TRT 02/SP - INFORMATIVOS NOTÍCIAS e JURISPRUDÊNCIA 2023 0004 - 2023

Data da publicação:

Acordão - TST

Breno Medeiros - TST



VENDEDORA DE LOJA DO JOGO DO BICHO OBTÉM RECONHECIMENTO DE VÍNCULO



AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA. A decisão não contraria o precedente firmado em sede de repercussão geral pelo STF (AI 791.292 QO-RG, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 12/08/2010), no qual a Excelsa Corte decidiu "que o art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados", uma vez que o e. TRT expôs fundamentação suficiente, consignando de forma explícita os motivos pelos quais concluiu pelo reconhecimento do vínculo de emprego, o que evidencia, por consectário lógico, a ausência de transcendência da matéria. Agravo não provido.

VÍNCULO DE EMPREGO. EXERCÍCIO CONCOMITANTE DE ATIVIDADE ILÍCITA E DE ATIVIDADE LÍCITA. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 199 DA SDI-1. NÃO APLICÁVEL. VÍNCULO DE EMPREGO RECONHECIDO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. O e. TRT reformou a sentença de piso para reconhecer o vínculo de emprego por verificar que, concomitantemente ao exercício de atividade ilícita relacionada ao "jogo do bicho", a reclamante também exercia atividade lícita consistente na venda de crédito para recarga de celulares, reputando, assim, preenchidos os requisitos dos arts. 2º e 3º da CLT. A jurisprudência desta Corte vem se posicionando no sentido de que deve ser reconhecida a validade do contrato de trabalho de profissional que, ainda, que preste serviço em local destinado à atividade ilícita, não atue exclusivamente no elemento do tipo penal, resultando afastada a incidência da Orientação Jurisprudencial nº 199 da SBDI-1 do TST. Dessa forma, a decisão da Corte a quo que reconheceu a validade do contrato do contrato de trabalho em razão do exercício, pela reclamante, também de atividades lícitas, em favor da reclamada, não contraria o referido verbete, tampouco ofende os dispositivos legais invocados. Agravo não provido. (TST-Ag-AIRR-113-10.2021.5.13.0008, Breno Medeiros, DEJT 31/032023)

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo em Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n° TST-Ag-AIRR-113-10.2021.5.13.0008, em que é Agravante SONHO REAL LOTERIAS LTDA - EPP e é Agravada MICHELE FERREIRA PEREIRA BARBOSA.

Trata-se de agravo interposto contra decisão monocrática que negou seguimento ao agravo de instrumento, com fulcro no art. 896-A, § 2º, da CLT, c/c art. 247 do Regimento Interno desta Corte.

Na minuta de agravo, a parte defende a incorreção da r. decisão agravada.

É o relatório.

V O T O

1 - CONHECIMENTO

O Pleno do TST, ao julgar o Processo ArgInc - 1000845-52.2016.5.02.0461 em 6/11/2020, declarou a inconstitucionalidade do artigo 896-A, § 5º, da CLT, razão pela qual, com expressa ressalva de entendimento pessoal, conheço do agravo.

2 – MÉRITO

A parte agravante não se insurge, na minuta de agravo, contra a decisão que denegou seguimento ao agravo de instrumento relativamente ao tema "horas extras", razão pela qual não será objeto de exame.

PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA

A decisão agravada negou seguimento ao agravo de instrumento, sob o fundamento de que:

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que negou seguimento a recurso de revista.

Examino.

O recurso de revista que se pretende destrancar foi interposto em face de acórdão publicado na vigência da Lei nº 13.467/2017, que alterou o art. 896-A da CLT, havendo a necessidade de se evidenciar a transcendência das matérias nele veiculadas, na forma do referido dispositivo e dos arts. 246 e seguintes do RITST.

Constato, no entanto, a existência de obstáculo processual apto a inviabilizar o exame das questões veiculadas na revista e, por consectário lógico, a evidenciar a ausência de transcendência do recurso.

Com efeito, a decisão agravada foi proferida nos seguintes termos:

PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS

Tempestivo o recurso (decisão publicada em 23.09.2021 - ID.1158BE4; recurso apresentado em 01.10.2021 - ID. 7C70EE5)

Regular a representação processual (ID. 2AE562B).

Preparo satisfeito (Custas – ID. FB07815 e ID. A422039).

PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS

TRANSCENDÊNCIA

À luz do art. 896-A da CLT, o recurso de revista somente poderá ser analisado se oferecer transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política social ou jurídica. Todavia, a análise desse pressuposto intrínseco compete ao próprio TST (art. 896-A, §6º, da CLT), razão pela qual deixa-se de aferi-lo.

  DA NULIDADE DO ACÓRDÃO POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

Alegações:

(...)

A negativa de prestação jurisdicional, por fim, decorre da ausência de fundamentação da decisão proferida, o que, a toda evidência, não ocorre na hipótese vertente, como se infere da vasta, longa e completa exposição das razões de decidir (fls. 1033-1040). Nesse quadro, a subsunção dos fatos à norma, tal qual está descrito no acórdão embargado, é suficiente para explicitar o posicionamento fático-jurídico contido no julgamento.

Portanto, inexiste omissão ou contradição a ser sanada na estreita via dos embargos declaratórios, incumbindo à reclamada, querendo, interpor o recurso de revista adequado ao reexame da matéria já decidida por esta Turma Julgadora, de forma clara, coesa e coerente.

  A negativa de prestação jurisdicional se configura com a ausência de posicionamento expresso, no julgado, acerca de questão suscitada pelos litigantes e que seja essencial e indispensável à solução da controvérsia.

Na espécie, vislumbro a existência de omissão, eis que, o enquadramento sindical foi examinado no acórdão, que reproduzido na decisão que examinou os embargos de declaração. Além disso, neste julgado, a Turma deixou assento que o enquadramento sindical decorreu da venda de crédito para telefones celulares, que no caso, é uma típica operação mercantil de compra e venda, caracterizando a atividade comercial reconhecida.

Na hipótese dos autos, constata-se que a matéria relevante para o deslinde da questão foi examinada e a prestação jurisdicional foi entregue de forma amplamente fundamentada, uma vez que a Turma apreciou, de modo satisfatório, os fundamentos fáticos e jurídicos que embasaram a sua decisão, analisando as questões suscitadas pelas partes, bem como as provas aptas a fundamentar o seu convencimento, o que afasta a hipótese de afronta dos arts. 93, IX, da CF; 832 da CLT e 489 do CPC.

Portanto, as alegações das recorrentes são meras manifestações de inconformismo meritório.

  (...)

  CONCLUSÃO

a) DENEGO seguimento ao Recurso de Revista da reclamada.

Examinando as matérias em discussão, em especial aquelas devolvidas no agravo de instrumento (art. 254 do RITST), observa-se que as alegações nele contidas não logram êxito em infirmar os obstáculos processuais invocados na decisão que não admitiu o recurso de revista.

Dessa forma, inviável se torna o exame da matéria de fundo veiculada no recurso de revista.

Pois bem.

O critério de transcendência é verificado considerando a questão jurídica posta no recurso de revista, de maneira que tal análise somente se dá por esta Corte superior se caracterizada uma das hipóteses previstas no art. 896-A da CLT.

Assim, a existência de obstáculo processual apto a inviabilizar o exame da matéria de fundo veiculada, como no caso, acaba por evidenciar, em última análise, a própria ausência de transcendência do recurso de revista, em qualquer das suas modalidades.

Isso porque não se justificaria a intervenção desta Corte superior a fim de examinar feito no qual não se estaria: a) prevenindo desrespeito à sua jurisprudência consolidada (transcendência política); b) fixando tese sobre questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista (transcendência jurídica); c) revendo valor excessivo de condenação, apto a ensejar o comprometimento da higidez financeira da empresa demandada ou de determinada categoria profissional (transcendência econômica); d) acolhendo pretensão recursal obreira que diga respeito a direito social assegurado na Constituição Federal, com plausibilidade na alegada ofensa a dispositivo nela contido (transcendência social).

