Data da publicação:
Acordão - STF
Luiz Fux - STF
In casu, tratando-se especificamente do agente nocivo ruído, desde que em limites acima do limite legal, constata-se que, apesar do uso de Equipamento de Proteção Individual (protetor auricular) reduzir a agressividade do ruído a um nível tolerável, até no mesmo patamar da normalidade, a potência do som em tais ambientes causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas. Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.
Resumo do voto.
"In casu, tratando-se especificamente do agente nocivo ruído, desde que em limites acima do limite legal, constata-se que, apesar do uso de Equipamento de Proteção Individual (protetor auricular) reduzir a agressividade do ruído a um nível tolerável, até no mesmo patamar da normalidade, a potência do som em tais ambientes causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas."
"na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria."
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 664.335 SANTA CATARINA
RELATOR :MIN. LUIZ FUX
RECTE.(S) :INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROC.(A/S)(ES) :PROCURADOR-GERAL FEDERAL
RECDO.(A/S) :ANTONIO FAGUNDES
ADV.(A/S) :LUIZ HERMES BRESCOVICI
AM. CURIAE. :CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE APOSENTADOS E PENSIONISTAS - COBAP DE APOSENTADOS E PENSIONISTAS - COBAP
ADV.(A/S) :GABRIEL DORNELLES MARCOLIN E OUTRO(A/S)
AM. CURIAE. :UNIÃO
PROC.(A/S)(ES) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. :INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO - IBDP
ADV.(A/S) :GISELE LEMOS KRAVCHYCHYN
AM. CURIAE. :SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS SIDERÚRGICAS, METALÚRGICAS, MECÂNICAS, DE MATERIAL ELÉTRICO E ELETRÔNICO E INDÚSTRIA NAVAL DE CUBATÃO, SANTOS, S.VICENTE, GUARUJÁ, PRAIA GRANDE, BERTIOGA, MONGAGUÁ, ITANHAÉM, PERUÍBE E S.SEBASTIÃO
ADV.(A/S) :SERGIO HENRIQUE PARDAL BACELLAR FREUDENTHAL E OUTRO(A/S)
AM. CURIAE. :SINDICATO DOS TRABALHADORES NO COMERCIO DE MINERIOS, DERIVADOS DE PETROLEO E COMBUSTIVEIS DE SANTOS E REGIÃO
ADV.(A/S) :FERNANDO GONÇALVES DIAS
AM. CURIAE. :SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDUSTRIAS DO PAPEL, PAPELÃO E CORTIÇA DE MOGI DAS CRUES, SUZANO, POÁ E FERRAZ DE VASCONCELOS
ADV.(A/S) :FERNANDO GONÇALVES DIAS
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ART. 201, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. REQUISITOS DE CARACTERIZAÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO SOB CONDIÇÕES NOCIVAS. FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL - EPI. TEMA COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PELO PLENÁRIO VIRTUAL. EFETIVA EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS À SAÚDE. NEUTRALIZAÇÃO DA RELAÇÃO NOCIVA ENTRE O AGENTE INSALUBRE E O TRABALHADOR. COMPROVAÇÃO NO PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO PPP OU SIMILAR. NÃO CARACTERIZAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS HÁBEIS À CONCESSÃO DE APOSENTADORIA ESPECIAL. CASO CONCRETO. AGENTE NOCIVO RUÍDO. UTILIZAÇÃO DE EPI. EFICÁCIA. REDUÇÃO DA NOCIVIDADE. CENÁRIO ATUAL. IMPOSSIBILIDADE DE NEUTRALIZAÇÃO. NÃO DESCARACTERIZAÇÃO DAS CONDIÇÕES PREJUDICIAIS. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DEVIDO. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
1. Conduz à admissibilidade do Recurso Extraordinário a densidade constitucional, no aresto recorrido, do direito fundamental à previdência social (art. 201, CRFB/88), com reflexos mediatos nos cânones constitucionais do direito à vida (art. 5º, caput, CRFB/88), à saúde (arts. 3º, 5º e 196, CRFB/88), à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB/88) e ao meio ambiente de trabalho equilibrado (arts. 193 e 225, CRFB/88).
