TST - INFORMATIVOS 2016 2016 140 - 28 de junho a 1º de agosto

Data da publicação:

Subseção I Especializada em Dissídios Individuais

Guilherme Caputo Bastos - TST



Incompetência da Justiça do Trabalho. Ação civil pública. Reajuste dos honorários repassados pelas operadoras de plano de saúde aos médicos credenciados. Relação de trabalho não configurada. A Justiça do Trabalho é incompetente para processar e julgar ação civil pública na qual se postula o reajuste dos honorários repassados pelas operadoras de plano de saúde aos médicos credenciados, pois a relação entre eles não possui natureza trabalhista. As operadoras de plano de saúde, ligadas à chamada autogestão, atuam como intermediadoras entre os interesses dos usuários e dos prestadores de serviço, ao passo que os médicos credenciados não prestam serviço diretamente às operadoras, mas aos beneficiários/usuários, não havendo falar, portanto, em relação de trabalho nos moldes do art. 114, I, da CF. Sob esses fundamentos, a SBDI-I, por unanimidade, não conheceu do recurso de embargos da Conab, mas conheceu dos recursos de embargos interpostos pela Cassi, Geap, Petrobras e Embratel, e, no mérito, deu-lhes provimento para restabelecer o acórdão do Regional que manteve a sentença que julgou extinto o processo, sem resolução de mérito, por incompetência da Justiça do Trabalho para apreciar o pedido de correção de honorários médicos de profissionais vinculados às gestoras de plano de saúde. (TST-E-ED-RR-1485-76.2010.5.09.0012, SBDI-I, rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos,05.08.2016).



Resumo do voto.

Incompetência da Justiça do Trabalho. Ação civil pública. Reajuste dos honorários repassados pelas operadoras de plano de saúde aos médicos credenciados. Relação de trabalho não configurada. A Justiça do Trabalho é incompetente para processar e julgar ação civil pública na qual se postula o reajuste dos honorários repassados pelas operadoras de plano de saúde aos médicos credenciados, pois a relação entre eles não possui natureza trabalhista. As operadoras de plano de saúde, ligadas à chamada autogestão, atuam como intermediadoras entre os interesses dos usuários e dos prestadores de serviço, ao passo que os médicos credenciados não prestam serviço diretamente às operadoras, mas aos beneficiários/usuários, não havendo falar, portanto, em relação de trabalho nos moldes do art. 114, I, da CF. Sob esses fundamentos, a SBDI-I, por unanimidade, não conheceu do recurso de embargos da Conab, mas conheceu dos recursos de embargos interpostos pela Cassi, Geap, Petrobras e Embratel, e, no mérito, deu-lhes provimento para restabelecer o acórdão do Regional que manteve a sentença que julgou extinto o processo, sem resolução de mérito, por incompetência da Justiça do Trabalho para apreciar o pedido de correção de honorários médicos de profissionais vinculados às gestoras de plano de saúde. 

A C Ó R D Ã O

RECURSO DE EMBARGOS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RECOMPOSIÇÃO MONETÁRIA DOS VALORES DOS HONORÁRIOS. RELAÇÃO ENTRE MÉDICOS CREDENCIADOS E OPERADORAS DE PLANOS DE SAÚDE. RELAÇÃO DE TRABALHO. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. PROVIMENTO.

1. Não se reconhece a competência desta Justiça Especializada para processar e julgar ação civil pública ajuizada pelo Sindicato dos Médicos no Estado do Paraná, em que se postula o reajuste dos honorários repassados pelas operadoras dos planos de saúde, ligadas à chamada autogestão, aos médicos credenciados.

2. Para a configuração da relação de trabalho, com base na exegese do inciso I do artigo 114 da Constituição, faz-se necessário que haja efetiva prestação de trabalho de uma parte em benefício da outra.

3. O objeto das referidas operadoras é a comercialização de planos de saúde, atuando como agentes intermediadores entre os interesses dos prestadores de serviços (médicos credenciados) e os beneficiários.

4. As operadoras de planos de saúde cobram mensalidades dos usuários, obrigando-se, por meio de contrato, a repassar aos médicos credenciados os valores devidos pelos reais tomadores de serviços – os beneficiários.

5. Verifica-se que o serviço desempenhado pelos profissionais de saúde não se dá em prol das operadoras de planos de saúde, mas sim dos usuários, não havendo falar, portanto, em relação de trabalho para fins de atrair a competência desta Justiça Especializada para processar e julgar o feito.

6. Acrescente-se que o credenciamento dos médicos não configura relação de trabalho. A celebração de um instrumento jurídico formal, por meio do qual os prestadores passam a pertencer à rede credenciada das operadoras dos planos de saúde, destina-se unicamente a resguardar o direito dos agentes envolvidos, principalmente dos beneficiários, quanto a possíveis descredenciamentos repentinos.

7. Recursos de embargos providos(TST-E-ED-RR-1485-76.2010.5.09.0012, SBDI-I, rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos, 05.08.2016).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Embargos de Declaração em Recurso de Revista n° TST-E-ED-RR-1485-76.2010.5.09.0012, em que são Embargantes EMPRESA BRASILEIRA DE TELECOMUNICACOES S A EMBRATEL, CAIXA DE ASSISTENCIA DOS FUNCIONARIOS DO BANCO DO BRASIL, GEAP FUNDACAO DE SEGURIDADE SOCIAL,  COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO - CONAB e PETRÓLEO BRASILEIRO S.A. - PETROBRAS e Embargados SERVIÇO SOCIAL DAS ESTRADAS DE FERRO - SESEF,  FUNDAÇÃO ITAIPU-BR DE PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL - FIBRA,  FUNDAÇÃO ASSISTENCIAL DOS SERVIDORES DO MINISTÉRIO DA FAZENDA - ASSEFAZ,  EVANGÉLICO SAÚDE LTDA.,  SINDICATO DOS MÉDICOS NO ESTADO DO PARANÁ - SIMEPAR,  EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA - EMBRAPA,  EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT,  FUNDAÇÃO SAÚDE ITAÚ,  CAIXA DE PECÚLIOS, ASSISTÊNCIA E PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES DA FUNDAÇÃO SERVIÇOS DE SAÚDE PÚBLICA - CAPESESP E OUTRAS e CAIXA DE ASSISTÊNCIA, APOSENTADORIA E PENSÕES DOS SERVIDORES  MUNICIPAIS DE LONDRINA - CAAPSML.

A egrégia Sexta Turma desta Corte Superior, mediante o v. acórdão da lavra do Exmº. Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, conheceu do recurso de revista interposto pelo Sindicato-autor, em que se discutia a competência desta Justiça Especializada para processar e julgar a ação civil  pública em que se postula a recomposição dos valores da consulta repassados aos médicos credenciados pelas operadoras dos planos de saúde, por afronta ao artigo 114, I, da Constituição Federal.  No mérito, deu-se provimento ao referido recurso, a fim de declarar a competência desta Justiça do Trabalho e determinar o retorno dos autos a d. Vara de origem para que prosseguisse no julgamento do feito, como entendesse de direito.

Opostos embargos de declaração opostos pela Caixa de Assistência Aposentadoria e Pensões dos Servidores Municipais de Londrina – CAAPMSL – e Empresa Brasileira de Telecomunicações – EMBRATEL -, a egrégia Turma decidiu negar-lhes provimento.

Inconformadas, as rés - Empresa Brasileira de Telecomunicações S.A. – EMRATEL -, Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil - CASSI, GEAP Fundação de Seguridade Social, Companhia Nacional de Abastecimento e Petróleo Brasileiro S.A – PETROBRAS - interpõem recurso de embargos à SBDI-1.

A CASSI, às fls. 1.555/1.581, sustenta não ser a empregadora dos médicos credenciados, tampouco haver a relação de trabalho prevista no artigo 114 da Constituição Federal, tendo em vista que a pretensão do Sindicato-autor refere-se à revisão de contratos civis firmados entre os médicos (pessoas físicas ou jurídicas) e as operadoras de planos de saúde. Traz arestos para fins de cotejo.

Por sua vez, a GEAP, às fls. 1.623/1.657, alega que esta colenda Corte, para fins de fixação da competência, teria de "reavaliar a relação factual estabelecida em cada um dos contratos celebrados entre os substituídos, médicos do Estado do Paraná, e cada uma das operadoras requeridas, para saber se cada uma daquelas relações contratuais possuía, ou não, características próprias de uma relação de trabalho", o que demandaria o reexame de fatos e provas, vedado pela Súmula nº 126. Pugna, por tal razão, pela declaração de nulidade do v. acórdão embargado.

Sustenta que a relação existente com os médicos substituídos é de prestação de serviço, na qual não há qualquer subordinação ou continuidade capaz de caracterizá-la como de trabalho. Traz julgados para fins de cotejo.

A CONAB, às fls. 1.731/1.747, defende a incompetência da Justiça do Trabalho, ao argumento de que "a relação havida entre os médicos (ou pessoas jurídicas constituídas por médicos) e as operadoras de plano de saúde É DE NATUREZA CIVIL, pois decorrem de CONTRATO DE CREDENCIAMENTO ENTRE O PROFISSIONAL DA SAÚDE E AS GESTORAS DE PLANO DE SAÚDE". Sustenta que o entendimento contido no v. acórdão embargado diverge de outras Turmas desta Corte Superior.

A PETROBRAS, às fls. 1.791/1.799, de igual modo, insurge-se contra a declaração de competência desta Justiça Especializada. Defende que, "no caso dos autos, os substituídos pelo Sindicato/Reclamante são médicos autônomos que se credenciaram em diversos planos de saúde para realizar atendimento médico aos beneficiários dos planos. Não se tratam de prestadores de serviço contratados pelos planos de saúde, ou seja, os planos de saúde não se apropriam dos serviços prestados pelos médicos. Não há, pois, condição de inferioridade na relação jurídica, seja pelo critério da subordinação, seja pela dependência econômica". Alega divergência jurisprudencial.

