Data da publicação:
Acordão - TRT
Rovirso Aparecido Boldo - TRT/SP
Conflito de jurisdição ou competência Conflito negativo de competência.
Processo SDI-3 nº 1000163-83.2020.5.02.0000
Conflito Negativo de Competência
Suscitante: Juízo da 01ª Vara do Trabalho de Jandira
Suscitado: Juízo da 02ª Vara do Trabalho de Barueri
EMENTA
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LUGAR. VEDAÇÃO DE CONHECIMENTO EX-OFFICIO DA INCOMPETÊNCIA RELATIVA. A competência rationi loci pode ser prorrogada se não houver oportuna arguição de exceção de incompetência pela parte que se sentir prejudicada. Não cabe ao Juízo remeter de oficio o feito a órgão jurisdicional diverso, pois não se trata de matéria de ordem pública a autorizar tal providência (artigos 64 e 65, do CPC e art. 799, da CLT e inteligência da OJ 149, da SDI-2, do C. TST).
ESCOLHA DO FORO PELO AUTOR. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À DEFESA. A despeito de a CLT estipular de forma exauriente as regras de competência de foro, por meio da fixação do local da prestação de serviços, independentemente do local da contratação (artigo 651, § 3º da CLT), há que sopesar as particularidades do caso concreto, em que se revela controversa até mesmo a contratação e não houve insurgência da reclamada quanto ao foro escolhido pelo reclamante. A interpretação sistemática da constituição privilegia o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXVI, da CF), como forma de minimizar os custos de deslocamento das partes e testemunhas. Remessa dos autos ao Juízo originalmente escolhido pelas partes. (PJe TRT/SP 1000163-83.2020.5.02.0000 - CC - SDI3- Rel. Rovirso Aparecido Boldo - DeJT 1/07/2020).
Diante da ausência de discriminação do local de trabalho na reclamação trabalhista n. 1001547-91.2019.5.02.0202, ajuizada por Rafael Pereira Garcia em face de Transporte Transportadora Amorim Ltda, o Juízo da 02ª Vara do Trabalho de Barueri, observado o endereço da empresa, remeteu o feito à Vara do Trabalho de Jandira (decisão de fl. 17), a qual suscitou o presente conflito negativo de competência (fls. 2/4).
Informações do Juízo suscitado à fl. 62, ratificando que não há menção ao local de trabalho na petição inicial da reclamação trabalhista, valendo o endereço da reclamada como local de prestação de serviços.
Manifestação do Ministério Público do Trabalho, pela desnecessidade de emissão de parecer circunstanciado (fl. 65).
É o relatório.
VOTO
O presente conflito negativo de competência tem como finalidade precípua decidir dentre a 01ª Vara do Trabalho de Jandira e a 02ª Vara do Trabalho de Barueri qual será a responsável pela apreciação das pretensões articuladas na reclamatória n. 1001547-91.2019.5.02.0202.
Circunscrito à disciplina do artigo 66, do CPC, bem assim como, 803 a 809, da CLT, e 164 e seguintes do Regimento Interno deste Regional, o conflito de competência ou conflito de jurisdição, expressão utilizada pela CLT, ganha concretude nas seguintes hipóteses do código processual adjetivo:
Art. 66. Há conflito de competência quando:
I - 2 (dois) ou mais juízes se declaram competentes;
II - 2 (dois) ou mais juízes se consideram incompetentes, atribuindo um ao outro a competência;
III - entre 2 (dois) ou mais juízes surge controvérsia acerca da reunião ou separação de processos.
Parágrafo único. O juiz que não acolher a competência declinada deverá suscitar o conflito, salvo se a atribuir a outro juízo.
O reclamante distribuiu a ação 1001547-91.2019.5.02.0202 perante a 02ª Vara do Trabalho de Barueri. Da análise da contestação da reclamada afere-se que não foi arguida exceção de incompetência em razão do lugar (fls. 31/44).
A competência rationi loci não é absoluta, como fundamentado pelo Juízo suscitado. Trata-se de competência relativa, a exigir manifestação contrária expressa da parte que se julgar prejudicada (art. 64, do CPC e art. 799, da CLT). A ausência de arguição prorroga a competência territorial e não autoriza que o Juízo conheça de oficio da matéria (art. 65, do CPC).
Nesse sentido, a doutrina de Mauro Schiavi: "a competência territorial é relativa, pois prevista no interesse da parte. Portanto, o juiz não pode conhecê-la de ofício. Caso não impugnada pelo reclamado no prazo da resposta (exceção de incompetência em razão do lugar - artigos 799 e seguintes da CLT), prorroga-se a competência." (in: Manual de Direito Processual do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2009. 230 p).
