, extraível da garantia do devido processo legal substantivo (CF, art. 5O, LIV), inegáveis limites materiais ao poder de reforma da Constituição (CF, art. 60, §4O, IV);

(iv) afastar, por arrastamento, a mesma expressão ("índice oficial de remuneração da caderneta de poupança") contida no art. 1O-F da Lei n° 9.494/97, com redação pelo art. 5O da Lei n° 11.960/2009;

Ressalte-se que também se considerou inconstitucional o artigo 97 do ADCT, por afrontar cláusulas pétreas, como a de garantia de acesso à Justiça, a independência entre os Poderes e a proteção à coisa julgada.

Outros fundamentos foram agregados ao acórdão nos votos proferidos pelos demais Ministros que acompanharam o Relator, dentre os quais destaco o Ministro Marco Aurélio Mello, que reconheceu a necessidade de ser promovida a interpretação conforme a Constituição para preservar a autoridade da coisa julgada e vedar o enriquecimento ilícito do devedor, representado pela perda inflacionária:

"Vou adiante e pronuncio o voto quanto à correção, à reposição do poder aquisitivo da moeda, que não é plus. Visa, acima de tudo, evitar o desequilíbrio da equação inicial envolvendo credor e devedor. E, se entendermos que pode haver a utilização de índice que não corresponda ao oficial alusivo à inflação, estaremos mitigando o título judicial e também viabilizando o enriquecimento sem causa do devedor.

O ministro Carlos Ayres Britto teve a oportunidade de dar um exemplo: pinçou o período de 1996 a 2010, portanto, recente, em que, no tocante à correção da caderneta, observou-se o percentual de 55.77%, quando, na verdade, a inflação pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo chegou a 97.85% – quase o dobro. Portanto, cabe a interpretação conforme à Carta da República – a princípio, implícito na Constituição, a obstaculizar o mal-trato à coisa julgada e também ao enriquecimento ilícito – para que a correção reflita realmente a necessária reposição do poder aquisitivo da moeda."

A Ministra Rosa Weber, por sua vez, acentuou que o expurgo inflacionário atinge a própria eficácia e efetividade do título judicial, além de ratificar a violação à coisa julgada e o atentado ao princípio da separação dos Poderes e o direito de propriedade:

"A correção monetária nada mais é do que redimensionamento do valor nominal da moeda, desgastado pela inflação, em especial em épocas inflacionárias, para que mantenha seu valor real. Como já ressaltado, a atualização monetária fixada com base em índice ex ante, ou seja, em índice que, pela própria metodologia de sua definição, não reflete aquele desgaste, implica indevida redução do crédito conferido por título judicial trânsito em julgado.

Assim, a fixação da remuneração básica da caderneta de poupança como índice de correção monetária dos valores objeto do precatório (quanto ao período entre a data da expedição do precatório e o efetivo pagamento) atinge a própria eficácia e a efetividade do título judicial, com afronta à coisa julgada - porque tal índice, repito, não reflete a desvalorização do valor da moeda, desgastado pela inflação –, e ofende também o princípio da separação de poderes e o próprio direito de propriedade, em sua essência, como destacado nos votos que me antecederam (art. 5o, XXII)."

Delineados os contornos, o julgamento foi concluído, na forma retratada nas certidões do dispositivo que transcrevo parcialmente:

"Decisão: Chamadas para julgamento em conjunto as Ações Diretas de Inconstitucionalidade n°s 4.357, 4.372, 4.400 e 4.425, e após o voto do Senhor Ministro Ayres Britto (Relator), rejeitando as preliminares e conhecendo, em parte, da ADI 4.372, foi o julgamento dos feitos suspenso. [...] Plenário, 16.06.2011.

[...]

Decisão: Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Ministro Luiz Fux rejeitando a alegação de inconstitucionalidade do § 2O do artigo 100 da Constituição Federal; declarando inconstitucionais os §§ 9O e 10 do artigo 100; declarando inconstitucional a expressão "índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança," constante do § 12 do artigo 100, [...]  Plenário, 07.03.2013.

Decisão: Prosseguindo no julgamento, [...] o Tribunal julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade [...]  das expressões "índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança" e "independentemente de sua natureza", constantes do § 12, todos dispositivos do art. 100 da CF, com a redação dada pela EC no 62/2009, vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Teori Zavascki e Dias Toffoli. Votou o Presidente, Ministro Joaquim Barbosa. Em seguida, o julgamento foi suspenso. Plenário, 13.03.2013.

Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Ministro Ayres Britto (Relator), julgou parcialmente procedente a ação direta, vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Teori Zavascki e Dias Toffoli, que a julgavam totalmente improcedente, e os Ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, que a julgavam procedente em menor extensão. Votou o Presidente, Ministro Joaquim Barbosa. O Ministro Marco Aurélio requereu a retificação da ata da sessão anterior para fazer constar que não declarava a inconstitucionalidade da expressão "independentemente de sua natureza", contida no § 12 do art. 100 da CF. Redigirá o acórdão o Ministro Luiz Fux. Plenário, 14.03.2013."

A ratio decidendi contida na proclamação do Supremo Tribunal Federal, então, pode ser assim resumida: a atualização monetária incidente sobre obrigações expressas em pecúnia constitui direito subjetivo do credor e deve refletir a exata recomposição do poder aquisitivo decorrente da inflação do período em que apurado, sob pena de violar o direito fundamental de propriedade do credor, protegido no artigo 5o, XXII, a coisa julgada (artigo 5o, XXXVI), a isonomia (artigo 5º, caput), o princípio da separação dos Poderes (artigo 2o) e o postulado da proporcionalidade, além da eficácia e efetividade do título judicial e provoca o enriquecimento ilícito do devedor.

Cabe, então, aferir se a regra contida no artigo 39 da Lei n° 8.177/91, naquilo em que determina a utilização da variação acumulada da TRD, se encontra albergada pela interpretação conferida ao tema pela Suprema Corte ou, ao contrário, dela se distancia e está a merecer o imprescindível reparo, a fim de restabelecer o direito à recomposição integral do crédito reconhecido pela sentença transitada em julgado.

A resposta negativa se impõe. Como assinalado pelo Supremo, no precedente relatado pelo Exmo. Ministro Moreira Alves, a metodologia de cálculo da TR e consequente definição do índice correspondente à sua variação resulta da utilização das "complexas e sucessivas fórmulas contidas na Resolução n° 1085 do Conselho Monetário Nacional, do cálculo da taxa média ponderada da remuneração dos CDB/RDB das vinte instituições selecionadas, expurgada esta de dois por cento que representam genericamente o valor da tributação e da ‘taxa real histórica de juros da economia’ embutidos nessa remuneração."

A taxa equivalente ao expurgo já revela perda mensal que, progressivamente, vai corroendo o crédito reconhecido pela decisão exequenda. De igual modo, não reflete a efetiva preservação do poder aquisitivo e, ao fim e ao cabo, se transforma em enriquecimento ilícito do devedor.

E não poderia ser outra a conclusão. Dados colhidos do sítio "Portal Brasil" (http://www.portalbrasil.net/tr_diaria.htm) revelam que a Taxa Referencial de Juros Diária – TRD  entre 26/07/2012 e 23/06/2013 foi zero. Nos dias e meses subsequentes do ano de 2013 oscilaram entre índices pífios e zero novamente. Cumpre destacar que o TR no ano de 2012 foi de 0,2897% e, em 2013, foi de 0,1910%, muito abaixo do índice oficial da inflação – IPCA -, que, no mesmo período, foi divulgado em 5,83% e 5,91%, respectivamente (http://www.portalbrasil.net/ipca.htm).

A simples comparação entre a variação da TR e do IPCA-E nos últimos quatro anos (2011 a 2014), por exemplo, revela a substancial perda acumulada e progressiva, como evidencia o demonstrativo abaixo:

 

MÊS

2011

 

2012

 

 

TR

IPCA-E

DIF.

TR

IPCA-E

DIF.

JAN

0,07%

0,76%

0,69%

0,09%

0,65%

0,56%

FEV

0,05%

0,97%

0,92%

0,00%

0,53%

0,53%

MAR

0,12%

0,60%

0,48%

0,11%

0,25%

0,14%

ABR

0,03%

0,77%

0,74%

0,02%

0,43%

0,41%

MAI

0,15%

0,70%

0,55%

0,05%

0,51%

0,46%

JUN

0,11%

0,23%

0,12%

0,00%

0,18%

0,18%

JUL

0,12%

0,10%

-0,02%

0,01%

0,33%

0,32%

AGO

0,20%

0,27%

0,07%

0,01%

0,39%

0,38%

SET

0,10%

0,53%

0,43%

0,00%

0,48%

0,48%

OUT

0,06%

0,42%

0,36%

0,00%

0,65%

0,65%

NOV

0,06%

0,46%

0,40%

0,00%

0,54%

0,54%

DEZ

0,09%

0,56%

0,47%

0,00%

0,69%

0,69%

 

 

MÊS

2013

 

2014

 

 

 

TR

IPCA-E

DIF.

TR

IPCA-E

DIF.

JAN

0,00%

0,88%

0,88%

0,11%

0,67%

0,56%

FEV

0,00%

0,68%

0,68%

0,05%

0,70%

0,65%

MAR

0,00%

0,49%

0,49%

0,03%

0,73%

0,70%

ABR

0,00%

0,51%

0,51%

0,05%

0,78%

0,73%

MAI

0,00%

0,46%

0,46%

0,06%

0,58%

0,52%

JUN

0,00%

0,38%

0,38%

0,05%

0,47%

0,42%

JUL

0,02%

0,07%

0,05%

0,11%

0,17%

0,06%

AGO

0,00%

0,16%

0,16%

0,06%

0,14%

0,08%

SET

0,01%

0,27%

0,26%

0,09%

0,39%

0,30%

OUT

0,09%

0,48%

0,39%

0,10%

0,48%

0,38%

NOV

0,02%

0,57%

0,55%

0,04%

0,38%

0,34%

DEZ

0,05%

0,75%

0,70%

0,10%

0,79%

0,69%

 

Vê-se que dos quarenta e oito meses contidos no quadro acima, apenas em um, julho de 2011, o percentual correspondente à TR foi maior e em 0,02%. Em todos os demais, o IPCA-E a superou.

O reparo, portanto, dessa iníqua situação se impõe e com urgência, na medida em que, ao permanecer, a cada dia o trabalhador amargará perdas crescentes resultantes da utilização de índice de atualização monetária do seu crédito que não reflete a variação da taxa inflacionária.

A solução também emana do acórdão do STF, tantas vezes citado.

Isso porque, além de analisar o "desvio constitucional" contido no § 12 do artigo 100 da Constituição, a Corte Maior "levou de arrastão" a regra contida no art. 1o-F da Lei n° 9.494/97 em virtude de utilizar o mesmo parâmetro de atualização, já declarado inconstitucional e que possuía a seguinte redação:

Art. 1º-F.  Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança. (Redação dada pela Lei nº 11.960, de 2009)

Em outras palavras, reconheceu que os fundamentos da ratio decidendi principal também se encontravam presentes para proclamar o mesmo "atentado constitucional" em relação à regra transcrita que, na essência, continha o mesmo vício.

Valeu-se da denominada Inconstitucionalidade por Arrastamento (ou por Atração, Consequência, Decorrente, Reverberação Normativa), caracterizada quando a declaração de inconstitucionalidade de uma norma impugnada se estende aos dispositivos normativos que apresentam com ela relação de conexão ou de interdependência.

Na lição do Ministro Gilmar Mendes,

"A dependência ou interdependência normativa entre os dispositivos de uma lei pode justificar a extensão da declaração de inconstitucionalidade a dispositivos constitucionais mesmo que não estejam incluídos no pedido inicial da ação. É o que a doutrina denomina de declaração de inconstitucionalidade consequente ou por arrastamento.