A EMBRATEL, às fls. 1.848/1.854, defende que a relação existente entre os médicos credenciados e as operadoras de planos de saúde não é de trabalho, tendo em vista que os substituídos se credenciaram para realizar atendimento aos beneficiários do plano, de modo que os planos de saúde "não se apropriam dos serviços prestados pelos médicos". Traz arestos para fins de cotejo.

A Presidência da egrégia Sexta Turma, por meio da decisão de fls. 1.993/2.008, admitiu os recursos de embargos, por vislumbrar aparente divergência jurisprudencial.

Apresentada impugnação aos embargos pelo Sindicato-autor e pela Caixa de Previdência e Assistência dos Servidores da Fundação Nacional de Saúde – CAPESESP.

Os autos não foram remetidos ao d. Ministério Público do Trabalho, a teor do disposto no artigo 83, § 2º, II, do RI/TST.

É o relatório.

V O T O

EMBARGOS REGIDOS PELA LEI Nº 11.496/2007

RECURSO DE EMBARGOS DA CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL - CASSI

1.     CONHECIMENTO

Atendidos, na hipótese, os pressupostos gerais de admissibilidade, referentes à tempestividade (fls. 1.534 e 1.555), à representação processual regular (fl. 62) e ao preparo.

RECURSO DE EMBARGOS DA GEAP – FUNDAÇÃO DE SEGURIDADE SOCIAL

1.     CONHECIMENTO

Atendidos, na hipótese, os pressupostos gerais de admissibilidade, referentes à tempestividade (fls. 1.534 e 1.623), à representação processual regular (fl. 1.659) e ao preparo.

RECURSO DE EMBARGOS DA COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO - CONAB

1.     CONHECIMENTO

Atendidos, na hipótese, os pressupostos gerais de admissibilidade, referentes à tempestividade (fls. 1.534 e 1.731), à representação processual regular (fl. 1.454) e ao preparo.

RECURSO DE EMBARGOS DA PETRÓLEO BRASILEIRO S.A. - PETROBRAS

1.     CONHECIMENTO

Atendidos, na hipótese, os pressupostos gerais de admissibilidade, referentes à tempestividade (fls. 1.790 e 1.843), à representação processual regular (fls. 1.841/1.842, 1.839, 1.837 e 1.835) e ao preparo, passo ao exame das condições próprias dos embargos.

RECURSO DE EMBARGOS DA EMPRESA BRASILEIRA DE TELECOMUNICAÇÕES - EMBRATEL

1.     CONHECIMENTO

Atendidos, na hipótese, os pressupostos gerais de admissibilidade, referentes à tempestividade (fls. 1.790 e 1.855), à representação processual regular (fls. 1.458/1.459 e 1.460).

Passo, pois, à apreciação das condições próprias dos recursos de embargos, examinando-os em conjunto, dada à identidade de matéria.

1.1. RECURSO DE EMBARGOS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RECOMPOSIÇÃO MONETÁRIA DOS VALORES DOS HONORÁRIOS. RELAÇÃO ENTRE MÉDICOS CREDENCIADOS E OPERADORAS DE PLANOS DE SAÚDE. RELAÇÃO DE TRABALHO. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO.

A egrégia Sexta Turma, no particular, conheceu do recurso de revista interposto pelo Sindicato-autor, por afronta ao artigo 114, I, da Constituição Federal, e, no mérito, deu-lhe provimento para reconhecer a competência desta Justiça Especializada.

Eis o teor do v. acórdão turmário:

"COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO CONHECIMENTO

O eg. Tribunal Regional negou provimento ao recurso ordinário do Sindicato, mantendo a r. sentença que julgou extinto o processo sem resolução do mérito, ao fundamento de ser incompetente a Justiça do Trabalho para apreciar pedido relacionado à correção de honorários médicos de profissionais vinculados a empresas gestoras de plano de saúde. Esses os seus fundamentos:

‘Discute-se, no presente caso, a competência da Justiça do Trabalho para apreciar questão pertinente a reajuste de honorários médicos de profissionais vinculados a empresas gestoras de plano de saúde.

A parte autora, Sindicato dos Médicos no Estado do Paraná - SIMEPAR, aduziu, na exordial, que ausente reajuste dos honorários dos médicos que prestam serviços, principalmente, às empresas de planos de saúde ligadas à chamada auto-gestão no Paraná e que nos últimos cinco anos os médicos não receberam reajuste no valor das consultas, tendo os réus obrigado aqueles profissionais a constituírem pessoas jurídicas, com o intuito de evitar ações judiciais e afastar a competência desta Especializada.

Em defesa, as rés alegaram a incompetência da Justiça do Trabalho para apreciar a questão.

(...)

Entendo que, no caso concreto, esta Especializada é incompetente para apreciar a questão trazida à baila, pois se trata de matéria oriunda de relação contratual de natureza civil e não de relação de trabalho ou emprego. Da causa de pedir e pedido não se verifica questão de cunho trabalhista, mas, sim, civil, visando o reequilíbrio econômico e financeiro do contrato.

Destaque-se que a pretensão é ver a recomposição monetária dos valores atinentes às consultas e demais procedimentos médicos, valores que são repassados pelas operadoras de plano de saúde.

Ademais, são de competência da Agência Nacional de Saúde a fixação e atualização dos valores de consultas e procedimentos médicos, nos termos do art. 4º, XVII, da Lei 9.961/2000:

‘Art. 4º - Compete à ANS:

[...]

XVII - autorizar reajustes e revisões das contraprestações pecuniárias dos planos privados de assistência à saúde, ouvido o Ministério da Fazenda; (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001);

XVIII - expedir normas e padrões para o envio de informações de natureza econômico-financeira pelas operadoras, com vistas à homologação de reajustes e revisões’

Isso implica em reconhecer que a Justiça do Trabalho não detém competência material para essa fixação ou atualização monetária, principalmente quando decorre de processo inflacionário.

Ressalte-se, ainda, que a relação havida entre os médicos (ou pessoas jurídicas constituídas por tais profissionais - clínicas) e as operadoras de plano de saúde é de natureza civil, pois decorrentes de contrato de credenciamento entre o profissional da saúde e as gestoras de plano de saúde.

Cito, por derradeiro, que a matéria já foi analisada pelo E. TRT da 24ª Região, em que, de oficio, foi declarada a incompetência desta Especializada:

(...)

Destaque-se, ainda, que o entendimento do 3º Desembargador que compõe este julgamento, Desembargador Arnor Lima Neto, é pela incompetência da Justiça do Trabalho, por entender se tratar, o presente caso, de questão de natureza contratual civil entre os médicos e as prestadoras, questão contratual que foge desta competência.

Entendo, pois, que não se está diante das hipóteses previstas no art. 114, da Constituição Federal, de forma que irreparável a r. sentença que julgou pela incompetência da Justiça do Trabalho para apreciar a presente demanda e determinou sua remessa à Justiça Estadual.

Mantenho’

Nas razões de agravo de instrumento, o agravante busca a reforma do r. despacho agravado. Reitera os argumentos já deduzidos nas razões de recurso de revista no que diz respeito à preliminar de nulidade do julgado, por negativa de prestação jurisdicional, e no tocante à existência de relação de trabalho entre os médicos e as empresas operadoras dos planos de saúde. Aduz que os médicos, pessoalmente, credenciam-se e prestam serviços aos planos de saúde. Renova a indicação de ofensa aos artigos 93, IX, e 114, I, da Constituição Federal, 832 da CLT e 458 do CPC. Traz um aresto ao confronto de teses.

Entendeu o eg. Tribunal Regional que ‘a relação havida entre os médicos (ou pessoas jurídicas constituídas por tais profissionais - clínicas) e as operadoras de plano de saúde é de natureza civil, pois decorrentes de contrato de credenciamento entre o profissional da saúde e as gestoras de plano de saúde’.

Com esse fundamento, negou provimento ao recurso do Sindicato e manteve a r. sentença que declarou a incompetência da Justiça do Trabalho para a análise da pretensão de recomposição dos valores repassados pelas empresas operadoras de saúde aos profissionais por ela contratados para prestação de serviços e demais procedimentos médicos.

Observa-se, contudo, que os médicos (profissionais liberais e/ou clínicas) são contratados para prestação de serviços em benefício da empresa operadora de saúde, cuja relação é de trato sucessivo, tem natureza não eventual, e é exercida com pessoalidade, de modo que a decisão do eg. Tribunal Regional, ao afastar a competência da Justiça do Trabalho para a apreciação da controvérsia, viola o disposto no artigo 114, I, da Constituição Federal.

Isso porque o pedido e a causa de pedir, se referem ao valor pago para remunerar o trabalho dos médicos, cuja recomposição é objeto da ação.

Conheço do recurso de revista por violação do art. 114, I, da CF.

MÉRITO

O Sindicato dos Médicos do Estado do Paraná – SIMEPAR ajuizou ação civil pública em que pretende a recomposição monetária dos honorários e demais procedimentos médicos de profissionais vinculados a empresas gestoras de plano de saúde.

A controvérsia está em saber se a relação que se dá entre as empresas operadoras de planos de saúde e os profissionais que lhe são credenciados está abrangida pela expressão ‘relação de trabalho’ de que trata o inciso I do artigo 114 da Constituição Federal, a atrair a competência desta Justiça Especializada.

Até a vigência da Emenda Constitucional nº 45/2004, o art. 114 da Constituição Federal, ao definir a competência da Justiça do Trabalho, tinha a seguinte redação, verbis:

‘Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas’.

Da redação do dispositivo se percebe, claramente, os limites da competência material da Justiça do Trabalho cujo campo de atuação restringia-se às demandas originárias da relação de emprego.

Diferente, no entanto, é a hipótese existente, pós promulgação da referida Emenda Constitucional, em que consideravelmente ampliada a competência da Justiça do Trabalho, a partir da nova redação conferida ao art. 114 da Constituição Federal, em que adotada a expressão ‘relação de trabalho’ para delimitar a competência material desta Justiça Especializada.