Nesse sentido já se posicionou a maioria das Turmas deste TST: Ag-RR - 1003-77.2015.5.05.0461, Relator Ministro: Breno Medeiros, Data de Julgamento: 07/11/2018, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 09/11/2018; AIRR - 1270-20.2015.5.09.0661, Relatora Desembargadora Convocada: Cilene Ferreira Amaro Santos, Data de Julgamento: 07/11/2018, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 09/11/2018; ARR - 36-94.2017.5.08.0132, Relator Ministro: Ives Gandra Martins Filho, Data de Julgamento: 24/10/2018, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 26/10/2018; RR - 11200-04.2016.5.18.0103, Relator Desembargador Convocado: Roberto Nobrega  de Almeida Filho, Data de Julgamento: 12/12/2018, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 14/12/2018; AIRR - 499-03.2017.5.11.0019, Relator Ministro: Márcio Eurico Vitral Amaro, Data de Julgamento: 24/04/2019, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 29/04/2019).

Logo, diante do óbice processual já mencionado, não reputo verificada nenhuma das hipóteses previstas no art. 896-A da CLT.

Ante o exposto, com fulcro no art. 896-A, § 2º, da CLT, c/c art. 247 do Regimento Interno desta Corte, nego seguimento ao agravo de instrumento.

No recurso de revista, a parte indicou ofensa aos arts. 93, IX, da Constituição Federal, 832 da CLT e 489, II, do CPC.

No referido recurso, sustentou, em síntese, que o e. TRT não se manifestou " sobre a não aplicação da OJ 199 da SDI, do TST", bem como que "o acórdão não se manifestou sobre o enquadramento sindical e da atividade da parte recorrente".

Na minuta de agravo interno, assevera que o seu recurso ostenta condições de prosseguimento.

Não merece reforma a decisão agravada.

O § 1º do art. 896-A dispõe serem indicadores de transcendência, entre outros, o elevado valor da causa, o desrespeito da instância recorrida à jurisprudência sumulada do Tribunal Superior do Trabalho ou do Supremo Tribunal Federal e a postulação, por reclamante-recorrente, de direito social constitucionalmente assegurado, em nada não obstando, no entanto, que esta Corte conclua por hipóteses outras que ensejem o reconhecimento da transcendência, desde que dentro das quatro vertentes já mencionadas.

Assim, ainda que o legislador tenha elencado como hipótese de transcendência política o desrespeito da instância recorrida à jurisprudência sumulada do Tribunal Superior do Trabalho ou do Supremo Tribunal Federal, nada impede que esta Corte amplie as hipóteses nas quais seja possível o reconhecimento dessa situação, em especial considerando que a modalidade visa, em última análise, a garantia de que as decisões tomadas no âmbito desta Corte superior e do STF sejam respeitadas pelas instâncias ordinárias.

Nesse sentido, já decidiu a 5ª Turma, em precedente da lavra deste relator: RR - 1479-40.2015.5.12.0035, Data de Julgamento: 23/05/2018, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 01/06/2018.

O STF, em precedente firmado em sede de repercussão geral (AI 791.292 QO-RG, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 12/08/2010), decidiu "que o art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados", de maneira que, caracterizada a hipótese de nulidade por negativa de prestação jurisdicional, consectário lógico é o reconhecimento de contrariedade a precedente firmado em caráter vinculante pela Excelsa Corte e, por conseguinte, da existência de transcendência política da matéria.

Na hipótese, o e. TRT consignou, quanto ao tema:

MÉRITO

Do vínculo empregatício

A reclamante insurge-se contra a improcedência dos pedidos formulados na petição inicial, sustentando a licitude do objeto da relação de trabalho pactuada com a reclamada.

Afirma que desempenhava a atividade de comércio dos serviços ofertados pela reclamada, destacando a venda de recarga de telefone celular.

Informa a presença de todos os elementos fáticos e jurídicos da relação de emprego, alegando que a simples ilicitude de parte da atividade empresarial não anula o contrato de trabalho.

À análise.

De início, vale ressaltar que a reclamada não negou a prestação de serviços, limitando-se a construir sua tese de defesa embasada na ilicitude do objeto da relação de trabalho, entendendo não ser possível, por esta razão, o reconhecimento do vínculo empregatício, argumentando que a reclamante escolheu e abraçou livre e conscientemente o exercício de uma atividade ilegal, devendo, portanto, arcar com as consequências jurídicas.

Inobstante tal alegação, o fato de a reclamada explorar, dentre outras, atividade classificada como contravenção penal não é suficiente para eximi-la de suas obrigações trabalhistas, mormente quando evidenciado a prestação de outros serviços de natureza lícita, a exemplo da venda de créditos para telefones celulares.

É exatamente o que ocorre na hipótese vertente, onde a única testemunha apresentada pelas partes litigantes por ocasião da audiência de instrução, Sra. Hellaynne Jamylle Cordeiro Andrade, declarou que "fazia recarga de celular, jogo de futebol, jogo do bicho e Paraíba de Prêmios" (fl. 937).

Não fosse o bastante, extrai-se ainda confissão ficta (art. 843, § 1º, da CLT c/c arts. 385, § 1º, e 386 do Novo CPC) do depoimento pessoal prestado pelo preposto apresentado pela reclamada, Sr. Paulo Heberth da Silva Alcântara, pois admitiu desconhecer os fatos controvertidos no presente feito ao admitir que "não tem conhecimento de a reclamante fazer recarga de celular; que não sabia da reclamante fazer Paraíba da Sorte" (fl. 936).

Ora, como se sabe, o desconhecimento do preposto apresentado pela reclamada quanto às questões de fato controvertidas no presente feito frustra totalmente o intuito do depoimento pessoal (obtenção da confissão real provocada), gerando, pois, efeito jurídico equivalente à recusa de depor prevista no art. 386 do Novo CPC e impondo-se, por conseguinte, a declaração da confissão ficta imposta no art. 385, § 1º, do referido diploma processual.

Prosseguindo no exame da licitude do objeto da relação de trabalho, importante ressaltar que o labor conceituado como esforço humano voltado à produção de riqueza não pode ser utilizado em benefício, unicamente, do tomador e em prejuízo do prestador de serviços, pelo fato de apenas uma parte da atividade daquele ser ilícita.

Para melhor compreender a lei e perceber a sua vontade finalística, é necessário que o seu intérprete não esteja dissociado da realidade que o circunda e que a lei pretende regular.

Desse modo, a solução aplicada ao caso não pode seguir a regra das nulidades contratuais (art. 182 do CC), pela singularidade que encerra. A prestação laboral da autora, obviamente, impôs-lhe o dispêndio de uma força de trabalho que não mais se resgata e da qual a demandada, indubitavelmente, se beneficiou, ainda que exercendo, dentre outras, uma atividade contrária ao ordenamento jurídico pátrio.

Ademais, em alguns estados da federação, a exemplo da própria Paraíba, a prática dessa atividade, vinculada à sorte, tem permissão estatal, não encontrando maiores óbices e, certamente, não cessaria pelo reconhecimento de sua ilicitude perante a Justiça do Trabalho, em caso específico.

Diferentemente disso, nada se aludiu, nos autos, quanto à cessação da ação ilícita da parte reclamada, que assim apresenta claros indícios de continuidade, inclusive com provável exploração de mão de obra distinta, não sendo justo retirar do trabalhador o que lhe seria devido pelo suor despendido em favor da empresa reclamada. A ilicitude é somente de parte da atividade explorada pela demandada, e não de todo o trabalho despendido pelo empregado.

O Poder Judiciário não pode fechar os olhos diante dessa realidade, sob pena de prestigiar o contraventor, em detrimento do trabalhador comum que despende sua força de trabalho para sustento seu e de sua família.

Isso porque, se valendo da ilicitude de parte de suas atividades, deixa de recolher tributos e encargos previdenciários, contratando livremente trabalhadores, chegando ao ponto, inclusive, de comparecer à Justiça do Trabalho e admitir, sem rodeios, o exercício da contravenção penal, invocando a ilicitude de parte de sua atividade para eximir-se das obrigações trabalhistas e previdenciárias, como no caso ora analisado.

Não fosse o bastante, é de se analisar o chamado "jogo do bicho".