2. A eliminação das atividades laborais nocivas deve ser a meta maior da Sociedade - Estado, empresariado, trabalhadores e representantes sindicais -, que devem voltar-se incessantemente para com a defesa da saúde dos trabalhadores, como enuncia a Constituição da República, ao erigir como pilares do Estado Democrático de Direito a dignidade humana (art. 1º, III, CRFB/88), a valorização social do trabalho, a preservação da vida e da saúde (art. 3º, 5º, e 196, CRFB/88), e o meio ambiente de trabalho equilibrado (art. 193, e 225, CRFB/88).
3. A aposentadoria especial prevista no artigo 201, § 1º, da 2 Constituição da República, significa que poderão ser adotados, para concessão de aposentadorias aos beneficiários do regime geral de previdência social, requisitos e critérios diferenciados nos “casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar”.
4. A aposentadoria especial possui nítido caráter preventivo e impõese para aqueles trabalhadores que laboram expostos a agentes prejudiciais à saúde e a fortiori possuem um desgaste naturalmente maior, por que não se lhes pode exigir o cumprimento do mesmo tempo de contribuição que aqueles empregados que não se encontram expostos a nenhum agente nocivo.
5. A norma inscrita no art. 195, § 5º, CRFB/88, veda a criação, majoração ou extensão de benefício sem a correspondente fonte de custeio, disposição dirigida ao legislador ordinário, sendo inexigível quando se tratar de benefício criado diretamente pela Constituição. Deveras, o direito à aposentadoria especial foi outorgado aos seus destinatários por norma constitucional (em sua origem o art. 202, e atualmente o art. 201, § 1º, CRFB/88). Precedentes: RE 151.106 AgR/SP, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 28/09/1993, Primeira Turma, DJ de 26/11/93; RE 220.742, Rel. Min. Néri da Silveira, julgamento em 03/03/98, Segunda Turma, DJ de 04/09/1998.
6. Existência de fonte de custeio para o direito à aposentadoria especial antes, através dos instrumentos tradicionais de financiamento da previdência social mencionados no art. 195, da CRFB/88, e depois da Medida Provisória nº 1.729/98, posteriormente convertida na Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998. Legislação que, ao reformular o seu modelo de financiamento, inseriu os §§ 6º e 7º no art. 57 da Lei n.º 8.213/91, e estabeleceu que este benefício será financiado com recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei nº 8.212/91, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente.
7. Por outro lado, o art. 10 da Lei nº 10.666/2003, ao criar o Fator Acidentário de Prevenção-FAP, concedeu redução de até 50% do valor desta contribuição em favor das empresas que disponibilizem aos seus empregados equipamentos de proteção declarados eficazes nos formulários previstos na legislação, o qual funciona como incentivo para que as empresas continuem a cumprir a sua função social, proporcionando um ambiente de trabalho hígido a seus trabalhadores.
8. O risco social aplicável ao benefício previdenciário da aposentadoria especial é o exercício de atividade em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física (CRFB/88, art. 201, § 1º), de forma que torna indispensável que o indivíduo trabalhe exposto a uma nocividade notadamente capaz de ensejar o referido dano, porquanto a tutela legal considera a exposição do segurado pelo risco presumido presente na relação entre agente nocivo e o trabalhador.
9. A interpretação do instituto da aposentadoria especial mais consentânea com o texto constitucional é aquela que conduz a uma proteção efetiva do trabalhador, considerando o benefício da aposentadoria especial excepcional, destinado ao segurado que efetivamente exerceu suas atividades laborativas em “condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”.
10. Consectariamente, a primeira tese objetiva que se firma é: o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial.
11. A Administração poderá, no exercício da fiscalização, aferir as informações prestadas pela empresa, sem prejuízo do inafastável judicial review. Em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete.
12. In casu, tratando-se especificamente do agente nocivo ruído, desde que em limites acima do limite legal, constata-se que, apesar do uso de Equipamento de Proteção Individual (protetor auricular) reduzir a agressividade do ruído a um nível tolerável, até no mesmo patamar da normalidade, a potência do som em tais ambientes causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas. O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente. O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente.
13. Ainda que se pudesse aceitar que o problema causado pela exposição ao ruído relacionasse apenas à perda das funções auditivas, o que indubitavelmente não é o caso, é certo que não se pode garantir uma eficácia real na eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído com a simples utilização de EPI, pois são inúmeros os fatores que influenciam na sua efetividade, dentro dos quais muitos são impassíveis de um controle efetivo, tanto pelas empresas, quanto pelos trabalhadores.