Assim, mesmo diante do assentado entendimento de que o autor deve impugnar não apenas as partes inconstitucionais da lei, mas todo o sistema normativo no qual elas estejam inseridas, sob pena de a ação não ser conhecida, o Supremo Tribunal Federal tem flexibilizado o princípio do pedido para declarar a inconstitucionalidade por arrastamento de outros dispositivos em virtude de sua dependência normativa em relação aos dispositivos inconstitucionais expressamente impugnados."[10]

Marcelo Novelino, na mesma linha, afirma que, conquanto no âmbito do controle abstrato de constitucionalidade, por ser objeto principal da ação, a eventual declaração de inconstitucionalidade só deve abranger os dispositivos expressamente impugnados, quando houver relação de interdependência entre o dispositivo questionado e outro não impugnado, poderão ser por ela alcançados na modalidade conhecida por "arrastamento" ou "por atração", seja em virtude de se encontrarem no mesmo diploma legal ("arrastamento horizontal"), ou, ainda, em relação aos atos regulamentares, quando for declarada inconstitucional a lei que se constitui o seu pressuposto de validade ("arrastamento vertical") (NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 8a ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013. p. 295).  

Na doutrina de Pedro Lenza,

"Pela referida teoria da inconstitucionalidade por 'arrastamento' ou 'atração' ou 'inconstitucionalidade consequente de preceitos não impugnados', se em determinado processo de controle concentrado de constitucionalidade for julgada inconstitucional a norma principal, em futuro processo, outra norma dependente daquela que foi declarada inconstitucional em processo anterior – tendo em vista a relação de instrumentalidade que entre elas existe – também estará eivada de vício de inconstitucionalidade 'consequente', ou por 'arrastamento' ou 'atração'.". (LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 10a. São Paulo: Método, 2006. p. 130)

Essa modalidade de declaração de inconstitucionalidade já foi utilizada em outras ocasiões, como revelam precedentes da Suprema Corte:

"Lei Distrital 842/94. 2. Redação dada pela Lei 913/95. 3. Art. 2º da Lei 913/95. 4. Pensão especial a cônjuge de vítima assassinada no Distrito Federal. 5. Lei que impõe ao Distrito Federal responsabilidade além da prevista no art. 37, § 6º, da Constituição. 6. Inocorrência da hipótese de assistência social. 7. Inconstitucionalidade do art. 1º da Lei 842/94. 8. Inconstitucionalidade por arrastamento dos demais dispositivos. 9. Ação julgada procedente." (ADI 1358, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 04/02/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-040 DIVULG 02-03-2015 PUBLIC 03-03-2015 – grifos postos);

"EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. VINCULAÇÃO DE RECEITAS TRIBUTÁRIAS A SETORES DA POLÍTICA EDUCACIONAL. ARTS. 309, § 1º, 314, CAPUT E §§ 2º E 5º, E 332 DA CONSTITUIÇÃO DO RIO DE JANEIRO. ALEGAÇÃO DE CONTRARIEDADE AOS ARTS. 2º, 5º, 61, § 1º, INC. II, AL. B, 165 e 212 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou serem inconstitucionais normas que estabelecem vinculação de parcelas das receitas tributárias a órgãos, fundos ou despesas, por desrespeitarem a vedação do art. 167, inc. IV, da Constituição da República, e restringirem a competência constitucional do Poder Executivo para a elaboração das propostas de leis orçamentárias. Precedentes. 2. As restrições impostas ao exercício das competências constitucionais conferidas ao Poder Executivo, incluída a definição de políticas públicas, importam em contrariedade ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes. 3. Improcedência da ação quanto ao art. 332 da Constituição do Rio de Janeiro. A fixação de percentual de 2% da receita tributária do exercício destinada à Fundação de Amparo à Pesquisa – FAPERJ conforma-se ao art. 218, § 5º, da Constituição da República. Precedentes. 4. Com a declaração de inconstitucionalidade dos arts. 309, § 1º, e 314, caput, § 5º e da expressão "e garantirá um percentual mínimo de 10% (dez por cento) para a educação especial", da parte final do § 2º do art. 314, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, as normas regulamentadoras desses dispositivos – expressões "à UERJ e", "306, § 1º (atual 309), e" e "e, na hipótese da UERJ, sobre a sua receita tributária líquida" contidas no art. 1º da Lei estadual n. 1.729/1990 e art. 6º da Lei estadual n. 2.081/1993 – não têm fundamento de validade. Inconstitucionalidade por arrastamento. 5. Ação julgada parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 309, § 1º, e 314, caput, § 5º e da expressão "e garantirá um percentual mínimo de 10% (dez por cento) para a educação especial", da parte final do § 2º do art. 314, todos da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, e, por arrastamento, das expressões "à UERJ e", "306, § 1º (atual 309), e" e "e, na hipótese da UERJ, sobre a sua receita tributária líquida" do art. 1º da Lei fluminense n. 1.729/1990 e do art. 6º da Lei estadual n. 2.081/1993. (ADI 4102, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 30/10/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-027 DIVULG 09-02-2015 PUBLIC 10-02-2015 – destaques da transcrição);

"Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL 12/1995 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. CARACTERIZAÇÃO DOS CARGOS EM COMISSÃO. PROIBIÇÃO DA PRÁTICA DE NEPOTISMO. ADI JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. I – A vedação a que cônjuges ou companheiros e parentes consanguíneos, afins ou por adoção, até o segundo grau, de titulares de cargo público ocupem cargos em comissão visa a assegurar, sobretudo, cumprimento ao princípio constitucional da isonomia, bem assim fazer valer os princípios da impessoalidade e moralidade na Administração Pública. II - A extinção de cargos públicos, sejam eles efetivos ou em comissão, pressupõe lei específica, dispondo quantos e quais cargos serão extintos, não podendo ocorrer por meio de norma genérica inserida na Constituição. III - Incabível, por emenda constitucional, nos Estados-membros, que o Poder Legislativo disponha sobre espécie reservada à iniciativa privativa dos demais Poderes da República, sob pena de afronta ao art. 61 da Lei Maior. Precedentes. IV – O poder constituinte derivado decorrente tem por objetivo conformar as Constituições dos Estados-membros aos princípios e regras impostas pela Lei Maior. Necessidade de observância do princípio da simetria federativa. V – ADI julgada parcialmente procedente, para declarar inconstitucional o art. 4º, as expressões "4º e" e "inclusive de extinção de cargos em comissão e de exoneração", constante do art. 6º e, por arrastamento, o art. 7º, a, todos da EC 12/1995, do Estado do Rio Grande do Sul. VI - Confere-se, ainda, interpretação conforme ao parágrafo único do art. 6º, para abranger apenas os cargos situados no âmbito do Poder Executivo." (ADI 1521, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 19/06/2013, DJe-157 DIVULG 12-08-2013 PUBLIC 13-08-2013 EMENT VOL-02697-01 PP-00001);

"Ação Direta de Inconstitucionalidade. AMB. Lei nº 12.398/98-Paraná. Decreto estadual nº 721/99. Edição da EC nº 41/03. Substancial alteração do parâmetro de controle. Não ocorrência de prejuízo. Superação da jurisprudência da Corte acerca da matéria. Contribuição dos inativos. Inconstitucionalidade sob a EC nº 20/98. Precedentes. [...] 4. No mérito, é pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que é inconstitucional a incidência, sob a égide da EC nº 20/98, de contribuição previdenciária sobre os proventos dos servidores públicos inativos e dos pensionistas, como previu a Lei nº 12.398/98, do Estado do Paraná (cf. ADI nº 2.010/DF-MC, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 12/4/02; e RE nº 408.824/RS-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Eros Grau, DJ de 25/4/08). 5. É igualmente inconstitucional a incidência, sobre os proventos de inativos e pensionistas, de contribuição compulsória para o custeio de serviços médico-hospitalares (cf. RE nº 346.797/RS-AgR, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, Primeira Turma, DJ de 28/11/03; ADI nº 1.920/BA-MC, Relator o Ministro Nelson Jobim, DJ de 20/9/02). 6. Declaração de inconstitucionalidade por arrastamento das normas impugnadas do decreto regulamentar, em virtude da relação de dependência com a lei impugnada. Precedentes. 7. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente. (ADI 2158, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 15/09/2010, DJe-247 DIVULG 15-12-2010 PUBLIC 16-12-2010 EMENT VOL-02452-01 PP-00010 RT v. 100, n. 906, 2011, p. 410-426 RSJADV abr., 2011, p. 40-49 - grifos postos);

EMENTA: INCONSTITUCIONALIDADE. Ação Direta. Lei nº 2.749, de 23 de junho de 1997, do Estado do Rio de Janeiro, e Decreto Regulamentar nº 23.591, de 13 de outubro de 1997. Revista íntima em funcionários de estabelecimentos industriais, comerciais e de serviços com sede ou filiais no Estado. Proibição. Matéria concernente a relações de trabalho. Usurpação de competência privativa da União. Ofensa aos arts. 21, XXIV, e 22, I, da CF. Vício formal caracterizado. Ação julgada procedente. Inconstitucionalidade por arrastamento, ou conseqüência lógico-jurídica, do decreto regulamentar. É inconstitucional norma do Estado ou do Distrito Federal que disponha sobre proibição de revista íntima em empregados de estabelecimentos situados no respectivo território". (ADI 2947, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2010, DJe-168 DIVULG 09-09-2010 PUBLIC 10-09-2010 EMENT VOL-02414-02 PP-00244 RT v. 99, n. 902, 2010, p. 128-131 - grifos postos).

Observe-se a variedade de situações contempladas nesses precedentes, identificadoras da inconstitucionalidade por arrastamento: dispositivos de uma mesma lei (ADI n° 1358); expressões na mesma e dispositivos contidos em outras leis (ADI n° 4102; dispositivos constitucionais diversos daqueles indicados na petição inicial (ADI n° 1521); decretos regulamentadores (ADI n° 2158).

A relação de interdependência a que alude a doutrina e fundamenta o posicionamento do STF, destacado de início, encontra-se presente no dispositivo questionado neste recurso, diante da circunstância de estar assentada nas mesmas premissas que ampararam a decisão matriz adotada como paradigma:

a) o crédito trabalhista reconhecido por sentença judicial, representativo de obrigação expressa em dinheiro, tem o seu valor depreciado a cada mês, em virtude da inflação;

b) a depreciação mencionada no item anterior caracteriza empobrecimento do credor trabalhista e correlato enriquecimento ilícito do devedor, ao beneficiar-se de sua própria torpeza, quando insiste em retardar o cumprimento, a tempo e modo, da obrigação contida na decisão judicial definitiva, postura essa, aliás, que viola dever ético que compreende o respeito à atuação do Poder Judiciário;

c) o reconhecimento de incidência de índice de atualização da dívida que não represente a efetiva e plena desvalorização do poder aquisitivo viola o direito subjetivo do credor trabalhista à própria atualização e, de igual modo, o direito de propriedade que lhe é assegurado constitucionalmente (artigo 5o, XXII); os também constitucionais proteção à coisa julgada (artigo 5o, XXXVI), isonomia de tratamento (artigo 5º, caput) e princípio da separação dos Poderes (artigo 2o); e atinge a eficácia e a efetividade do título judicial.

Friso essas observações porque no STF ainda pende de decisão a ADI n° 5.090, da relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, em que se discute a incidência do mesmo índice de atualização baseado na TR para os depósitos das contas vinculadas do FGTS, definida nos artigos 13 da Lei n° 8.036/90 e 17 da Lei n° 8.177/91, e, nela, foi emitido parecer da Procuradoria-Geral da República no qual se defende a validade dos preceitos legais, em virtude da natureza jurídica distinta – multimensional – do sistema do FGTS, o qual abrange desde direito trabalhista até fundo de destinação social.

Portanto, qualquer que venha a ser o veredito da Corte Suprema não atingirá a proclamação de inconstitucionalidade do dispositivo ora analisado porque em nada se refere à natureza jurídica dos depósitos tempestivamente recolhidos na conta vinculada do FGTS.