O artigo 114 da Constituição Federal passou, então, a ter a seguinte redação:

‘Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;’

A mudança trazida pelo referido preceito é de fundamental importância, visto que houve uma alteração, em profundidade, de critério, até então e historicamente definido, como definidor da competência material da Justiça do Trabalho. Doravante, depois de vigente a Emenda 45, não mais determina a competência material da Justiça do Trabalho os sujeitos da relação jurídica, mas a própria relação jurídica inserida no contexto constitucional. Compete, portanto, à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho. É a relação de trabalho e não os sujeitos (empregado e empregador) que determinará se há competência material dessa Justiça Especial.

Daí, não cabe mais o argumento de que o traço subordinativo da relação de trabalho seria o definidor da competência. O traço subordinativo existente na relação de trabalho está presente no contrato tipo, o de emprego. Fosse a vontade do legislador constituinte derivado restringir a competência do judiciário trabalhista ao traço subordinativo da relação contratual, bastaria manter o texto primitivo.

Assim, o inciso I do artigo 114 da Constituição Federal ao se referir à generalidade das relações de trabalho, demonstra a ampliação realizada pelo legislador no campo de atuação da Justiça do Trabalho, que não mais fica limitada às controvérsias existentes entre empregadores e trabalhadores, mas que envolve toda e qualquer lide decorrente da relação de trabalho.

É prudente trazer as lições do Doutor José Affonso Dallegrave Neto, ao enfrentar o alcance da alteração da Constituição Federal sobre o alargamento da competência da Justiça do Trabalho, verbis:

‘...Destarte, antes da Reforma do Judiciário, a Justiça do Trabalho tinha competência para julgar, em regra, os conflitos decorrentes da relação de emprego (celetista) e, excepcionalmente, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, desde que expressamente previstas em lei, como por exemplo, os contratos de empreitada em que o empreiteiro seja operário ou artífice, conforme previsão do art. 652, III, da CLT; litígios do trabalhador avulso portuário e o OGMO (órgão gestor de mão-de-obra), conforme previsão do art. 643, § 3º, da CLT ou mesmo os dissídios que tenham origem no cumprimento de convenções ou acordos coletivos, mesmo quando ocorram entre sindicatos ou entre sindicato de trabalhadores e empregador, na forma do art. 1º da Lei n. 8.984/95.

Agora o que se vê é a outra delimitação constitucional vista como regra geral no art. 114, inciso I – ‘ações oriundas da relação de trabalho’ – e complementada pelo inciso IX – ‘outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei’. As exceções previstas em lei permanecem as mesmas, todavia mudou-se radicalmente a regra geral. Se antes a competência da justiça trabalhista estava adstrita à relação celetista de emprego, agora envolve toda e qualquer relação de trabalho.

Ganha relevo a velha distinção doutrinária entre relação de trabalho como gênero, do qual a relação de emprego é espécie que abrange tão-somente o trabalho subordinado. Dessa vez a baliza não se prestará para restringir a alçada da Justiça do Trabalho, mas para delimitar de forma abrangente o que se entende por relação de trabalho, prevista na primeira parte do inciso I do art. 114 da CF, em sua nova redação.

Considerando que o conceito de relação de trabalho é aquele que pressupõe qualquer liame jurídico entre dois sujeitos, desde que tendo por objeto a prestação de um serviço, autônomo, subordinado, não há dúvidas que não só os contratos celetistas estão nele abrangidos, mas boa parte dos contratos civis e comerciais’ (Primeiras Linhas sobre a Nova Competência da Justiça do Trabalho Fixada pela Reforma do Judiciário (EC n. 45/2004, in Nova Competência da Justiça do Trabalho)"

É flagrante a distinção entre ‘relação de emprego’ e ‘relação de trabalho’. A questão de mérito envolvida, não afetará e nem poderá servir de critério de fixação da competência material da Justiça do Trabalho. Qualquer contrato quer de natureza civil; quer de natureza administrativa; quer de natureza trabalhista, ou de qualquer outra natureza, cujo objeto seja a prestação de trabalho, seja trabalho subordinado, sejam prestadores de serviço, seja empreiteiro, depositário ou mandatário, verificada a prestação de trabalho a competência será desta Justiça Especial.

A competência material tem, por isso, fundamento na causa de pedir e no pedido, aquilo que a parte quer trazer em juízo, independentemente do direito material controvertido. Basta haver relação jurídica de trabalho.

Assim, não apenas os conflitos entre empregado e empregador são apreciados pela Justiça do Trabalho, mas também aqueles derivados do trabalho autônomo, abrangendo-se a prestação de serviços em gênero, que, por sua vez, não se confunde com os serviços a que se refere o Código de Defesa do Consumidor, por que esses têm fundamento no produto e não no trabalho.

Aqui nos cabe abrir um parênteses, e fazer uma breve explanação sobre a diferenciação existente entre a prestação de serviços de que trata o Código de Defesa do Consumidor, e a prestação de serviços que estaria abrangida na competência da Justiça do Trabalho.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 2º, define consumidor como sendo a ‘pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final’.

No outro polo da relação contratual se encontra o fornecedor que, por sua vez, é conceituado como sendo ‘toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços’.

Já no parágrafo segundo do mesmo artigo está conceituado que serviço ‘é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista’.

Há, portanto, expressa dicção legal no sentido de que as relações de trabalho, assim consideradas aquelas em que a execução do trabalho ou a prestação dos serviços é o objeto principal da relação jurídica firmada entre as partes, não estão abrangidas pelo âmbito de incidência do Código de Defesa do Consumidor, a afastar a sua aplicação. A aplicação do Código de Defesa do Consumidor demanda, num primeiro momento, a caracterização de uma relação jurídica de consumo, que somente se dá quando o consumidor adquire um produto ou serviço como destinatário final.

Nesses casos, a relação jurídica se esgota com a prestação do produto ou serviço, já que o consumidor é o seu destinatário final, retirando o produto ou serviço da cadeia produtiva, para utilizá-lo em benefício próprio, a fim de satisfazer uma necessidade pessoal, e sem objetivar lucro.

Ainda que a obtenção do bem jurídico pretendido pelo consumidor se dê a partir da prestação de um serviço, não é o serviço em si o bem jurídico objeto da pretensão na relação de consumo, apesar de ser o meio de se obter o resultado, mas o benefício que dele decorre. O que, nessas hipóteses, estar-se-ia a justificar a incompetência da Justiça do Trabalho, tout court.

A propósito, cito o texto de Goes de Araújo, ao analisar a questão no texto ‘O confronto entre a relação de trabalho prevista no art. 114, I, da Constituição da República de 1988 e a relação de consumo, LTr, 2005):

‘O grande elemento diferenciador do trabalho das relações de consumo está na finalidade lucrativa ou não de quem se apropria do trabalho prestado. Não haverá relação de trabalho e, por sua vez, não será de competência da Justiça do Trabalho, quando o consumidor recebe a prestação de serviço como destinatário final do produto. E assim é, porque, como a própria definição já enuncia – ‘destinatário final’ – o ciclo produtivo se finda no momento em que o consumidor se apropria do trabalho para uso próprio ou da família, sem recolocá-la no mercado econômico. Não existe intuito lucrativo por parte do consumidor em adquirir tal ou qual trabalho, uma vez que ele se esgotará com o próprio uso do destinatário final, o consumidor.

Diferentemente se apresenta a prestação de trabalho oferecida a um tomador de serviço, que se apropria do trabalho alheio, não para uso próprio, mas vendo nele um instrumento viabilizador e complementar do seu próprio trabalho, inserindo-o na cadeia produtiva como produto final.’

A relação de trabalho exige para a sua conceituação que o trabalho seja o objeto da relação jurídica firmada entre as partes, ou seja, o cerne do contrato, e que haja o dispêndio da atividade humana, de sua força produtiva, em benefício de outrem.

Como preleciona o agora Ministro desta c. Corte, Claúdio Mascarenhas Brandão, relação de trabalho é a ‘Relação jurídica que tem na execução do trabalho o seu objeto’ (in Relação de Trabalho: Enfim, o Paradoxo Superado, texto publicado em A Nova Competência da Justiça do Trabalho, Anamatra).

Conclui-se, assim, que o serviço prestado nas relações de consumo não se inclui na competência da Justiça do Trabalho, pois não se trata de uma relação de trabalho.

Esse é o entendimento desta c. Corte, conforme se observa dos precedentes adiante transcritos:

(...).

O Superior Tribunal de Justiça também já se manifestou sobre o tema, in verbis:

(...).

Fixadas essas premissas, passemos a análise do caso em concreto, objeto da controvérsia desses autos, em que se debate a competência da Justiça do trabalho para a apreciação de demanda envolvendo as empresas operadoras de planos de saúde e os médicos que lhe são credenciados, nesse ato substituídos pelo Sindicato dos Médicos do Estado do Paraná – SIMEPAR.

É operadora de plano de saúde, segundo definição trazida na Lei nº 9.656/98, inciso II, artigo 1º, toda pessoa jurídica constituída sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere produto, serviço ou contrato de plano privado de assistência à saúde.

Os planos de assistência à saúde, por sua vez, são caracterizados pela ‘prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós-estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando à assistência médica, hospitalar e odontológica e a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do beneficiário;’

Nessa situação, temos que as empresas operadoras dos planos de saúde atuam na condição de tomadoras de serviços, haja vista em que o desenvolvimento de sua atividade-fim somente se dá mediante a contratação de profissionais liberais ou clínicas credenciadas para prestarem serviços de assistência médica, hospitalar ou odontológica àqueles que aderem ao plano de assistência à saúde.

A nomenclatura utilizada para definir a relação jurídica, como de ‘credenciamento’, não retira a prestação de serviços de forma continuada para a operadora do plano de saúde. De fato, recebem, pelo credenciamento, o título de representantes da operadora, mas prestarão serviços médicos aos indicados por ela e dela recebem a contraprestação pactuada. Esta contraprestação pactuada é paga, naturalmente por produção, isto é, pelo número de consultas e procedimentos médicos utilizados em cada uma dessas consultas. O pagamento da remuneração será feito segundo os critérios estabelecidos no contrato firmado, isto é, semanal, quinzenal, mensal, etc...

