ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - TST LC Estadual 10098/94 - Art. 276

Data da publicação:

Acordão - TST

Maria Helena Mallmann - TST



CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 276, "CAPUT", DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL 10.098/94. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.



ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. EMBARGOS. RECURSO DE REVISTA. CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO (ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 276, "CAPUT", DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL 10.098/94. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. SERVIDORES PÚBLICOS CELETISTAS ESTABILIZADOS. ART. 19 DO ADCT. AUSÊNCIA DE PRÉVIA APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO. VALIDADE DA INSTITUIÇÃO DO REGIME JURÍDICO ÚNICO ESTATUTÁRIO. EXTINÇÃO DO REGIME CELETISTA. INCONSTITUCIONALIDADE DE PROVIMENTO AUTOMÁTICO EM CARGO PÚBLICO EFETIVO DE EX-CELETISTAS ESTABILIZADOS. 1. A presente arguição de inconstitucionalidade de lei ou de ato do Poder Público tem por escopo a fiscalização da compatibilidade do art. 276, caput, da Lei Complementar 10.098 de 03 de fevereiro de 1994 do Estado do Rio Grande do Sul com a Constituição Federal. O dispositivo em questão tem a seguinte redação: "ficam submetidos ao regime jurídico instituído por esta lei, na qualidade de servidores públicos, os servidores estatutários da Administração Direta, das autarquias e das fundações de direito público, inclusive os interinos e extranumerários, bem como os servidores estabilizados vinculados à Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5452, de 1º de maio de 1943". O cerne da questão consiste em discernir se a expressão "servidores estabilizados vinculados à Consolidação das Leis do Trabalho" avistável no caput do dispositivo em voga foi prejudicada pela declaração de inconstitucionalidade, na ADI 1.150/RS, da expressão "operando-se automaticamente a transposição dos seus ocupantes", contida no §2º do mesmo artigo de lei. 2. Depreende-se do acórdão relativo à referida ação de controle concentrado que a Suprema Corte limitou-se a negar a possibilidade de provimento automático dos cargos efetivos criados na forma do §2º do art. 276 da Lei Complementar nº 10.098/1994 pelos servidores celetistas estabilizados nos termos do art. 19 do ADCT, porém não considerou inconstitucional a transmudação de regime desses trabalhadores. 3. Realmente, a inconstitucionalidade verificada pelo Supremo Tribunal Federal no art. 276, §2º, da Lei Complementar nº 10.098/1994 não reside propriamente na mudança de regime jurídico, de celetista para estatutário, mas no provimento automático (ou derivado) dos recém-criados cargos de provimento efetivo mencionados na indigitada norma por agentes que não foram previamente aprovados nos concursos públicos mencionados no art. 37, II, da Carta Magna e 19, I, do ADCT. 4. Não por outra razão, o Ministro Neri da Silveira, em voto-vista apresentado no julgamento da mencionada ação de controle concentrado, esclareceu que esses ex-empregados celetistas e novos servidores estatutários ficam "sem prover cargo". Segundo consta do aludido voto-vista, "é certo [...] que, mesmo estabilizados pelo art. 19 do ADCT, não podem esses servidores, que estão amparados pelo regime único dos servidores, conforme a regra geral do caput do art. 276 da Lei gaúcha nº 10.098/1994, ser providos em cargo de provimento efetivo" – sem prévia aprovação em concurso público na forma do art. 37, II, da Constituição ou 19, I, do ADCT, acrescente-se. Desta forma, "esses servidores não são mais celetistas, mas estatutários, embora fiquem sem prover cargo, até o concurso de efetivação para os cargos novos resultantes da transformação a que se refere o §2º do art. 276 em foco". 5. O referido entendimento foi repisado em julgamento unânime da Primeira Turma da Suprema Corte nos autos do AI 431258 AgR/RS. Na ocasião, sob a relatoria do Ministro Roberto Barroso, a Suprema Corte reafirmou de forma categórica sua jurisprudência acerca do art. 276, caput, da Lei Complementar nº 10.098/1994: "aplica-se o regime estatutário aos servidores celetistas não concursados e estáveis, observadas as diretrizes do art. 19 do ADCT". 6. Nessa quadra, faz-se necessário esclarecer que o Supremo Tribunal Federal, em inúmeros julgados, diferencia os institutos da estabilidade e da efetividade. Com efeito, a Suprema Corte admite a figura dos "servidores estáveis, mas não efetivos", vale dizer, estabilizados na forma do art. 19 do ADCT, porém não ocupantes de cargos públicos de provimento efetivo.  7. Já no voto condutor proferido nos autos da ADI 180/RS, da lavra do Ministro Nelson Jobim, em que se aferiu a compatibilidade de dispositivo do ADCT da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul com a Carta Magna, ficou claro que "a norma estadual assegurou aos servidores civis estabilizados na forma do artigo 19 do [ADCT/CF] a organização em quadro especial em extinção", vedando-se, todavia, a equiparação das vantagens que lhes forem devidas àquelas dos ocupantes de cargos efetivos. Diante de tal precedente, não há como supor que a declaração de inconstitucionalidade do §2º do art. 276 da Lei Complementar Estadual nº 10.098/1994 enunciada na ADI 1.150/RS, por arrastamento, comprometeu a normatividade do "caput" do mesmo dispositivo legal.  8. Realmente, houve validamente mudança de regime jurídico, de celetista para estatutário, com todas as repercussões jurídicas daí decorrentes. Contudo, diante da decisão proferida pelo STF na ADI 1.150/RS, isso não ensejou o provimento automático de cargos públicos efetivos por tais servidores, estabilizados nos termos do art. 19 do ADCT e que não prestaram os concursos mencionados no art. 37, II, da Constituição e 19, I, do ADCT. Desse modo, não há inconstitucionalidade a ser declarada no caput do art. 276 da Lei Complementar nº 10.098/1994 do Estado do Rio Grande do Sul.

Arguição de inconstitucionalidade rejeitada. (TST-RR-105100-93.1996.5.04.0018, Maria Helena Mallmann, DEJT 18/09/2017)

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Arguição de Inconstitucionalidade n° TST-RR-105100-93.1996.5.04.0018, relativo ao RR-105100-93.1996.5.04.0018 em que são partes MARIA GOMES JACOBSEN, Reclamante, e ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, Reclamado.

Maria Gomes Jacobsen ajuizou reclamação trabalhista em face do Estado do Rio Grande do Sul na qual alegou ser empregada da Brigada Militar do referido ente federado desde 23.9.1982. Sustentou que desde 14.7.1988 sua remuneração mensal era calculada com base no valor da hora-aula da Academia de Polícia Militar até que, em 1.8.1993, o reclamado alterou unilateralmente a forma de cálculo do seu salário. Articulou que, a partir da referida data, houve desvinculação entre o valor da hora-aula da Academia de Polícia Militar e a sua remuneração mensal, que passou a ser fixada no montante recebido em julho de 1993 e reajustada nas mesmas datas e pelos mesmos índices aplicados aos integrantes do Magistério Público Estadual. Chamou atenção para o fato de que os demais professores da Brigada Militar permaneceram percebendo seus salários com base na hora-aula da Academia de Polícia Militar, razão porque sua remuneração, com o passar do tempo, passou a ser inferior a dos outros professores. Indicou paradigma para pedido de equiparação salarial. Mencionou que em 4.10.1994 foi transposta para o novo regime jurídico dos servidores públicos civis do estado, instituído pela Lei Complementar nº 10.098/1994. Pleiteou a nulidade da alteração unilateral na forma de cálculo do seu salário com o pagamento de diferenças ou, alternativamente, a equiparação salarial com a professora paradigma apontada na petição inicial, também com o pagamento de diferenças.