Insisto: a aludida ação não abrange débitos oriundos de sentença judicial, mesmo que relativos aos depósitos do FGTS não recolhidos.

Cabe, ainda, assinalar os limites da declaração de inconstitucionalidade, apenas à expressão "equivalentes à TRD acumulada", contida no dispositivo, e já mencionada.

O afastamento de todo o dispositivo do mundo jurídico poderia acarretar eventual interpretação – "pedestre", nas palavras do Ministro Sepúlveda Pertence[11], mas possível, diante do contexto da criatividade da mente humana, da argumentação em sede de processo judicial e, mais, do livre convencimento motivado do juiz – de não mais existir direito à própria atualização monetária.

Neste caso, aplica-se a teoria da divisibilidade da lei, também orientadora da atuação do STF.

Ao comentá-la, afirma o Ministro Gilmar Mendes:

"[...] o Tribunal somente deve proferir a inconstitucionalidade daquelas normas viciadas, não devendo estender o juízo de censura às outras partes da lei, salvo se elas não puderem existir de forma autônoma.

[...]

Não se afigura suficiente, todavia, a existência dessas condições objetivas de divisibilidade. Impõe-se verificar, igualmente, se a norma que há de subsistir após a declaração de inconstitucionalidade parcial corresponderia à vontade do legislador.

Portanto, devem ser investigadas não a existência de uma relação de dependência (unilateral ou recíproca), mas também a possibilidade de intervenção no âmbito da vontade do legislador. No exame da vontade do legislador, assume peculiar relevo a dimensão e o significado da intervenção que resultará da declaração de nulidade. Se a declaração de inconstitucionalidade tiver como consequência a criação de uma nova lei, que não corresponda às concepções que inspiraram o legislador, afigura-se inevitável a declaração de inconstitucionalidade de toda a lei."[12]

E  não há dúvida que a vontade do legislador a que alude o Ministro Gilmar foi garantir a atualização plena do crédito trabalhista, desde o vetusto, mas pioneiro, Decreto-Lei n° 75/66 (revogado pela tantas vezes mencionada Lei n° 8.177/91), que inaugurou o direito decorrente de decisão judicial, em cujo consideranda já se mencionava o combate ao abuso de direito resultante da retenção ou retardamento indevido na quitação de salários e outros pagamentos pelos empregadores, gerador de tensões sociais por representar injustiça social.

Apesar de datarem de mais quase sessenta anos, as palavras expressas na ocasião mostram-se extremamente atuais, o que justifica sejam rememoradas:

"CONSIDERANDO o imperativo de coibir os abusos de direito que se têm verificado na retenção ou retardamento indevidos de salários e de outros pagamentos devidos aos empregados por parte de emprêsas, ainda mais prolongados por meio de sucessivos recursos judiciais protelatórios;

CONSIDERANDO que êsses fatos, geradores de tensões sociais, não só pela injustiça social que representam, como pelo efetivo desamparo em que vem deixando, meses a fio consideráveis grupos de trabalhadores, têm levado o Govêrno a intervir seguidamente para encontrar soluções momentâneas, sem que, entretanto o abuso possa ser adequadamente suprimido;"

Frise-se, de passagem, que a correção monetária, criada em 1964, por meio da Lei n° 4.357, que instituiu a Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional – ORTN para resgatar a credibilidade dos títulos públicos, foi estendida aos débitos oriundos da relação de emprego por meio de construção jurisprudencial de magistrados trabalhistas, mediante aplicação analógica da Lei do Inquilinato, como vaticinava Christóvão Piragibe Tostes Malta, ao descrever o procedimento aplicável à execução, no distante ano de 1965:

"Recebida pelo exeqüente a importância que lhe era devida, pode requerer ainda a remessa dos autos ao Contador, para que se calcule os juros de mora, isto é, os juros correspondentes ao rendimento, na base de 6% a.a. da importância que se reconheceu devida ao exeqüente e contados desde a propositura da demanda.

A execução dos juros de mora se faz pelo mesmo sistema por que se executa o principal do débito.

Além dos juros de mora acreditamos que em breves dias veremos no judiciário trabalhista aplicar-se também o princípio da atualização monetária" (MALTA, Christóvão Piragibe. Prática do processo trabalhista. Edições Trabalhistas, 1965. p. 201 – destaques da transcrição).

Veja-se, a propósito dessa citação, comentário feito por Ivan Alemão, professor de Direito do Trabalho da Universidade Federal Fluminense, historiador e atualmente Desembargador do TRT da 1a Região, ao discorrer sobre os problemas antigos, atuais e futuros dos juros de mora sobre dívidas trabalhistas:

"Interessante a previsão final do Ilustre teórico sobre a correção monetária. A correção monetária, criada em 1964 (com a ORTN), revolucionou o País e, como corolário, o processo do trabalho. No referido ano (1965) havia discussão sobre a possibilidade de se aplicar a correção monetária nos créditos trabalhistas. Muitos juízes já vinham aplicando a correção monetária por analogia com a lei do inquilinato, por equidade, sob o entendimento do não enriquecimento ilícito e princípios protetores do trabalhador. Ver artigo de CARLOS CURY NETTO publicado na REVISTA LTr de setembro e outubro de 1965 (fls. 29/437), quando prega a inconstitucionalidade de tais decisões judiciais sob argumento de falta de amparo legal. Todavia, logo após ocorreu-se o esperado: criou-se o Decreto-lei 75 de 21.11.66 (revogada pela Lei 8177/91) estabelecendo a correção monetária para créditos trabalhistas a partir da data da publicação da norma para os processos em curso. Considerando que a ORTN acumulada já encontrava-se na casa dos 40%, houve a primeira perda monetária dos trabalhadores sob o novo regime de indexação, posto que a perda retroativa não foi considerada. Pode-se dizer que do Decreto-lei 75 possuía metodologias e critérios desfavorável ao reclamantes quando comparados ao que parte da jurisprudência vinha concedendo (correção integral). Por outro lado, não deixamos de destacar que a correção monetária surgiu no processo do trabalho bem antes do processo comum, o só que ocorreu com a Lei 6.969 de 10.12.81." (ALEMÃO, Ivan. Juros: problemas antigos, atuais e futuros. Disponível em: .  Acesso em: 19 Abr. 2015. Grifos postos).

No mencionado artigo, Carlos Cury Netto, embora sustentasse, como dito, a tese da impossibilidade de deferimento da pretensão – tese, por óbvio, que não representava o pensamento isonômico –, destaca o protagonismo de juízes do trabalho que, com amparo nas leis fiscais e do inquilinato, além de fundamentos outros de natureza social, passaram a aplicar a correção monetária aos débitos trabalhistas. Afirmou:

"As sentenças que acolheram a correção monetária têm dois suportes: primeiro a existência no direito positivo brasileiro de leis fiscais e também a do inquilinato abrigando a medida e concluindo que se o nosso sistema jurídico já recolheu o instituto da correção monetária, daí decorre a possibilidade, por equidade e pela via analógica JURIS de estender-se  a proteção também as lides trabalhistas; segundo, a conveniência social pois a legislação do trabalho, eminentemente protetora do prestador de serviço, daquele cuja economia é pobre, não se justificando medidas  que amparam até mesmo o proprietário de imóveis, símbolo do poderio financeiro, não levam a sua extensão até o necessário operário." (CURY NETTO, Carlos. Não é possível  a correção monetária nas questões trabalhistas. Revista LTr, ano 29, Setembro e Outubro de 1965, São Paulo, p. 437).

Observa-se que, já desde essa época, foram invocados os princípios da equidade e do não enriquecimento ilícito do devedor como fundamentos para o reconhecimento do direito, tese encampada, como visto, contemporaneamente pelo STF. Os magistrados do trabalho, mais uma vez, foram protagonistas de tese que veio a ser traduzida na vontade do legislador, na forma do Decreto-lei mencionado.

Esse desiderato foi reiterado na Lei n° 6.899/81 que, muito mais tarde, estendeu o direito a "qualquer débito resultante de decisão judicial" (artigo 1o), de forma ampla, portanto, inclusive desde o vencimento da obrigação, em caso de dívida líquida e certa.

"CONSIDERANDO o imperativo de coibir os abusos de direito que se têm verificado na retenção ou retardamento indevidos de salários e de outros pagamentos devidos aos empregados por parte de emprêsas, ainda mais prolongados por meio de sucessivos recursos judiciais protelatórios;"

Destaque-se que o art. 39 da Lei nº 8.177/91, com alteração conferida pela Lei nº 8.660/93, elegeu a Taxa Referencial de Juros como índice oficial para correção monetária dos débitos trabalhistas (a TRD foi transformada em TR) e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, por meio da Resolução nº 8/2005, e o TRT da 4ª Região adotaram a Tabela de Fatores de Atualização e Conversão de Débitos Trabalhistas – FACDT - como indicador de atualização diária, valendo-se também da TR.

Diante de tudo isso, pode-se concluir, com tranquilidade, que o STF já poderia ter incluído o dispositivo em debate na mesma decisão proferida nas citadas ADIs que, na essência, tinham por origem débitos de natureza jurídica idêntica, em virtude de analisar a constitucionalidade de parágrafo contido no artigo 100 da Constituição (§ 12), que também trata dos débitos trabalhistas (§ 1o).

Ou seja, a regra de atualização considerada inconstitucional pelo STF também incide sobre os débitos trabalhistas oriundos de sentença judicial proferidas contra os devedores público e privado, por força da citada Lei n° 8.177/91. Em que pese a decisão ter sido proferida no exame de atualização de precatórios, não há fundamento para que seja mantida a regra quanto ao critério da atualização monetária dos débitos judiciais, inclusive – principalmente - os trabalhistas, de natureza alimentar inafastável.

Por arrastamento, portanto, deve ser declarada inconstitucional a expressão "equivalentes à TRD" contida no caput do artigo 39 da Lei nº 8.177/91, que define a TR como índice de atualização monetária dos créditos trabalhistas, por não refletir a efetiva recomposição da perda resultante da inflação.

Cabe, por fim, avaliar os efeitos da decisão ora proposta.

A consequência da declaração da inconstitucionalidade pretendida poderá acarretar, por sua vez, novo debate jurídico, consistente em definir o índice a ser aplicável e, também, o efeito repristinatório de distintas normas jurídicas, considerando haverem sido diversas as leis que, ao longo da história, regularam o tema, como enumera Francisco Jorge Ferreira Neto:

"2.  EVOLUÇÃO  DA  SISTEMÁTICA  LEGAL

A instituição da correção monetária para os débitos trabalhistas ocorreu com o advento do Decreto-Lei nº 75, de 21.11.66, e o respectivo regulamento, Decreto nº 61.032, de 17.07.67.

A Lei nº 6.899, de 8.04.81, diploma de caráter geral, universalizou a correção dos débitos judiciais e adotou como indexador a variação mensal da Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional - ORTN.

Com o primeiro plano-econômico visando a estabilidade do padrão monetário  - Plano Cruzado - (Decretos-Leis nºs 2.283/86 e 2.294/86, em fevereiro/86),  houve a substituição da ORTN pela OTN (Obrigação do Tesouro Nacional), sendo que o seu valor foi fixado em Cz$ 106,40.

O Decreto-Lei nº 2.322, de 26.02.87, estabeleceu a variação da OTN como fator de atualização dos débitos trabalhistas e os juros passaram a ser de 1% ao mês, de forma capitalizada. Anteriormente, o referido percentual era de 0,5% ao mês, tendo-se como fundamento legal o art. 1.062, do Código Civil Brasileiro.

A Lei nº 7.730, de 31.01.89, complementada pela Lei nº 7.738, de 9.03.89, instituiu o Plano Verão, extinguiu a OTN como fator de correção e atrelou a atualização ao critério de reajuste dos depósitos da poupança. A moeda passou a ser  o cruzado novo.

Já a Lei nº 8.088, de 31.10.90, convalidou a Medida Provisória nº 189, de 30.05.90, a qual, por sua vez, alterou o critério de cálculo do Bônus do Tesouro Nacional - BTN, substituindo IPC pelo IRVF, e adotou o BTN como fator de atualização das poupanças e atualização de débitos trabalhistas.