14. Desse modo, a segunda tese fixada neste Recurso Extraordinário é a seguinte: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.
15. Agravo conhecido para negar provimento ao Recurso Extraordinário.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, negou provimento ao recurso extraordinário. Reajustou o voto o Ministro Luiz Fux (Relator). O Tribunal, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio, que só votou quanto ao desprovimento do recurso, assentou a tese segundo a qual o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial. O Tribunal, também por maioria, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Teori Zavascki, assentou ainda a tese de que, na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.
Brasília, 4 de dezembro de 2014.
Ministro LUIZ FUX – Relator
Documento assinado digitalmente
______________________
RELATÓRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 664.335 SANTA CATARINA
RELATOR :MIN. LUIZ FUX
RECTE.(S) :INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROC.(A/S)(ES) :PROCURADOR-GERAL FEDERAL
RECDO.(A/S) :ANTONIO FAGUNDES
ADV.(A/S) :LUIZ HERMES BRESCOVICI
AM. CURIAE. :CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE APOSENTADOS E PENSIONISTAS - COBAP
ADV.(A/S) :GABRIEL DORNELLES MARCOLIN E OUTRO(A/S)
AM. CURIAE. :UNIÃO
PROC.(A/S)(ES) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. :INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO - IBDP
ADV.(A/S) :GISELE LEMOS KRAVCHYCHYN
AM. CURIAE. :SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS SIDERÚRGICAS, METALÚRGICAS, MECÂNICAS, DE MATERIAL ELÉTRICO E ELETRÔNICO E INDÚSTRIA NAVAL DE CUBATÃO, SANTOS, S.VICENTE, GUARUJÁ, PRAIA GRANDE, BERTIOGA, MONGAGUÁ, ITANHAÉM, PERUÍBE E S.SEBASTIÃO
ADV.(A/S) :SERGIO HENRIQUE PARDAL BACELLAR FREUDENTHAL E OUTRO(A/S)
AM. CURIAE. :SINDICATO DOS TRABALHADORES NO COMERCIO DE MINERIOS, DERIVADOS DE PETROLEO E COMBUSTIVEIS DE SANTOS E REGIÃO
ADV.(A/S) :FERNANDO GONÇALVES DIAS
AM. CURIAE. :SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDUSTRIAS DO PAPEL, PAPELÃO E CORTIÇA DE MOGI DAS CRUES, SUZANO, POÁ E FERRAZ DE VASCONCELOS
ADV.(A/S) :FERNANDO GONÇALVES DIAS
R E L A T Ó R I O
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR): Trata-se de agravo nos autos principais interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, com o objetivo de ver reformada a decisão de fls. 397/398, que negou seguimento a recurso extraordinário interposto, com fundamento no artigo 102, III, “a”, da Constituição da República, contra acórdão da Primeira Turma Recursal da Seção Judiciária do Estado de Santa Catarina, assim fundamentado:
“Em se tratando de agente ruído, não há o que se falar em elisão da insalubridade pelo uso de EPI's, nos termos da súmula n. 9 da TNU:
‘O uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) ainda que elimine a insalubridade, no caso de exposição a ruído não descaracteriza o tempo de serviço especial prestado. ‘
Não há nenhuma razão para que o teor da súmula não seja aplicado no caso em tela, nem mesmo as regras contidas no Decreto n. 4.882/2003 têm o condão de elidir esse raciocínio, uma vez que não há motivos para que a aplicação da súmula tenha limitação temporal, porquanto não foi revogada.
Registra-se, ainda, que o reconhecimento ou não da especialidade está relacionado com o enquadramento da atividade nas categorias profissionais previstas nos decretos regulamentares, ou pela exposição do trabalhador a agentes nocivos a sua saúde. Assim, o reconhecimento da atividade especial não está condicionado ao recolhimento de um adicional sobre as contribuições previdenciárias. E, ainda, se o recolhimento de tais contribuições é devido ou não, deve ser monitorado pelo INSS, em nada interferindo no reconhecimento da especialidade.
Dessa forma, a sentença não deve ser reformada.
Considero prequestionados os dispositivos enumerados pelas partes nas razões e contrarrazões recursais, especialmente os arts. 195, §50 ; 201, §1°, ambos da Constituição Federal, declarando que a decisão encontra amparo nos dispositivos da Constituição Federal de 1988 e na legislação infraconstitucional, aos quais inexiste violação. O juízo não está obrigado a analisar todos os argumentos e dispositivos indicados pelas partes em suas alegações, desde que tenha argumentos suficientes para expressar sua convicção” (fls. 348/349).
