TRT 02/SP - BOLETIM DE JURISPRUDÊNCIA - 2020 0001 - 17/01/2020

Data da publicação:

Acordão - TRT

Sidnei Alves Teixeira - TRT/SP



Cooperativa. Intermediação fraudulenta de mão de obra. Desvio de finalidade. As cooperativas são associações de pessoas e tem por finalidade precípua a solidariedade.



PROCESSO TRT/SP Nº 0002526-22.2012.5.02.0362

RECURSO ORDINÁRIO – 17ª TURMA

RECORRENTE: MAXICCOP – COOP DE TRAB DOS PROFI DE SAÚDE

1. RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO

2. RECORRIDO: MARIA ISABEL DE LIMA

3. RECORRIDO: FREDERICO FRANCISCO BARROS DA SILVA

4. RECORRIDO: EDNA APARECIDA POVOA DANTAS

ORIGEM: 44ª VT DE SÃO PAULO

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COOPERATIVA. INTERMEDIAÇÃO FRAUDULENTA DE MÃO DE OBRA. DESVIO DE FINALIDADE. As cooperativas são associações de pessoas e tem por finalidade precípua a solidariedade. O conceito vem reproduzido nos artigos 3º e 4º, da Lei nº 5764/1971. Assim, percebe-se pelo contexto legal que as pessoas que se associam exercem, ao mesmo tempo, o papel de sócio e de usuário ou cliente, em relação à sociedade cooperativa, ou seja, é o denominado princípio da dupla qualidade, pelo qual o próprio associado é um dos beneficiários centrais dos serviços prestados pela Cooperativa. Evidente a legalidade do sistema de cooperativas previsto em lei (CLT, art. 442, parágrafo único). Contudo, o caso vertente demonstra desvirtuamento da finalidade da cooperativa, utilizada para ocultar relação de emprego, em prejuízo de trabalhadores, que ficou descoberta da proteção social. A sociedade cooperativa não pode ser uma agenciadora ou locadora de mão de obra, pois transgrediria os seus objetivos. A ideia de cooperativa pressupõe a autonomia de vontade daqueles que se associam, não a adesão como mera condicionante para continuar prestando serviços aos tomadores, como aqui se verificou, pois isso denota fraude à aplicação das normas trabalhistas (art. 9º da CLT). A presente Ação Civil Pública tem por objetivo impedir que a recorrente forneça mão-de-obra de trabalhadores para quaisquer terceiros, ou seja, que se abstenha de terceirizar mão-deobra. Baseia o pleito em investigação precedida de fiscalização por parte dos Auditores Fiscais do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego. Diante desses fatos, na verdade, tem-se que a recorrente estaria, de fato, envolvida com aliciamento de mão de obra e fora instituída com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na Consolidação das Leis do Trabalho, restando afastada, no caso, a aplicação do § único do artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho. Recurso Ordinário da reclamada a que se nega provimento. (TRT/SP-00025262220125020362 - RO - Ac. 17ªT 20190171027 - Rel. Sidnei Alves Teixeira - DeJT 2/10/2019).

Recurso Ordinário da 1ª reclamada pelas razões de fls. 408/433, pretendendo a reforma da r. sentença de fls. 400/403, que julgou procedente a pretensão do Ministério Público do Trabalho da 2ª Região (Ação Civil Pública com pedido de antecipação de tutela) para fins de

a) condenar MAXICOOP – COOPERATIVA DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE a abster-se de fornecer mão-de-obra de trabalhadores (denominados cooperados) a terceiros, sob pena de pagamento de multa diária no importe de R$ 1.000,00 (mil reais), revertida em favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT;

b) condenar todos os reclamados, solidariamente, a pagarem indenização, em vista do dano moral coletivo perpetrado, no importe de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais), a serem recolhidos em favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT;

c) condenar MARIA ISABEL DE LIMA, FREDERICO FRANCISCO BARROS DA SILVA e EDINA APARECIDA POVOA DANTAS de se absterem de constituir, administrar e gerenciar cooperativas que tenham como objeto o fornecimento de mão-de-obra de trabalhadores, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 cada, revertida em favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, tudo nos termos da fundamentação, que passa a integrar este dispositivo, como se nele estivesse inserida, observados os limites da inicial. Irresignação fundada, em síntese, nos seguintes pontos:

(I) cerceamento de defesa;

(II) inexistência de fraude – legalidade da cooperativa – Lei 12.690/2012;

(III) inexistência de dano moral coletivo; e

(IV) redução do quantum debeatur.