A reclamação foi julgada improcedente pela 18ª Junta de Conciliação e Julgamento de Porto Alegre (fl. 550).

A autora apresentou recurso ordinário, ocasião em que o Tribunal Regional da 4ª Região reformou a sentença para condenar o reclamado no pagamento de diferenças salariais, a contar de agosto/93, decorrentes da observância do valor do salário-hora da Academia de Policia Militar, com integração nos avanços trienais, adicional de risco de vida, abono família e nas demais vantagens incidentes sobre o salário-básico, tudo com repercussões em férias com 1/3, gratificação natalina e FGTS, em parcelas vencidas até 31.12.93 (fl. 630). Na ocasião, a Corte Regional consignou que a condenação devia ser limitada a 31.12.1993, porquanto, demonstrada a transposição do regime jurídico único em 1.1.1994, há incompetência da Justiça do Trabalho para processar e julgar pretensões sob a égide do regime de direito administrativo. Relativamente à prescrição bienal, em embargos de declaração o Tribunal Regional consignou que "a transposição de regime altera, tão-somente, a natureza jurídica da relação, não acarretando sua extinção. Por conseguinte, não se cogita da incidência de prescrição bienal, mas, sim (tratando-se de direito ao pagamento de parcela de trato sucessivo) da prescrição quinquenal prevista no art. 7º, XXIX, da Constituição da República. Assim, interposta a demanda em 2.10.96 e a pretensão da trabalhadora se restringindo a parcelas posteriores a 01.8.93, não há prescrição a ser declarada na presente demanda" (fl. 662).

Contra esse acórdão, o Estado do Rio Grande do Sul apresentou recurso de revista (fls. 668/686) argumentando que, com base nos arts. 276, caput, e 277 da Lei Complementar Estadual nº 10.098/1994, houve extinção do contrato de trabalho em 31.12.1993. Chamou atenção para o fato de que apenas os §§ 2º, 3º e 4º do art. 276 na norma em referência tiveram a sua constitucionalidade questionadas na ADI nº 1.150-2, sendo que o Supremo Tribunal Federal apenas declarou a inconstitucionalidade da expressão "operando-se automaticamente a transposição de seus ocupantes" constante do seu §2°. Aduziu que, contudo, o art. 276, caput, da Lei Complementar Estadual nº 10.098/1994 possui normatividade autônoma que não foi rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal. Obtemperou que, com base na mencionada norma, de fato, ocorreu a alteração de regime jurídico. Indicou ofensa aos arts. 5º, XXXVI, 7º, XXIX, 102, I, "a", e 103 da Constituição Federal, 467, 468 e 474 do CPC de 1973.

A autora também apresentou recurso de revista (fl. 688-720) em face do acórdão regional. Articulou ser incabível a limitação da condenação até a vigência da Lei Complementar Estadual nº 10.098/1994, uma vez que a lesão ocorreu quando ainda vigente o seu contrato de trabalho e seus efeitos perduraram no tempo. A declaração de incompetência em relação ao período posterior a 1.1.1994, assim, ocasionou violação do art. 114 da Constituição Federal. Transcreveu arestos.

Ambos os recursos de revista foram admitidos (fls. 726/730).

A 2ª Turma desta Corte Superior, em acórdão da relatoria do Min. José Simpliciano Fontes de Faria Fernandes, deu provimento ao apelo do Estado do Rio Grande do Sul, por contrariedade à Súmula nº 382/TST, ocasião em que declarou totalmente prescrito o direito de ação da autora (fls. 842/848). Tal decisão foi mantida após a oposição de 2 (dois) embargos de declaração pela autora (fls. 908/912 e 960/966).

Então, a autora apresentou embargos à SbDI-1/TST, oportunidade em que articulou que não foi admitida mediante aprovação em concurso público, sendo-lhe reconhecida a estabilidade prevista no art. 19 do ADCT. Argumentou que, em ação de controle concentrado de constitucionalidade, a Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade do art. 276, §2°, da Lei Complementar 10.098/94, razão pela qual, com o advento de tal norma, não houve transposição automática de regime jurídico, tampouco foi extinto o seu contrato de trabalho. Asseverou, ainda, que independentemente da declaração de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal, somente em 4.10.1994 foi editado ato do Secretário de Estado e Planejamento da Administração do Estado do Rio Grande do Sul reconhecendo que, apenas naquela data, ocorreu a transposição para o regime jurídico único, e não a partir de 1.1.1994, conforme constou do acórdão proferido pela 2ª Turma. Assim, considerando o termo inicial do prazo prescricional ocorrido em 5.10.1994, não haveria prescrição bienal a ser pronunciada.

Antes do julgamento dos embargos, a autora interpôs também recurso extraordinário (fl. 1082), ocasião em que houve o sobrestamento do juízo de admissibilidade desse último apelo (fls. 1084/1086) até que os embargos fossem apreciados pela SbDI-1/TST.

A SbDI-1/TST, em decisão relatada pelo Ministro Augusto César Leite de Carvalho, por unanimidade, conheceu do recurso de embargos quanto ao tema "Prescrição. Transposição do regime celetista para o estatutário. Lei Estadual 10.098/94", por contrariedade à Súmula 382/TST e, no mérito, deu-lhe provimento para, afastando a prescrição total, determinar o retorno dos autos à Turma de origem, a fim de que fosse examinado o recurso de revista interposto pela reclamante como entender de direito (fl. 1120/1132). Consta da ementa do referido acórdão que "a Lei Estadual 10.098/94-RS, que instituiu no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul as regras para a transposição do regime jurídico de celetista para estatutário, foi objeto da ADI no 1.150-2, tendo o STF declarado inconstitucional a expressão ‘operando-se automaticamente a transposição dos seus ocupantes’, prevista no § 2º do art. 276. Em razão da referida declaração de inconstitucionalidade, a reclamante permaneceu na condição de empregada celetista, mesmo após a edição da Lei Estadual 10.098/94-RS, porque embora estável, na forma do art. 19 do ADCT, não se submetera a concurso público. Se a transposição do regime jurídico de celetista para estatutário não alcançou a autora, a tese adotada pela Turma de extinção do contrato de trabalho, por força da mudança de regime jurídico, nos termos da Súmula 382/TST, não se sustenta. Por conseguinte, impossível concluir pela prescrição total da pretensão, como decidido". Contra tal decisão, o Estado do Rio Grande do Sul apresentou embargos de declaração, os quais foram rejeitados.

Assim, o Ente Público interpôs recurso extraordinário (fls. 1300/1330) ao Pretório Excelso. Contudo, diante do caráter interlocutório da decisão da SbDI-1/TST, determinou-se a retenção do recurso extraordinário nos autos, que foram remetidos à 2ª Turma dessa Corte Superior (fls. 1376/1348).

De volta à 2ª Turma, em acórdão da relatoria do Ministro Caputo Bastos, o recurso de revista aviado pela autora foi conhecido e provido por violação do art. 114 da Constituição Federal para declarar a competência da Justiça do Trabalho para apreciar a lide de forma integral (sem a limitação temporal mencionada pelo Regional) e determinar o retorno dos autos ao egrégio Tribunal Regional para que prossiga no exame do feito, como entender de direito (fl. 1396/1405). Na referida decisão ficou assentado que "esta Corte Superior, seguindo orientação do excelso Supremo Tribunal Federal, tem entendido que é inviável a conversão automática de regime jurídico, ante o óbice contido no artigo 37, II, da Constituição Federal, razão pela qual o empregado público, ainda que admitido anteriormente à vigência da Constituição Federal de 1988, sem submissão a certame público, continua regido pelo regime celetista, independentemente da existência de norma estadual ou municipal que estabeleça a conversão deste regime para o estatutário".