Sabe-se que o "jogo do bicho", bem como as loterias esportivas (federais/estaduais), loto, sena e outras espécies do gênero "jogos de azar", constituem vícios fincados na vida dos brasileiros, residindo a diferença, única e exclusivamente, no fato de serem, todos eles, permitidos por lei, exceto o primeiro, aqui tratado.

A prática do "jogo do bicho" não é censurada pela sociedade, que não esboça resistência à sua exploração nem pugna pela punição de seus controladores. Conforme dito acima, estende-se em todo o território nacional, de forma livre e aberta, com tolerância das autoridades, mesmo que de forma oficiosa, não se sabendo de repressão ou apenamento, a não ser em casos isolados e, quase sempre, por razões escusas.

Na verdade, apesar de constituir contravenção penal, o "jogo do bicho" não sofre repressão efetiva e, como se não bastasse, ainda se beneficia com o não pagamento de impostos, previdência social, FGTS e outros encargos sociais de natureza diversa.

Constitui, pois, ilícito penal parte das atividades exercidas pela reclamada e, como dito acima, nenhuma condenação lhe é imposta por tal motivo.

Contudo, em razão disso, arvora-se no direito de tomar o trabalho alheio, prestado pessoalmente, de forma subordinada, não eventual e onerosa, sem consequência jurídico-trabalhista, sob o cômodo argumento de que parte de sua atividade é ilícita.

Os "empresários" que exploram essa atividade o fazem sem nenhum receio em relação à postura das autoridades governamentais e policiais, que tudo veem e sabem, mas nenhuma providência adotam para elidir sua prática.

Aliás, quando indiciados em ação penal, argumentam os "concessionários" do jogo do bicho que a sociedade não os repudia, e até os defende, alegando, ainda, que representam opção barata para os que não têm acesso a entretenimentos caros, gerando inúmeros empregos etc., e quando demandados em processos trabalhistas, tentam se safar com a mesma tese de sempre, ou seja, da ilicitude de parte das atividades que praticam.

No Juízo Criminal, buscam revestir a atividade de legalidade e, no Juízo Trabalhista, desvestem-na da pretendida legalidade, sempre com o fim de se beneficiarem, olvidando-se dos princípios morais e legais.

É dever do Estado, inclusive do Poder Judiciário, impedir que aquele que põe suas energias a serviço de outrem, e que se dedica à atividade econômica, deixe de ser remunerado, conferindo-lhe as reparações que a lei prevê para quem presta trabalho subordinado. A atitude do empregador, de se utilizar do trabalho do empregado, valendo-se da tolerância do Estado ao jogo do bicho, invocando a ilicitude de parte de seu negócio para locupletar-se de energia alheia, constitui-se nítida má-fé.

Havendo, como dito, tolerância das atividades ilícitas, não há por que serem excluídos os direitos decorrentes dos contratos de trabalho havidos entre as partes, para fins de proteção trabalhista, sobretudo quando comprovada a prestação concomitante de serviços lícitos, a exemplo da venda de crédito para telefones celulares.

Acolher a tese de nulidade da relação de emprego por ser ilícito somente parte do trabalho desempenhado pelo trabalhador implicaria aceitação do enriquecimento sem causa do empregador, condenado pelo nosso direito positivo, o qual não permite a ninguém tirar proveito de sua própria torpeza, além de fomentar a prática de atividades ilícitas em proveito, apenas, do contraventor.

Diante desse quadro, em que as razões fáticas, calcadas nos princípios que informam o Direito do Trabalho, deixam clara a existência de uma efetiva relação laboral, em que parte da prestação de serviços consistia em atividade lícita e regular, não há como prevalecer a tese de nulidade contratual total, justificando a distinção do caso em julgamento do entendimento consagrado na Orientação Jurisprudencial n.º 199 da SDI-I do C. TST.

Na mesma direção, oportuno transcrever os seguintes arestos jurisprudenciais das duas Turmas Julgadoras desta Corte Regional, reconhecendo o vínculo de emprego quando demonstrada a prestação de serviços em atividades lícitas, além daquelas decorrentes do "jogo do bicho":

CONTRATO DE TRABALHO. JOGO DE BICHO. MULTIPLICIDADE DAS ATIVIDADES. NÃO AFETAÇÃO. FORMAÇÃO DO VÍNCULO PELAS FUNÇÕES LÍCITAS. Evidenciados os elementos de pessoalidade, onerosidade, subordinação e não eventualidade, embora parte do objeto do contrato possa, de fato, ser considerado ilícito, em situações tais, em relação às demais atividades desempenhadas pela empregada, não há ilicitude. Sentença mantida. TRT 13ª Região - 1ª Turma - Recurso Ordinário Trabalhista nº 0000526-54.2020.5.13.0009, Redator(a): Desembargador(a) Eduardo Sérgio De Almeida, Julgamento: 02/08/2021, Publicação: DJe 08/08/2021.

JOGO DO BICHO. EXERCÍCIO CONCOMITANTE DE ATIVIDADE COMERCIAL LÍCITA. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. RECONHECIMENTO. Constatado que a autora, embora laborasse na atividade contravencional do jogo do bicho, também executava atividade comercial lícita, consistente em vendas de recargas de celulares e bilhetes de loteria legalmente autorizados, é viável o reconhecimento do vínculo de emprego com o reclamado principal, sendo solidariamente responsáveis as demais empresas integrantes do grupo econômico. Recursos dos reclamados desprovidos. TRT 13ª Região - 2ª Turma - Recurso Ordinário Trabalhista nº 0000346-90.2020.5.13.0024, Redator(a): Desembargador(a) Francisco De Assis Carvalho E Silva, Julgamento: 05/04/2021, Publicação: DJe 08/04/2021.

No mesmo sentido, eis a jurisprudência do C. TST:

RECURSO DE REVISTA. LEI 13.467/2017. VÍNCULO DE EMPREGO. EXERCÍCIO CONCOMITANTE DE ATIVIDADE ILÍCITA RELACIONADA AO JOGO DO BICHO E DE ATIVIDADE LÍCITA (RECARGA DE APARELHO CELULAR). ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 199 DA SDI-1. INADEQUAÇÃO. VÍNCULO DE EMPREGO RECONHECIDO. O Tribunal Regional do Trabalho asseverou que estão presentes os requisitos previstos nos arts. 2º e 3º da CLT. Registrou, também, que, além da atividade ilícita relacionada ao "jogo do bicho", o reclamante exercia também atividade lícita consistente na venda de crédito para recarga de acelulares. A hipótese dos autos é diversa da tese pacificada mediante a Orientação Jurisprudencial 199 da SDI-1 desta Corte, a qual não aborda a questão da validade do vínculo de emprego sob o enfoque do exercício concomitante de atividades lícita e ilícita. No caso em exame, deve ser reconhecida a validade do contrato de trabalho, em razão da incidência do princípio protetivo do Direito do Trabalho e da prevalência da parte válida do negócio jurídico (art. 170 do Código Civil). Recurso de Revista de que se conhece e a que se dá provimento. RR-721-29.2019.5.06.0313, 8ª Turma, Relator Ministro Joao Batista Brito Pereira, DEJT 22/01/2021.

Portanto, à míngua de controvérsia acerca da subordinação, pessoalidade, habitualidade e onerosidade dos serviços prestados pela reclamante, e afastada a ilicitude de parte indissociável do objeto da relação de trabalho, a hipótese é de reconhecimento do vínculo empregatício.

Resta, ainda, perquirir acerca da data de início da prestação de serviços.

Diante da defesa de mérito apresentada pela reclamada, impugnando especificamente ("a prestação de serviços para a reclamada ocorreu no período de 01.02.2017 a 29.01.2021" - fl. 439) a data de admissão declinada na petição inicial (18.02.2009 - fl. 4), incumbia a reclamante o respectivo ônus processual probatório, por se tratar de fato constitutivo de seu direito (art. 818, I, da CLT).