Em sendo assim, os serviços despendidos pelos profissionais da área de saúde, credenciados pelas operadoras, revestem-se de verdadeiro insumo de sua atividade, ou o meio pelo qual as operadoras atuam no mercado, na medida em que a consecução de seu objetivo social somente se dá mediante a exploração da força produtiva dos trabalhadores por ela contratados.

Dessa forma, o trabalho desses profissionais é o cerne do contrato, a justificar a análise das controvérsias e ele atinentes no âmbito desta Justiça do Trabalho, uma vez que presente, à escâncara, a relação de trabalho de que trata o inciso I do artigo 114 da Constituição Federal.

Com esses fundamentos, dou provimento ao recurso de revista para declarar a competência da Justiça do Trabalho e determinar a remessa dos autos a d. Vara de origem, afastada a incompetência, prossiga no julgamento do feito, como entender de direito."

Opostos embargos de declaração pela Caixa de Assistência Aposentadoria e Pensões dos Servidores Municipais de Londrina – CAAPMSL – e Empresa Brasileira de Telecomunicações – EMBRATEL -, a egrégia Turma decidiu negar-lhes provimento sob o seguinte fundamento:

"II – MÉRITO

Não há omissão a ser sanada.

Esta c. Turma, ao declarar a competência da Justiça do Trabalho, consignou que, nos planos de assistência à saúde, caracterizados pela prestação continuada de serviços, as empresas operadoras dos referidos planos atuam na condição de tomadoras de serviços, na medida em que o desenvolvimento de sua atividade-fim demanda a contratação de profissionais liberais ou clínicas credenciadas para prestarem serviços de assistência médica, hospitalar ou odontológica. Assentou-se que os serviços prestados pelos profissionais da área de saúde constituem verdadeiro insumo de sua atividade produtiva, eis que a consecução de seu objetivo social somente se dá mediante a exploração da força produtiva dos trabalhadores por ela contratados, a demonstrar a nítida existência de relação de trabalho, afeta, portanto, à competência desta Justiça Especializada.

Ao contrário do que argumenta a Caixa de Assistência Aposentadoria e Pensões dos Servidores Municipais de Londrina – CAAPMSL, a declaração da competência desta Justiça do Trabalho não afronta o disposto no artigo 37, II, da Constituição Federal, haja vista que não houve o reconhecimento do vínculo de emprego dos profissionais credenciados ao Sindicato dos Médicos do Estado do Paraná – SIMEPAR com as empresas operadoras dos planos de saúde.

Do mesmo modo, não prosperam os embargos de declaração opostos pela Empresa Brasileira de Telecomunicações - EMBRATEL, na medida em que consta expressamente do v. acórdão embargado que a relação jurídica envolvendo as empresas operadoras de planos de saúde e os médicos que lhe são credenciados, nesse ato substituídos pelo Sindicato dos Médicos do Estado do Paraná – SIMEPAR, não é relação de consumo, e sim relação de trabalho.

Com efeito, consta no v. acórdão embargado que nas relações de consumo, ainda que a obtenção do bem jurídico pretendido pelo consumidor se dê a partir da prestação de um serviço, não é o serviço em si o bem jurídico objeto da pretensão, mas o benefício que dele decorre. Enquanto que, nas relações de trabalho, tal como no caso dos autos, é o trabalho prestado pelos profissionais de saúde o objeto da relação jurídica firmada entre as partes, uma vez que há o dispêndio da atividade humana, de sua força produtiva, em benefício de outrem.

De todo o exposto, verifica-se que esta c. Turma efetuou a devida entrega da prestação jurisdicional, na medida em que analisou a questão e justificou a sua decisão, expondo as razões pelas quais concluiu pela competência da Justiça do Trabalho e provimento do recurso de revista.

Conclui-se, portanto, que a pretensão dos ora embargantes é a revisão da matéria, o que não justifica a oposição dos embargos de declaração.

Com esses fundamentos, rejeito ambos os embargos de declaração."

Inconformadas, as rés - Empresa Brasileira de Telecomunicações S.A. – EMRATEL -, Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil - CASSI, GEAP Fundação de Seguridade Social, Companhia Nacional de Abastecimento e Petróleo Brasileiro S.A – PETROBRAS - interpõem recurso de embargos à SBDI-1.

A CASSI, às fls. 1.555/1.581, sustenta não ser a empregadora dos médicos credenciados, tampouco haver a relação de trabalho prevista no artigo 114 da Constituição Federal, tendo em vista que a pretensão do Sindicato-autor refere-se à revisão de contratos civis firmados entre os médicos (pessoas físicas ou jurídicas) e as operadoras de planos de saúde. Traz arestos para fins de cotejo.

Por sua vez, a GEAP, às fls. 1.623/1.657, alega que esta colenda Corte, para fins de fixação da competência, teria de "reavaliar a relação factual estabelecida em cada um dos contratos celebrados entre os substituídos, médicos do Estado do Paraná, e cada uma das operadoras requeridas, para saber se cada uma daquelas relações contratuais possuía, ou não, características próprias de uma relação de trabalho", o que demandaria o reexame de fatos e provas, vedado pela Súmula nº 126. Pugna, por tal razão, pela declaração de nulidade do v. acórdão embargado.

Sustenta que a relação existente com os médicos substituídos é de prestação de serviço, na qual não há qualquer subordinação ou continuidade capaz de caracterizá-la como de trabalho. Traz julgados para fins de cotejo.

A CONAB, às fls. 1.731/1.747, defende a incompetência da Justiça do Trabalho, ao argumento de que "a relação havida entre os médicos (ou pessoas jurídicas constituídas por médicos) e as operadoras de plano de saúde É DE NATUREZA CIVIL, pois decorrem de CONTRATO DE CREDENCIAMENTO ENTRE O PROFISSIONAL DA SAÚDE E AS GESTORAS DE PLANO DE SAÚDE". Sustenta que o entendimento contido no v. acórdão embargado diverge de outras Turmas desta Corte Superior.

A PETROBRAS, às fls. 1.791/1.799, de igual modo, insurge-se em face da declaração de competência desta Justiça Especializada. Defende que, "no caso dos autos, os substituídos pelo Sindicato/Reclamante são médicos autônomos que se credenciaram em diversos planos de saúde para realizar atendimento médico aos beneficiários dos planos. Não se tratam de prestadores de serviço contratados pelos planos de saúde, ou seja, os planos de saúde não se apropriam dos serviços prestados pelos médicos. Não há, pois, condição de inferioridade na relação jurídica, seja pelo critério da subordinação, seja pela dependência econômica". Alega divergência jurisprudencial.

A EMBRATEL, às fls. 1.848/1.854, defende que a relação existente entre os médicos credenciados e as operadoras de planos de saúde não é de trabalho, tendo em vista que os substituídos se credenciaram para realizar atendimento aos beneficiários do plano, de modo que os planos de saúde "não se apropriam dos serviços prestados pelos médicos". Traz arestos para fins de cotejo.

Passo ao exame.

O caso em exame trata-se de ação civil pública em que o Sindicato dos Médicos no Estado do Paraná postula o reajuste dos honorários repassados pelas operadoras dos planos de saúde, ligadas à chamada autogestão, aos médicos credenciados.

A egrégia Sexta Turma, por meio do v. acórdão de fls. 1.516/1.533, reconheceu a competência desta Justiça Especializada para processar e julgar o feito, reformando o v. acórdão proferido pelo egrégio Tribunal Regional. Entendeu que a relação jurídica existente entre os médicos credenciados e as operadoras de planos de saúde é de trabalho, razão pela qual se insere no âmbito da nova competência prevista no inciso I do artigo 114 da Constituição Federal.

Consignou que a questão de mérito em exame não poderá servir de critério para a fixação da competência material, tendo em vista que qualquer "contrato quer de natureza civil; quer de natureza administrativa; quer de natureza trabalhista, ou de qualquer outra natureza, cujo objeto seja a prestação de trabalho, seja trabalho subordinado, sejam prestadores de serviço, seja empreiteiro, depositário ou mandatário, verificada a prestação de trabalho a competência será desta Justiça Especial".

Reconheceu que as empresas operadoras de planos de saúde atuam na condição de tomadoras de serviços, tendo em vista que o desenvolvimento de sua atividade-fim somente se dá mediante a contratação de profissionais liberais ou clínicas credenciadas, os quais prestam serviços de assistência médica, hospitalar ou odontológica aos beneficiários.

Concluiu, ainda, que o termo "credenciamento", utilizado para definir a relação jurídica entre os médicos e as operadoras de plano de saúde, "não retira a prestação de serviços de forma continuada para a operadora do plano de saúde" (fl. 1.532).

Pois bem. Observo que o aresto trazido pela CASSI, à fl. 1.569, proveniente da egrégia Oitava Turma, traz tese diametralmente oposta àquela lançada no v. acórdão regional, no sentido de que a ampliação da competência material da Justiça do Trabalho, por meio da Emenda Constitucional nº 45, não alcança as relações decorrentes dos contratos de prestação de serviços.

De igual modo, observo que a GEAP, às fls. 1.646, também traz julgado em que a divergência de entendimento se mostra específica. Com efeito, no referido paradigma, oriundo da egrégia Segunda Turma, ainda que se trate de ação de cobrança de honorários advocatícios, traz tese no sentido de que o contrato em análise, por ser de prestação de serviços, não possui natureza trabalhista, afastando, portanto, a competência desta Justiça Especializada.

Com relação ao recurso de embargos interposto pela CONAB, entendo que as premissas fáticas analisadas nos paradigmas são diversas do caso em exame. Verifica-se que nos referidos arestos discute-se a competência para o processamento da ação de prestação de contas entre profissionais liberais acerca de honorários advocatícios, devidos em razão da prestação de serviços a terceiros.

Não há, portanto, qualquer identidade com a questão em exame, não alcançando, portanto, conhecimento.