Referida decisão sofreu efeito modificativo pela oposição de embargos de declaração pela autora. No acórdão relativo aos embargos de declaração, reconheceu-se que "o egrégio Tribunal Regional já analisou a matéria de fundo, a qual consiste no pagamento de diferenças salariais decorrentes da observância do valor do salário-hora da Academia de Polícia Militar. Porém, limitou a condenação a 31.12.93, por considerar a Justiça do Trabalho incompetente para apreciar o feito desde então, tendo em vista a transmudação para o regime jurídico estatutário. Assim, diante da decisão do v. acórdão embargado de que a reclamante continua regida pelo regime celetista e, consequentemente, esta Justiça do Trabalho permanece competente para apreciar o feito, não há a necessidade de retorno dos autos ao egrégio Tribunal Regional para analisar questão já decidida" (fls. 1448/1451). Assim, condenou-se o Estado do Rio Grande do Sul ao pagamento das diferenças salariais pleiteadas na forma em que deferidas pelo Regional, afastando, contudo, a limitação temporal indicada na decisão regional.

O Estado Federado réu, então, reiterou o recurso extraordinário antes aviado, o qual foi admitido (fl. 1482/1487) pela Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, então Vice-Presidente desta Corte Superior.

Em decisão monocrática da lavra do Ministro Ricardo Lewandowski, nos autos do Recurso Extraordinário nº 705.958, a insurgência do Estado do Rio Grande do Sul foi acolhida por violação da Súmula Vinculante n° 10 do STF e ofensa ao art. 97 da Constituição Federal. Na parte dispositiva da referida decisão consta o seguinte: "conheço do recurso extraordinário e dou-lhe provimento (CPC, art. 557, § 1º-A) para cassar o acórdão recorrido, proferido pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho TST, bem como os posteriores a ele, proferidos pela Segunda Turma daquela Corte, e determinar o retorno dos autos ao TST, a fim de que proceda a novo julgamento pelo órgão competente, nos termos do art. 97 da Constituição Federal" (fl. 1517).

Contra essa decisão, a autora interpôs agravo regimental. Assim, a questão foi levada a julgamento colegiado na 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, ocasião em que se negou provimento ao mencionado recurso, confirmando-se a decisão monocrática que cassou o acórdão da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho. Na fundamentação relativa ao agravo regimental no recurso extraordinário consta que "o acórdão do Tribunal de origem afastou a aplicação do ‘caput’ do art. 276 da Lei Estadual 10.098/1994, que previa a mudança do regime celetista para estatutário, com base na ADI 1.150/RS, que declarou expressamente inconstitucionais apenas a expressão ‘operando-se automaticamente a transposição de seus ocupantes’ do § 2º bem como os § 3º e § 4º da referida lei estadual" (fls. 1523).

Atendendo à determinação da Suprema Corte, em 9 de julho de 2013 o Ministro Barros Levenhagen, então Vice-Presidente deste Tribunal Superior, no exercício da Presidência, determinou a distribuição do feito no âmbito do Tribunal Pleno dessa Corte (fl. 3085/3086).

O processo foi, assim, distribuído por sorteio ao Ministro Fernando Eizo Ono em 2.8.2013. Contudo, considerando a excepcionalidade do afastamento de Sua Excelência desde 03/08/15, em razão de licença para tratamento de saúde (Resolução Administrativa 1763/2015), bem como as prorrogações sucessivas, o Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, Presidente desta Corte, determinou, a pedido da parte autora, a redistribuição do processo no âmbito do Tribunal Pleno (fl. 3099).

Em 19 de dezembro de 2016, os autos foram-me distribuídos por sorteio e vieram-me conclusos (fl. 3101).

É o relatório.

V O T O

1. ADMISSIBILIDE DA ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE

Deve ser admitida a arguição de inconstitucionalidade tendo em vista a decisão proferida pelo Pretório Excelso nos presentes autos, no sentido de prover o recurso extraordinário interposto pela reclamada e determinar que a manifestação acerca da constitucionalidade ou não do art. 276, caput, da Lei Complementar Estadual nº 10.098/94 do Estado do Rio Grande do Sul se dê no âmbito do órgão competente para tanto, nos termos do art. 97 da Constituição Federal (fl. 1517).

Exatamente por essa razão, no despacho exarado pelo Ministro Barros Levenhagen, então Vice-Presidente deste Tribunal Superior, no exercício da Presidência (fls. 3085/3086), considerou-se "superado o acolhimento da arguição da inconstitucionalidade de lei".

Dessa forma, admito a arguição de inconstitucionalidade.

2. MÉRITO DA ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE

CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO (ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 276, "CAPUT", DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL 10.098/94. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. SERVIDORES PÚBLICOS CELETISTAS ESTABILIZADOS. ART. 19 DO ADCT. AUSÊNCIA DE PRÉVIA APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO. VALIDADE DA INSTITUIÇÃO DO REGIME JURÍDICO ÚNICO ESTATUTÁRIO. EXTINÇÃO DO REGIME CELETISTA. INCONSTITUCIONALIDADE DE PROVIMENTO AUTOMÁTICO EM CARGO PÚBLICO EFETIVO DE EX-CELETISTAS ESTABILIZADOS

Cuida-se de procedimento submetido à sistemática da arguição de inconstitucionalidade, uma vez que provocado diretamente pela decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE nº 705.958, em que Pretório Excelso determinou que a compatibilidade do art. 276, caput, da Lei Complementar Estadual nº 10.098/94 do Estado do Rio Grande do Sul com a Constituição Federal fosse decidida pelo órgão competente deste Tribunal Superior.

Como se sabe, a fiscalização da constitucionalidade dos atos normativos estatais no Brasil se dá de forma mista ou híbrida, porquanto, na Constituição Federal de 1988, foram estabelecidas regras próprias de controle concreto e abstrato de constitucionalidade.

Conforme o escólio de J.J. Gomes Canotilho, "o processo de fiscalização concreta de normas jurídicas, designado também por processo incidental ou acção judicial de inconstitucionalidade (Richterklage), traduz a consagração do direito (e dever) de fiscalização dos juízes (judicial review) relativamente a normas a aplicar a um acaso concreto" (in Direito Constitucional – Teoria da Constituição. 7ª edição, Editora Almedina, Coimbra, Portugal, p. 983). Arremata o doutrinador lusitano:

Uma norma em desconformidade material, formal ou procedimental com a constituição é nula, devendo o juiz, antes de decidir qualquer caso concreto de acordo com esta norma, examinar (direito de exame, direito de fiscalização) se ela viola as normas e princípio da constituição. Desta forma, os juízes tem acesso directo à constituição, aplicando ou desaplicando normas cuja inconstitucionalidade foi impugnada.

De outro norte, com base na lição do mesmo doutrinador, "o controlo abstracto sucessivo, também chamado controle em via principal, em via de acção ou em via directa (cfr. art. 281.º), existe quando independentemente de um caso concreto, se averigua da conformidade de quaisquer normas com o parâmetro normativo-constitucional" (ibidem, p. 1003). No Brasil, cabe privativamente ao Supremo Tribunal Federal o controle abstrato de constitucionalidade, sendo que as decisões emanadas da Suprema Corte em tais ações possuem "força obrigatória geral (com força de lei)" (idem).