E de tal encargo a reclamante não se desvencilhou satisfatoriamente, pois a única testemunha apresentada por ocasião da audiência de instrução demonstrou não reunir condições fáticas para declinar a data de ingresso da reclamante, pois revelou que "trabalhou na reclamada de 10/03/2018 a agosto/2020" (fl. 937), admitindo em seguida que soube da data de admissão da autora somente "através do grupo de whatsapp; que quem disse sobre o tempo de trabalho da reclamante foram as meninas do grupo de whatsapp" (fl. 937).

Nesse quadro, a fragilidade e inconsistência das declarações prestadas pela referida testemunha não incutiram neste Órgão Julgador o convencimento necessário acerca da data de admissão da reclamante, sucumbindo a autora em seu encargo probatório.

Portanto, a reclamada deverá anotar a CTPS da autora com data de admissão em 01.02.2017, na função de vendedora, com a remuneração mensal correspondente ao piso salarial da categoria profissional dos comerciários (R$ 998,00 - fl. 298), observada a respectiva evolução salarial.

As anotações na CTPS obreira deverão ser feitas no prazo de dez dias após a intimação da reclamada para tal finalidade, sob cominação de a Secretaria da Vara do Trabalho de origem fazê-lo (artigo 39, § 1º CLT), sem prejuízo da multa diária de R$ 100,00, até o limite de R$ 3.000,00, a título de astreintes, conforme art. 536, § 1º, do CPC.

Nas anotações da CTPS, a reclamada não poderá fazer qualquer menção a este processo.

Por fim, impõe-se a condenação da reclamada ao pagamento dos depósitos do FGTS (8%) mensal; das férias vencidas relativas aos períodos aquisitivos 2017/2018, 2018/2019 e 2019/2020, em dobro, acrescidas do terço constitucional, e; do 13º salário proporcional de 2017 (11/12) e do 13º salário integral de 2018, 2019 e 2020.

Por ocasião da liquidação do julgado, autoriza-se a dedução dos valores adimplidos à época da prestação de serviços, desde que documentalmente já comprovado nos presentes autos, a exemplo do recibo de férias acrescidas do terço constitucional (fl. 536).

Apelo parcialmente provido, no tópico em apreço.

(destaques acrescidos)

A parte agravante opôs embargos de declaração em face da referida decisão, pleiteando, de forma expressa, a manifestação acerca de questões reputadas omissas:

Trata-se de embargos de declaração opostos contra o acórdão desta Segunda Turma, que julgou o recurso ordinário interposto por MICHELE FERREIRA PEREIRA BARBOSA, nos autos da reclamação trabalhista em que contende com SONHO REAL LOTERIAS LTDA - EPP.

A reclamada, ora embargante, alega, em síntese, que esta Turma Julgadora incidiu em omissão e contradição quanto às matérias tratadas. Afirma que não exerce atividade comercial, impugnando a aplicação da convenção coletiva dos comerciários. Informa que sua atividade econômica principal constitui contravenção penal, não produzindo efeitos na esfera trabalhista. Argumenta que recarga de celular não é atividade comercial, mas simples prestação de serviços. Aponta contradição no reconhecimento do vínculo empregatício, arguindo violação à Orientação Jurisprudencial n.º 199 da SDI-I do C. TST. Suscita negativa de prestação jurisdicional, por ausência de fundamentação legal, sustentando a ilicitude da atividade preponderante exercida (fls. 1053-1065).

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

V O T O

ADMISSIBILIDADE

Conheço dos embargos, porque os seus pressupostos objetivos e subjetivos foram observados.

MÉRITO

As hipóteses de cabimento de embargos de declaração estão circunscritas à existência de omissão, contradição, obscuridade ou erro material na decisão judicial ou, ainda, especificamente no processo do trabalho, à constatação de erro no exame de admissibilidade recursal, nos termos da CLT, art. 897-A, e do CPC/2015, art. 1.022.

O pré-questionamento, que autoriza a utilização dos embargos de declaração, como meio de aperfeiçoamento, refere-se a temas omissos, não enfrentados nas decisões.

No caso, vê-se a toda evidência que a parte embargante deseja uma nova subsunção dos fatos à norma, de forma tal que resulte em um pronunciamento jurisdicional que lhe seja favorável. Ela fala em omissão e contradição, mas, na verdade, deseja mesmo é que esta Turma reanalise os autos e lhe traga uma decisão de acordo com seus interesses.

É sabido que existe omissão em uma decisão quando o julgador deixa de se pronunciar sobre algum pedido das partes ou acerca de alguma alegação relevante. Nesses casos, deve mesmo a prestação jurisdicional ser completada, mediante embargos. Entretanto, essa omissão não se configura em relação à subsunção dos fatos à norma, especialmente quando o julgador os analisa e deles extrai um posicionamento coerente, fundado no próprio contexto probatório, como é o caso dos autos.

Basta uma simples leitura da decisão impugnada para inferir-se que o acórdão embargado foi claro, expresso e coerente ao definir o enquadramento sindical da reclamante, nos seguintes termos (fl. 1040):

Registre-se, por oportuno, que o enquadramento sindical foi realizado considerando a atividade lícita preponderante da reclamada (comércio varejista), conforme regra prevista no art. 581, § 1º, da CLT, encontrando-se, pois, representada pelo respectivo órgão de classe patronal que pactuou as normas coletivas acostadas com a petição inicial.

E, diferentemente do que parece crer a embargante, a simples venda de crédito para telefones celulares não caracteriza a prestação de serviços de telecomunicações (art. 60 da Lei n.º 9.472/1997), mas típica operação mercantil de compra e venda, caracterizando a atividade comercial reconhecida.

Por sua vez, a contradição apta a propiciar embargos de declaração não se evidencia entre a jurisprudência e a decisão proferida pelo Órgão Julgador, mas apenas se houver, no próprio texto do provimento jurisdicional, teses contrárias que impliquem incompreensão do julgado, como se, num momento, se afirmasse algo e, logo em seguida, o mesmo fato fosse negado. Esse vício, porém, não existe no acórdão embargado.

A negativa de prestação jurisdicional, por fim, decorre da ausência de fundamentação da decisão proferida, o que, a toda evidência, não ocorre na hipótese vertente, como se infere da vasta, longa e completa exposição das razões de decidir (fls. 1033-1040).

Nesse quadro, a subsunção dos fatos à norma, tal qual está descrito no acórdão embargado, é suficiente para explicitar o posicionamento fático-jurídico contido no julgamento.

Portanto, inexiste omissão ou contradição a ser sanada na estreita via dos embargos declaratórios, incumbindo à reclamada, querendo, interpor o recurso de revista adequado ao reexame da matéria já decidida por esta Turma Julgadora, de forma clara, coesa e coerente.

Conforme entendimento consagrado na Orientação Jurisprudencial n.º 118 da SDI-I do C. TST, havendo tese explícita sobre a matéria, na decisão recorrida, desnecessário contenha nela referência expressa do dispositivo normativo para ter-se como prequestionado este.

Assim, não revelando a decisão atacada nenhum dos vícios relacionados na CLT, art. 897-A, e no CPC/2015, art. 1.022, e evidenciando-se, ao contrário, que o acórdão apreciou integralmente as questões postas à análise deste órgão colegiado, sem incidir em omissão, contradição, obscuridade ou erro na análise de pressupostos recursais, não havendo nem mesmo erro material, impõe-se a rejeição dos embargos declaratórios.

Conclusão

Isso posto, REJEITO os embargos de declaração.

(destaques acrescidos)

Extrai-se que o e. TRT foi expresso ao consignar os motivos pelos quais reformou a sentença de origem para reconhecer o vínculo de emprego da reclamante com a agravante, registrando, ainda, que "não há como prevalecer a tese de nulidade contratual total, justificando a distinção do caso em julgamento do entendimento consagrado na Orientação Jurisprudencial n.º 199 da SDI-I do C. TST".

Nesse contexto, estando devidamente fundamentada a decisão, não se vislumbra nulidade por negativa de prestação jurisdicional e, por conseguinte, ofensa ao art. 93, IX, da Constituição Federal, tampouco contrariedade ao precedente firmado pelo STF em sede de repercussão geral (AI 791.292 QO-RG, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 12/08/2010), não havendo falar, no caso, em transcendência política.