No particular, invoco o óbice inserto na Súmula nº 296, item I, que assim preconiza:

"RECURSO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. ESPECIFICIDADE

I - A divergência jurisprudencial ensejadora da admissibilidade, do prosseguimento e do conhecimento do recurso há de ser específica, revelando a existência de teses diversas na interpretação de um mesmo dispositivo legal, embora idênticos os fatos que as ensejaram."

Com relação ao recurso da PETROBRAS, o aresto trazido à fl. 1.796, proveniente desta egrégia Subseção, traz tese divergente, ao reconhecer que "não se insere na competência da Justiça do Trabalho a tarefa de dirimir controvérsia relativa à prestação dos serviços levada a cabo por profissional autônomo".

Por fim, também alcança conhecimento o recurso da EMBRATEL, cujo aresto paradigma é idêntico àquele trazido pela PETROBRAS em suas razões.

Ante o exposto, conheço dos recursos de embargos interpostos pela CASSI, GEAP, PETROBRÁS e EMBRATEL e não conhecer do recurso de embargos da CONAB.

2. MÉRITO

2.2. RECURSO DE EMBARGOS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RECOMPOSIÇÃO MONETÁRIA DOS VALORES DOS HONORÁRIOS. RELAÇÃO ENTRE MÉDICOS CREDENCIADOS E OPERADORAS DE PLANOS DE SAÚDE. RELAÇÃO DE TRABALHO. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO.

Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Sindicato dos Médicos no Estado do Paraná contra a Associação de Assistência à Saúde, Caixa de Pecúlios, Assistência e Previdência dos Serviços da Fundação de Serviços de Saúde Pública, Caixa de Assistência, Aposentadoria e Pensões dos Servidores Municipais de Londrina, Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil, Companhia Nacional do Abastecimento, Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Empresa de Telecomunicações S.A., Evangélico Saúde S/C LTDA., Fundação Assistencial dos Servidores do Ministério da Fazenda, Fundação Copel de Previdência e Assistência Social, Fundação Sanepar de Assistência Social, Fundação Itaipu Binacional, Grêmio Beneficente dos Empregados das Indústrias Klabin, Fundação de Seguridade Social Superintendência Estadual do Paraná, Petrobrás Assistência Médica e Hospitalar, Saúde Caixa, Serviço Social das Estradas de Ferro, na qual postula o reajuste dos honorários pagos aos médicos credenciados, nos índices por ele apontados; o pagamento das diferenças entre o valor devido e o que fora, efetivamente, pago; juros de mora e, por fim, a declaração da nulidade da contratação por meio de pessoas jurídicas, a fim de que os efeitos da sentença se estendam aos médicos a elas vinculados.

O Sindicato-autor, na petição inicial, alegou que os honorários dos médicos credenciados não tiveram os mesmos reajustes repassados às mensalidades dos planos de saúde. Afirmou, ainda, que as operadoras, a fim de evitarem o ajuizamento de ações judiciais por parte dos médicos prestadores de serviços, bem como para afastarem a competência desta Justiça Especializada, "passaram a obrigar os médicos a constituir pessoas jurídicas, sem que, por outro lado, houvesse qualquer alteração na forma da prestação de serviço, em nítida conduta abusiva".

Defendeu que o serviço prestado pelos médicos aos tomadores dos serviços que, in casu, seriam as operadoras de planos de saúde, insere-se na definição de relação de trabalho.

Na r. sentença, foi declarada a incompetência da Justiça do Trabalho para apreciar o feito. Decidiu-se que a relação entre as partes não se caracteriza como relação de trabalho, mas como uma obrigação contratual de direito civil, regida por normas estabelecidas pela ANS.

A r. sentença foi mantida pelo egrégio Tribunal Regional, o qual também reconheceu a natureza civil da relação existente entre os médicos e as operadoras de planos de saúde, porquanto decorrentes do contrato de credenciamento. Consignou que da análise da causa de pedir e do pedido não se verifica questão de cunho trabalhista, mas sim civil, já que a parte autora busca o reequilíbrio econômico e financeiro do contrato.

A egrégia Sexta Turma desta Corte Superior, por sua vez, reconheceu a competência desta Justiça Especializada. Entendeu que a relação jurídica existente entre os médicos credenciados e as operadoras de planos de saúde é de trabalho, razão pela qual se insere no âmbito da nova competência prevista no inciso I do artigo 114 da Constituição Federal.

Consignou que, com a Emenda Constitucional nº 45, a competência da Justiça do Trabalho passou a ser definida com base na relação jurídica existente e não a partir dos sujeitos, de modo que a subordinação deixou de ser o elemento definidor da competência.

Registrou que a questão de mérito em exame não poderá servir de critério para a fixação da competência material, tendo em vista que qualquer "contrato quer de natureza civil; quer de natureza administrativa; quer de natureza trabalhista, ou de qualquer outra natureza, cujo objeto seja a prestação de trabalho, seja trabalho subordinado, sejam prestadores de serviço, seja empreiteiro, depositário ou mandatário, verificada a prestação de trabalho a competência será desta Justiça Especial".

Reconheceu que as empresas operadoras de planos de saúde atuam na condição de tomadoras de serviços, tendo em vista que o desenvolvimento de sua atividade-fim somente se dá mediante a contratação de profissionais liberais ou clínicas credenciadas, os quais prestam serviços de assistência médica, hospitalar ou odontológica aos beneficiários.

Concluiu, ainda, que o termo "credenciamento", utilizado para definir a relação jurídica entre os médicos e as operadoras de plano de saúde, "não retira a prestação de serviços de forma continuada para a operadora do plano de saúde".

Pois bem. A fim de aferir a competência desta Justiça Especializada para processar e julgar o feito, deve-se examinar a abrangência do termo "relação de trabalho" previsto no artigo 114, I, da Constituição Federal, bem como a natureza jurídica da relação estabelecida entre os médicos e as operadoras de planos de saúde.

A Emenda Constitucional nº 45/04, responsável pela denominada "Reforma do Poder Judiciário", trouxe significativas mudanças em relação à competência material da Justiça do Trabalho.

Em sua redação original, o artigo 114, caput, da Constituição Federal de 1988 restringia a competência da Justiça trabalhista ao julgamento das lides decorrentes da relação de emprego, assim considerada "a relação jurídica de natureza contratual tendo como sujeitos empregado e empregador e como objeto o trabalho subordinado, continuado e assalariado" (NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Curso de Direito do Trabalho. 32 ed. São Paulo : Saraiva,  2006, p. 510).

Eis o teor do citado dispositivo constitucional:

"Art. 114 - Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas."

Assim, a qualificação jurídica dos sujeitos era o marco definidor da competência da Justiça do Trabalho, que se debruçava exclusivamente sobre controvérsias judiciais existentes entre empregados e empregadores.

Ocorre que, dada a restrição contida na redação original do artigo 114, caput, da Constituição Federal, uma parcela relevante de trabalhadores se viu excluída do raio de atuação da Justiça do Trabalho.

Isso porque, nas ultimas décadas, a relação de emprego propriamente dita perdeu a preponderância no cenário socioeconômico brasileiro, com o crescimento da informalidade e o surgimento de novas formas de relações de trabalho atípicas, não abrangidas no seu conceito.

Logo, aproveitando o ensejo da Reforma do Poder Judiciário, buscou o Poder Constituinte Derivado incluir no âmbito protetivo da Justiça do Trabalho essa nova parcela de trabalhadores hipossuficientes, assegurando a valorização do trabalho humano e a justiça social, nos moldes preconizados na Constituição Federal.

Corroborando tal entendimento, cita-se a doutrina:

"A ampliação da competência material da Justiça do Trabalho se deu principalmente pelas transformações econômicas ocorridas nas últimas décadas no Brasil, quando o desemprego e a informalidade atingiram números exorbitantes. (...) Com a ampliação de competência, os obreiros sem vínculos de emprego puderam postular ações referentes à relação de trabalho na Justiça Especializada" (STEPHAN, Claudia Coutinho. O debate jurídico sobre ampliação da competência material da Justiça do Trabalho à luz do artigo 114, I, da CF. In: Jornal Trabalhista Consulex, v. 27, n. 1336, p. 4, ago. 2010)

De fato, com o advento da EC nº 45/04, o antigo caput do artigo 114 da Constituição Federal foi desdobrado em nove incisos, que, fortalecendo o Judiciário trabalhista, realçaram a especialização da sua função jurisdicional, cometendo-se especificamente ao corpo de Juízes do Trabalho a solução de lides decorrentes do labor humano, independentemente da roupagem jurídica adotada.

Dentre os novos incisos acrescentados ao artigo 114 da Constituição Federal pela EC nº 45/04, o mais importante e, consequentemente, mais debatido, foi o inciso I, de seguinte redação:

"Compete a Justiça do Trabalho processar e julgar:

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios"

Referido dispositivo fixou a relação de trabalho como a vis attractiva da competência da Justiça do Trabalho, relegando a segundo plano a importância do status jurídico dos sujeitos da relação de labor.

Conforme esclarece Garcia, "pode-se dizer que houve a alteração do núcleo da competência trabalhista, deixando de ser a relação de emprego, para ser a relação de trabalho" (GARCIA, Gustavo Felipe Barbosa, Competência da Justiça do Trabalho: Da relação de emprego à relação de trabalho. LOCAL, DATA, Editora Forense, p. 114).

Consequentemente, o estudo na nova competência da Justiça do Trabalho demandou, inevitavelmente, um exame pormenorizado do conceito da relação de trabalho, gênero no qual a relação de emprego é apenas uma espécie.

Assim, para Mauro Schiavi: "o termo relação de trabalho significa: trabalho prestado por conta alheia, em que o trabalhador (pessoa física) coloca, em caráter preponderantemente pessoal, de forma eventual ou não eventual, gratuita ou onerosa, de forma autônoma ou subordinada, sua força de trabalho em prol de outra pessoa (física ou jurídica, de direito público ou de direito privado), podendo o trabalhador correr ou não os riscos da atividade que desempenhará." (SCHIAVI, Mauro. O alcance da expressão relação de trabalho e a competência da Justiça do Trabalho após a Emenda Constitucional nº 45/2004. Revista do TST, Brasília, vol. 72, nº 1, jan/abr. 2007, p. 41).