Em relação ao controle difuso de constitucionalidade realizado por tribunais, porém, a Constituição Federal impõe seja atendida a cláusula de reserva de plenário prevista em seu art. 97. Deste modo, "somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público". O Supremo Tribunal Federal tem dado à mencionada norma exegese ampliativa, no sentido de evitar o "escamoteamento da declaração de inconstitucionalidade, ou melhor, o afastamento ou a mera não aplicação de lei sem que essa seja dita, expressamente, inconstitucional" (SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 2ª.edição. São Paulo. P. 905). Nessa direção, foi editada a Súmula Vinculante nº 10/STF:

"Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte".

Na espécie, por contrariedade à Súmula Vinculante nº 10 e ofensa ao art. 97 da Carta Magna, o Supremo Tribunal Federal cassou o acórdão da Subseção 1 de Dissídios Individuais dessa Corte Superior bem como a decisão da 2ª Turma que a sucedeu por contrariedade à Súmula Vinculante nº 10/STF. O Pretório Excelso decidiu que "o acórdão do Tribunal de origem afastou a aplicação do caput do art. 276 da Lei Estadual 10.098/1994, que previa a mudança do regime celetista para estatutário, com base na ADI 1.150/RS, que declarou expressamente inconstitucionais apenas a expressão ‘operando-se automaticamente a transposição de seus ocupantes’ do § 2º bem como os § 3º e § 4º da referida lei estadual" (fls. 1523).

É cediço que não ofende a cláusula de reserva de plenário a decisão de órgão fracionário que, em controle difuso de constitucionalidade e aplicando a jurisprudência da Suprema Corte, afasta a incidência de norma. Nesse sentido é a firme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, conforme o precedente que se segue:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE PROPRIEDADE PREDIAL E TERRITORIAL URBANA. IPTU. PROGRESSIVIDADE FISCAL. VEDAÇÃO EM PERÍODO ANTERIOR À EC 29/2000. PROCESSUAL CIVIL. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE INCIDENTAL. PROCEDIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL. NEGATIVA DE PROVIMENTO. [...] 2. Não há reserva de Plenário (art. 97 da Constituição) à aplicação de jurisprudência firmada pelo Pleno ou por ambas as Turmas desta Corte. Ademais, não é necessária identidade absoluta para aplicação dos precedentes dos quais resultem a declaração de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade. Requer-se, sim, que as matérias examinadas sejam equivalentes. Assim, cabe à parte que se entende prejudicada discutir a simetria entre as questões fáticas e jurídicas que lhe são peculiares e a orientação firmada por esta Corte. [...] Agravo regimental ao qual se nega provimento.
(AI 607616 AgR, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 31/08/2010, DJe-185 DIVULG 30-09-2010 PUBLIC 01-10-2010 EMENT VOL-02417-07 PP-01451)

Já no art. 949, parágrafo único, do Novo Código de Processo Civil foi mantida a previsão antes constante no art. 481, parágrafo único, do Código de 1973, no sentido de que "os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão especial a arguição de inconstitucionalidade quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão".

Note-se que, no caso vertente, o órgão fracionário desta Corte Superior tomou por base a jurisprudência vinculante do Supremo Tribunal Federal firmada na ADI 1.150/RS, o que, em tese, afastaria a necessidade de observância da reserva de cláusula de plenário, conforme já se consignou. Ocorre que, concessa venia, a Subseção 1 de Dissídios Individuais extrapolou o quanto decidido na ADI 1.150/RS para considerar inconstitucional dispositivo de lei que não foi objeto da referida ação de controle concentrado de constitucionalidade.

Com efeito, o art. 276 da Lei Complementar nº 10.098/1994 do Estado do Rio Grande do Sul, em sua redação original, é do seguinte teor:

Art. 276 - Ficam submetidos ao regime jurídico instituído por esta lei, na qualidade de servidores públicos, os servidores estatutários da Administração Direta, das autarquias e das fundações de direito público, inclusive os interinos e extranumerários, bem como os servidores estabilizados vinculados à Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5452, de 1º de maio de 1943.

§ 1º - Os servidores celetistas de que trata o ‘caput’ deverão manifestar, formalmente, no prazo de 90 (noventa) dias após a promulgação desta lei, a opção de não integrarem o regime jurídico por esta estabelecido.

§ 2º - Os cargos ocupados pelos nomeados interinamente e as funções correspondentes aos extranumerários e contratados de que trata este artigo, ficam transformados em cargos de provimento efetivo, em classe inicial, em número certo, operando-se automaticamente a transposição dos seus ocupantes, observada a identidade de denominação e equivalência das atribuições com cargos correspondentes dos respectivos quadros de pessoal.

§ 3º - Nos órgãos em que já exista sistema de promoção para servidores celetistas, a transformação da respectiva função será para o cargo de provimento efetivo em classe correspondente.

§ 4º - Os cargos de provimento efetivo resultantes das disposições deste artigo, excetuados da norma de que trata o artigo 6º desta lei, serão extintos à medida que vagarem.

§ 5º - Para efeitos de aplicação deste artigo, não serão consideradas as situações de fato em desvio de função.

§ 6º - Os contratados por prazo determinado terão seus contratos extintos, após o vencimento do prazo de vigência.

Na espécie, a Subseção 1 de Dissídios Individuais desta Corte afastou a prescrição bienal antes reconhecida pela 2ª Turma por considerar inaplicável  ao caso a Súmula nº 382/TST em decorrência do efeito vinculante da decisão da Suprema Corte proferida no autos da ADI Nº 1.150-2. Na Súmula nº 382/TST está materializada a seguinte diretriz jurisprudencial:

MUDANÇA DE REGIME CELETISTA PARA ESTATUTÁRIO. EXTINÇÃO DO CONTRATO. PRESCRIÇÃO BIENAL (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 128 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005

A transferência do regime jurídico de celetista para estatutário implica extinção do contrato de trabalho, fluindo o prazo da prescrição bienal a partir da mudança de regime. (ex-OJ nº 128 da SBDI-1 - inserida em 20.04.1998)

Já a ementa do acórdão relativo à ADI 1.150/RS é do seguinte teor:

EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade, §§ 3º e 4º do artigo 276 da Lei 10.098, de 03.02.94, do Estado do Rio Grande do Sul. - Inconstitucionalidade da expressão ‘operando-se automaticamente a transposição de seus ocupantes’ contida no § 2º do artigo 276, porque essa transposição automática equivale ao aproveitamento de servidores não concursados em cargos para cuja investidura a Constituição exige os concursos aludidos no artigo 37, II, de sua parte permanente e no § 1º do artigo 19 de seu ADCT. - Quanto ao §3º desse mesmo artigo, é de dar-se-lhe exegese conforme à Constituição, para excluir, da aplicação dele, interpretação que considere abrangidas, em seu alcance, as funções de servidores celetistas que não ingressaram nelas mediante concurso a que aludem os dispositivos constitucionais acima referidos. - Por fim, no tocante ao § 4º do artigo em causa, na redação dada pela Lei estadual nº 10.248/94, também é de se lhe dar exegese conforme à Constituição, para excluir, da aplicação dele, interpretação que considere abarcados, em seu alcance, os empregos relativos a servidores celetistas que não se submeteram a concurso, nos termos do artigo 37, II, da parte permanente da Constituição ou do § 1º do artigo 19 do ADCT. Ação que se julga procedente em parte, para declarar-se inconstitucional a expressão ‘operando-se automaticamente a transposição de seus ocupantes’ contida no artigo 276, § 2º, da Lei 10.098, de 03.02.94, do Estado do Rio Grande do Sul, bem como para declarar que os §§ 3º e 4º desse mesmo artigo 276 (sendo que o último deles na redação que lhe foi dada pela Lei 10.248, de 30.08.94) só são constitucionais com a interpretação que exclua da aplicação deles as funções ou os empregos relativos a servidores celetistas que não se submeteram ao concurso aludido no artigo 37, II, da parte permanente da Constituição, ou referido no § 1º do artigo 19 do seu ADCT. (ADI 1150, Relator(a):  Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 01/10/1997, DJ 17-04-1998 PP-00001 EMENT VOL-01906-01 PP-00016)