Por outro lado, não sendo nova a matéria e não havendo possibilidade de reconhecimento de ofensa a dispositivo elencado no Capítulo II do Título II da Carta de 1988, também não se verificam caraterizadas as transcendências jurídica e social.

Não se reputa caracterizada a existência de transcendência econômica, na medida em que a pretensão recursal, ainda que acolhida, não ostentaria valor suficiente a comprometer a higidez financeira da reclamada.

Assim, não se verifica nenhuma das hipóteses previstas no art. 896-A da CLT.

Nesse contexto, não tendo sido apresentados argumentos suficientes à reforma da r. decisão impugnada, deve ser desprovido o agravo.

Agravo não provido.

VÍNCULO DE EMPREGO. EXERCÍCIO CONCOMITANTE DE ATIVIDADE ILÍCITA E DE ATIVIDADE LÍCITA. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 199 DA SDI-1. NÃO APLICÁVEL. VÍNCULO DE EMPREGO RECONHECIDO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA

No recurso de revista, a parte indicou ofensa aos arts. 3º, e 482, da CLT, 3º da LICC, 104, 106, 145, e 166, II, do CCB, e 267, VI, do CPC, contrariedade à OJ 199, da SBDI-1, do TST, bem como divergência jurisprudencial.

No referido recurso, sustentou, em síntese, que se revela indevido o reconhecimento do vínculo empregatício da recorrente com a autora, uma vez que se trata de atividade ilícita, circunstância que ensejaria a nulidade do contrato de trabalho.

Na minuta de agravo interno, assevera que o seu recurso ostenta condições de prosseguimento.

Não merece reforma a decisão agravada.

Na hipótese, o e. TRT consignou, quanto ao tema:

Do vínculo empregatício

A reclamante insurge-se contra a improcedência dos pedidos formulados na petição inicial, sustentando a licitude do objeto da relação de trabalho pactuada com a reclamada.

Afirma que desempenhava a atividade de comércio dos serviços ofertados pela reclamada, destacando a venda de recarga de telefone celular.

Informa a presença de todos os elementos fáticos e jurídicos da relação de emprego, alegando que a simples ilicitude de parte da atividade empresarial não anula o contrato de trabalho.

À análise.

De início, vale ressaltar que a reclamada não negou a prestação de serviços, limitando-se a construir sua tese de defesa embasada na ilicitude do objeto da relação de trabalho, entendendo não ser possível, por esta razão, o reconhecimento do vínculo empregatício, argumentando que a reclamante escolheu e abraçou livre e conscientemente o exercício de uma atividade ilegal, devendo, portanto, arcar com as consequências jurídicas.

Inobstante tal alegação, o fato de a reclamada explorar, dentre outras, atividade classificada como contravenção penal não é suficiente para eximi-la de suas obrigações trabalhistas, mormente quando evidenciado a prestação de outros serviços de natureza lícita, a exemplo da venda de créditos para telefones celulares.

É exatamente o que ocorre na hipótese vertente, onde a única testemunha apresentada pelas partes litigantes por ocasião da audiência de instrução, Sra. Hellaynne Jamylle Cordeiro Andrade, declarou que "fazia recarga de celular, jogo de futebol, jogo do bicho e Paraíba de Prêmios" (fl. 937).

Não fosse o bastante, extrai-se ainda confissão ficta (art. 843, § 1º, da CLT c/c arts. 385, § 1º, e 386 do Novo CPC) do depoimento pessoal prestado pelo preposto apresentado pela reclamada, Sr. Paulo Heberth da Silva Alcântara, pois admitiu desconhecer os fatos controvertidos no presente feito ao admitir que "não tem conhecimento de a reclamante fazer recarga de celular; que não sabia da reclamante fazer Paraíba da Sorte" (fl. 936).

Ora, como se sabe, o desconhecimento do preposto apresentado pela reclamada quanto às questões de fato controvertidas no presente feito frustra totalmente o intuito do depoimento pessoal (obtenção da confissão real provocada), gerando, pois, efeito jurídico equivalente à recusa de depor prevista no art. 386 do Novo CPC e impondo-se, por conseguinte, a declaração da confissão ficta imposta no art. 385, § 1º, do referido diploma processual.

Prosseguindo no exame da licitude do objeto da relação de trabalho, importante ressaltar que o labor conceituado como esforço humano voltado à produção de riqueza não pode ser utilizado em benefício, unicamente, do tomador e em prejuízo do prestador de serviços, pelo fato de apenas uma parte da atividade daquele ser ilícita.

Para melhor compreender a lei e perceber a sua vontade finalística, é necessário que o seu intérprete não esteja dissociado da realidade que o circunda e que a lei pretende regular.

Desse modo, a solução aplicada ao caso não pode seguir a regra das nulidades contratuais (art. 182 do CC), pela singularidade que encerra. A prestação laboral da autora, obviamente, impôs-lhe o dispêndio de uma força de trabalho que não mais se resgata e da qual a demandada, indubitavelmente, se beneficiou, ainda que exercendo, dentre outras, uma atividade contrária ao ordenamento jurídico pátrio.

Ademais, em alguns estados da federação, a exemplo da própria Paraíba, a prática dessa atividade, vinculada à sorte, tem permissão estatal, não encontrando maiores óbices e, certamente, não cessaria pelo reconhecimento de sua ilicitude perante a Justiça do Trabalho, em caso específico.

Diferentemente disso, nada se aludiu, nos autos, quanto à cessação da ação ilícita da parte reclamada, que assim apresenta claros indícios de continuidade, inclusive com provável exploração de mão de obra distinta, não sendo justo retirar do trabalhador o que lhe seria devido pelo suor despendido em favor da empresa reclamada. A ilicitude é somente de parte da atividade explorada pela demandada, e não de todo o trabalho despendido pelo empregado.

O Poder Judiciário não pode fechar os olhos diante dessa realidade, sob pena de prestigiar o contraventor, em detrimento do trabalhador comum que despende sua força de trabalho para sustento seu e de sua família.

Isso porque, se valendo da ilicitude de parte de suas atividades, deixa de recolher tributos e encargos previdenciários, contratando livremente trabalhadores, chegando ao ponto, inclusive, de comparecer à Justiça do Trabalho e admitir, sem rodeios, o exercício da contravenção penal, invocando a ilicitude de parte de sua atividade para eximir-se das obrigações trabalhistas e previdenciárias, como no caso ora analisado.

Não fosse o bastante, é de se analisar o chamado "jogo do bicho".

Sabe-se que o "jogo do bicho", bem como as loterias esportivas (federais/estaduais), loto, sena e outras espécies do gênero "jogos de azar", constituem vícios fincados na vida dos brasileiros, residindo a diferença, única e exclusivamente, no fato de serem, todos eles, permitidos por lei, exceto o primeiro, aqui tratado.

A prática do "jogo do bicho" não é censurada pela sociedade, que não esboça resistência à sua exploração nem pugna pela punição de seus controladores. Conforme dito acima, estende-se em todo o território nacional, de forma livre e aberta, com tolerância das autoridades, mesmo que de forma oficiosa, não se sabendo de repressão ou apenamento, a não ser em casos isolados e, quase sempre, por razões escusas.

Na verdade, apesar de constituir contravenção penal, o "jogo do bicho" não sofre repressão efetiva e, como se não bastasse, ainda se beneficia com o não pagamento de impostos, previdência social, FGTS e outros encargos sociais de natureza diversa.

Constitui, pois, ilícito penal parte das atividades exercidas pela reclamada e, como dito acima, nenhuma condenação lhe é imposta por tal motivo.

Contudo, em razão disso, arvora-se no direito de tomar o trabalho alheio, prestado pessoalmente, de forma subordinada, não eventual e onerosa, sem consequência jurídico-trabalhista, sob o cômodo argumento de que parte de sua atividade é ilícita.

Os "empresários" que exploram essa atividade o fazem sem nenhum receio em relação à postura das autoridades governamentais e policiais, que tudo veem e sabem, mas nenhuma providência adotam para elidir sua prática.