A Lei nº 8.177, de 1º.03.91, instituiu a correção monetária pela variação diária da Taxa Referencial (TRD)  e mensal  (TR) e, ainda, deu nova disciplina aos juros de mora, revogando o Decreto-Lei  nº 2.322/87. Os juros mantiveram-se em 1% ao mês, agora, de forma simples e não mais capitalizada.

A Lei nº 8.660, de 28.05.93, alterou o critério de cálculo da TR e extinguiu a TRD para os negócios jurídicos.

A Medida Provisória nº 336, de 28.07.93, convalidada pela Lei nº 8.697, de 27.08.93, representou a primeira etapa do Plano Real. A moeda era o cruzeiro real.

A Lei nº 8.880, de 27.05.94, introduziu a Unidade Real de Valor (URV) como fator de reajuste do cruzeiro real. Era a segunda etapa do Plano Real.

Na última etapa do Plano, a Medida Provisória nº 542, de 30.06.94, oficializou o real como moeda e adotou o IPC-r como índice geral de correção monetária, mas, manteve o art. 39, da Lei nº 8.177/91, como critério legal para a atualização dos débitos trabalhistas. Posteriormente, esse critério foi ratificado pela Lei nº 9.069, de 29.06.95  (art. 27, § 6º)." (FERREIRA NETO, Francisco Jorge. A correção  monetária  dos créditos  trabalhistas. Disponível em: <http://www.amdjus.com.br/doutrina/trabalhista/28.htm>. Acesso em: 19 Abr. 2015).

A simples declaração de que as normas anteriores seriam restabelecidas, de pronto, com a retirada do mundo jurídico da lei inconstitucional, ainda que possível, como também sustenta Dirley da Cunha Júnior,[13] não permitiria encontrar a solução, diante da extinção da unidade de referência de cuja variação do valor nominal se obtinha a definição do fator de reajuste, além de, de igual modo, haver sido assegurado no comando do STF a indicação do índice que refletisse a variação plena da inflação.

Nessa mesma linha de argumentação e como solução que atenda à vontade do legislador e evite a caracterização do "vazio normativo", de logo, proponho ser adotada a técnica de interpretação conforme a Constituição para o texto remanescente do dispositivo impugnado, que mantém o direito à atualização monetária dos créditos trabalhistas.

Na doutrina do Ministro Gilmar Mendes, a "oportunidade para interpretação conforme à Constituição existe sempre que determinada disposição legal oferece diferentes possibilidades de interpretação, sendo algumas delas incompatíveis com a própria Constituição" (Jurisdição Constitucional, São Paulo, Saraiva, 1996, p. 222).

Por sua vez, o Ministro Moreira Alves, na Rp. nº 1.417, salientou que "a interpretação da norma sujeita a controle deve partir de uma hipótese de trabalho, a chamada presunção de constitucionalidade, da qual se extrai que, entre dois entendimentos possíveis do preceito impugnado, deve prevalecer o que seja conforme à Constituição" (RTJ 126/53).

Pretende-se, pois, expungir do texto legal a expressão que atenta contra a Constituição e, uma vez mantida a regra que define direito à atualização monetária (o restante do artigo 39), interpretá-la em consonância com as diretrizes fixadas na Carta, para assegurar o direito à incidência do índice que reflita a variação integral da "corrosão inflacionária", dentre os diversos existentes (IPC, IGP, IGP-M, ICV, INPC e IPCA, por exemplo).

Mais uma vez, diz Dirley da Cunha Júnior:

"A técnica de interpretação conforme a Constituição visa prestigiar a presunção juris tantum de constitucionalidade dos atos normativos do poder público. Assim, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, sendo possível mais de uma interpretação do ato impugnado (por tratar-se de norma polissêmica ou plurissignificativa), deve-se adotar aquela que possibilita ajustá-lo à Constituição."[14]

Cabe, a esta altura, analisar qual dos índices deve ser adotado: o INPC, encampado pela Corte de origem; o IPCA-E, acolhido pelo STF; qualquer outro, dentre os diversos utilizados para aferir a corrosão inflacionária.

Recorro, mais uma vez, a precedentes do Supremo para indicar o IPCA-E.

Refiro-me à Medida Cautelar requerida nos autos da Ação Cautelar n° 3.764 do Distrito Federal, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - CFOAB, da relatoria do Ministro Luiz Fux, que a acolheu e, em 26/03/2015, cassou decisão anterior da Corregedora Nacional da Justiça, Ministra Nancy Andrighi, nos seguintes termos:

"DIREITO CONSTITUCIONAL. REGIME DE EXECUÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA MEDIANTE PRECATÓRIO. SUSPENSÃO DO PAGAMENTO DE REQUISITÓRIOS FEDERAIS PARCELADOS NA FORMA DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 30/2000. SUPOSTA IRREGULARIDADE NA INCIDÊNCIA DE JUROS LEGAIS SOBRE CADA PARCELA. TESE FIXADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO RE Nº 590.751. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA PROTEÇÃO DA EXPECTATIVA LEGÍTIMA. SISTEMÁTICA DE JUROS PREVISTA NA LEGISLAÇÃO ORÇAMENTÁRIA FEDERAL POR MAIS DE UMA DÉCADA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA DO ENTENDIMENTO FIXADO PELO STF.  EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 62/2009. PENDÊNCIA DE MODULAÇÃO DOS EFEITOS DO JULGAMENTO DAS ADIS Nº 4.357 E 4.425. DISCUSSÃO QUANTO AO ÍNDICE DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA APLICÁVEL AOS REQUISITÓRIOS DA UNIÃO ATÉ A DECISÃO FINAL DO STF. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA IMEDIATA DA LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS. INCIDÊNCIA DO ÍNDICE DE PREÇOS AO CONSUMIDOR AMPLO ESPECIAL (IPCA-E) AOS PRECATÓRIOS FEDERAIS. MEDIDA LIMINAR CONCEDIDA.

1. O princípio constitucional da segurança jurídica interdita condutas estatais que frustrem legítimas expectativas despertadas nos cidadãos, exigindo a manutenção dos atos administrativos ou legislativos pretéritos que serviram de base para o surgimento da confiança, ainda que tais atos tenham sido posteriormente alterados ou invalidados.

2. A suspensão do pagamento de precatórios federais parcelados na forma da EC nº 30/2000 ameaça a segurança jurídica e a proteção da confiança legítima, uma vez que a própria União, entre os anos de 2002 e 2011, interpretando o comando do art. 78 do ADCT, instituiu o pagamento de juros legais, em regime de capitalização simples, sobre cada parcela devida, a partir da segunda, consoante registrado nas leis de diretrizes orçamentárias vigentes em cada exercício financeiro.

3. A paralisação no cumprimento de obrigações constitucionais, como o são as dívidas judiciais da União, enseja consequências graves sobre o direito dos credores do Poder Público, sobretudo porque se trata de precatórios já sujeitos a regime de parcelamento.

4. O art. 100, §12, da CRFB, incluído pela EC nº 62/2009, foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal na parte em que fixou a taxa referencial (TR) como índice de correção monetária dos precatórios e requisições de pequeno valor devidos pela Fazenda Pública (cf. ADIs nº 4.357 e 4.425, rel. Min. Ayres Britto, rel. p/ acórdão Min. Luiz Fux, julgamento em 14/03/2013, Dje-188 de 25/09/2014).

5. O Plenário do STF em momento nenhum determinou a manutenção da eficácia do art. 100, §12, da CRFB à União e às suas entidades, sendo certo que a decisão monocrática de 11/04/2013, referendada em 24/10/2013, não abrange a União seja pelos seus fundamentos (vinculados à paralisação do pagamento de precatórios por Estados e Municípios sujeitos ao regime especial criado pela EC nº 62/2009), seja pelos seus termos expressos (que somente aludem aos Tribunais de Justiça, sem mencionar os Tribunais Regionais Federais). 

6. A União, por intermédio da Presidência da República, ratificou a viabilidade orçamentária da aplicação do IPCA-E para fins de atualização dos débitos judiciais da Fazenda Pública federal, conforme dispõem as LDOs de 2014 (art. 27) e de 2015 (art. 27). Nesse cenário, aplicar a TR aos requisitórios da União configuraria evidente retrocesso patrocinado pelo Poder Judiciário, uma vez que restabeleceria índice inidôneo a capturar a inflação e em flagrante contrariedade à vontade da União e do Poder Legislativo federal.

7. Inexiste fundamento jurídico-material que justifique a aplicação da TR como índice de correção monetária dos precatórios/RPVs devidos pela Fazenda Pública federal, uma vez que a União e suas entidades estão atualmente em dia com suas obrigações, de sorte que aplicar um índice de correção já declarado inconstitucional pelo STF terá o único condão de criar um passivo de precatórios e RPVs que hoje não existe na esfera federal, alimentando o ciclo de litigância judicial e todos os seus desdobramentos perniciosos para a sociedade brasileira e suas instituições.

8. Beneficiar a União com a ultratividade da TR representa nítida manobra de fraude à lei, uma vez que permitiria à União atualizar seus débitos com índice manifestamente inferior à inflação (e já repudiado pelo STF), apostando que, em eventual modulação de efeitos pela Corte, o período em que vigorou a TR seria validado, o que consubstancia evidente uso especulativo do Poder Judiciário em tudo incompatível com o interesse público primário confiado ao Poder Público.

9. Medida liminar deferida."

O dispositivo está assim redigido:

"Ex positis, concedo a medida liminar pleiteada para:

1- cassar a decisão da Corregedora Nacional de Justiça e determinar que a União, por intermédio dos Tribunais Regionais Federais e do Conselho da Justiça Federal, dê imediata continuidade ao pagamento dos precatórios parcelados pela União na forma da EC nº 30/2000, segundo os critérios legais que vinham sendo observados antes da decisão emanada da Corregedoria Nacional de Justiça, em particular (i) com a incidência dos juros legais, à taxa de 6% a.a. (seis por cento ao ano), a partir da segunda parcela, tendo como termo inicial o mês de janeiro do ano em que é devida a segunda parcela e (ii) com a aplicação do índice IPCA-E às parcelas dos precatórios incluídos originariamente nas leis orçamentárias de 2005 a 2010, conforme disposto nas leis de diretrizes orçamentárias de 2014 (Lei n° 12.919/2013) e de 2015 (Lei nº 13.080/2015);

2- determinar à União a aplicação da LDO de 2014 (Lei n° 12.919/2013, art. 27) e da LDO de 2015 (Lei nº 13.080/2015, art. 27), aos precatórios e RPVs federais pendentes de pagamento nos respectivos exercícios financeiros;

3- determinar expedição de ofício à Corregedoria Nacional de Justiça, ao Conselho da Justiça Federal, e aos Tribunais Regionais Federais a fim de que observem, no cálculo dos precatórios/RPVs federais a serem pagos a partir da data da presente decisão, independentemente da data de sua expedição e da natureza do crédito nele contido (alimentar ou não): (i) a correção monetária pelo IPCA-E, conforme disposto nas leis de diretrizes orçamentárias dos respectivos exercícios financeiros, inclusive quanto aos precatórios parcelados; e (ii) especificamente quanto aos precatórios parcelados, a incidência dos juros legais, à taxa de 6% a.a. (seis por cento ao ano), a partir da segunda parcela, tendo como termo inicial o mês de janeiro do ano em que é devida a segunda parcela. Não se enquadram nesta medida os precatórios e RPVs estaduais, municipais e distritais, ainda que oriundos da Justiça Federal.

Cite-se a União e dê-se ciência à Corregedoria Nacional de Justiça e ao Conselho da Justiça Federal.

Após dê-se vista à Procuradoria-Geral da República.

Solicito ainda que seja transmitida cópia da presente decisão a cada um dos Ministros integrantes do Supremo Tribunal Federal.

Publique-se.