Contrarrazões apresentadas às fls. 496/503.

Acórdão proferido por esta E. 17ª Turma às fls. 505/508, extinguindo o feito sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, VI, do então Código de Processo Civil vigente.

Recurso de Revista do Ministério Público do Trabalho às fls. 511/579.

Decisão de fls. 580/583, denegando o seguimento do recurso ministerial.

Agravo de Instrumento do MPT às fls. 586/598.

Acórdão proferido pela 7ª Turma do C. TST às fls. 633/642 dando provimento ao Recurso de Revista do Ministério Público do Trabalho, determinando o retorno dos autos a este E. Tribunal para que prossiga no julgamento do mérito do Recurso Ordinário interposto pela 1ª reclamada, como entender de direito.

Sendo assim, passo a analisar o recurso da 1ª reclamada, nos termos da decisão do C. TST.

V O T O

1. Juízo de admissibilidade

Por tempestivo e regular, conheço do recurso.

2. Preliminar. Cerceamento de defesa

A recorrente pretende a decretação da nulidade da r. sentença, com a reabertura da instrução processual, por cerceamento de prova, em razão do indeferimento da oitiva de sua testemunha presente à audiência.

Razão não lhe assiste.

No caso em exame, não se vislumbra a ocorrência de cerceamento de prova, tendo em vista que o contraditório e a ampla defesa foram respeitados durante a instrução processual.

O indeferimento da oitiva de testemunhas às vezes pode caracterizar o cerceamento de defesa. Todavia, in casu, a negativa decorreu das informações que já tinham sido prestadas pela primeira testemunha da ré.

Desse modo, a prova requerida revelava-se desnecessária, diante de sua clara impertinência em relação ao conjunto probatório existente.

Além disso, não gera qualquer nulidade o fato de o MM. Juízo de primeiro grau ter limitado a prova oral em virtude de seu convencimento por meio dos elementos probatórios coligidos aos autos, porquanto, em conformidade com o disposto no artigo 765, da CLT, o Juízo tem ampla liberdade na direção do processo.

Demais disso, da análise dos autos verifica-se que as partes concordaram com o encerramento da instrução, inclusive com a apresentação de razões finais naquele momento por parte da ré e remissivas, pelo Ministério Público (fl. 393vº).

Ressalte-se, por fim, que ao Magistrado é concedido o poder de apreciar livremente as provas, segundo o princípio da persuasão racional, determinando as provas necessárias à instrução do processo, como lhe facultam os artigos 370 e 371, do CPC, de aplicação subsidiária ao Processo do Trabalho.

Destarte, não há nulidade a ser declarada. Rejeito.

3. Juízo de mérito

3.1. Inexistência de fraude – legalidade da cooperativa – Lei 12.690/2012

Pretende a recorrente a reforma da decisão de origem, argumentando, para tanto, que o reconhecimento de “fraude generalizada” na atuação da recorrente foi indevidamente reconhecido pelo MM. Juízo a quo. Aduz que “não há no direito positivo qualquer norma objetiva que declare a ilicitude do cooperativismo de trabalho. Não somente havia dispositivo expresso autorizando tal prática, no caso o parágrafo único do art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho, como o próprio Texto Constitucional assegura e estimula o verdadeiro Cooperativismo”.

Afirma, também, que “o D. Parquet não produziu provas em audiência, resumindo sua prova a documentos constituídos em fase inquisitória, e como tal parciais, pois não submetidos ao contraditório”.

Traz, ainda, diversos julgados que, no seu entender, embasam o seu posicionamento, fazendo menção à Lei 12.690/2012 que permite e regula as cooperativas de trabalho.

Pois bem. Não há dúvidas que as cooperativas são associações de pessoas e tem por finalidade precípua a solidariedade. O conceito vem reproduzido nos artigos 3º e 4º, da Lei nº 5764/1971:

“Art. 3º Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro.