Trata-se, como visto, de um conceito amplo, que abrange inúmeros contratos de atividade, os quais têm como elemento central de seu objeto o adimplemento de uma obrigação de fazer, consubstanciada na prestação de serviços por uma pessoa a outrem.

Não obstante, e a despeito de entendimentos contrários, deve-se ressaltar que nem toda prestação de serviços configura-se como relação de trabalho, a atrair a competência da Justiça trabalhista.

Nesse sentido, o alerta de Gustavo Felipe Barbosa Garcia:

"É essencial destacar que nem toda prestação de serviços é objeto de relação de trabalho propriamente. Em outras palavras, nem toda prestação de serviço identifica-se com o trabalho em seu verdadeiro sentido. Assim, nem toda demanda decorrente da prestação de serviço é de competência da Justiça do Trabalho". (GARCIA, Gustavo Felipe Barbosa, Competência da Justiça do Trabalho: Da relação de emprego à relação de trabalho. LOCAL, DATA, Editora Forense, p. 105).

Em que pese se tratar de tema ainda tormentoso no âmbito acadêmico, é possível, com segurança, afastar do conceito de relação de trabalho determinados contratos de prestação de serviços.

A primeira exceção remete à necessidade de que a prestação de serviços seja efetuada por pessoa física, na medida em que pessoas jurídicas são incapazes de produzir trabalho, atributo inerente ao ser humano.

Logo, eventual serviço prestado diretamente por pessoa jurídica não caracteriza relação de trabalho, mas sim contrato civil ou mercantil, regido pela legislação civil ou comercial, respectivamente, e cuja eventual controvérsia judicial compete à apreciação da Justiça Comum.

A segunda exceção diz respeito à relação de consumo, assim entendida a relação jurídica firmada entre fornecedor e consumidor, destinatário final, cujo objeto pode ser um produto ou um serviço.

No que tange à prestação de serviços, é patente a semelhança entre a relação de trabalho e a relação consumerista, dado o conceito de serviço previsto artigo 3º, § 2º, do CDC: "qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista".

Referida semelhança poderia, à primeira vista, levar à conclusão apressada de que tais contratos consumeristas também estariam abrangidos pela nova competência da Justiça do Trabalho, consoante artigo 114, I, da Constituição Federal.

Ocorre, todavia, que a interpretação sistemática da Constituição Federal autoriza conclusão diversa, porquanto o texto constitucional diferencia expressamente as relações de trabalho e de consumo, atribuindo a cada uma delas uma gama distinta de garantias a serem asseguradas por órgãos distintos.

Nesse ponto, cumpre transcrever a lição de Delgado:

"As relações de consumo parecem-me que constitucionalmente estão afastadas da Justiça do Trabalho. É claro que não há um texto expresso nessa direção, mas a Constituição trabalha com sistemas e no sistema judicial é muito clara a ênfase na matéria do consumidor e sua delegação à competência da Justiça Comum Estadual, inclusive nos Juizados cíveis especializados em todo o país. Aliás, a Constituição é que criou o Direito Consumerista no Brasil, determinando, imediatamente, às Justiças Estaduais que instituíssem um sistema específico para as relações de consumo, juizados específicos para isso. Ora, a Constituição é um conjunto normativo harmônico, um todo coerente e lógico; evidentemente que tempos de ler e compreender a conjugação desse conjunto. Então, se a relação jurídica central enfocada for do tipo consumeirista, ainda que no seu interior haja a prestação de labor por pessoa física, não há como se deslocar a competência, nesses casos, para a Justiça do Trabalho, cindindo-se o exame judicial entre a Justiça Comum Estadual e a Justiça Federal Especializada." (DELGADO, Maurício Godinho. Relações de trabalho : competência e direito material. In: Revista LTr, v. 74, n. 2, p. 143-147, fev. 2010).

Esse entendimento, embora questionado por parte da doutrina, encontra-se pacificado na jurisprudência. Esta Corte Superior, por exemplo, ao se debruçar sobre controvérsias referentes à cobrança de honorários por profissionais que prestam serviços a um número indeterminado de tomadores (fornecedores de serviço no mercado de consumo), declinou de sua competência por entender configurada relação de consumo a atrair a jurisdição comum estadual. Nesse sentido, os seguintes precedentes:

RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELA LEI Nº 11.496/2007. AÇÃO DE COBRANÇA DE HONORÁRIOS PERICIAIS. SERVIÇOS PRESTADOS EM AÇÃO TRABALHISTA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Esta Subseção Especializada já se manifestou no sentido de que a Justiça do Trabalho não é competente para apreciar ação de cobrança de honorários de profissional liberal em face de seu cliente, na medida em que a relação é de índole estritamente civil, não havendo como reconhecer que a ação se origina da -relação de trabalho- a que alude o artigo 114, I, da CF. Trata-se, na verdade, de típica relação de consumo. Há precedentes. Ademais, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento, por meio da Súmula nº 363, de que compete à Justiça Estadual processar e julgar a ação de cobrança ajuizada por profissional liberal contra cliente. Considerando que o caso dos autos contempla ação de cobrança de honorários profissionais em face de contrato celebrado entre profissional liberal e seu cliente para realização de perícia contábil em ação trabalhista, conclui-se pela incompetência da Justiça do Trabalho para apreciar o feito. Recurso de embargos conhecido e provido. (E-ED-RR - 446600-12.2007.5.12.0001 , Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, Data de Julgamento: 15/08/2013, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 23/08/2013)

 RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI N.º 11.496/2007. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. COBRANÇA DE HONORÁRIOS PROFISSIONAIS. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. Consoante entendimento dominante nesta Corte superior, não se insere na competência da Justiça do Trabalho a tarefa de dirimir controvérsia relativa à prestação dos serviços levada a cabo por profissional autônomo que, senhor dos meios e das condições da prestação contratada, coloca-se em patamar de igualdade (senão de vantagem) em relação àquele que o contrata. Tal é o caso típico dos profissionais da engenharia, advocacia, arquitetura e medicina que exercem seus misteres de forma autônoma, mediante utilização de meios próprios e em seu próprio favor. Precedentes. Recurso de embargos conhecido e provido. (E-RR-48900-38.2008.5.15.0051, Data de Julgamento: 30/08/2012, Relator Ministro Lélio Bentes Corrêa, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, DEJT 14/09/2012).

Cabe ressaltar, a propósito, que o egrégio Superior Tribunal de Justiça possui entendimento semelhante, já pacificado em súmula, de seguinte teor:

"Súmula nº 363 - Competência - Processo e Julgamento - Ação de Cobrança - Profissional Liberal Contra Cliente

Compete à Justiça estadual processar e julgar a ação de cobrança ajuizada por profissional liberal contra cliente."

Dessa forma, resumindo as duas exceções acima descritas, Gustavo Felipe Barbosa Garcia elucida que "se a pessoa natural presta o serviço de forma pessoal, sem a forma de atividade empresarial, a tomador que não seja considerado destinatário final, não se tratando de relação de consumo, nem empresarial tem-se a relação de trabalho prevista no art. 114, inciso I, da Constituição Federal de 1988." (GARCIA, Gustavo Felipe Barbosa, Competência da Justiça do Trabalho: Da relação de emprego à relação de trabalho. LOCAL, DATA, Editora Forense, p. 142).

E, a seguir, exemplifica:

"Nesse sentido, se um médico, um dentista, um engenheiro, um arquiteto, um advogado, prestam serviços na forma de empresa (art. 966, parágrafo único, parte final, do Código Civil de 2002), ou a um cliente que se caracterize como destinatário final, não se verifica a presença da relação de trabalho, para os fins específicos do art. 114, inciso I, da Constituição da República. Entretanto, se o profissional liberal, pessoa natural, prestou seu trabalho pessoalmente, a uma empresa ou tomador de serviço que não seja destinatário final, tem-se a competência da Justiça do Trabalho" (GARCIA, Gustavo Felipe Barbosa, Competência da Justiça do Trabalho: Da relação de emprego à relação de trabalho. LOCAL, DATA, Editora Forense, pp. 142 e 143)

Por fim, cumpre destacar uma terceira hipótese em que a prestação de serviços não se enquadra no conceito amplo de relação de trabalho para fins de atração da competência da Justiça do Trabalho: trata-se da relação jurídica mantida entre o Poder Público e os servidores a ele vinculados por relação de caráter jurídico-administrativo.

Referida exceção decorre do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da Medida Cautelar na ADI nº 3.395-6 (DJ. 27/01/2005), em que se suspendeu, ad referendum, toda e qualquer interpretação do artigo 114, I, da Constituição Federal que pudesse incluir na competência do Judiciário trabalhistas as causas relativas a esses servidores.

Conforme elucida Delgado, ao analisar a decisão da Suprema Corte: "Temos de reconhecer que o Direito do Trabalho e sua lógica e princípios específicos são claramente inadequados para a área pública, por inúmeras razões, sendo, desse modo, compreensível que a Constituição tenha tido a intenção de não unificar tais esferas judiciais." (DELGADO, Maurício Godinho. Relações de trabalho : competência e direito material. In: Revista LTr, v. 74, n. 2, p. 143-147, fev. 2010).

Dessa forma, em suma, pode-se afirmar que os contratos de atividade, como regra, enquadram-se no conceito de relação de trabalho para fins de atração da nova competência da Justiça do Trabalho, excetuadas: a) a prestação de serviços por pessoas jurídicas; b) as relações de consumo; c) as relações jurídicas existentes entre o Poder Público e os servidores a ele vinculados por regime estatutário.

Ainda assim, é necessário ressalvar que a competência material da Justiça do Trabalho, com fundamento no artigo 114, I, da Constituição Federal, restringe-se às causas que envolvam precipuamente prestadores e tomadores de serviços.

Isso porque, não é incomum que paralelamente ao contrato de trabalho, e em razão deste, constituam-se relações jurídicas entre o trabalhador e terceiros, cujo objeto não seja necessariamente a prestação de serviços.