Extrai-se do acórdão transcrito que apenas os §§ 2º, 3º e 4º do art. 276 da Lei Complementar nº 10.098/1994 do Estado do Rio Grande do Sul foram objeto da ação de controle concentrado de constitucionalidade. Portanto, não houve decisão do Supremo Tribunal Federal acerca da compatibilidade do art. 276, caput, do indigitado diploma legal com a Carta Magna. Tal circunstância foi expressamente mencionada no voto-vista do Ministro Neri da Silveira que afirmou: "o caput do art. 276 da Lei gaúcha nº 10.098/1994 não é objeto da presente ação de inconstitucionalidade".

Note-se que é precisamente no art. 276, caput, da Lei Complementar nº 10.098/1994, já transcrito, que está prevista a transferência do regime jurídico de celetista para estatutário dos "servidores estabilizados vinculados à Consolidação das Leis do Trabalho" no âmbito da Administração Pública Direta, autárquica e fundacional do Estado do Rio Grande do Sul.

Dessume-se que, embora seja juridicamente possível a conclusão a que chegou a Egrégia Subseção 1 de Dissídios Individuais, no sentido de que "a reclamante permaneceu na condição de empregada celetista, mesmo após a edição da Lei Estadual 10.098/94-RS" (fl. 1130), é certo que tal assertiva somente poderia prevalecer caso declarada a inconstitucionalidade do art. 276, caput, da indigitada norma, o que não ocorreu no pronunciamento da Suprema Corte na ADI 1.150/RS. Por conseguinte, a não aplicação do caput do art. 276 do diploma legal em referência somente poderia ocorrer pelo voto da maioria absoluta dos ministros dessa Corte Superior (art. 68, IX, do RITST), uma vez que a medida importa na declaração de inconstitucionalidade do dispositivo, a teor da Súmula Vinculante nº 10/STF.

Diante desse quadro, cinge-se a presente arguição de inconstitucionalidade de lei ou de ato do Poder Público na fiscalização da compatibilidade do art. 276, caput, da Lei Complementar nº 10.098/1994 com a Constituição Federal. O cerne da questão reside, pois, em discernir se a expressão "servidores estabilizados vinculados à Consolidação das Leis do Trabalho" avistável no art. 276, caput, da Lei Complementar nº 10.098/1994 foi prejudicada pela declaração de inconstitucionalidade na ADI 1.150/RS da expressão "operando-se automaticamente a transposição dos seus ocupantes", contida no §2º.

Esse Tribunal Pleno, inclusive, já admitiu a viabilidade de declaração de inconstitucionalidade por arrastamento de ato normativo do Poder Público com base na "ratio decidendi" de precedente da Suprema Corte. Acerca do tema, por sua precisão e profundidade, trago à colação trecho da ementa da ArgInc - 479-60.2011.5.04.0231, da relatoria do Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão:

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. EXPRESSÃO "EQUIVALENTES À TRD" CONTIDA NO ARTIGO 39 DA LEI Nº 8.177/91. RATIO DECIDENDI DEFINIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR ARRASTAMENTO, POR ATRAÇÃO, CONSEQUÊNCIA, DECORRENTE OU REVERBERAÇÃO NORMATIVA. INTERPETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. MODULAÇÃO DE EFEITOS AUTORIZADA PELA INTEGRAÇÃO ANALÓGICA PREVISTA NO ARTIGO 896-C,M § 17, DA CLT, INTRODUZIDO PELA LEI Nº 13.015/2014. RESPEITO AO ATO JURÍDICO PERFEITO. Na decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal nas ADIs nºs 4.357, 4.372, 4.400 e 4425, foi declarada inconstitucional a expressão "índice oficial da remuneração básica da caderneta de poupança", constante do § 12 do artigo 100 da Constituição Federal. Mais recentemente e na mesma linha, desta feita por meio da decisão proferida nos autos da Ação Cautelar n° 3764 MC/DF, em 24/03/2015, o entendimento foi reafirmado pela Suprema Corte, e fulminou a aplicação da TR como índice de correção monetária. A ratio decidendi desses julgamentos pode ser assim resumida: a atualização monetária incidente sobre obrigações expressas em pecúnia constitui direito subjetivo do credor e deve refletir a exata recomposição do poder aquisitivo decorrente da inflação do período em que apurado, sob pena de violar o direito fundamental de propriedade, protegido no artigo 5º, XXII, a coisa julgada (artigo 5º, XXXVI), a isonomia (artigo 5º, caput), o princípio da separação dos Poderes (artigo 2º) e o postulado da proporcionalidade, além da eficácia e efetividade do título judicial, a vedação ao enriquecimento ilícito do devedor. Diante desse panorama, inevitável reconhecer que a expressão "equivalentes à TRD", contida no artigo 39 da Lei n° 8.177/91, também é inconstitucional, pois impede que se restabeleça o direito à recomposição integral do crédito reconhecido pela sentença transitada em julgado. O reparo, portanto, dessa iníqua situação se impõe e com urgência, na medida em que, ao permanecer essa regra, a cada dia o trabalhador amargará perdas crescentes resultantes da utilização de índice de atualização monetária do seu crédito que não reflete a variação da taxa inflacionária. A solução para a questão emana do próprio Supremo Tribunal Federal e recai sobre a declaração de Inconstitucionalidade por Arrastamento (ou por Atração, Consequência, Decorrente, Reverberação Normativa), caracterizada quando a declaração de inconstitucionalidade de uma norma impugnada se estende aos dispositivos normativos que apresentam com ela relação de conexão ou de interdependência. A técnica já foi utilizada pela Corte Maior, em inúmeros casos e, especificamente na discussão em exame, em relação à regra contida no art. 1o-F da Lei n° 9.494/97, a partir do reconhecimento de que os fundamentos da ratio decidendi principal também se encontravam presentes para proclamar o mesmo "atentado constitucional" em relação a este dispositivo que, na essência, continha o mesmo vício. [...] Em conclusão: declara-se a inconstitucionalidade por arrastamento da expressão "equivalentes à TRD", contida no caput do artigo 39 da Lei n° 8.177/91; [...](ArgInc - 479-60.2011.5.04.0231 , Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, Data de Julgamento: 04/08/2015, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DEJT 14/08/2015).

A presente hipótese, contudo, não comporta a declaração de inconstitucionalidade, nem mesmo por arrastamento, do caput do art. 276 da Lei Complementar nº 10.098/1994. Isso porque na ADI 1.150/RS a Suprema Corte limitou-se a negar a possibilidade de provimento automático dos cargos criados na forma do §2º do art. 276 da Lei Complementar nº 10.098/1994, que antes eram ocupados pelos servidores celetistas estabilizados nos termos do art. 19 do ADCT, por esses mesmo agentes, agora na condição de servidores estatutários. Convém transcrever novamente os dispositivos em referência:

Art. 276 - Ficam submetidos ao regime jurídico instituído por esta lei, na qualidade de servidores públicos, os servidores estatutários da Administração Direta, das autarquias e das fundações de direito público, inclusive os interinos e extranumerários, bem como os servidores estabilizados vinculados à Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5452, de 1º de maio de 1943.