Art. 4º As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços

os associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características:

I - adesão voluntária, com número ilimitado de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços;

II - variabilidade do capital social representado por quotas-partes;

III - limitação do número de quotas-partes do capital para cada associado, facultado, porém, o estabelecimento de critérios de proporcionalidade, se assim for mais adequado para o cumprimento dos objetivos sociais;

IV - incessibilidade das quotas-partes do capital a terceiros, estranhos à sociedade;

V - singularidade de voto, podendo as cooperativas centrais, federações e confederações de cooperativas, com exceção das que exerçam atividade de crédito, optar pelo critério da proporcionalidade;

VI - quórum para o funcionamento e deliberação da Assembleia Geral baseado no número de associados e não no capital;

VII - retorno das sobras líquidas do exercício,

proporcionalmente às operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da Assembleia Geral;

VIII - indivisibilidade dos fundos de Reserva e de Assistência Técnica Educacional e Social; IX - neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social;

X - prestação de assistência aos associados, e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa;

XI - área de admissão de associados limitada às possibilidades de reunião, controle, operações e prestação de serviços”.

Assim, percebe-se pelo contexto legal que as pessoas que se associam exercem, ao mesmo tempo, o papel de sócio e de usuário ou cliente, em relação à sociedade cooperativa. É o que a doutrina denomina de princípio da dupla qualidade, em que o próprio associado é um dos beneficiários centrais dos serviços prestados pela Cooperativa.

Evidente a legalidade do sistema de cooperativas previsto em lei (CLT, art. 442, parágrafo único). Contudo, no caso vertente, houve a comprovação de desvirtuamento da finalidade da cooperativa, utilizada para ocultar relação de emprego, em prejuízo de trabalhadores, que ficou descoberta da proteção social.

A sociedade cooperativa não pode ser uma agenciadora ou locadora de mão de obra, pois desvirtuaria plenamente os seus objetivos. A ideia de cooperativa pressupõe a autonomia da vontade daqueles que se associam, não a adesão como mera condicionante para continuar prestando serviços aos tomadores, como se verificou no caso vertente, pois isso denota fraude à aplicação das normas trabalhistas (art. 9º da CLT).

A presente Ação Civil Pública tem por objetivo impedir que a recorrente forneça mão-de-obra de trabalhadores para quaisquer terceiros, ou seja, que se abstenha de terceirizar mão-de-obra. Baseia o pleito em investigação precedida de fiscalização por parte dos Auditores Fiscais do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego.

Como bem demonstrou o Juízo a quo, viu-se “No bojo da mencionada investigação os fiscais concluíram que a primeira ré fornecia mão-de-obra a um hospital localizado no Município de São Paulo, vinculando os trabalhadores como cooperados, porém, em fraude à legislação trabalhista, uma vez que presentes os requisitos definidores do vínculo empregatício (fl. 29). Lavrou-se auto de infração, autuando o mencionado hospital – SOMEL – SOCIEDADE PARA A MEDICINA LESTE LTDA. (fls. 30/32). Restou demonstrado que o hospital, SOMEL – SOCIEDADE PARA A MEDICINA LESTE LTDA., manteve com a primeira ré contrato de transferência de atividades, cujo objeto é a transferência de operacionalização de serviços auxiliares à prestação de serviços médicos (fl. 53). A primeira reclamada comprova que esse contrato foi rompido a partir de agosto de 2011 (doc. 03 – volume de documentos da Reclamada).”

A prova oral também corroborou com a tese autoral. Foi ouvida como testemunha uma das sócias cooperadas da primeira ré, que prestava serviços como auxiliar de enfermagem (fl. 393).