Em tais casos, por não envolver a prestação de labor propriamente dita, a jurisprudência tem rechaçado a competência desta Justiça especializada, não obstante a nova redação do artigo 114, I, da Constituição Federal, dada pela EC nº 45/04.

Nesse sentido, trago à baila o RE 586.453-SE, julgado pelo excelso Supremo Tribunal Federal em regime de Repercussão Geral, em que se discutia se a amplitude da nova competência da Justiça do Trabalho abrangia as causas relativas à complementação de aposentadoria estabelecidas entre trabalhadores e entidades fechadas de previdência privada.

Em que pese os argumentos dos trabalhadores, no sentido de que os benefícios devidos pela entidade previdenciária decorriam, de todo modo, do contrato de trabalho firmado com a empresa patrocinadora, a maioria do Supremo Tribunal Federal afastou em tais hipóteses a existência de relação de trabalho entre as partes litigantes, reconhecendo, consequentemente, a competência da Justiça Comum para a apreciação dos feitos semelhantes.

Em seu voto condutor, a Ministra Ellen Gracie destacou:

"No presente caso, a complementação de aposentadoria teve como origem um contrato de trabalho já extinto. Embora a instituição ex-empregadora seja garantidora da entidade fechada de previdência, o beneficiário não mais mantém com ela relação de emprego. E, muito menos, com o fundo de previdência. A relação entre o associado e a entidade de previdência privada não é trabalhista. Ela está disciplinada no regulamento das instituições."

Corroborando tal entendimento, o Ministro Luiz Fux consignou em seu voto:

A ação oriunda de relação de trabalho não é a mesma coisa de ação oriunda de contrato de previdência. Esse contrato de previdência não é um contrato de trabalho. (...) Qualquer pretensão veiculada em relação ao descumprimento do contrato de previdência não tem nada a ver com contrato de trabalho e, evidentemente, por consequência, não cabe na competência da Justiça do Trabalho à luz do princípio que, digamos assim, promete a coexistência dos artigos da Constituição Federal.

A leitura de tais excertos permite a conclusão de que não é possível se alargar a competência da Justiça do Trabalho a ponto de acolher demandas não trabalhistas, ainda que paralelas à relação de trabalho.

Outro exemplo, no mesmo sentido, é lembrado por Garcia:

"Justamente em razão disso, entende-se que a ação ajuizada por trabalhador em face da Caixa Econômica Federal, com pedido de levantamento de depósitos do FGTS, por envolver controvérsia entre os referidos sujeitos, não se confunde com a relação de trabalho, a qual é mantida com o empregador ou tomador do serviço. Desse modo, na mencionada ação, a competência permanece sendo da Justiça Federal, na forma do artigo 109, I, da Constituição Federal, como prevê a Súmula 82 do STJ ("Compete à Justiça Federal, excluídas as reclamações trabalhistas, processar e julgar os feitos relativos a movimentação do FGTS). Logo, apenas quando o levantamento do FGTS refere-se à controvérsia decorrente da relação de trabalho, envolvendo, assim, os sujeitos dessa relação jurídica, é que a Justiça do Trabalho é competente (art. 114, inciso I, da CRFB/1988)" (GARCIA, p. 86).

Nos casos acima citados, frise-se, há uma relação de trabalho subjacente à relação jurídica que fundamenta a lide, não havendo entre os litigantes, contudo, quaisquer direitos ou deveres de natureza trabalhista, na medida em que não há a prestação de trabalho de uma parte para a outra. Eis o motivo de falecer competência à Justiça do Trabalho para a apreciação de tais demandas.

Nesse diapasão, pode-se dizer que a nova competência trabalhista expressa no artigo 114, I, da Constituição Federal abrange, em regra, todas as lides decorrentes de contratos de atividade, salvo as exceções anteriormente listadas, e desde que haja entre os litigantes uma efetiva relação de trabalho.

Dito isso, passo a examinar as particularidades da presente ação, a fim de verificar se a relação entabulada entre os médicos credenciados e as operadoras de plano de saúde possui natureza trabalhista.

A relação entre os médicos credenciados e as operadoras de planos de saúde é regida pela Lei nº 9.656/1998, cuja regulamentação fica a cargo da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS.

Segundo o referido diploma legal, trata-se a operadora de planos de saúde de pessoa jurídica que opera produto, serviço ou contrato de planos de assistência à saúde mediante contraprestação pecuniária.

Os planos de saúde, por sua vez, são contratos de "prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor".

Do referido conceito é possível extrair a existência dos seguintes agentes do Sistema de Saúde Suplementar: as operadoras de planos de saúde, as quais oferecem à população o acesso aos serviços de saúde, seja por meio de rede própria ou por meio de rede credenciada, contratada ou referenciada (inteligência que se extrai do artigo 10-B da Lei nº 9.656/1998); os prestadores de serviços, que podem ser pessoas físicas ou jurídicas contratadas, credenciadas ou referenciadas; e os clientes beneficiários.

Observa-se, ainda, que a assistência à saúde pode ser prestada por meio de rede própria, credenciada, contratada ou referenciada. Segundo Clóvis Ricardo Montenegro de Lima e Rose Marie Santini de Oliveira, "Para o cumprimento das obrigações constantes do contrato, as operadoras de planos privados de assistência à saúde poderão manter serviços próprios, contratar ou credenciar pessoas físicas ou jurídicas legalmente habilitadas e reembolsar o beneficiário das despesas decorrentes de eventos cobertos pelo plano" (LIMA, Clóvis Ricardo Montenegro e OLIVEIRA, Rose Marie Santini. Prestadores de Serviços no Setor de Saúde Suplementar no Brasil. Extraído do sítio na internet:  http://www.ans.gov.br/portal/upload/forum_saude/forum_bibliografias/documentostecnicos/EAabrangenciadaregulacao/5_CLima_PrestadoresDeServicos.pdf)

Dessa forma, na hipótese das operadoras de planos de saúde possuírem rede própria para a prestação de serviço à saúde, não há dúvida quanto à existência da relação de trabalho entre elas e os médicos contratados.

No caso, contudo, a questão cinge-se aos prestadores de saúde credenciados às operadoras.

É cediço que o Sistema de Saúde Suplementar no Brasil surgiu em razão da ineficiência do Sistema Saúde Pública, tanto em relação ao atendimento à população quanto ao relacionamento estabelecido com os profissionais da área de saúde.

Assim, o surgimento do Sistema de Saúde Suplementar mostrou-se vantajoso para a população, que buscava qualidade no atendimento sem a necessidade de arcar com os custos totais do tratamento, passando a efetuar pagamento de valores fixos mensais. De igual modo, também se mostrou atrativo para os prestadores de saúde, ante a escassez de pacientes privados e a dificuldade de relacionamento com o setor público.

As operadoras de planos de saúde privados, neste cenário, surgiram para gerenciar os interesses dos prestadores de serviço e daqueles que buscavam o atendimento – reais tomadores dos serviços -, ao perceberem que no mercado era grande a oferta e a demanda pelos serviços de saúde.

Conclusão semelhante é possível extrair do trabalho de Carla da Costa Campos, apresentado no curso de mestrado em Engenharia pela UFRS, vejamos:

"As operadoras de planos de saúde são os agentes que auferem ganhos, intermediando a relação dos prestadores de serviços de saúde com os clientes, ou seja, intermediando a relação entre a oferta e a demanda. A natureza de sua atividade consiste na comercialização e no gerenciamento da utilização dos planos de assistência à saúde. As operadoras apresentam duas formatações de estrutura no mercado: empresas de caráter híbrido no sentido de atuarem simultaneamente como organização gerenciadora e como prestadora de serviços de assistência à saúde e empresas que atuam exclusivamente como organizações gerenciadoras não possuindo rede própria, sendo de maior generalidade (WANICK, 2000)." (CAMPOS, Carla da Costa. Um Estudo das relações entre operadoras de plano de assistência à saúde e prestadores de serviço. Extraído do sítio na internet:http://www.ans.gov.br/images/stories/Materiais_para_pesquisa/Materiais_por_assunto/Dissertacoes_Um_estudo_das_relacoes_entre_operadoras_e_prestadoras.pdf)

Constata-se, assim, a existência de três relações distintas: a) entre as operadoras de planos de saúde e os beneficiários, regida pelo direito do consumidor; b) entre os prestadores de saúde e os pacientes, também regida pelo direito do consumidor; e c) entre as operadoras de planos de saúde e os prestadores de serviço, que podem ser regidas pelo direito civil ou empresarial.

Pois bem. Diante dessa configuração, entendo que as operadoras de planos de saúde atuam como agentes intermediadores entre os interesses dos prestadores de serviço e dos usuários. As operadoras cobram a mensalidade dos beneficiários dos planos de saúde e remuneram os médicos credenciados, em nome daqueles e em razão da prestação de serviços.

Vê-se, pois, que o serviço prestado pelos profissionais de saúde não se dá em prol das operadoras de planos de saúde, mas sim dos beneficiários, permitindo constatar a inexistência da relação de trabalho.

Registre-se, inclusive, que os usuários dos planos de saúde pagam a mensalidade dos planos de saúde independentemente da utilização efetiva do serviço de assistência à saúde. Resta evidenciado, portanto, que o objeto de atuação das operadoras é a comercialização e gerenciamento dos referidos planos de saúde e não o oferecimento dos serviços, o que fica a cargo dos prestadores.

Cumpre salientar que o credenciamento dos médicos não configura relação de trabalho. A celebração de um instrumento jurídico formal, por meio do qual os prestadores passam a pertencer à rede credenciada das operadoras dos planos de saúde, destina-se unicamente a resguardar o direito dos agentes envolvidos, principalmente dos beneficiários, quanto a possíveis descredenciamentos repentinos.