Brasília, 24 de março de 2015."

Naquela oportunidade, entre os muitos argumentos sustentados pela OAB estava a regra prevista no artigo 27 da Lei n° 12.919, de 24 de Dezembro de 2013 - Lei de Diretrizes Orçamentárias no exercício financeiro de 2014. Inserida na Seção III que trata dos débitos judiciais, previu a adoção do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - Especial - IPCA-E do IBGE como índice de atualização monetária dos precatórios devidos pela Fazenda Pública federal, inclusive em relação às causas trabalhistas, previdenciárias e de acidente do trabalho, como registro:

"Art. 27. A atualização monetária dos precatórios, determinada no §12 do art. 100 da Constituição Federal, inclusive em relação às causas trabalhistas, previdenciárias e de acidente do trabalho, observará, no exercício de 2014, a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - Especial - IPCA-E do IBGE."

Ou seja, como a União já adotava o IPCA-E, desde a decisão original do STF e já previsto em norma definidora das diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2014, não haveria motivo para que fosse alterado para a TR, até a modulação dos efeitos pela Corte Maior.

Nessa decisão, foram valorizados os princípios da segurança jurídica e proteção da confiança, além de se evitar o retrocesso patrocinado pelo Poder Judiciário, considerando a diferença entre os dois fatores de atualização, TR e IPCA-E, o último superior ao primeiro.

A metodologia de cálculo do INPC e do IPCA-E, segundo colho do sítio do IBGE na internet, em muito se aproxima, embora difira quanto ao universo da renda familiar objeto de apuração, como esclareço:

"O Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor - SNIPC efetua a produção contínua e sistemática de índices de preços ao consumidor, tendo como unidade de coleta estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços, concessionária de serviços públicos e domicílios (para levantamento de aluguel e condomínio). O período de coleta do INPC e do IPCA estende-se, em geral, do dia 01 a 30 do mês de referência. A população-objetivo do INPC abrange as famílias com rendimentos mensais compreendidos entre 1 (hum) e 5 (cinco) salários-mínimos, cuja pessoa de referência é assalariado em sua ocupação principal e residente nas áreas urbanas das regiões; a do IPCA abrange as famílias com rendimentos mensais compreendidos entre 1 (hum) e 40 (quarenta) salários-mínimos, qualquer que seja a fonte de rendimentos, e residentes nas áreas urbanas das regiões. Também são produzidos indexadores com objetivos específicos, como é o caso atualmente do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E."

No primeiro, a variação é apurada em nove regiões metropolitanas (Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo), no Distrito Federal e no município de Goiânia; adota-se como ponderador o rendimento total urbano de cada região; e, em relação à cesta de consumo, utiliza como base a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), realizada pelo IBGE em 1995 e 1996, e incorporada ao índice a partir de agosto de 1999.

De referência ao segundo (o INPC), o cálculo abrange as Regiões Metropolitanas do Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife, São Paulo, Belém, Fortaleza, Salvador e Curitiba, além de Brasília e do Município de Goiânia; e a população-objetivo é composta das famílias cujo rendimento familiar monetário disponível esteja  compreendido entre 1 (um) e 5 (cinco) salários mínimos e cujo chefe seja assalariado em sua ocupação principal.

A variação de ambos permite concluir que há oscilação para mais ou para menos, em decorrência da natural variação de preços dos produtos que compõem a cesta de consumo, o que mais autoriza o acatamento do mesmo índice acolhido pelo STF.

Não bastassem os argumentos já elencados, a definição desse índice também foi objeto de deliberação da Presidência deste Tribunal, relativamente aos pagamentos oriundos de decisão administrativa, ao expedir o Ato de 16/04/2015, que Altera o ATO.TST.GDGSET.GP.Nº 188, de 22/4/2010, publicado no BI nº 16, de 23/4/2010, e estabelece critérios para o reconhecimento administrativo, apuração de valores e pagamento de dívidas de exercícios anteriores – passivos – a magistrados e servidores do Tribunal Superior do Trabalho, ora transcrito:

"Ato de 16/4/2015

Altera o ATO.TST.GDGSET.GP.Nº 188, de 22/4/2010, publicado no BI nº 16, de 23/4/2010, que estabelece critérios para o reconhecimento administrativo, apuração de valores e pagamento de dívidas de exercícios anteriores – passivos – a magistrados e servidores do Tribunal Superior do Trabalho.

O PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, no uso de suas atribuições legais e regimentais estabelecidas nos incisos XXI e XXXIII do artigo 35 do Regimento Interno, considerando o estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINS) nº 4357 e 4425; considerando o constante do Processo Administrativo STF nº 311.738; e considerando o constante do Processo Administrativo TST nº 502.042/2010-3, resolve:

Nº 209/DILEP.SEGPES.GDGSET.GP.

Art. 1º O art. 1° do ATO.TST.GDGSET.GP.Nº 188, de 22/4/2010, passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 1º .............................................................................................

III – os índices de atualização monetária, quando aplicáveis, quais sejam:

a) ORTN: de abril de 1981 a fevereiro de 1986;

b) OTN: de março de 1986 a janeiro de 1989;

c) BTN: de fevereiro de 1989 a janeiro de 1991;

d) INPC: de fevereiro de 1991 a junho de 1994;

e) IPC-r: de julho de 1994 a junho de 1995;

f) INPC: de julho de 1995 a 29 de junho de 2009;

g) IPCA-E: a partir de 30 de junho de 2009.

IV – os juros legais, quando aplicáveis, os quais serão de:

a) 0,5% (meio por cento) ao mês, de abril de 1981 a fevereiro de 1987;

b) 1% (um por cento) ao mês, de março de 1987 a agosto de 2001;

c) 0,5% (meio por cento) ao mês, a partir de setembro de 2001.

V – que o pagamento fica condicionado à existência de crédito orçamentário."

Art. 2º Fica revogado o ATO DIPPP.DILEP.SEGPES.GDGSET.GP.Nº 788, de 4/12/2012.

Art. 3º Este Ato entra em vigor na data de sua publicação."

Observe-se que a fundamentação refere exatamente o julgamento das ADIs citadas e tem como origem o Processo nº 311.738, do STF, sobre o mesmo tema, no curso do qual foram prestadas informações, que menciono, justificador da adoção desse critério, baseado, inclusive, em julgamentos do STF e do STJ:

"12. Consignou-se, ainda, naquele julgado, que o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, ao reproduzir as regras da EC nº 62/09 quanto à atualização monetária e à fixação de juros moratórios de créditos inscritos em precatórios incorreu nos mesmos vícios de juridicidade que inquinam o art. 100, § 12,da CF, razão pela qual fixou a inconstitucionalidade por arrastamento de tal dispositivo.

13. Após a decisão veiculada na ADI 4425, o Supremo vem decidindo nos moldes então assentados. Assim, por exemplo, o AF.REG no Recurso Extraordinário 747.702, de Santa Catarina, rel. Ministra Cármen Lúcia, julgado em 13 de agosto de 2013. Na oportunidade foi veiculada a determinação de índice a ser aplicado na correção monetária do precatório. Contudo, por se tratar de matéria de legislação infraconstitucional, não houve o reexame da controvérsia.

14. No âmbito da jurisprudência eg Superior Tribunal de Justiça há diversos julgados ora no sentido de que o melhor índice a ser aplicado no que tange à atualização da correção monetária das parcelas pagas em atraso seria o INPC, ora firmando o IPCA, ora o IPCA-E, como balizador.

15. Em  26 de junho de 2013, a Primeira Seção do STJ, ao apreciar o REsp 1.270.439/PR assentou que a correção monetária, por força da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei nº 11.960, de 2009, deverá ser calculada com base no IPCA, índice que melhor reflete a inflação acumulada do período. Na mesma linha, foram os seguintes julgados: a) AgRg no AREsp 231080, rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 27.5.2014, DJE de 3.6.2014, pela Primeira Turma; b) AgRg no REsp 1106504, rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 8.4.2014, pela Sexta Turma; c) AgRg no AREsp 288026, rel. Min. Humberto Martins, julgado em 11.2.2014, DJE de 20.2.2014, pela Segunda Turma, parecendo ser esta a tendência do Superior Tribunal de Justiça após a decisão do Supremo por ocasião do julgamento da ADI 4425.[...]

417. Do tudo quanto exposto, afigura-se que algumas premissas podem ser traçadas sobre a aplicação da correção monetária em passivos a serem liquidados pela Administração, a saber: 1) que pela inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei mº 9.494, de 10 de setembro de 1997, pela Lei nº 11.960, de 29 de junho de 2009, não há falar-se na aplicação da taxa referencial para a correção monetária de débitos da Fazenda Pública; 2) a jurisprudência dominante do STJ antes da aludida declaração de inconstitucionalidade pelo STF firmava-se na aplicação do INPC como índice a ser utilizado para tal atualização monetária; 3) após o julgamento das ADINs 4.357 e 4.425, a tendência jurisprudencial do STJ parece ser no sentido de utilizar o IPCA como fator de correção, à vista dos julgados mencionados anteriormente".

Em despacho proferido em 26 de setembro de 2014, o então Diretor-Geral do Supremo determinou a adoção do citado índice (IPCA) para atualização monetária das parcelas remuneratórias pagas em atraso pela Administração.

Como última questão, encontra-se a definição dos efeitos temporais produzidos com a declaração de inconstitucionalidade ora proposta, considerando o afastamento, desde o seu nascedouro, da norma do ordenamento jurídico, como consequência inexorável do reconhecimento de sua nulidade, e a previsão contida no artigo 27 da Lei n° 9.868/99, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, também aplicável nesta Corte, no em virtude de sua competência para apreciar violação constitucional, transcrito:

"Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado."

Nesse aspecto, convém ponderar, com o faz Luiz Guilherme Marinoni:

"O art. 27 frisa a nulidade da lei inconstitucional, firmando a premissa de que a decisão tem efeitos retroativos, podendo o tribunal, pela maioria de dois terços dos seus membros, considerando os conceitos indeterminados de ‘segurança jurídica’ e de ‘excepcional interesse social’, restringir os seus efeitos ou decidir que a eficácia provenha do trânsito em julgado ou surja  a partir de outro momento a ser fixado. Nesses termos, a decisão pode isentar determinados atos ou situações dos efeitos retroativos, decidir que os efeitos apenas serão produzidos a partir de determinada data ou evento futuro. Há, em tais casos, efeitos retroativos limitados, efeitos prospectivos propriamente ditos e efeitos prospectivos a partir de determinado evento.

Os conceitos indeterminados referidos no art. 27 têm assento constitucional. A contenção dos efeitos exige, a partir de um juízo ancorado na ‘segurança jurídica’ ou em outro princípio constitucional sob a forma de ‘excepcional interesse social’, a prevalência dos interesses que seriam sacrificados pela retroatividade sobre os afetados pela lei inconstitucional".  (SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. 2a ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 1082-1083 – destaques postos).

