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CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. RESOLUÇÃO CFM nº 2.333/2023. Adota as normas éticas para a prescrição de terapias hormonais com esteroides androgênicos e anabolizantes de acordo com as evidências científicas disponíveis sobre os riscos e malefícios à saúde, contraindicando o uso com a finalidade estética, ganho de massa muscular e melhora do desempenho esportivo.



CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

RESOLUÇÃO CFM nº 2.333/2023

Publicado em: 11/04/2023 | Edição: 69 | Seção: 1 | Página: 226

Adota as normas éticas para a prescrição de terapias hormonais com esteroides androgênicos e anabolizantes de acordo com as evidências científicas disponíveis sobre os riscos e malefícios à saúde, contraindicando o uso com a finalidade estética, ganho de massa muscular e melhora do desempenho esportivo.

O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (CFM), no uso das atribuições que lhe confere a Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, alterado pelo Decreto nº 10.911, de 22 de dezembro de 2021, Lei nº 12.842, de 10 de julho de 2013, e Decreto nº 8.516, de 10 de setembro de 2015, e

CONSIDERANDO o teor da Resolução CFM nº 1.999/2012, publicada no Diário Oficial da União, em 19 de outubro de 2012, que veda o uso de terapias hormonais com a finalidade de retardar, modular ou prevenir o envelhecimento;

CONSIDERANDO que o alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício do qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional;

CONSIDERANDO que ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão;

CONSIDERANDO a responsabilidade do médico quanto à segurança do paciente;

CONSIDERANDO que é vedado ao médico divulgar informação sobre assunto médico de forma sensacionalista, promocional ou de conteúdo inverídico;

CONSIDERANDO que as intervenções médicas devem ter por base as melhores evidências clínicoepidemiológicas disponíveis que indiquem efeito terapêutico benéfico que suplantem os potenciais efeitos adversos, preferencialmente através de estudos prospectivos e controlados;

CONSIDERANDO que é vedado ao médico usar experimentalmente qualquer tipo de terapêutica ainda não liberada para uso em nosso país, sem a devida autorização dos órgãos competentes e sem o consentimento do paciente ou de seu responsável legal, devidamente informados da situação e das possíveis consequências;

CONSIDERANDO a existência de extensa literatura científica sobre terapias hormonais e pareceres de sociedades científicas nacionais e internacionais sobre o tema, e apesar da medicina ser uma ciência dinâmica, ainda não é seguro indicar a hormonioterapia anabolizante para fins estéticos e esportivos;

CONSIDERANDO os riscos potenciais de doses inadequadas de hormônios, e que mesmo as doses terapêuticas podem desencadear efeitos colaterais danosos, principalmente nos casos em que a deficiência hormonal não foi diagnosticada apropriadamente conforme as diretrizes e recomendações em vigor;

CONSIDERANDO a inexistência de estudos clínicos randomizados de boa qualidade metodológica que demonstrem a magnitude dos riscos associados à terapia hormonal androgênica em níveis suprafisiológicos, tanto em homens quanto em mulheres;

CONSIDERANDO a ausência de comprovação científica da existência de uma condição clínicopatológica decorrentes de baixos níveis de testosterona ou androgênios na mulher;

CONSIDERANDO que se deve ter cautela com quaisquer informações diferentes daquelas fornecidas por estudos de relevância científica, pois determinados tratamentos podem ser danosos tanto do ponto de vista econômico como da saúde coletiva e individual;

CONSIDERANDO que o uso de terapias para melhoria do desempenho físico é vedado na prática esportiva segundo o Código de Conduta Ética do Comitê Olímpico Brasileiro;

CONSIDERANDO que é dever do médico empreender ações preventivas e que se reconhecem como prevenção quaternária as ações que detectam indivíduos em risco de tratamento excessivo para protegê-los de novas intervenções inapropriadas e sugerir-lhes alternativas eticamente aceitáveis;

CONSIDERANDO que é vedada ao médico a prescrição de medicamentos com indicação ainda não aceita pela comunidade científica;