[...]

§ 2º - Os cargos ocupados pelos nomeados interinamente e as funções correspondentes aos extranumerários e contratados de que trata este artigo, ficam transformados em cargos de provimento efetivo, em classe inicial, em número certo, operando-se automaticamente a transposição dos seus ocupantes (expressão declarada inconstitucional pelo STF) observada a identidade de denominação e equivalência das atribuições com cargos correspondentes dos respectivos quadros de pessoal.

Consoante bem destacou sua Excelência o Ministro Neri da Silveira em voto-vista proferido na ADI 1.150/RS, o caput da norma em destaque cuida da situação dos seguintes agentes públicos, que passaram à submissão do regime jurídico único do Estado do Rio Grande do Sul: 1) os servidores estatutários da Administração Direta, das autarquias e das fundações de direito público; 2) os interinos; 3) os extranumerários; 4) e os servidores estabilizados vinculados à Consolidação das Leis do Trabalho.

Sublinhe-se que os "contratados de que trata este artigo", mencionados §2º do art. 276 da Lei Complementar nº 10.098/1994, são precisamente os "servidores estabilizados vinculados à Consolidação das Leis do Trabalho" de que cuida o "caput" do dispositivo legal. A Suprema Corte não viu inconstitucionalidade na transformação dos empregos públicos antes ocupados pelos empregados beneficiados pela estabilidade do art. 19 do ADCT em cargos público de provimento efetivo. O que se considerou inconstitucional foi provimento dos referidos cargos efetivos de forma automática pelos antigos empregados estáveis na forma do art. 19 do ADCT.

No caso específico do art. 276, §2º, da Lei Complementar nº 10.098/1994, conforme consta do voto condutor do Ministro Moreira Alves, relator da ADI nº 1.150/RS, "a expressão impugnada ‘operando-se automaticamente a transposição dos seus ocupantes’, que se refere aos nomeados interinamente para cargos públicos e aos extranumerários e contratados que ocupam funções que são transformadas em cargos de provimento efetivo, diz respeito, sem dúvida alguma, a servidores que não são concursados (art. 37, II, da Constituição) e que, ou também não foram estabilizados por força do disposto no artigo 19 do ADCT da atual Constituição, ou, se alguns o foram, não se submeteram ao concurso para fins de efetivação a que alude o citado dispositivo do ADCT".  Já o caput do art. 276 disciplina a situação diversa. Na referida regra, não houve provimento derivado de cargos efetivos por empregados estabilizados na forma do art. 19 do ADCT, mas, apenas, se estabeleceu validamente que a relação entre o Poder Público e tais empregados passou a ser regida pelo então criado regime jurídico único. Segundo consta do voto-vista do Ministro Neri da Silveira nos autos da ADI 1.150/RS, "é certo [...] que, mesmo estabilizados pelo art. 19 do ADCT, não podem esses servidores, que estão amparados pelo regime único dos servidores, conforme a regra geral do caput do art. 276 da Lei gaúcha nº 10.098/1994, ser providos em cargo de provimento efetivo" – sem prévia aprovação em concurso público na forma do art. 37, II, da Constituição ou 19, I, do ADCT, acrescente-se. Desta forma, "esses servidores não são mais celetistas, mas estatutários, embora fiquem sem prover cargo, até o concurso de efetivação para os cargos novos resultantes da transformação a que se refere o §2º do art. 276 em foco".

O voto-vista do Ministro Neri da Silveira é conclusivo em relação à constitucionalidade da alteração do regime de celetista para estatutário, decorrente do caput do art. 276 da Lei Complementar Estadual nº 10.098/94:

"esses servidores não são mais celetistas, mas estatutários, embora fiquem, sem prover cargo, até o concurso de efetivação para os cargos novos resultantes da transformação a que se refere o § 2º do art. 276 em foco.

[...]

Não há falar, aqui, em retorno à condição de celetistas e assim na obrigação do Estado a recolher o FGTS, desde janeiro de 1994, porque esses servidores estáveis, mas não efetivos, porque não provêm cargos de provimento efetivo, estão enquadrados no regime único dos servidores estaduais civis, ut art. 276, caput, que continua em vigor, eis que não  impugnado na presente ação direta de inconstitucionalidade".

Assim, reafirma-se que a inconstitucionalidade verificada na ADI Nº 1.150-2/RS não reside propriamente na transmudação do regime jurídico aplicável aos agentes de que trata o art. 276, caput, da Lei Complementar nº 10.098/1994. Para o STF, a inconstitucionalidade está no provimento automático dos cargos efetivos criados no §2º pelos seus antigos ocupantes que, embora estabilizados na forma do art. 19 do ADCT, deles não podem tomar posse sem prévia aprovação em concurso público (art. 37, II, da Constituição e 19, §1º, do ADCT). Não por outra razão, nas palavras do Ministro Neri da Silveira em voto-vista apresentado no julgamento da mencionada ação de controle concentrado, esses ex-empregados celetistas (agora estatutários) ficam "sem prover cargo".

O referido entendimento foi repisado em julgamento unânime da Primeira Turma da Suprema Corte nos autos do AI nº 431258 AgR/RS. Na ocasião, sob a relatoria do Ministro Roberto Barroso, a Suprema Corte reafirmou de forma categórica sua jurisprudência acerca do art. 276, caput, da Lei Complementar nº 10.098/1994: "aplica-se o regime estatutário aos servidores celetistas não concursados e estáveis, observadas as diretrizes do art. 19 do ADCT". Confira-se o seguinte excerto da fundamentação do acórdão:

"Quanto à alegação de que, em face da declaração de inconstitucionalidade parcial da Lei estadual n° 10.098/94, não houve transposição de regimes, esta Corte já esclareceu que o caput do art. 276 da Lei gaúcha nº 10.098/94 não foi objeto da ação de inconstitucionalidade. Logo, conforme previsto no caput daquele artigo, ficam submetidos ao regime jurídico, na qualidade de servidores públicos, os servidores estatutários da Administração Direta, das autarquias e das fundações de direito público, inclusive os interinos e extranumerários, bem como os servidores estabilizados vinculados à Consolidação das Leis do Trabalho. Em outras palavras, aplica-se o regime estatutário aos servidores celetistas não concursados e estáveis, observadas as diretrizes do art. 19 do ADCT. Nesse sentido, vale destacar trecho do voto condutor proferido por esta Corte no RE 558.658-AgR, julgado sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes:

‘[...] Conforme consignado na decisão agravada, é aplicável aos servidores estáveis o disposto na Lei Complementar estadual 10.098/94 (Regime Jurídico Único dos servidores públicos civis do Estado do Rio Grande do Sul), desde que observados os requisitos do art. 19 do ADCT.

Com base em iterativa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, verifica-se a existência de restrição constitucional quanto à transposição automática de cargo exercido por servidor não concursado em cargo efetivo, mas não quanto à transposição a que se refere o art. 19 do ADCT.

É esse o entendimento que se extrai do julgamento da ADI 1.150, rel. Min. Moreira Alves, DJ 17.4.1998, no qual se consolidou orientação segundo a qual é inconstitucional a transposição automática de cargos ocupados por servidores celetistas não concursados em cargos de provimento efetivo, por ofensa aos arts. 37, II; e 19, caput e § 1º, do ADCT.

[...]’