Aliás, quando indiciados em ação penal, argumentam os "concessionários" do jogo do bicho que a sociedade não os repudia, e até os defende, alegando, ainda, que representam opção barata para os que não têm acesso a entretenimentos caros, gerando inúmeros empregos etc., e quando demandados em processos trabalhistas, tentam se safar com a mesma tese de sempre, ou seja, da ilicitude de parte das atividades que praticam.

No Juízo Criminal, buscam revestir a atividade de legalidade e, no Juízo Trabalhista, desvestem-na da pretendida legalidade, sempre com o fim de se beneficiarem, olvidando-se dos princípios morais e legais.

É dever do Estado, inclusive do Poder Judiciário, impedir que aquele que põe suas energias a serviço de outrem, e que se dedica à atividade econômica, deixe de ser remunerado, conferindo-lhe as reparações que a lei prevê para quem presta trabalho subordinado. A atitude do empregador, de se utilizar do trabalho do empregado, valendo-se da tolerância do Estado ao jogo do bicho, invocando a ilicitude de parte de seu negócio para locupletar-se de energia alheia, constitui-se nítida má-fé.

Havendo, como dito, tolerância das atividades ilícitas, não há por que serem excluídos os direitos decorrentes dos contratos de trabalho havidos entre as partes, para fins de proteção trabalhista, sobretudo quando comprovada a prestação concomitante de serviços lícitos, a exemplo da venda de crédito para telefones celulares.

Acolher a tese de nulidade da relação de emprego por ser ilícito somente parte do trabalho desempenhado pelo trabalhador implicaria aceitação do enriquecimento sem causa do empregador, condenado pelo nosso direito positivo, o qual não permite a ninguém tirar proveito de sua própria torpeza, além de fomentar a prática de atividades ilícitas em proveito, apenas, do contraventor.

Diante desse quadro, em que as razões fáticas, calcadas nos princípios que informam o Direito do Trabalho, deixam clara a existência de uma efetiva relação laboral, em que parte da prestação de serviços consistia em atividade lícita e regular, não há como prevalecer a tese de nulidade contratual total, justificando a distinção do caso em julgamento do entendimento consagrado na Orientação Jurisprudencial n.º 199 da SDI-I do C. TST.

Na mesma direção, oportuno transcrever os seguintes arestos jurisprudenciais das duas Turmas Julgadoras desta Corte Regional, reconhecendo o vínculo de emprego quando demonstrada a prestação de serviços em atividades lícitas, além daquelas decorrentes do "jogo do bicho":

CONTRATO DE TRABALHO. JOGO DE BICHO. MULTIPLICIDADE DAS ATIVIDADES. NÃO AFETAÇÃO. FORMAÇÃO DO VÍNCULO PELAS FUNÇÕES LÍCITAS. Evidenciados os elementos de pessoalidade, onerosidade, subordinação e não eventualidade, embora parte do objeto do contrato possa, de fato, ser considerado ilícito, em situações tais, em relação às demais atividades desempenhadas pela empregada, não há ilicitude. Sentença mantida. TRT 13ª Região - 1ª Turma - Recurso Ordinário Trabalhista nº 0000526-54.2020.5.13.0009, Redator(a): Desembargador(a) Eduardo Sérgio De Almeida, Julgamento: 02/08/2021, Publicação: DJe 08/08/2021.

JOGO DO BICHO. EXERCÍCIO CONCOMITANTE DE ATIVIDADE COMERCIAL LÍCITA. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. RECONHECIMENTO. Constatado que a autora, embora laborasse na atividade contravencional do jogo do bicho, também executava atividade comercial lícita, consistente em vendas de recargas de celulares e bilhetes de loteria legalmente autorizados, é viável o reconhecimento do vínculo de emprego com o reclamado principal, sendo solidariamente responsáveis as demais empresas integrantes do grupo econômico. Recursos dos reclamados desprovidos. TRT 13ª Região - 2ª Turma - Recurso Ordinário Trabalhista nº 0000346-90.2020.5.13.0024, Redator(a): Desembargador(a) Francisco De Assis Carvalho E Silva, Julgamento: 05/04/2021, Publicação: DJe 08/04/2021.

No mesmo sentido, eis a jurisprudência do C. TST:

RECURSO DE REVISTA. LEI 13.467/2017. VÍNCULO DE EMPREGO. EXERCÍCIO CONCOMITANTE DE ATIVIDADE ILÍCITA RELACIONADA AO JOGO DO BICHO E DE ATIVIDADE LÍCITA (RECARGA DE APARELHO CELULAR). ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 199 DA SDI-1. INADEQUAÇÃO. VÍNCULO DE EMPREGO RECONHECIDO. O Tribunal Regional do Trabalho asseverou que estão presentes os requisitos previstos nos arts. 2º e 3º da CLT. Registrou, também, que, além da atividade ilícita relacionada ao "jogo do bicho", o reclamante exercia também atividade lícita consistente na venda de crédito para recarga de acelulares. A hipótese dos autos é diversa da tese pacificada mediante a Orientação Jurisprudencial 199 da SDI-1 desta Corte, a qual não aborda a questão da validade do vínculo de emprego sob o enfoque do exercício concomitante de atividades lícita e ilícita. No caso em exame, deve ser reconhecida a validade do contrato de trabalho, em razão da incidência do princípio protetivo do Direito do Trabalho e da prevalência da parte válida do negócio jurídico (art. 170 do Código Civil). Recurso de Revista de que se conhece e a que se dá provimento. RR-721-29.2019.5.06.0313, 8ª Turma, Relator Ministro Joao Batista Brito Pereira, DEJT 22/01/2021.

Portanto, à míngua de controvérsia acerca da subordinação, pessoalidade, habitualidade e onerosidade dos serviços prestados pela reclamante, e afastada a ilicitude de parte indissociável do objeto da relação de trabalho, a hipótese é de reconhecimento do vínculo empregatício.

Resta, ainda, perquirir acerca da data de início da prestação de serviços.

Diante da defesa de mérito apresentada pela reclamada, impugnando especificamente ("a prestação de serviços para a reclamada ocorreu no período de 01.02.2017 a 29.01.2021" - fl. 439) a data de admissão declinada na petição inicial (18.02.2009 - fl. 4), incumbia a reclamante o respectivo ônus processual probatório, por se tratar de fato constitutivo de seu direito (art. 818, I, da CLT).

E de tal encargo a reclamante não se desvencilhou satisfatoriamente, pois a única testemunha apresentada por ocasião da audiência de instrução demonstrou não reunir condições fáticas para declinar a data de ingresso da reclamante, pois revelou que "trabalhou na reclamada de 10/03/2018 a agosto/2020" (fl. 937), admitindo em seguida que soube da data de admissão da autora somente "através do grupo de whatsapp; que quem disse sobre o tempo de trabalho da reclamante foram as meninas do grupo de whatsapp" (fl. 937).

Nesse quadro, a fragilidade e inconsistência das declarações prestadas pela referida testemunha não incutiram neste Órgão Julgador o convencimento necessário acerca da data de admissão da reclamante, sucumbindo a autora em seu encargo probatório.

Portanto, a reclamada deverá anotar a CTPS da autora com data de admissão em 01.02.2017, na função de vendedora, com a remuneração mensal correspondente ao piso salarial da categoria profissional dos comerciários (R$ 998,00 - fl. 298), observada a respectiva evolução salarial.

As anotações na CTPS obreira deverão ser feitas no prazo de dez dias após a intimação da reclamada para tal finalidade, sob cominação de a Secretaria da Vara do Trabalho de origem fazê-lo (artigo 39, § 1º CLT), sem prejuízo da multa diária de R$ 100,00, até o limite de R$ 3.000,00, a título de astreintes, conforme art. 536, § 1º, do CPC.

Nas anotações da CTPS, a reclamada não poderá fazer qualquer menção a este processo.

Por fim, impõe-se a condenação da reclamada ao pagamento dos depósitos do FGTS (8%) mensal; das férias vencidas relativas aos períodos aquisitivos 2017/2018, 2018/2019 e 2019/2020, em dobro, acrescidas do terço constitucional, e; do 13º salário proporcional de 2017 (11/12) e do 13º salário integral de 2018, 2019 e 2020.