CONSIDERANDO a proliferação de cursos de extensão, educação continuada e pós-graduação sobre terapias hormonais voltadas à estética e ganho de desempenho esportivo, ou com denominações diferentes, mas cuja base é do treinamento de profissionais, seja para a prescrição de hormônios e outros tratamentos ainda sem comprovação científica, com o suposto objetivo de obter ganho estético ou melhora da performance esportiva;

CONSIDERANDO que o ambiente virtual das mídias sociais propicia meio de difusão de terapias não comprovadas e potencialmente danosas;

CONSIDERANDO a crescente divulgação, entre a população, de novos métodos terapêuticos baseados no emprego de hormônios androgênicos ou outros tipos de suplementos sem evidências clínico-científicas que comprovem a sua segurança;

CONSIDERANDO a Resolução nº 791, de 22 de janeiro de 2021, da Anvisa, que proibiu a comercialização, a distribuição, a fabricação, a importação, a manipulação, a propaganda e o uso de Moduladores Seletivos do Receptor Androgênico (SARMS) no Brasil para fins estéticos e performance esportiva, além de determinar sua apreensão e inutilização;

CONSIDERANDO, finalmente, o decidido na sessão plenária realizada em 30 de março de 2023;

RESOLVE:

Art. 1º Esta resolução trata exclusivamente do uso de esteroides androgênicos e anabolizantes com a finalidade estética, ganho de massa muscular e melhora do desempenho esportivo.

Art. 2º As terapias de reposição hormonal estão indicadas em caso de deficiência específica comprovada, de acordo com a existência de nexo causal entre a deficiência e o quadro clínico, ou de deficiências diagnosticadas cuja reposição mostra evidências de benefícios cientificamente comprovados.

Art. 3º São vedados no exercício da Medicina, por serem destituídos de comprovação científica suficiente quanto ao seu benefício e segurança para o ser humano, o uso e a divulgação dos seguintes procedimentos:

I – Utilização em pessoas de qualquer formulação de testosterona sem a devida comprovação diagnóstica de sua deficiência, excetuando-se situações regulamentadas por resolução específica;

II – Utilização de formulações de esteroides anabolizantes ou hormônios androgênicos com a finalidade estética;

III – Utilização de formulações de esteroides anabolizantes ou hormônios androgênicos com a finalidade de melhora do desempenho esportivo, seja para atletas amadores ou profissionais;

IV – A prescrição de hormônios divulgados como “bioidênticos”, em formulação “nano” ou nomenclaturas de cunho comercial e sem a devida comprovação científica de superioridade clínica para a finalidade prevista nesta resolução.

V – A prescrição de Moduladores Seletivos do Receptor Androgênico (SARMS), para qualquer indicação, por serem produtos com a comercialização e divulgação suspensa no Brasil.

VI – Realização de cursos, eventos e publicidade com o objetivo de estimular e fazendo apologia a possíveis benefícios de terapias androgênicas com finalidades estéticas, de ganho de massa muscular (hipertrofia) ou de melhora de performance esportiva.

Art. 4º Esta resolução entra em vigor na data da sua publicação.

Brasília, DF, 30 de março de 2023.

JOSÉ HIRAN DA SILVA GALLO

Presidente

DILZA TERESINHA AMBRÓS RIBEIRO

Secretária-geral

 

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA RESOLUÇÃO CFM Nº 2.333/2023

Os esteroides anabólicos androgênicos (EAA) são um grupo de compostos naturais e sintéticos formados a partir da testosterona ou um de seus derivados. O uso indiscriminado de terapias hormonais com esteroides androgênicos e anabolizantes, incluindo a gestrinona, com objetivos estéticos ou para o ganho de desempenho esportivo é hoje uma preocupação crescente dentro da medicina e da saúde pública, uma vez que, de acordo com as mais recentes evidências científicas, não existem benefícios notórios que justifiquem o aumento exponencial do risco de danos possivelmente permanentes ao corpo humano em diferentes órgãos e sistemas com essa utilização.