Essa é a jurisprudência firmada no STF. Veja-se:

"EMENTA Embargos de declaração no recurso extraordinário. Tributário. Pedido de modulação de efeitos da decisão com que se declarou a inconstitucionalidade do inciso IV do art. 22 da Lei nº 8.212/91, com a redação dada pela Lei nº 9.876/99. Declaração de inconstitucionalidade. Ausência de excepcionalidade. Lei aplicável em razão de efeito repristinatório. Infraconstitucional. 1. A modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade é medida extrema, a qual somente se justifica se estiver indicado e comprovado gravíssimo risco irreversível à ordem social. As razões recursais não contêm indicação concreta, nem específica, desse risco. 2. Modular os efeitos no caso dos autos importaria em negar ao contribuinte o próprio direito de repetir o indébito de valores que eventualmente tenham sido recolhidos. 3. A segurança jurídica está na proclamação do resultado dos julgamentos tal como formalizada, dando-se primazia à Constituição Federal. 4. É de índole infraconstitucional a controvérsia a respeito da legislação aplicável resultante do efeito repristinatório da declaração de inconstitucionalidade do inciso IV do art. 22 da Lei nº 8.212/91, com a redação dada pela Lei nº 9.876/99. 5. Embargos de declaração rejeitados." (RE 595838 ED, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-036 DIVULG 24-02-2015 PUBLIC 25-02-2015 – destaques postos);

"EMENTA: EMBARGOS DE DECLAÇÃO EM ADI. OMISSÃO. PEDIDO DE MODULAÇÃO TEMPORAL DOS EFEITOS DA DECISÃO. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI QUE CONFERIU BENEFÍCIOS EM MATÉRIA DE ICMS SEM QUE HAJA CONVÊNIO DO CONFAZ. EMBARGOS CONHECIDOS PARA NEGAR-LHES PROVIMENTO. 1. Não comprovadas razões concretas de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, requisitos estipulados pelo art. 27 da Lei n.º 9.868/99, descabe a modulação dos efeitos da decisão. 2. A jurisprudência desta Suprema Corte não tem admitido a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade em casos de leis estaduais que instituem benefícios sem o prévio convênio exigido pelo art. 155, parágrafo 2º, inciso XII, da Constituição Federal – Precedentes. 3. A modulação dos efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade no presente caso consistiria, em essência, incentivo à guerra fiscal, mostrando-se, assim, indevida. 4. Embargos de declaração conhecidos para negar-lhes provimento." (ADI 3794 ED, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-036 DIVULG 24-02-2015 PUBLIC 25-02-2015);

"EMENTA Embargos de declaração em recurso extraordinário decidido pelo Plenário. Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Competência da Justiça do Trabalho. Alcance do art. 114, VIII, da Constituição Federal. Ausência de omissão ou de vícios. Modulação incabível na espécie. Embargos rejeitados. 1. Não houve omissão no julgamento atacado, na medida em que o venerando acórdão, de fato, não declarou a inconstitucionalidade do art. 876, parágrafo único, da CLT, porquanto o acórdão recorrido, da lavra do Tribunal Superior do Trabalho, não reconheceu, de forma expressa, a inconstitucionalidade dessa norma. 2. A pretensão da parte embargante de que seja reconhecida a competência da Justiça do Trabalho para executar as contribuições decorrentes de sentenças declaratórias e de sentenças homologatórias de acordo sempre que houver determinação expressa de "comprovação das contribuições incidentes sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido e anotado na CTPS do obreiro", além de possuir caráter infringente, o que é defeso, colide diretamente com o cerne do mérito julgado, o qual foi detalhado no voto vencedor. 3. Não se vislumbra a existência de interesse social ou público, tampouco de violação do princípio da segurança jurídica. Pedido de modulação indeferido. 4. Embargos de declaração rejeitados." (RE 569056 ED, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 19/11/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-021 DIVULG 30-01-2015 PUBLIC 02-02-2015);

"EMENTA Embargos de declaração em recurso extraordinário decidido pelo Plenário. Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Competência da Justiça do Trabalho. Alcance do art. 114, VIII, da Constituição Federal. Ausência de omissão ou de vícios. Modulação incabível na espécie. Embargos rejeitados. 1. Não houve omissão no julgamento atacado, na medida em que o venerando acórdão, de fato, não declarou a inconstitucionalidade do art. 876, parágrafo único, da CLT, porquanto o acórdão recorrido, da lavra do Tribunal Superior do Trabalho, não reconheceu, de forma expressa, a inconstitucionalidade dessa norma. 2. A pretensão da parte embargante de que seja reconhecida a competência da Justiça do Trabalho para executar as contribuições decorrentes de sentenças declaratórias e de sentenças homologatórias de acordo sempre que houver determinação expressa de "comprovação das contribuições incidentes sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido e anotado na CTPS do obreiro", além de possuir caráter infringente, o que é defeso, colide diretamente com o cerne do mérito julgado, o qual foi detalhado no voto vencedor. 3. Não se vislumbra a existência de interesse social ou público, tampouco de violação do princípio da segurança jurídica. Pedido de modulação indeferido. 4. Embargos de declaração rejeitados." (RE 569056 ED, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 19/11/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-021 DIVULG 30-01-2015 PUBLIC 02-02-2015). 

Modular os efeitos, como visto, não é uma consequência inexorável do reconhecimento da inconstitucionalidade. É, ao contrário, uma exceção, somente autorizada em casos excepcionais e assim mesmo desde que presentes os pressupostos indicados na regra em foco.

Mais ainda, por integração analógica da regra prevista no § 17 do artigo 896-C da CLT, introduzido pela Lei nº 13.015/2014, que, embora a preveja para o julgamento dos recursos de revista repetitivos por esta Corte, pode ser aplicada ao caso presente, diante da necessidade de preservação da segurança jurídica como elemento justificador dessa conduta:

"§ 17. Caberá revisão da decisão firmada em julgamento de recursos repetitivos quando se alterar a situação econômica, social ou jurídica, caso em que será respeitada a segurança jurídica das relações firmadas sob a égide da decisão anterior, podendo o Tribunal Superior do Trabalho modular os efeitos da decisão que a tenha alterado."

Resta, então, saber, da sua imprescindibilidade no caso, pois, na seara trabalhista, o comando estabelecido pelo STF provocou interessante "efeito colateral" relacionado ao tema, pois, desde o ano de 2014, passou a existir estranho e injustificável desequilíbrio entre os titulares de créditos trabalhistas, em face da natureza do devedor – público ou privado -, o que, a meu sentir, atenta contra o direito fundamental à isonomia (artigo 5o, caput): aos primeiros, é garantida a recomposição integral (atualização pelo IPCA-E); aos segundos, apenas de modo parcial (atualização pela TR).

A aparente contradição jurídica surgiu em virtude da determinação de suspensão dos pagamentos dos precatórios parcelados da União, tendo em vista outra decisão, também do Ministro Fux, proferida em 31 de outubro de 2014, na Reclamação n° 18.972, requerida em face do Tribunal Regional Federal da 1a Região, na qual determinou que fosse preservada a sistemática de atualização dos precatórios, anterior à decisão das ADIs nos 4.357 e 4.425, até que houvesse a modulação dos seus efeitos. Veja-se:

"RECLAMAÇÃO. CONSTITUCIONAL. ADIs 4.357 E 4.425 DESTA CORTE. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 5° DA LEI 11.960/2009 QUE CONFERIU NOVA REDAÇÃO AO ART. 1º-F DA LEI 9.494/97. LIMINAR DEFERIDA NAS REFERIDAS ADIs PARA DETERMINAR QUE OS PAGAMENTOS DEVIDOS PELA FAZENDA PÚBLICA SEJAM EFETUADOS CONFORME A SISTEMÁTICA ANTERIOR À DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE ATÉ A MODULAÇÃO DOS SEUS EFEITOS. INOBSERVÂNCIA. RECLAMAÇÃO QUE SE JULGA PROCEDENTE. 

Decisão: Cuida-se de reclamação, com pedido de liminar, proposta pela União, em face de decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região nos autos do Agravo de Instrumento n° 0036396-20.2014.4.01.0000, que teria descumprido a decisão liminar proferida por esta Corte nos autos da ADI 4.357 em julgamento plenário conjunto com a ADI 4.425, nas quais fui designado para redigir o acórdão.  Destaco da decisão ora reclamada: 

‘6. No tocante à correção monetária o STF na ADI 4357 afastou a TR como índice de correção monetária, devendo vigorar a partir da Lei 11.960/09 e Emenda 62/09 o IPCA-E do IBGE, que melhor se adequa ao fim de correção da moeda, conforme tem entendido a 1a e a 2a Turma desta Corte, senão vejamos:

‘PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO DE AMPARO SOCIAL À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA E AO IDOSO. ART. 203. V. CF/88. LEI 8.7-12/93. TERMO A QUO. CORREÇÃO MONETARIA. JUROS DE MORA. HONORARIOS ADVOCATÍCIOS. CUSTAS PROCESSUAIS. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO

I. Presentes os pressupostos legais para a concessão do benefício de prestação continuada denominado amparo social à pessoa portadora de deficiência física e ao idoso (art.. 203 da CF/88 e art. 2º, V. Lei 8. 742/93). pois comprovado que a parte requerente é deficiente e que não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

2. No que tange ao limite mínimo da renda per capita. o estudo sócio-econômico também trazido aos fólios indica. sem espaço para dúvidas. o enquadramento da situação da parte autora na condição de miserabilidade justificadora do deferimento do beneficio assistencial em exame.

3. Veja-se. a propósito. que no julgamento dos RE 567985 e 580963. e da Reclamação n° 4374, o STF declarou a inconstitucionalidade do art. 20, § 3°, da Lei n° 8. 742/93, no que se refere à sobredita renda per capita (além de ter declarado a inconstitucionalidade do art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso). Termo inicial do benefício conforme comando sentencial.

5. Correção monetária com base nos índices do Manual de Cálculos da Justiça Federal. aplicando-se o IPCA-E após a entrada em vigor da Lei n° 11.960/2009, tendo em vista a imprestabilidade da TR -atualmente usada na remuneração das cadernetas de poupança -como índice de correção monetária de débitos judiciais, conforme fundamentos utilizados pelo STF no julgamento das ADI n° 493 e 4357/DF, e ainda pelo STJ no julgamento do REsp n° 1.270.439/PR, pelo rito do art. 543-C do CPC.

6. Juros de mora de 1% ao mês. observados os respectivos vencimentos. reduzindo-se a taxa para 0.5% ao mês a partir da Lei n° 11.960/09.

7. Relativamente ao adiantamento da prestação jurisdicional, seja em razão do cumprimento dos requisitos exigidos no art. 273 do CPC ou com fundamento no art. 461, § 3º, do mesmo Diploma, fica esta providência efetivamente assegurada na hipótese dos autos. já que a conclusão daqui emergente é na direção da concessão do benefício.

8. Em qualquer das hipóteses supra, fica expressamente afastada afixação prévia de multa, sanção esta que somente é aplicável na hipótese de efetivo descumprimento do comando relativo à implantação do beneficio.

9 Apelação desprovida e remessa oficial parcialmente provida. (AC 0002659-50.2009.4.01.9199 / MT. Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CANDIDO MORAES. SEGUNDA TURMA. e-DJFI p. 791 de 04/04/2014).

(...)

6. A correção monetária incidente sobre as parcelas atrasadas deve observar as orientações do Manual de Cálculos da Justiça Federal. aprovado pela Resolução/CF 134, 21.12.2010. aplicando-se o IPCA-E após a entrada em vigor da Lei n° 11. 960/2009. tendo em vista a imprestabilidade da TR -atualmente usada na remuneração das cadernetas de poupança -como índice de correção monetária de débitos judiciais. conforme fundamentos utilizados pelo STF na ADI-/93/DF. 7. Os juros de mora são devidos no percentual de 1% (um por cento) ao mês. a contar da citação (Súmula 11. 20-//ST1). até o advento da Lei 11.960/2009. a partir de quando incidirão à razão de 0.5% (meio por cento) ao mês -ou outro índice de juros remuneratórios das cadernetas de poupança que eventualmente venha a ser estabelecido -. até a apuração definitiva dos cálculos de liquidação.

8. Honorários advocatícios que se fixa no percentual 10% (dez por cento) do valor da condenação.

9. Apelação provida (AC 00005842-34.2007.4.01.3400/ DF. Rel DESEMBARGADOR FEDERAL NEY BELLO Rel. Conv. JUIZ FEDERAL IRAN ESMERALDO LEITE (CONV.). PRIMEIRA TURMA. e-DJFl p. 728 de 31/03/2014).

7. A aplicação do Manual de Cálculos da Justiça Federal-MCCJF aprovado pela Resolução n. 167/2013 está adequada com o entendimento adotado pelo STF na citada ADIN.

8. Ademais, ausente determinação expressa de modulação de efeitos não se pode aplicar norma declarada nula após a decisão de conhecimento notório. motivo pelo qual não merece reparos a decisão vergastada.