Por ocasião da liquidação do julgado, autoriza-se a dedução dos valores adimplidos à época da prestação de serviços, desde que documentalmente já comprovado nos presentes autos, a exemplo do recibo de férias acrescidas do terço constitucional (fl. 536).

Apelo parcialmente provido, no tópico em apreço.

(destaques acrescidos)

Opostos embargos de declaração, esses foram rejeitados sob os seguintes fundamentos:

Trata-se de embargos de declaração opostos contra o acórdão desta Segunda Turma, que julgou o recurso ordinário interposto por MICHELE FERREIRA PEREIRA BARBOSA, nos autos da reclamação trabalhista em que contende com SONHO REAL LOTERIAS LTDA - EPP.

A reclamada, ora embargante, alega, em síntese, que esta Turma Julgadora incidiu em omissão e contradição quanto às matérias tratadas. Afirma que não exerce atividade comercial, impugnando a aplicação da convenção coletiva dos comerciários. Informa que sua atividade econômica principal constitui contravenção penal, não produzindo efeitos na esfera trabalhista. Argumenta que recarga de celular não é atividade comercial, mas simples prestação de serviços. Aponta contradição no reconhecimento do vínculo empregatício, arguindo violação à Orientação Jurisprudencial n.º 199 da SDI-I do C. TST. Suscita negativa de prestação jurisdicional, por ausência de fundamentação legal, sustentando a ilicitude da atividade preponderante exercida (fls. 1053-1065).

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

V O T O

ADMISSIBILIDADE

Conheço dos embargos, porque os seus pressupostos objetivos e subjetivos foram observados.

MÉRITO

As hipóteses de cabimento de embargos de declaração estão circunscritas à existência de omissão, contradição, obscuridade ou erro material na decisão judicial ou, ainda, especificamente no processo do trabalho, à constatação de erro no exame de admissibilidade recursal, nos termos da CLT, art. 897-A, e do CPC/2015, art. 1.022.

O pré-questionamento, que autoriza a utilização dos embargos de declaração, como meio de aperfeiçoamento, refere-se a temas omissos, não enfrentados nas decisões.

No caso, vê-se a toda evidência que a parte embargante deseja uma nova subsunção dos fatos à norma, de forma tal que resulte em um pronunciamento jurisdicional que lhe seja favorável. Ela fala em omissão e contradição, mas, na verdade, deseja mesmo é que esta Turma reanalise os autos e lhe traga uma decisão de acordo com seus interesses.

É sabido que existe omissão em uma decisão quando o julgador deixa de se pronunciar sobre algum pedido das partes ou acerca de alguma alegação relevante. Nesses casos, deve mesmo a prestação jurisdicional ser completada, mediante embargos. Entretanto, essa omissão não se configura em relação à subsunção dos fatos à norma, especialmente quando o julgador os analisa e deles extrai um posicionamento coerente, fundado no próprio contexto probatório, como é o caso dos autos.

Basta uma simples leitura da decisão impugnada para inferir-se que o acórdão embargado foi claro, expresso e coerente ao definir o enquadramento sindical da reclamante, nos seguintes termos (fl. 1040):

Registre-se, por oportuno, que o enquadramento sindical foi realizado considerando a atividade lícita preponderante da reclamada (comércio varejista), conforme regra prevista no art. 581, § 1º, da CLT, encontrando-se, pois, representada pelo respectivo órgão de classe patronal que pactuou as normas coletivas acostadas com a petição inicial.

E, diferentemente do que parece crer a embargante, a simples venda de crédito para telefones celulares não caracteriza a prestação de serviços de telecomunicações (art. 60 da Lei n.º 9.472/1997), mas típica operação mercantil de compra e venda, caracterizando a atividade comercial reconhecida.

Por sua vez, a contradição apta a propiciar embargos de declaração não se evidencia entre a jurisprudência e a decisão proferida pelo Órgão Julgador, mas apenas se houver, no próprio texto do provimento jurisdicional, teses contrárias que impliquem incompreensão do julgado, como se, num momento, se afirmasse algo e, logo em seguida, o mesmo fato fosse negado. Esse vício, porém, não existe no acórdão embargado.

A negativa de prestação jurisdicional, por fim, decorre da ausência de fundamentação da decisão proferida, o que, a toda evidência, não ocorre na hipótese vertente, como se infere da vasta, longa e completa exposição das razões de decidir (fls. 1033-1040).

Nesse quadro, a subsunção dos fatos à norma, tal qual está descrito no acórdão embargado, é suficiente para explicitar o posicionamento fático-jurídico contido no julgamento.

Portanto, inexiste omissão ou contradição a ser sanada na estreita via dos embargos declaratórios, incumbindo à reclamada, querendo, interpor o recurso de revista adequado ao reexame da matéria já decidida por esta Turma Julgadora, de forma clara, coesa e coerente.

Conforme entendimento consagrado na Orientação Jurisprudencial n.º 118 da SDI-I do C. TST, havendo tese explícita sobre a matéria, na decisão recorrida, desnecessário contenha nela referência expressa do dispositivo normativo para ter-se como prequestionado este.

Assim, não revelando a decisão atacada nenhum dos vícios relacionados na CLT, art. 897-A, e no CPC/2015, art. 1.022, e evidenciando-se, ao contrário, que o acórdão apreciou integralmente as questões postas à análise deste órgão colegiado, sem incidir em omissão, contradição, obscuridade ou erro na análise de pressupostos recursais, não havendo nem mesmo erro material, impõe-se a rejeição dos embargos declaratórios.

Conclusão

Isso posto, REJEITO os embargos de declaração.

(destaques acrescidos)

Reconheço a transcendência jurídica da matéria, uma vez que não enfrentada de forma exauriente nesta Corte sob o enfoque ora apresentado (concomitância de atividades lícitas e ilícitas no mesmo contrato de trabalho).

Pois bem.

O e. TRT reformou a sentença de piso para reconhecer o vínculo de emprego por verificar que, concomitantemente ao exercício de atividade ilícita relacionada ao "jogo do bicho", a reclamante também exercia atividade lícita consistente na venda de crédito para recarga de celulares, reputando, assim, preenchidos os requisitos dos arts. 2º e 3º da CLT.

A jurisprudência desta Corte vem se posicionando no sentido de que deve ser reconhecida a validade do contrato de trabalho de profissional que, ainda, que preste serviço em local destinado a atividade ilícita, não atue exclusivamente no elemento do tipo penal, resultando afastada a incidência da Orientação Jurisprudencial nº 199 da SBDI-1 do TST, conforme se verifica dos seguintes precedentes:

"RECURSO DE REVISTA. LEI 13.467/2017. VÍNCULO DE EMPREGO. EXERCÍCIO CONCOMITANTE DE ATIVIDADE ILÍCITA RELACIONADA AO JOGO DO BICHO E DE ATIVIDADE LÍCITA (RECARGA DE APARELHO CELULAR). ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 199 DA SDI-1. INADEQUAÇÃO. VÍNCULO DE EMPREGO RECONHECIDO. O Tribunal Regional do Trabalho asseverou que estão presentes os requisitos previstos nos arts. 2º e 3º da CLT. Registrou, também, que, além da atividade ilícita relacionada ao "jogo do bicho" , o reclamante exercia também atividade lícita consistente na venda de crédito para recarga de acelulares. A hipótese dos autos é diversa da tese pacificada mediante a Orientação Jurisprudencial 199 da SDI-1 desta Corte, a qual não aborda a questão da validade do vínculo de emprego sob o enfoque do exercício concomitante de atividades lícita e ilícita. No caso em exame, deve ser reconhecida a validade do contrato do contrato de trabalho, em razão da incidência do princípio protetivo do Direito do Trabalho e da prevalência da parte válida do negócio jurídico (art. 170 do Código Civil). Recurso de Revista de que se conhece e a que se dá provimento" (RR-721-29.2019.5.06.0313, 8ª Turma, Relator Ministro Joao Batista Brito Pereira, DEJT 22/01/2021)