Diante do exposto, nego provimento ao agravo regimental" (AI 431258 AgR, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 07/04/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-074 DIVULG 20-04-2015 PUBLIC 22-04-2015).

Nessa quadra, faz-se necessário esclarecer que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal diferencia os institutos da estabilidade no serviço público da efetividade. Existe a figura dos "servidores estáveis, mas não efetivos", vale dizer, estabilizados na forma do art. 19 do ADCT, porém não ocupantes de cargos públicos de provimento efetivo.

Realmente, segundo a clássica jurisprudência da Suprema Corte, contemporânea ao julgamento da ADI nº 1.150-2 e materializada no acórdão do RE nº 167.635, de que foi relator o Ministro Maurício Corrêa, os dois institutos se distinguem porque a efetividade "é atributo do cargo, designando o funcionário desde o instante da nomeação; a estabilidade é a aderência, é a integração no serviço público depois de preenchidas determinadas condições fixadas em lei e adquirida pelo decurso de tempo". No tocante à hipótese prevista no art. 19 do ADCT, "preenchidas as condições insertas no preceito transitório, o servidor é estável, mas não é efetivo, e possui somente o direito de permanência no serviço público no cargo em que fora admitido." Assim, "não tem direito a efetivação a não ser que se submeta a concurso público, quando, aprovado e nomeado, fará jus à contagem do tempo de serviço prestado no período de estabilidade como título". Eis a ementa do julgado em referência:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. FUNCIONÁRIO PÚBLICO ESTADUAL ADMITIDO SEM CONCURSO PÚBLICO E REDISTRIBUÍDO PARA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO. EFETIVAÇÃO POR RESOLUÇÃO DA MESA. FORMA DERIVADA DE INVESTIDURA EM CARGO PÚBLICO. DESFAZIMENTO DO ATO ADMINISTRATIVO PELA MESA DIRETORA DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA. ILEGALIDADE DO ATO QUE DECLAROU A NULIDADE DA INVESTIDURA DO SERVIDOR. IMPROCEDÊNCIA. EFETIVIDADE E ESTABILIDADE. 1. Servidor contratado para o cargo de carreira integrante do Poder Executivo estadual e redistribuído para a Assembleia Legislativa do Estado. Efetivação por ato da Mesa Legislativa. Forma derivada de investidura em cargo público. Inobservância ao artigo 37, II, da Constituição Federal. 1.1. O critério do mérito aferível por concurso público de provas ou de provas e títulos é, no atual sistema constitucional, indispensável para o cargo ou emprego isolado ou de carreira. Para o isolado, em qualquer hipótese; para o de carreira, só se fará na classe inicial e pelo concurso público de provas ou de provas e títulos, não o sendo, porém, para os cargos subsequentes que nela se escalonam até seu final, pois, para estes, a investidura se dará pela forma de provimento que é a "promoção". 1.2. Estão banidas, pois, as formas de investidura antes admitidas - ascensão e transferência -, que são formas de ingresso em carreira diversa daquela para a qual o servidor público ingressou por concurso. 1.3. O preceito constitucional inserto no art. 37, II, não permite o "aproveitamento", uma vez que, nesse caso, há igualmente o ingresso em outra carreira, sem o concurso público exigido. Precedente. 2.Efetividade e estabilidade. Não há que confundir efetividade com estabilidade. Aquela é atributo do cargo, designando o funcionário desde o instante da nomeação; a estabilidade é aderência, é integração no serviço público, depois de preenchidas determinadas condições fixadas em lei, e adquirida pelo decurso de tempo. 3. Estabilidade: artigos 41 da Constituição Federal e 19 do ADCT. A vigente Constituição estipulou duas modalidades de estabilidade no serviço público: a primeira, prevista no art. 41, é pressuposto inarredável à efetividade. A nomeação em caráter efetivo constitui-se em condição primordial para a aquisição da estabilidade, que é conferida ao funcionário público investido em cargo, para o qual foi nomeado em virtude de concurso público. A segunda, prevista no art. 19 do ADCT, é um favor constitucional conferido àquele servidor admitido sem concurso público há pelo menos cinco anos antes da promulgação da Constituição. Preenchidas as condições insertas no preceito transitório, o servidor é estável, mas não é efetivo, e possui somente o direito de permanência no serviço público no cargo em que fora admitido, todavia sem incorporação na carreira, não tendo direito a progressão funcional nela, ou a desfrutar de benefícios que sejam privativos de seus integrantes. 3.1. O servidor que preenchera as condições exigidas pelo art. 19 do ADCT-CF/88 é estável no cargo para o qual fora contratado pela Administração Pública, mas não é efetivo. Não é titular do cargo que ocupa, não integra a carreira e goza apenas de uma estabilidade especial no serviço público, que não se confunde com aquela estabilidade regular disciplinada pelo art. 41 da Constituição Federal. Não tem direito a efetivação, a não ser que se submeta a concurso público, quando, aprovado e nomeado, fará jus à contagem do tempo de serviço prestado no período de estabilidade excepcional, como título. 4. Servidor estável "ex vi" do art. 19 do ADCT, redistribuído para Assembléia Legislativa e efetivado na carreira por ato da Mesa Legislativa. Anulação. Ilegalidade e existência de direito adquirido. Alegação improcedente. Súmula 473/STF. 4.1. O ato de "redistribuição" ou "enquadramento", assim como o de "transferência" ou "aproveitamento", que propiciou o ingresso do servidor na carreira, sem concurso público, quando esse era excepcionalmente estável no cargo para o qual fora contratado inicialmente (art. 19, ADCT), é nulo, por inobservância ao art. 37, II, da Constituição Federal. Legítimo é o ato administrativo que declarou a nulidade da Resolução da Mesa da Assembleia Legislativa, que efetivou o agente público, pois a Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos (Súmula 473). A Constituição Federal não permite o ingresso em cargo público - sem concurso. Recurso extraordinário conhecido e provido, para cassar a segurança concedida. (RE 167.635/Pará, STF, Segunda Turma, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. em 17/09/1996).

Para dissipar qualquer dúvida acerca da possibilidade de transmudação de regime jurídico do servidor celetista estável na forma do art. 19 do ADCT, confira-se o acórdão da relatoria do Ministro Nelson Jobim, proferido nos autos da ADI 180/RS (D.J. 27.06.2003), no qual a Suprema Corte realizou controle de constitucionalidade repressivo de dispositivo do ADCT da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul. No mencionado precedente ficou decidido que, embora a estabilidade prevista no art. 19 do ADCT seja extensível aos empregados públicos da Administração Pública Direta, autárquica e fundacional do Estado do Rio Grande do Sul, é vedada a equiparação de "vantagens de servidores públicos estatutários – submetidos a concurso público – aos então celetistas e que adquiriram estabilidade por força da CF". Note-se que a situação do art. 276, §2º, da Lei Complementar nº 10.098/1994 é precisamente essa. A Suprema Corte, simplesmente, vedou o provimento automático de cargos efetivos pelos ex-empregados transformados em servidores estatutários sem, no entanto, ferir a mudança de regime de celetista para estatutário.