Em seu depoimento foi dito “que é cooperada há sete meses; que presta serviços no hospital Jardins, em Pinheiros, São Paulo; que é auxiliar de enfermagem; que tomou conhecimento da vaga através de seu filho, que indicou a cooperativa para a depoente; que após contato telefônico, foi realizada uma prova na própria cooperativa; que antes da prova participou de uma palestra sobre o que é uma cooperativa de trabalho; que quando fez a prova, sabia que a vaga era para o hospital Jardins; que passou também por entrevista no hospital, com cooperado; que acredita que todos que trabalham no hospital são cooperados; que em caso de ausência, pode indicar um substituto; que ainda não foi convocada para participar de assembleias; que acredita que as convocações iniciam após um ano; que não sabe o que são sobras líquidas; que após explicado, a depoente afirmou que ainda não recebeu sobras líquidas; que não sabe dizer a quem pertencem os equipamentos utilizados no hospital; que é subordinada à Sra. Lidir e Hanna; que ambas são gestoras da cooperativa; que no andar em que trabalha a depoente ficam estas duas gestoras, que comparecem diariamente; que tem controle da jornada por folha de ponto; que recebe salário mensal; que não pode negociar o valor; que o valor da hora foi imposto pela cooperativa; que sempre presta serviços no mesmo local; que não há rodízio entre outras tomadoras; que não há rodízio por imposição da cooperativa; que todos os profissionais cooperados são da área da saúde; que ao que sabe, não há cooperados na área de vigilância, administração, etc.; que caso precise, pode sair no meio do plantão; que já aconteceu e não houve punição; que no caso de dúvidas, se dirige à Sra. Lidir; que possui convênio médico, cesta básica, alimentação no local, auxílio transporte e desconto previdenciário em folha. Nada mais."

Como se pode notar do depoimento acima transcrito, aspectos efetivamente caracterizadores do trabalho cooperado não foram evidenciados. Por outro lado, nítida a presença dos requisitos

configuradores da relação de emprego.

Nesse ponto a sentença de origem foi didática, motivo pelo qual convenço-me do acerto da decisão proferida em primeira instância após a análise da hipótese sub examen, cujos fundamentos transcrevo e adoto como razões de decidir: “Veja-se: Participação em assembleias: A testemunha afirma que em sete meses de labor não foi convocada para nenhuma assembleia de cooperados. O estatuto da primeira reclamada garante ao cooperado o direito de tomar parte das assembleias gerais e ainda de votar e ser votado (fl.110). Ademais, verifico que a participação de cooperados em assembleias é ínfima. Veja-se, por exemplo, a ata da assembleia geral ordinária de 22/03/2012, da qual consta que o número de sócios com direito a voto é 1.345, no entanto, estavam presentes apenas 20 cooperados (1,48% do quórum), dos quais, por deliberação, apenas 05 assinaram a ata (doc. 48 – volume de documentos da reclamada). Note-se ainda, que dentre esses 05 cooperados que assinam a menciona ata, pelo menos 04 figuram entre as 05 pessoas escolhidas para assinar atas anteriores (Michele Santos Morais, Sandra Vergínia Osti, Renilda Teixeira da Silva e Patrícia Barros Virgens). Recebimento de sobras líquidas: A testemunha afirma que nunca recebeu, na condição de cooperada, as sobras líquidas que menciona o artigo 39 do estatuto da cooperativa (fl. 130). Subordinação jurídica: A testemunha reconhece que no exercício da atividade laboral é subordinada as gestoras da cooperativa, conceito típico da relação de emprego. Na relação de cooperação, de acordo com o artigo 2º da Lei 12.690/12, são garantidas aos cooperados a autonomia e a autogestão. Salário: A testemunha afirma que recebe salário mensal, sem a possibilidade de negociação do importe, fator que também descaracteriza a organização cooperativa, uma vez que na apuração de haveres em geral há sobras e prejuízos, ambos a cargo dos cooperados. Local fixo de trabalho: A depoente alega que sempre trabalhou no mesmo posto de trabalho, por imposição da cooperativa, fator que não se amolda à cooperativa de trabalho. O trabalhador cooperado é autônomo e a cooperativa não pode determinar que labore em apenas um posto de serviço, que, inclusive, configura a pessoalidade na prestação de serviços. Conclui-se, portanto, que além de não serem respeitados os princípios do estatuto da cooperativa e da Lei 12.690/12 estão presentes os requisitos previstos nos artigos 2º e 3º da CLT, ou seja, a prestação de serviços não eventuais, com pessoalidade, mediante subordinação jurídica, pagamento de salário e risco da atividade, configurando vínculo empregatício, tal qual apurado pela fiscalização do trabalho. A condição de vínculo empregatício é de tal sorte flagrante que no artigo 7º do estatuto há previsão de o cooperado aceitar estabelecer vínculo empregatício com a cooperativa (fl. 111). A teor do artigo 2º da Lei 12.690/12, o objetivo social da cooperativa de trabalho é prestar serviços aos sócios, ou seja, o filiado é cooperado e também cliente (princípio da dupla qualidade). Isso significa que não se concebe a existência de cooperativa que coloque à disposição de terceiros a força de trabalho de seus cooperados. Nesse passo, não se admite a existência de cooperativa de trabalho que aluga ou arregimenta de mão-de-obra para terceiros”.