RECURSO DE REVISTA – JOGO DO BICHO – VÍNCULO DE EMPREGO – EXERCÍCIO DE OUTRAS ATIVIDADES – RECONHECIMENTO DA RECLAMADA DE CONTRATO DE TRABALHO COM OBJETO LÍCITO - VENDA DE PRODUTOS LÍCITOS PELA RECLAMANTE – SITUAÇÃO INEXISTENTE NA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 199 DA SUBSEÇÃO 1 ESPECIALIZADA EM DISSÍDIOS INDIVIDUAIS DO TST - CONFIGURAÇÃO - EFEITOS. O Tribunal Pleno desta Corte Superior, reunido no dia 7/12/2006, julgou o Incidente de Uniformização Jurisprudencial (IUJ) suscitado nos autos do processo nº TST-E-RR-621145/2000, tendo decidido manter o entendimento consubstanciado na Orientação Jurisprudencial nº 199 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, no sentido de que não há contrato de trabalho em face da prestação de serviços em jogo do bicho, ante a ilicitude do objeto. Assim, o descostume de observar a norma que cuida da contravenção penal do jogo do bicho não nos autoriza a reconhecer, daí em diante, os efeitos de uma relação jurídica que, em verdade, ainda se mantém ilícita ante o ordenamento jurídico vigente. Todavia, com suporte na teoria trabalhista das nulidades, reconhece-se o contrato de trabalho de profissional que, ainda, que preste serviço em local destinado a atividade ilícita, não atue exclusivamente no elemento do tipo penal, ou seja, jogos de azar, em decorrência de ter a reclamada reconhecido que a reclamante também se ativava na venda de produtos lícitos, enquadrado como serviço público de telecomunicação (Lei nº 9.472/97), venda de créditos para Telefonia Celular por meio de máquinas de Recargas em favor de operadoras de telefonia celular, atividade que, de forma alguma, se confunde com aquela, que era exercida em momentos distintos e alternados. Entendimento diverso implicaria favorecimento ao enriquecimento ilícito do reclamado, além de afronta ao princípio consubstanciado no aforismo utile per inutile vitiari non debet . No presente caso, os efeitos da globalização e da diversificação das atividades empresariais fizeram com que a reclamada atuasse em ramos lícitos de comércio, nos quais, inclusive, se ativou a reclamante. Dessa forma, não se vislumbra a possibilidade de dissonância da decisão recorrida com os termos da Orientação Jurisprudencial nº 199 da Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais do TST, exato por não descortinar aquela orientação as mesmas situações específicas dos presentes autos, em especial o exercício de funções pela reclamante em contrato de trabalho com objeto lícito. Recurso de revista não conhecido. (...)" (RR-779-33.2012.5.06.0004, 7ª Turma, Relator Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT 06/09/2013).

Cito, ainda, precedentes desta Corte que reconhecem a validade do contrato com estabelecimento no qual se praticam atividades consideradas ilícitas, mas que o serviço prestado pela parte reclamante não diz respeito diretamente a elas:

SEGURANÇA DE ESTABELECIMENTO QUE EXPLORA ATIVIDADE CLANDESTINA DE BINGO. RECONHECIMENTO DO CONTRATO DE TRABALHO. Cinge-se a controvérsia sobre o reconhecimento do vínculo de emprego do trabalhador que exerce o cargo de segurança em local que explora atividade clandestina de bingo. Em controvérsia semelhante a respeito do "jogo do bicho", o Tribunal Pleno desta Corte Superior, reunido no dia 7/12 /2006, julgou o Incidente de Uniformização Jurisprudencial (IUJ), suscitado nos autos do processo nº TST-E-RR-621145/2000, tendo decidido manter o entendimento consubstanciado na Orientação Jurisprudencial nº 199 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, no sentido de que não há contrato de trabalho, ante a ilicitude do objeto. Há, porém, que se identificar, primeiramente, se a atividade do tomador de serviços é ilícita e o serviço é igualmente ilícito, porque inerente à atividade, logo, o objeto do contrato é ilícito, recaindo no art. 166 do CCB. Existem casos em que a atividade é ilegal ou ilícita, mas o serviço prestado não diz respeito diretamente ao seu desenvolvimento, cuida-se, não de trabalho ilícito, mas sim de trabalho vulgarmente chamado de, são serviços como segurança, faxineiros, proibido garçons, ou seja, de pessoas que casualmente estão trabalhando em estabelecimento ilegal, mas que poderiam perfeitamente executar o mesmo trabalho em locais lícitos. Negar a proteção do direito a esses trabalhadores seria injusto perante a ordem jurídica, porque corresponderia a beneficiar o empresário que atua ilegalmente, sonegando ao trabalhador honesto seus direitos trabalhistas. Assim, há de se reconhecer a validade do contrato de trabalho do empregado que, a despeito de prestar serviço em local destinado a atividade ilícita, não realiza atividade diretamente vinculada à contravenção legal, como é o caso dos autos, em que o autor exercia a atividade de segurança. Nesse esteio, estando o trabalho do reclamante em conformidade com a lei, dissociado da atividade fim do bingo, é certo que o recorrente não pode se favorecer da própria torpeza para não arcar com as obrigações trabalhistas. Portanto, correta a decisão do Regional que reconheceu o vínculo de emprego. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (AIRR - 1021-85.2016.5.11.0012. Orgão Judicante: 3ª Turma. Relator: Alexandre de Souza Agra Belmonte. Julgamento: 28/08/2019. Publicação: 30/08/2019)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. VÍNCULO DE EMPREGO. RECLAMADA QUE EXPLORA JOGOS DE AZAR. SERVIÇOS DE LIMPEZA. OBJETO LÍCITO. 1. Do quadro fático delineado pelo Regional verifica-se que a reclamante prestou serviços de limpeza, junto à reclamada, empresa que explora jogos de azar (casa de bingo). 2. Assim, a atividade laboral específica da reclamante não é inerente à prática de atividade ilícita. 3. Nesse contexto, vislumbra-se má-aplicação da OJ 199 da SDI-I do TST, o que equivale juridicamente à contrariedade e torna o recurso de revista cabível, por força do artigo 896, "a", da CLT. 4. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se dá provimento para determinar o processamento do recurso de revista. RECURSO DE REVISTA. VÍNCULO DE EMPREGO. JOGOS DE AZAR. ATIVIDADE LABORAL DE LIMPEZA. OBJETO LÍCITO. CONTRARIEDADE À OJ 199 DA SDI-I DO TST. 1. A atividade laboral desenvolvida pela reclamante, de limpeza, não guarda relação com a atividade ilícita da reclamada, empresa que explora de jogos de azar, tipificada como contra venção penal no art. 50 do Decreto-Lei nº 3.688/41. 2. Embora as atividades da reclamada sejam proibidas por lei, os serviços prestados pela reclamante se afiguram lícitos, não havendo qualquer empecilho para o reconhecimento de vínculo, o que afasta, portanto, a impossibilidade jurídica do pedido. 3. Configurada má-aplicação da OJ 199 da SDI-1 do TST, pelo Regional, tendo em vista que o quadro fático delineado indica situação diversa daquela prevista na OJ citada. 4. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento" (RR-152500-80.2009.5.02.0058, 4ª Turma, Relatora Desembargadora Convocada Sueli Gil El Rafihi, DEJT 05/12/2014).

Dessa forma, a decisão da Corte a quo que reconheceu a validade do contrato do contrato de trabalho em razão do exercício, pela reclamante, também de atividades lícitas, em favor da reclamada, não contraria a Orientação Jurisprudencial nº 199 da SBDI-1 do TST, tampouco ofende os dispositivos legais invocados.

Por divergência jurisprudencial o recurso também não encontra condições de prosseguimento.

Com efeito, a não foi obedecido o art. 896, § 8º, da CLT, uma vez que a parte deixou de evidenciar as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados.

Nesse contexto, não tendo sido apresentados argumentos suficientes à reforma da r. decisão impugnada, deve ser desprovido o agravo.

Tendo em vista o acréscimo de fundamentação, deixa-se de aplicar a multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC, nos termos da jurisprudência desta Turma.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do agravo e, no mérito, negar-lhe provimento.asília, 29 de março de 2023.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

BRENO MEDEIROS

Ministro Relator

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