Corroborando tal vedação de reconhecimento de oficio da incompetência relativa, a OJ 149, da SDI-2,do C. TST, in verbis:
149. Conflito de competência. Incompetência territorial. Hipótese do art. 651, § 3º, da CLT. Impossibilidade de declaração de ofício de incompetência relativa. (DeJT 03/12/2008)
Não cabe declaração de ofício de incompetência territorial no caso do uso, pelo trabalhador, da faculdade prevista no art. 651, § 3º, da CLT. Nessa hipótese, resolve-se o conflito pelo reconhecimento da competência do juízo do local onde a ação foi proposta.
Pondere-se que o Juízo que declinou da competência sequer tem certeza do local da prestação dos serviços. Na peça informativa, a autoridade judicial suscitada assim se expressou: "A ação trabalhista em epígrafe foi distribuída originalmente a esta Vara, sem que o Autor indicasse expressamente o local de sua prestação de serviços. Por outro lado, a ré está sediada no município de Jandira. Com a devida vênia, salvo melhor juízo, não houve qualquer informação nos autos de que o autor tenha prestado serviços ou celebrado o contrato nesta Comarca. Era o que me cumpria informar" (fl. 62, grifou-se).
O Juízo suscitante, todavia, transcreveu trecho da petição inicial na qual se infere que o reclamante era motorista carreteiro prestando serviços em várias cidades pelo interior de São Paulo e outros estados, verbis:"iniciava a sua jornada por volta das 04h00, trabalhando até ás 20h00 de segunda a sábado, tendo em vista que constantemente fazia viagens para as cidades do interior de São Paulo (São José do Rio Preto, Presidente Prudente, Campinas, etc.), bem como seguia viagens para o Rio de Janeiro, Belo Horizonte e outros estados da federação".
Não se tem certeza sequer do local de contratação, pois a ação versa sobre eventual reconhecimento do vínculo e não há documentos nos autos que garantam o foro. O reclamante forneceu endereço residencial em Itapevi (fl. 6). A reclamada situa-se em Jandira (certidão de citação de fls. 27/28). As procurações outorgadas pelo reclamante e pela reclamada foram firmadas em Barueri (fl. 10 e fl. 30, respectivamente). Tudo leva a crer que Barueri fosse a localidade de mais fácil acesso para ambas as partes.
A despeito de a CLT estipular de forma exauriente as regras de competência de foro, por meio da fixação do local da prestação de serviços, independentemente do local da contratação (artigo 651, § 3º da CLT), há que sopesar as particularidades do caso concreto, em que se revela controversa até mesmo a contratação e não houve insurgência da reclamada quando o foro escolhido pelo reclamante. Ademais, privilegia-se o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXVI, da CF), como forma de minimizar os custos de deslocamento das partes e testemunhas.
Com efeito, a interpretação sistemática das regras processuais trabalhistas, sob a ótica constitucional, garante ao reclamante a prerrogativa de eleger, como foro para distribuição da reclamatória trabalhista, o local da prestação de serviço ou da contratação e mesmo de outro que lhe for mais conveniente, desde que não cause prejuízo à defesa.
É de se ter em conta que o TST já se expressou no sentido de validar até mesmo a opção pelo foro do domicílio do autor, regra extraída do CPC, a direcionar o entendimento de que é possível a relativização das hipóteses expressamente previstas no art. 651, do diploma consolidado, verbis:
Ementa:
RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. RECLAMAÇÃO TRABALHISTA AJUIZADA NO FORO DO DOMICÍLIO DO RECLAMANTE. LOCALIDADE DISTINTA DO LOCAL DA CONTRATAÇÃO E DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. VIOLAÇÃO DO ART. 651, CAPUT,DA CLT. CONHECIMENTO E PROVIMENTO. I. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de considerar o Domicílio do Autor como fato definidor da competência territorial, toda vez que esse não cause embaraço à defesa, havendo exceção nas hipóteses em que a empresa possua atuação nacional e, ao menos, a contratação ou arregimentação tenha ocorrido naquela localidade. II. No caso em apreço, com fundamento na hipossuficiência econômica do Reclamante, a Corte Regional asseverou que a competência para apreciar a presente demanda é a da Vara do Trabalho do domicílio do Reclamante, mesmo tendo ele prestado serviço em localidade diversa. Acrescentou que a Reclamada não apresentou prova contrária à situação financeira do Reclamante e que a tramitação do processo na localidade do domicílio do Autor não implica dificuldade ao exercício do direito de defesa. III. Demonstrada a violação do art. 651, caput, da CLT. IV. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. Processo: RR - 800-76.2016.5.09.0459. Data de Julgamento: 18/03/2020, Relator Ministro: Alexandre Luiz Ramos, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 27/03/2020.
Diante desse contexto, declara-se a competência ratione loci do Juízo da 02ª Vara do Trabalho de Barueri, determinando o retorno dos autos à origem para processar e julgar a lide, conforme entender de direito.
Ante o exposto, ACORDAM os Magistrados da SDI3, do Tribunal Regional da Segunda Região, em por unanimidade de votos, reconhecer a competência ratione locido Juízo da 02ª Vara do Trabalho de Barueri, nos termos do voto do Relator.
ROVIRSO APARECIDO BOLDO
Relator
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