Diante desses fatos, na verdade, tem-se que a MAXICOOP, ora recorrente, estaria, de fato, envolvida com aliciamento de mão de obra e fora instituída com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na Consolidação das Leis do Trabalho, restando afastada, no caso, a aplicação do § único do artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Assim, correta a decisão de origem que julgou procedente a Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho da 2ª Região, razão pela qual, mantenho.

3.2. Danos morais coletivos. Quantum debeatur

Em razão do quanto exposto no item 2.2. , passemos, pois, às consequências jurídicas.

Com efeito, o instituto do dano moral coletivo é reconhecido pela jurisprudência do C. TST e C. STJ, pois deriva da nossa ordem jurídica, a saber: art. 5º, V e X, da CF; art. 186, do CC; art. 1º, caput e IV, da Lei 7.347/85 e arts. 6º, VI e 81, parágrafo único, do CDC e tem lugar quando observada a violação de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos.

In casu, a reiterada intermediação fraudulenta de mão de obra, decerto, viola direitos classificados como difusos, a teor do art. 81, parágrafo único, I, do CDC, visto que uma quantidade indeterminada de trabalhadores não tem sido beneficiada com o direito à relação de emprego, direito nuclear ínsito ao princípio da proteção integral.

Vê-se, ademais, a violação a direitos difusos quando se sabe que a proteção ao trabalho é um valor compartilhado pela comunidade e elementar à nossa ordem jurídica (arts. Iº, IV, 6º e 7º, I, da CF).

Por sua vez, o emprego é elementar, notadamente porque se reveste em direito-instrumento para se manter e conseguir outros direitos, tais como a vida, a propriedade, o lazer, a moradia, etc.

O instituto do dano moral coletivo, assim, surge como uma necessidade do nosso arcabouço jurídico-normativo, pois não poucas vezes há macrolesões a direitos fundamentais, por vezes a direitos fundamentais sociais, cuja repercussão negativa espraia-se por toda a sociedade ou por parte dela, como no caso em apreço.

De modo que quando se constata violação a direitos difusos, surge a certeza inequívoca dessa transgressão à dimensão ética de valores indivisíveis da coletividade que a recorrente alega não haver.

Nesse passo, entendo configurado o dano moral coletivo.

Quanto ao valor da indenização, considerando: (a) a atitude proposital da ré em intermediar ilicitamente mão de obra reiteradamente; ( b) a importância do direito em discussão para a sociedade como um todo, dado o primado do trabalho; (c) o que se pode vislumbrar como sendo a extensão do dano (art. 944, caput, do CC), em verdade, uma macrolesão social; por fim, (d) as funções compensatória (lenitivo à sociedade), punitiva (dirigida à ré) e pedagógica (dirigida a todos) da indenização por danos morais, tudo a partir do prisma dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, entendo que o valor fixado na origem de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais) atende aos requisitos aqui mencionados.

Nesse sentido, mantenho.

4. Dispositivo

Pelo exposto, ACORDAM os Magistrados da 17ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região em: CONHECER do recurso da reclamada, REJEITAR a preliminar de nulidade por cerceamento de defesa e, no mérito, NEGAR-LHE PROVIMENTO , para manter incólume a r. sentença de origem por seus próprios e jurídicos fundamentos, tudo nos termos da fundamentação do voto do relator.

SIDNEI ALVES TEIXEIRA

Desembargador Relator

Instituto Valentin Carrion © Todos direitos reservados | LGPD   Desen. e Adm by vianett

Politica de Privacidade