9. Em face do exposto, nego seguimento ao recurso’.

O reclamante sustenta que:

‘enquanto não houver a modulação dos efeitos da decisão proferida na ADI n° 4.357 por essa Suprema Corte, deverá ser aplicada a sistemática anterior, prevista pela Lei n° 11.960/2009, que determinava tão somente o índice de poupança (TR) para correção monetária e juros.

Ademais, saliente-se que, a despeito de o dispositivo ter sido declarado inconstitucional, essa Suprema Corte ainda não se manifestou de forma conclusiva acerca da eficácia de sua decisão, sendo certo que compete somente a esse Supremo Tribunal a modulação dos efeitos de sua decisão exarada na ADI n. 4.357/DF.

Assim, ao aplicar indistintamente o IPCA como índice de atualização monetária, sem aguardar decisão final desse Pretório Excelso acerca do tema, o TRF da 1ª Região acabou por violar frontalmente a competência desse Supremo Tribunal Federal de se manifestar sobre suas próprias decisões, fixar os parâmetros de sua aplicação e/ou modular os seus efeitos’.

Aduz ser necessária a concessão de provimento liminar para suspender os efeitos da decisão reclamada, ‘dado o efeito multiplicador de demandas idênticas à presente e considerando a existência de inúmeras delas na referida Corte’.

Requer, ao final, a suspensão liminar dos efeitos da decisão objurgada, e, no mérito, postula a procedência do pedido para cassar o decisum reclamado ‘de modo que nova decisão seja proferida, considerando a solução definitiva dada por esse Pretório Excelso acerca da matéria, ao realizar a modulação dos efeitos de sua decisão proferida na ADI nO 4.357/DF’.

É o relatório. Passo a decidir.

Ab initio, antes de examinar se, de fato, há a contradição apontada entre o ato reclamado e a decisão proferida por esta Corte nas ADIs 4.357 e 4.425, impõe-se esclarecer o que ela estabelece para, em seguida, efetuar, se for o caso, a parametricidade pretendida.

Ao julgar, em conjunto, as ADIs 4.357 e 4.425, esta Corte declarou que a atualização monetária dos débitos fazendários inscritos em precatórios segundo o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança viola o direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII) na medida em que é manifestamente incapaz de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão.

Outrossim, decidiu que a quantificação dos juros moratórios relativos a débitos fazendários inscritos em precatórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança vulnera o princípio constitucional da isonomia (CF, art. 5º, caput) ao incidir sobre débitos estatais de natureza tributária, pela discriminação em detrimento da parte processual privada que, salvo expressa determinação em contrário, responde pelos juros da mora tributária à taxa de 1% ao mês em favor do Estado (ex vi do art. 161, §1º, CTN), pelo que foi declarada inconstitucional parcialmente sem redução da expressão independentemente de sua natureza, contida no art. 100, § 12, da CF, incluído pela EC nº 62/09, para determinar que, quanto aos precatórios de natureza tributária, sejam aplicados os mesmos juros de mora incidentes sobre todo e qualquer crédito tributário.

O Plenário do STF assentou ainda que o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/09, ao reproduzir as regras da EC nº 62/09 quanto à atualização monetária e à fixação de juros moratórios de créditos inscritos em precatórios incorre nos mesmos vícios de juridicidade que inquinam o art. 100, § 12, da CF, razão pela qual se revela inconstitucional por arrastamento.

Pois bem. Diante de notícia veiculada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil acerca da paralisação do pagamento de precatórios por alguns Tribunais de Justiça do País, determinada após o julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 4.357 e 4.425 para que se aguardasse a modulação dos efeitos da decisão, em 11/4/2013, mediante provimento cautelar, determinei aos Tribunais de Justiça de todos os Estados e do Distrito Federal que dessem imediata continuidade aos pagamentos de precatórios, na forma como já vinham realizando até a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em 14/3/2013, segundo a sistemática vigente à época, respeitando-se a vinculação de receitas para fins de quitação da dívida pública, sob pena de sequestro. Essa cautelar foi ratificada pelo Plenário deste Tribunal em 24/10/2013.

A decisão reclamada não observou, pois, esse decisum, na medida em que afastou a aplicação do art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.690/2009, não obstante a determinação desta Corte em sentido contrário.

Saliento, por fim, que o Ministério Público Federal, em situações idênticas a ora sob exame, tem se manifestado pela procedência da reclamação nos seguintes termos:

‘Reclamação. Ofensa à decisão liminar nas ADIs 4357. Correção de débito contra a Fazenda Pública por índice diverso do previsto no artigo 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009.

Conforme cautelarmente determinado pelo Ministro Luiz Fux, em homenagem à segurança jurídica, até a decisão do Plenário da Suprema Corte acerca da modulação dos efeitos da decisão na ADI 4.357, deve-se observar o regime legal então vigente. Parecer pela procedência do pedido.’ (Rcl 17.483/DF, Rel. Min. Celso de Mello).

Acolhendo essa orientação, menciono os seguintes precedentes desta Corte: Rcl 17.483/DF, Rcl 17.479/DF e 17.651/RS, todos de relatoria do Ministro Celso de Mello, e Rcl 16.940/SP e Rcl 17.487/DF, de Relatoria do Ministro Teori Zavascki, dentre outros.

Ex positis, julgo procedente esta reclamação para cassar o ato reclamado na parte em que contrariou a liminar deferida nos autos das ADI 4.357 e 4.425, e determinar que os pagamentos devidos pela Fazenda Pública sejam efetuados respeitada a sistemática anterior à declaração de inconstitucionalidade nas referidas ações, até que sejam modulados seus efeitos. Prejudicado o pedido de liminar.

Publique-se."

Importante passagem da liminar concedida, ora destacada, revela que a manutenção da sistemática de pagamentos já havia sido determinada também aos Tribunais de Justiça:

"Pois bem. Diante de notícia veiculada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil acerca da paralisação do pagamento de precatórios por alguns Tribunais de Justiça do País, determinada após o julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 4.357 e 4.425 para que se aguardasse a modulação dos efeitos da decisão, em 11/4/2013, mediante provimento cautelar, determinei aos Tribunais de Justiça de todos os Estados e do Distrito Federal que dessem imediata continuidade aos pagamentos de precatórios, na forma como já vinham realizando até a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em 14/3/2013, segundo a sistemática vigente à época, respeitando-se a vinculação de receitas para fins de quitação da dívida pública, sob pena de sequestro. Essa cautelar foi ratificada pelo Plenário deste Tribunal em 24/10/2013."

Mencione-se, por fim, o Processo Administrativo nº 311.738, que serviu de fundamento para a expedição do Ato da Presidência deste Tribunal, que adotou o IPCA-E, conforme narrado acima.

Significa dizer que:

1. na primeira decisão (proferida em 31/10/2014), foram preservados os efeitos da sistemática anteriormente adotada (utilização da TR) para os Tribunais de Justiça, mencionados em liminar anteriormente proferida, e para os Tribunais Regionais Federais (ao cassar a metodologia adotada no Tribunal Regional Federal da 1a Região);

2. na segunda (26/03/2015), explicitou-se o dever de preservação da utilização do IPCA-E, a partir do exercício de 2014, em face das respectivas LDOs.

Finalmente, a solução definitiva ocorreu em 25 de março último, por meio da aguardada modulação de efeitos, destacada no dispositivo ora transcrito e no qual o Relator reajustou o seu voto:

"Decisão: Concluindo o julgamento, o Tribunal, por maioria e nos termos do voto, ora reajustado, do Ministro Luiz Fux (Relator), resolveu a questão de ordem nos seguintes termos: 1) - modular os efeitos para que se dê sobrevida ao regime especial de pagamento de precatórios, instituído pela Emenda Constitucional nº 62/2009, por 5 (cinco) exercícios financeiros a contar de primeiro de janeiro de 2016; 2) - conferir eficácia prospectiva à declaração de inconstitucionalidade dos seguintes aspectos da ADI, fixando como marco inicial a data de conclusão do julgamento da presente questão de ordem (25.03.2015) e mantendo-se válidos os precatórios expedidos ou pagos até esta data, a saber: 2.1.) fica mantida a aplicação do índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (TR), nos termos da Emenda Constitucional nº 62/2009, até 25.03.2015, data após a qual (i) os créditos em precatórios deverão ser corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) e (ii) os precatórios tributários deverão observar os mesmos critérios pelos quais a Fazenda Pública corrige seus créditos tributários; e 2.2.) ficam resguardados os precatórios expedidos, no âmbito da administração pública federal, com base nos arts. 27 das Leis nº 12.919/13 e Lei nº 13.080/15, que fixam o IPCA-E como índice de correção monetária; 3) - quanto às formas alternativas de pagamento previstas no regime especial: 3.1) consideram-se válidas as compensações, os leilões e os pagamentos à vista por ordem crescente de crédito previstos na Emenda Constitucional nº 62/2009, desde que realizados até 25.03.2015, data a partir da qual não será possível a quitação de precatórios por tais modalidades; 3.2) fica mantida a possibilidade de realização de acordos diretos, observada a ordem de preferência dos credores e de acordo com lei própria da entidade devedora, com redução máxima de 40% do valor do crédito atualizado; 4) – durante o período fixado no item 1 acima, ficam mantidas a vinculação de percentuais mínimos da receita corrente líquida ao pagamento dos precatórios (art. 97, § 10, do ADCT), bem como as sanções para o caso de não liberação tempestiva dos recursos destinados ao pagamento de precatórios (art. 97, § 10, do ADCT); 5) – delegação de competência ao Conselho Nacional de Justiça para que considere a apresentação de proposta normativa que discipline (i) a utilização compulsória de 50% dos recursos da conta de depósitos judiciais tributários para o pagamento de precatórios e (ii) a possibilidade de compensação de precatórios vencidos, próprios ou de terceiros, com o estoque de créditos inscritos em dívida ativa até 25.03.2015, por opção do credor do precatório, e 6) – atribuição de competência ao Conselho Nacional de Justiça para que monitore e supervisione o pagamento dos precatórios pelos entes públicos na forma da presente decisão, vencido o Ministro Marco Aurélio, que não modulava os efeitos da decisão, e, em menor extensão, a Ministra Rosa Weber, que fixava como marco inicial a data do julgamento da ação direta de inconstitucionalidade. Reajustaram seus votos os Ministros Roberto Barroso, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 25.03.2015."

No que interessa à questão jurídica em exame, o STF adotou como marco regulatório dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade o dia 25 de março de 2015 e resolveu:

a) manter válidos os precatórios expedidos ou pagos;

b) manter a aplicação da TR até a aludida data;

c) definir, a partir de então, a variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) como fator de atualização dos créditos em precatórios;

d) resguardar, no âmbito da União, os precatórios expedidos com base nas Leis Orçamentárias de 2014 e 2015 (Leis nos 12.919/13 e 13.080/15, em virtude de já adotarem o referido índice.

Diante de tudo isso, resta indagar: os fundamentos contidos no citado artigo 27 da Lei 9.868/99 e no § 17 do artigo 896-C da CLT, este último aplicado por integração analógica, amparam a modulação de efeitos no caso presente? Em caso positivo, a partir de quando?

Evidente que não há que se falar na presença de "excepcional interesse social", pois, se existisse, estaria ao lado da tese da recomposição integral, que visa atender, como salientado em inúmeras passagens deste voto, o direito do credor trabalhista à recomposição integral do seu patrimônio reconhecido pela sentença que definiu a obrigação a ser paga em dinheiro.

Resta, apenas, a "segurança jurídica" que, para Marco Túlio Reis Magalhães,

"Vincula-se à garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito, bem como à garantia de previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos atos do poder público. O que exigiria, no fundo, seria o seguinte: 1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos atos de poder; 2) de forma que, em relação a eles, o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos de seus próprios atos". (MAGALHÃES, Marco Túlio Reis. Características da segurança  jurídica no Brasil. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-jun-22/observatorio-constitucional-caracteristicas-seguranca-juridica-brasil>. Acesso em: 20 Abr. 2015.