Assim, na ADI 180/RS, o Supremo Tribunal Federal, ao examinar dispositivo do ADCT da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, reconheceu expressamente a constitucionalidade do aproveitamento de ex-empregados celetistas estabilizados, transformados em servidores estatutários, em quadro especial em extinção. Disso se extrai que não há óbice constitucional à mudança de regime dos empregados estabilizados pelo art. 19 do ADCT/CF, porém tal alteração não resulta no provimento de cargos públicos efetivos por esses servidores. Eis a ementa do precedente:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ARTIGO DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL QUE ASSEGURA AOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS ESTABILIZADOS NOS TERMOS DO ART. 19 DO ADCT/CF, A ORGANIZAÇÃO EM QUADRO ESPECIAL EM EXTINÇÃO. EQUIPARAÇÃO DE VANTAGENS DOS SERVIDORES PÚBLICOS ESTATUÁRIOS AOS ENTÃO CELETISTAS QUE ADQUIRIRAM ESTABILIDADE FOR FORÇA DA CF. OFENSA AO ART. 37, II, DA CF. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE (ADI 180, Relator(a):  Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, julgado em 03/04/2003, DJ 27-06-2003 PP-00028 EMENT VOL-02116-01 PP-00001) .

Conforme consta da fundamentação do acórdão em referência, assegurou-se "aos servidores civis estabilizados na forma do artigo 19 do [ADCT/CF] a organização em quadro especial em extinção", vedando-se, todavia, a equiparação das vantagens que lhes forem devidas àquelas dos ocupantes de cargos efetivos. Diante de tal precedente, data maxima venia, não há como supor que a declaração de inconstitucionalidade do §2º do art. 276 da Lei Complementar Estadual nº 10.098/1994, por arrastamento, prejudicou retirou ou comprometeu a normatividade do "caput" do mesmo dispositivo.

Consoante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, tanto clássica como recente, é juridicamente possível a transmudação válida do regime jurídico do servidor celetista não concursado e estabilizado, nos termos do art. 19 do ADCT, para estatutário, sem que isso importe em provimento de cargo efetivo pelo referido agente público, o que somente seria possível se atendidas as exigências do art. 37, II, da Constituição Federal ou 19, §1º, do ADCT. Assim, remanesce claro que a decisão proferida pela Suprema Corte na ADI 1.150/RS não teve o alcance atribuído pela Subseção 1 de Dissídios Individuais que, ao decidir sobre o caso, afirmou categoricamente que "a reclamante permaneceu na condição de empregada celetista, mesmo após a edição da Lei Estadual 10.098/94-RS, porque embora estável, na forma do art. 19 do ADCT, não se submetera a concurso público".

Pontue-se que a situação do servidor submetido ao regime estatutário "sem prover cargo" não causa estranheza à Suprema Corte. É isso o que se infere do quanto decidido na ADI 114/PR cuja ementa é da seguinte redação:

"EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ART. 233, CAPUT, E PARÁGRAFO ÚNICO DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARANÁ. ALEGAÇÃO DE QUE AS NORMAS IMPUGNADAS TERIAM CRIADO CARGOS PÚBLICOS E PERMITIDO O PROVIMENTO EFETIVO POR SERVIDORES ESTÁVEIS SEM A PRÉVIA APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO. INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS DOS ARTS. 37, INC. II E 41 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E DO ART. 19 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS. DISTINÇÃO ENTRE EFETIVIDADE E ESTABILIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRINCÍPIOS DE ORGANIZAÇÃO DO ESTADO-MEMBRO NO TEXTO NORMATIVO. NECESSIDADE DE SE FIXAR INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE PARA DAR INTERPRETAÇÃO CONFORME AO CAPUT DO ART. 233 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARANÁ E DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE DO SEU PARÁGRAFO ÚNICO. (ADI 114, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 26/11/2009, DJe-189 DIVULG 30-09-2011 PUBLIC 03-10-2011 EMENT VOL-02599-01 PP-00001)

Na fundamentação do acórdão da mencionada ação de controle concentrado, a Ministra Cármen Lúcia, relatora, esclareceu:

"A norma do art. 19 do ADCT da Constituição brasileira possibilita o surgimento das seguintes situações:

a) o servidor é estável por força do art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e não ocupa cargo de provimento efetivo;

b) o servidor que se tornou estável nos termos do art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ocupa cargo de provimento efetivo após ter sido aprovado em concurso público para o provimento deste cargo;

c) o servidor ocupa cargo de provimento efetivo em razão de aprovação em concurso público e é estável nos termos do art. 41 da Constituição da República.

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre essa hipótese e, quanto às listadas nos itens ‘a’ e ‘b’, firmou entendimento de que, independentemente da estabilidade, a efetividade no cargo será obtida pela imprescindível observância do art. 37, II, da Constituição da República".

Diante disso, fica claro que a inconstitucionalidade verificada pelo Supremo Tribunal Federal no art. 276, §2º, da Lei Complementar nº 10.098/1994 não jaz na mudança de regime jurídico, de celetista para estatutário, mas no provimento automático (ou derivado) dos recém-criados cargos de provimento efetivo mencionados na indigitada norma por agentes que não foram previamente aprovados nos concursos públicos mencionados no art. 37, II, da Carta Magna e 19, I, do ADCT. 

Desse modo, não há inconstitucionalidade no caput do art. 276 da Lei Complementar nº 10.098/1994 do Estado do Rio Grande do Sul. Realmente, houve mudança de regime jurídico dos então empregados públicos mencionados na referida norma, de celetista para estatutário, embora isso não tenha ensejado o provimento automático de cargos públicos efetivos por tais servidores, estabilizados nos termos do art. 19 do ADCT e que não prestaram os concursos mencionados no art. 37, II, da Constituição e 19, I, do ADCT.

Ante o exposto, rejeito a declaração de inconstitucionalidade do caput do artigo 276 da Lei Complementar Estadual nº 10.098/94 do Estado do Rio Grande do Sul.

Relativamente à lide travada nos presentes autos, verifico que há matéria remanescente nos embargos apresentados pela autora à SbDI-1/TST além daquela relacionada à constitucionalidade do art. 276, caput, da Lei Complementar Estadual nº 10.098/94. Essa questão, naturalmente, encontra-se prejudicada pela decisão desse Tribunal Pleno.

Entretanto, na referida insurgência (fls. 2504-2532), a autora articulou, também, que a 2ª Turma contrariou a diretriz da Súmula nº 126/TST ao concluir que a transposição para o regime jurídico único ocorreu em "dezembro de 1993", quando tal conclusão não pode ser extraída nem do acórdão regional nem da Lei Complementar Estadual nº 10.098 de 3 de fevereiro de 1994. Aduz que, mesmo que se aplicasse o entendimento consagrado na Súmula nº 382/TST, o termo inicial da prescrição bienal somente se deu com a edição de ato do Poder Executivo local declarando a mudança de regime jurídico, em 4 de outubro de 1994, fato que, por si só, afastaria a prescrição. Nega a possibilidade de decretação da prescrição sem o revolvimento de fatos e provas, como alega ter feito a 2ª Turma do TST (fl. 2510).

Diante disso, voto também pela remessa dos autos à Subseção 1 de Dissídios Individuais para que aprecie, como entender de direito, a insurgência da reclamante nesse particular, sem desconsiderar o quanto ora decidido por esse Tribunal Pleno na presente arguição de inconstitucionalidade.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros do Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, rejeitar a declaração de inconstitucionalidade do caput do artigo 276 da Lei Complementar Estadual nº 10.098/94 do Estado do Rio Grande do Sul e remeter os autos à Subseção 1 de Dissídios Individuais para que aprecie, como entender de direito, os embargos interpostos pela Reclamante em relação à alegação de contrariedade à Súmula nº 126/TST, sem desconsiderar o quanto ora decidido por esse Tribunal Pleno na presente arguição de inconstitucionalidade.

Brasília, 21 de agosto de 2017.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

MARIA HELENA MALLMANN

Ministra Relatora

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