A prescrição de esteroides androgênicos anabólicos é justificada no tratamento de doenças como hipogonadismo, puberdade tardia, micropênis neonatal e caquexia, ou na terapia hormonal cruzada em transgêneros e, a curto prazo, em mulheres com diagnóstico de Desejo Sexual Hipoativo. Destarte, os EAA começaram a ser utilizados no esporte a partir dos anos 1950, inicialmente por fisiculturistas e halterofilistas, difundindo-se nos anos 1970 para outros esportes, apesar da proibição pelo Comitê Olímpico Internacional. Atualmente, é crescente o número de pessoas utilizando de forma ilícita tais medicações, a exemplo de atletas tanto amadores quanto de elite, com a finalidade de melhorar o desempenho atlético ou com o fim meramente estético. Essa prática é caracterizada por ciclos de administração e retirada, combinação de diferentes compostos esteroides anabolizantes e administração de doses superiores às recomendadas para fins terapêuticos, com benefícios limitados, sendo uma conduta repudiada pela Agência Mundial Antidoping (WADA), Colégio Americano de Medicina do Esporte, Comitê Olímpico Brasileiro e Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte.

A utilização de esteroides androgênicos anabolizantes está associada a efeitos prejudiciais, que podem ocorrer mesmo em doses terapêuticas, e uma série de fatores poderá influenciar nos riscos e benefícios dessa prática, como histórico familiar, substância utilizada, dosagem e via de administração. Os efeitos adversos são inúmeros e podem afetar diversos órgãos e sistemas, entre eles:

§ Efeitos cardiovasculares, incluindo hipertrofia cardíaca, arritmias e hipertensão arterial sistêmica. Particularmente, o infarto agudo do miocárdio tem sido relatado em estudos observacionais e post-mortem. Aterosclerose, estado de hipercoagulabilidade, aumento da trombogênese e vasoespasmo surgem também como potenciais causas de isquemia miocárdica em usuários de esteroides anabolizantes. Em conjunto, esses fatores podem contribuir para o aumento da morbimortalidade cardiovascular em decorrência do abuso/administração excessiva de esteroides anabolizantes, especialmente quando há combinação com outras drogas, a exemplo de hormônios tireoidianos, hormônio do crescimento, insulina e diuréticos;

§ Doenças hepáticas, incluindo hepatite medicamentosa, insuficiência hepática aguda e carcinoma hepatocelular;

§ Transtornos mentais e de comportamento, incluindo depressão e dependência;

§ Distúrbios endócrinos, incluindo infertilidade, disfunção erétil e diminuição de libido.

Concomitante ao uso de EAA, há um aumento da administração do hormônio do crescimento (GH) de forma abusiva por atletas, tanto amadores quanto profissionais, como droga ergogênica, devido às propriedades anabolizantes e lipolíticas desse hormônio, motivo pelo qual o GH está incluído na lista de substâncias anabolizantes (C5) da Anvisa, assim como no rol de drogas proibidas no esporte pela Agência Mundial Antidoping (WADA).

Após vasta pesquisa na base de dados MedLine/PubMed, não foi encontrado respaldo na literatura que justificasse a prescrição de terapia hormonal com esteroides androgênicos e anabolizantes com a finalidade de melhora de performance e/ou estética. Mais do que isso, constatou-se que os riscos são claros e inequívocos. No Brasil, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Sociedade Brasileira de Urologia, Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia já se manifestaram através de posicionamentos e notas técnicas contrárias a essa conduta.

Estudos apontam que apenas um terço dos usuários de EAA buscam apoio de médicos, dados que podem variar de acordo com as regiões. O manejo dessas pessoas deve ser feito pelo não julgamento, com foco na educação, em estratégias de redução dos danos e suporte para a cessação do uso. É necessário a implementação de programas de educação, conscientização e a criação de ferramentas de prevenção, controle e tratamento dos usuários de EAA por parte dos profissionais de saúde, das entidades esportivas, do poder público e da população.

Portanto, deve ser contraindicado a utilização de hormônios esteroides androgênicos e anabolizantes com a finalidade estética ou de ganho de desempenho esportivo pela falta de evidências científicas quanto a benefícios que superem os riscos advindos dessa prática e pela evidência de riscos e malefícios à saúde.

ANNELISE MOTA DE ALENCAR MENEGUESSO

Conselheira relatora

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