Dirley da Cunha Júnior, de modo enfático, assinala:

"No caput do art. 5º, a Constituição garante a inviolabilidade à segurança jurídica. Cuida-se, sem dúvida, de outra garantia fundamental que consagra a proteção da confiança e da estabilidade das relações jurídicas constituídas.

Encerra a ideia de que as relações ou situações jurídicas constituídas cm base em uma lei perdurarão ainda que posteriormente seja revogada tal lei.

[...]

A garantia da segurança jurídica impõe aos poderes públicos o respeito à estabilidade das relações jurídicas já constituídas e a obrigação de antecipar os efeitos das decisões que interferirão nos direitos e liberdades individuais e coletivas. Ela visa tornar segura a vida das pessoas e instituições, ou, como pontifica Tércio Sampaio Ferraz Jr., ‘cria condições de certeza e igualdade que habilitam o cidadão a sentir-se senhor de seus próprios atos e dos atos dos outros’. Assim, a segurança jurídica, o magistério de Jorge Reinaldo Vanossi, consiste no ‘conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida’.

Para Souto Maior Borges, a segurança jurídica ‘pode ser visualizada como um valor transcendente ao ordenamento jurídico, no sentido de que a sua investigação não se confina ao sistema jurídico positivo. Antes, inspira as normas que, no âmbito do Direito Positivo, lhe atribuem efetividade’". (obra citada, p. 674).

Em clássica obra, J. J. Gomes Canotilho traça os contornos da compreensão e aplicação desse princípio, em especial alcançar a prática de atos dos três Poderes:

"O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de protecção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo têm o direito de poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses actos jurídicos deixados pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico". (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 257).

O próprio Supremo adotou esse princípio, não apenas na decisão modulatória, como em diversos outros julgados, já referidos. Prudente, por conseguinte, sejam modulados os efeitos da decisão ora encaminhada, em virtude da preservação da segurança jurídica.

Isso porque ao longo desses três últimos anos, milhares de pagamentos foram efetuados em processos em curso nesta Justiça, quitações foram outorgadas, acordos foram celebrados e, ainda que injusta, friso, a modulação com efeitos prospectivos ou parcialmente retroativos impedirá que sejam revolvidos tais processos em busca de créditos que não foram integralmente satisfeitos, ponderações também levadas a efeito pelo STF.

Deve-se reconhecer, portanto, qualquer que venha a ser a decisão quanto aos efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade, a necessidade de preservação das situações jurídicas consolidadas resultantes dos pagamentos efetuados nos processos judiciais, em andamento ou extintos, em virtude dos quais foi adimplida e extinta a obrigação, ainda que parcialmente, sobretudo em decorrência da proteção ao ato jurídico perfeito, resguardado desde o artigo 5º, XXXVI, da Constituição, até o artigo 6º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro – LIDB.

São atos já consumados segundo a lei vigente ao tempo em que praticados e não se confundem com a mera garantia do Juízo ou situações equivalentes, nas quais a mora não é elidida e, portanto, não afastam a incidência da correção pelo novo índice.

Aos processos nos quais a obrigação pende de cumprimento, porém, não há direito a ser resguardado, no mínimo pela recalcitrância do devedor em cumprir as obrigações resultantes do contrato de trabalho e, mais, por não haver ato jurídico concluído que mereça proteção, na linha da argumentação já sustentada.

Quatro cenários se mostram possíveis:

a) 30 de junho de 2009, data de vigência da Lei nº 11.960/2009, que acresceu o artigo 1º-F à Lei nº 9.494/1997, declarado inconstitucional pelo STF, com o registro de que essa data corresponde à adotada no Ato de 16/04/2015, da Presidência deste Tribunal, que alterou o ATO.TST.GDGSET.GP.Nº 188, de 22/4/2010, publicado no BI nº 16, de 23/4/2010, que estabelece critérios para o reconhecimento administrativo, apuração de valores e pagamento de dívidas de exercícios anteriores – passivos – a magistrados e servidores do Tribunal Superior do Trabalho.

A meu sentir, essa parece a data mais indicada e apenas para os processos em curso, ou seja, nos quais o crédito ainda esteja em aberto, a fim de preservar a isonomia de tratamento aos credores da União (exceto os casos de precatórios) e com fundamento no artigo 5o, caput, da Constituição;

b) 14 de março de 2013, conclusão do julgamento das ADIs n°s 4.357, 4.372, 4.400 e 4.425 pelo Supremo.

c) 01 de janeiro de 2014: em virtude de ser adotado, desde o exercício de 2014, o citado IPCA-E. Vale ressaltar que o STF preservou esse critério para os precatórios expedidos no âmbito da administração pública federal, o que também se aplicaria àqueles oriundos de dívidas trabalhistas;

d) 26 de março de 2015, considerando a data fixada pelo STF para os demais casos de precatórios dos Estados e Municípios.

Assinalo, de passagem, que a adoção do critério mencionado não destoa da decisão do STF em virtude de, nos casos por ele examinados, a dívida estar consolidada nos precatórios expedidos e os valores a eles referentes incluídos no orçamento correspondente, fluindo-se, a partir de então, o período de graça concedido para a respectiva quitação, premissas que se aplicariam, por simetria, ao reconhecimento de efeitos plenos aos pagamentos efetuados, mas deixando ao largo as dívidas pendentes, pois não há direito adquirido do devedor a quitá-la com valores que não expressem a sua exata dimensão.

Assim, com amparo nos dispositivos invocados e fundamentos que externei, voto no sentido de: a)  acolher o incidente de inconstitucionalidade suscitado pela eg. 7ª Turma e, em consequência, declarar a inconstitucionalidade por arrastamento da expressão "equivalentes à TRD", contida no caput do artigo 39 da Lei n° 8.177/91; b) adotar a técnica de interpretação conforme a Constituição para o texto remanescente do dispositivo impugnado e preservar o direito à atualização monetária dos créditos trabalhistas; c) definir a variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) como fator de atualização a ser utilizado na tabela de atualização monetária dos débitos trabalhistas na Justiça do Trabalho; d) atribuir efeitos modulatórios à decisão, que deverão prevalecer a partir de 30 de junho de 2009, observada, porém, a preservação das situações jurídicas consolidadas resultantes dos pagamentos efetuados nos processos judiciais, em andamento ou extintos, em virtude dos quais foi adimplida e extinta a obrigação, ainda que parcialmente, sobretudo em decorrência da proteção ao ato jurídico perfeito (artigos 5º, XXXVI, da Constituição e 6º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro – LIDB); e) determinar o retorno dos presentes autos à 7ª Turma desta Corte para prosseguir no julgamento do recurso de revista, observado o quanto ora decidido.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, em sua composição plenária, I) por unanimidade: a) acolher o incidente de inconstitucionalidade suscitado pela eg. 7ª Turma e, em consequência, declarar a inconstitucionalidade por arrastamento da expressão "equivalentes à TRD", contida no caput do artigo 39 da Lei n° 8.177/91; b) adotar a técnica de interpretação conforme a Constituição para o texto remanescente do dispositivo impugnado, a preservar o direito à atualização monetária dos créditos trabalhistas; c) definir a variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) como fator de atualização a ser utilizado na tabela de atualização monetária dos débitos trabalhistas na Justiça do Trabalho; II) por maioria, atribuir efeitos modulatórios à decisão, que deverão prevalecer a partir de 30 de junho de 2009, observada, porém, a preservação das situações jurídicas consolidadas resultantes dos pagamentos efetuados nos processos judiciais, em andamento ou extintos, em virtude dos quais foi adimplida e extinta a obrigação, ainda que parcialmente, sobretudo em decorrência da proteção ao ato jurídico perfeito (artigos 5º, XXXVI, da Constituição e 6º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro – LIDB), vencida a Excelentíssima Senhora Ministra Dora Maria da Costa, que aplicava a modulação dos efeitos da decisão a contar de 26 de março de 2015; III) por unanimidade, determinar: a) o retorno dos autos à 7ª Turma desta Corte para prosseguir no julgamento do recurso de revista, observado o quanto ora decidido; b) a expedição de ofício ao Exmo. Ministro Presidente do Conselho Superior da Justiça do Trabalho a fim de que determine a retificação da tabela de atualização monetária da Justiça do Trabalho (tabela única); c) o encaminhamento do acórdão à Comissão de Jurisprudência e de Precedentes Normativos para emissão de parecer acerca da Orientação Jurisprudencial nº 300 da SbDI-1. Ressalvaram o entendimento os Exmos. Ministros Guilherme Augusto Caputo Bastos, Alexandre de Souza Agra Belmonte e Maria Helena Mallmann.

Brasília, 04 de agosto de 2015.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

CLÁUDIO BRANDÃO

Ministro Relator

 


[1] Art. 362. O interstício entre o primeiro e o segundo turno será de, no mínimo, cinco dias úteis.

[2] BRITTO, Carlos Ayres. O regime constitucional da correção monetária. In: Revista de Direito Administrativo, vol. 203, Rio de Janeiro: Renovar, jan-mar 1996, p. 41-58.

[3] Exemplos de normas constitucionais veiculadoras do instituto da correção monetária: inciso X do art. 37; §§ 8o e 17 do art. 40; inciso III do § 4o do art. 182; caput do art. 184; §§ 3o e 4o do art. 201; arts. 33. 46 e 78 do ADCT.

[4] Art. 7o São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

IV- salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.

[5] A Segunda Turma deste Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 175.678, de relatoria do Ministro Carlos Velloso, assentou a não-exclusão da TR do universo jurídico; vale dizer, não houve proibição de sua utilização como índice de indexação. Acertado tal entendimento, mas que em nada se aplica ao caso sob análise. Naquela oportunidade, esta nossa Corte julgava recurso extraordinário em embargos à execução. Embargos que se manejavam contra a utilização da TR para atualizar monetariamente um crédito trabalhista. Sucede que o recorrente, no caso, "em momento algum apontou ou sugeriu índice que, a seu ver, melhor refletisse a inflação do período, pretendendo, tão-somente, a não aplicação de qualquer índice, o que importaria na liquidação da dívida sem correção, com total injustiça para o credor".

[6] Atualização, esta, que hoje se encontra inconstitucionalmente regida pelo art. 1o-F da Lei n° 9.494/97, com a redação dada pela Lei n° 11.960/2009.

[7] Correta atualização que, como visto na nota de rodapé anterior, também se encontra obstada pela atual redação do art. 1o-F da Lei n° 9.494/97.

[8] Art. 182. (...) § 4o. É facultado ao poder público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

(...) III- desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

[9] Art. 97. (...)
§ 1o Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios sujeitos ao regime especial de que trata este artigo optarão, por meio de ato do Poder Executivo:

(...)
II – pela adoção do regime especial pelo prazo de até 15 (quinze) anos, caso em que o percentual a ser depositado na conta especial a que se refere o § 2o deste artigo corresponderá, anualmente, ao saldo total dos precatórios devidos, acrescido do índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança e de juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança para fins de compensação da mora, excluída a incidência de juros compensatórios, diminuído das amortizações e dividido pelo número de anos restantes no regime especial de pagamento.

(...)
§ 16. A partir da promulgação desta Emenda Constitucional, a atualização de valores de requisitórios, até o efetivo pagamento, independentemente de sua natureza, será feita pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, e, para fins de compensação da mora, incidirão juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, ficando excluída a incidência de juros compensatórios.

[10] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9a. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 1.285.

[11] Expressão cunhada pelo Min. Sepúlveda Pertence ao se referir à interpretação capaz de esvaziar a eficácia da garantia constitucional da estabilidade sindical (RE 205.107, Plenário, j. 06.08.1998, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 25.09.1998).

[12] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9a. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 1.286.

[13]  CUNHA JÚNIOR, Dirley. Curso de direito constitucional. Salvador: Podivm, 2008. p. 358.

[14] Obra citada, p. 360. 

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