Sensível a tal situação, o legislador, por meio da Lei nº 13.003¤2004, alterou a redação do artigo 17 da Lei nº 9.656¤1998, passando-se a exigir que, na hipótese de descredenciamento do prestador, haja a substituição por outro similar e a comunicação aos pacientes no prazo de trinta dias, vejamos:

"Art. 17. A inclusão de qualquer prestador de serviço de saúde como contratado, referenciado ou credenciado dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei implica compromisso com os consumidores quanto à sua manutenção ao longo da vigência dos contratos, permitindo-se sua substituição, desde que seja por outro prestador equivalente e mediante comunicação aos consumidores com 30 (trinta) dias de antecedência.

Impende registrar, ainda, que a referida Lei acrescentou o artigo 17-A à Lei nº 9.656¤1998, passando a exigir que as condições de prestação de serviços de atenção à saúde por pessoas físicas ou jurídicas, independentemente de sua qualificação como contratadas, referenciadas ou credenciadas sejam reguladas por meio de contrato escrito, senão vejamos:

"Art. 3o A Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, com redação dada pela Medida Provisória no 2.177-44, de 24 de agosto de 2001, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 17-A:

‘Art. 17-A. As condições de prestação de serviços de atenção à saúde no âmbito dos planos privados de assistência à saúde por pessoas físicas ou jurídicas, independentemente de sua qualificação como contratadas, referenciadas ou credenciadas, serão reguladas por contrato escrito, estipulado entre a operadora do plano e o prestador de serviço.

§ 1o São alcançados pelas disposições do caput os profissionais de saúde em prática liberal privada, na qualidade de pessoa física, e os estabelecimentos de saúde, na qualidade de pessoa jurídica, que prestem ou venham a prestar os serviços de assistência à saúde a que aludem os arts. 1o e 35-F desta Lei, no âmbito de planos privados de assistência à saúde.

§ 2o O contrato de que trata o caput deve estabelecer com clareza as condições para a sua execução, expressas em cláusulas que definam direitos, obrigações e responsabilidades das partes, incluídas, obrigatoriamente, as que determinem:

I - o objeto e a natureza do contrato, com descrição de todos os serviços contratados;

II - a definição dos valores dos serviços contratados, dos critérios, da forma e da periodicidade do seu reajuste e dos prazos e procedimentos para faturamento e pagamento dos serviços prestados;

III - a identificação dos atos, eventos e procedimentos médico-assistenciais que necessitem de autorização administrativa da operadora;

IV - a vigência do contrato e os critérios e procedimentos para prorrogação, renovação e rescisão;

V - as penalidades pelo não cumprimento das obrigações estabelecidas.

§ 3o A periodicidade do reajuste de que trata o inciso II do § 2o deste artigo será anual e realizada no prazo improrrogável de 90 (noventa) dias, contado do início de cada ano-calendário.

§ 4o Na hipótese de vencido o prazo previsto no § 3o deste artigo, a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, quando for o caso, definirá o índice de reajuste.

§ 5o A ANS poderá constituir, na forma da legislação vigente, câmara técnica com representação proporcional das partes envolvidas para o adequado cumprimento desta Lei.

§ 6o A ANS publicará normas regulamentares sobre o disposto neste artigo.’

Art. 4º Esta Lei entra em vigor após decorridos 180 (cento e oitenta) dias de sua publicação oficial."

Como fundamento de reforço acerca da inexistência de relação de trabalho, mostra-se a circunstância de que o referido instrumento jurídico pode ser celebrado por pessoas físicas ou jurídicas, em relação às quais se exigem os mesmos requisitos.

O colendo Superior Tribunal de Justiça, ao examinar questão referente à possibilidade de haver incidência da contribuição previdenciária sobre os valores repassados aos médicos pelas operadoras de saúde, entendeu ser descabida tal exigência, tendo em vista que estas remuneram os profissionais não por um serviço que lhes é prestado, mas sim ao próprio usuário. Concluiu que se a pessoa física, ao remunerar diretamente os serviços do profissional de saúde, não se sujeita ao pagamento de contribuição previdenciária, tampouco estaria obrigada a operadora a fazê-lo, já que apenas atua como intermediária.

Eis os julgados proferidos por aquela Corte Superior:

"TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE. VALORES REPASSADOS AOS MÉDICOS CREDENCIADOS. NÃO INCIDÊNCIA. PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS DA PRIMEIRA SEÇÃO. COMPENSAÇÃO. LIMITE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não incide contribuição previdenciária sobre os valores repassados aos médicos pelas operadoras de plano de saúde (AgRg no AREsp 176.420/MG, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Primeira Turma, DJe 22/11/2012).

2. ‘Os limites à compensação tributária (introduzidos pelas Leis 9.032/95 e 9.129/92, que, sucessivamente, alteraram o disposto no artigo 89, § 3º, da Lei 8.212/91) são de observância obrigatória, mercê da inexistência de declaração de inconstitucionalidade (em sede de controle difuso ou concentrado) dos aludidos diplomas normativos’ (EREsp 919.373/SP, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Seção, DJ de 26/04/11).

3. Recurso especial conhecido e parcialmente provido para restabelecer a sentença.

(REsp 987.342/PR, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/05/2013, DJe 20/05/2013)

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. OFENSA AO ART. 535, INC. II, DO CPC. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ART. 22, INC. III, DA LEI N. 8.212/91. EMPRESA SEGURADORA. SEGURO SAÚDE. REMUNERAÇÃO PAGA DIRETAMENTE AOS PROFISSIONAIS DA ÁREA DE SAÚDE CREDENCIADOS (CONTRIBUINTES INDIVIDUAIS). NÃO-INCIDÊNCIA.

1. Depreende-se dos autos que o julgado não fora omisso, prestando a jurisdição de modo adequado. Ofensa ao art. 535, inc. II, do CPC afastada.

2. ‘As empresas que operacionalizam planos de saúde repassam a remuneração do profissional médico que foi contratado pelo plano e age como substituta dos planos de saúde negociados por ela, sem qualquer outra intermediação entre cliente e serviços médico-hospitalares. Nesse caso, não incide a contribuição previdenciária’ (REsp 633134/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 16.9.2008). Outros precedentes: EDcl nos EDcl no REsp 442829/MG, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 25.2.2004; EDcl nos EDcl nos EDcl no REsp 442829/MG, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 26.5.2004).

3. Recentemente, no julgamento do REsp n. 1106176/RJ, de relatoria do Min. Herman Benjamin, assentada do dia 6.5.2010, esta Turma reiterou esse entendimento.

4. Recurso especial provido."

(REsp 975.220/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/08/2010, DJe 22/09/2010)

Mostra-se esclarecedora a decisão proferida pelo Ministro Luiz Fux no feito REsp 1.150.398¤RJ, publicado no DJe de 18.2.2011, a qual recebeu a seguinte ementa:

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EMPRESA SEGURADORA. SEGURO SAÚDE. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. NÃO-INCIDÊNCIA. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA.

1. O art. 535 do CPC resta incólume se o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.

2. O regime jurídico ao qual se submetem as seguradoras de saúde é diverso das cooperativas médicas:

‘Todas as vezes que um terceiro, detentor de plano de saúde, utiliza-se de um serviço ao plano vinculado, a recorrente paga ao profissional médico, ou ao hospital, ou à maternidade, enfim, paga pelo serviço realizado, como se fosse um particular qualquer.

Claro está dentro desse contexto, que não cabe à empresa recolher a contribuição previdenciária, porque o valor por ela desembolsado sofre a incidência por parte do profissional ou da empresa que recebe pela prestação de serviço.

A hipótese difere do que ocorre com as cooperativas médicas. Nas cooperativas os médicos ou outros profissionais qualquer unem-se para juntos, por intermédio da cooperativa, exercer suas atividades.

Aqui, diferentemente, não há acerto com os profissionais da área de saúde, senão como clientes, porque a relação jurídica que se estabelece é entre a empresa que vende o plano de saúde e a empresa que compra o plano para utilização eventual dos serviços médico-hospitalares.

Efetivamente a intermediária ganha pelo plano de saúde que oferece e paga como se fosse o substituto que se utiliza dos serviços médico-hospitalares. Pergunta-se: cabe ao particular pagar contribuição social quando paga honorários médicos? Se a resposta for negativa e o é, efetivamente, estende-se o entendimento em relação à empresa que não intermedia profissionais e sim planos de saúde’ (EDcl nos EDcl no REsp n° 442.829/MG, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 25/02/2004).

3. In casu, incontroversa a condição da recorrente de seguradora, o que implica em tratamento diverso do que conferido às cooperativas, tem-se, como conclusão lógica, que não está obrigada ao recolhimento das contribuições sociais, uma vez que estas são custeadas pelos profissionais remunerados (contribuintes individuais). Precedentes da Segunda Turma: REsp n° 975.220/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 22/09/2010; REsp n° 874.179/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 14/09/2010; REsp n° 1.106.176/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 17/06/2010; REsp n° 633.134/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 16/09/2008; EDcl nos EDcl no REsp n° 442.829/MG, Rel.Min. Eliana Calmon, DJ de 25/02/2004; EDcl nos EDcl nos EDcl no REsp n° 442.829/MG, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 26/05/2004.

4. Recurso especial provido."

Conforme salientado acima, é possível concluir que para a configuração da relação de trabalho faz-se necessário que haja a efetiva prestação de trabalho de uma parte em benefício da outra, o que não ocorre no caso em exame. Os médicos credenciados, ora substituídos, não prestam serviços diretamente às operadoras de planos de saúde, as quais estão apenas obrigadas, por contrato, a repassarem os valores devidos pelos beneficiários, reais tomadores de serviços.

Afasta-se, portanto, a competência desta Justiça Especializada para processar e julgar o feito, porquanto o caso em exame não se enquadra na hipótese prevista no inciso I do artigo 114 da Constituição Federal, diferentemente do entendimento da egrégia Sexta Turma.

Dou provimento, pois, aos recursos de embargos para restabelecer o v. acórdão regional.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, não conhecer do recurso de embargos da CONAB e conhecer dos recursos de embargos interpostos pela CASSI, GEAP, PETROBRÁS e EMBRATEL, e, no mérito, dar-lhes provimento para restabelecer o v. acórdão regional.

Brasília, 30 de junho de 2016.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

CAPUTO BASTOS

Ministro Relator

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