O recorrente, nas razões do apelo extremo, sustenta a preliminar de repercussão geral e, no mérito, alega que o Tribunal a quo teria contrariado os artigos 195, § 5º, e 201, caput e § 1º, da Constituição da República.
Argumenta que:
“Entende a autarquia federal recorrente que a decisão recorrida ao reconhecer a especialidade do período já referido, ignorando as informações apresentadas no Perfil Profissiográfico Previdenciário (baseado em LTCAT) que comprovaram que a parte autora não exerceu atividade sob condições especiais porque fez uso de equipamentos de proteção individual eficazes, violou o princípio da preservação do equilíbrio financeiro e atuarial ao conceder benefício previdenciário sem a correspondente fonte de custeio.
.......................................................................................................
(...) improcedente o pedido de reconhecimento de tempo laborado sob condições especiais do período posterior a 11/12/1998 sob a égide da Lei 9.732/98, uma vez que restou provado que a nocividade dos agentes presentes no ambiente de trabalho foi elidida, ou reduzida a níveis toleráveis, pela utilização de Equipamento de Proteção Individual Eficaz com a correspondente desoneração da empresa do pagamento do adicional ao SAT, que tem destinação específica para o custeio das aposentadorias especiais, invertendo-se ainda os ônus da sucumbência“(fls. 365 e 377).
O Tribunal a quo negou seguimento ao recurso extraordinário sob o fundamento de que a matéria é de índole infraconstitucional (fls. 397 a 398).
Por entender que o tema constitucional versado nestes autos é relevante do ponto de vista econômico, político, social e jurídico, e ultrapassa os interesses subjetivos da causa, submeti ao Plenário Virtual (Tema 555). A repercussão geral do tema constitucional foi reconhecida por esta Corte, em acórdão assim ementado:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL - EPI COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. RELEVÂNCIA DA MATÉRIA E TRANSCENDÊNCIA DE INTERESSES. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. (ARE 664335 RG, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 14/06/2012, DJe 07- 06-2013).
A Procuradoria-Geral da República, devidamente intimada, manifestou-se pelo desprovimento do recurso, em parecer que porta a seguinte ementa:
“Recurso Extraordinário. Aposentadoria especial. Caráter social e protetivo. Equipamento de proteção individual (EPI). Eficácia questionável. Direitos à vida, saúde e à previdência social. Dignidade da pessoa humana. Fonte de custeio não comprometida pela concessão de incentivo previsto no art. 22, § 3º, da Lei nº 8.212/91. Pelo desprovimento da iniciativa.”.
Em 27.11.2013, reconsiderei decisão por mim proferida para admitir o ingresso no feito, na qualidade de amicus curiae, da Confederação Brasileira dos Aposentados e Pensionistas – COPAB.
Na sequência, admiti, também na qualidade de amicus curiae: a União; a Confederação Brasileira dos Aposentados e Pensionistas - COPAB; o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário - IBDP; o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Siderúrgicas, Metalúrgicas, Mecânicas, de Material Elétrico e Eletrônico e Indústria Naval de Cubatão, Santos, São Vicente, Guarujá, Praia Grande, Bertioga, Mongaguá, Itanhaém, Peruíbe e São Sebastião - STISMMMEC; o Sindicato dos Trabalhadores no Comércio de Minérios, Derivados de Petróleo e Combustíveis de Santos e Região; e o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias do Papel, Papelão e Cortiça de Mogi das Cruzes, Suzano, Poá e Ferraz de Vasconcelos.
É o relatório.
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VOTO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 664.335 SANTA CATARINA
V O T O
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR): Senhor Presidente, egrégio Plenário, ilustre representante do Ministério Público, senhores advogados presentes.
O tema que aqui é posto para julgamento é um dos mais candentes na doutrina previdenciária atual, dando margem a uma profunda divergência jurisprudencial firmada, desde o 1º grau de jurisdição, até a instância extraordinária, além de dissenso não menos relevante entre autores de igual renome, cada qual com argumentos também igualmente razoáveis.
Nesse aspecto, cumpre destacar ser função deste Supremo Tribunal Federal conceder uma resposta à sociedade acerca do modo como deve ser entendida - no terreno das garantias individuais e fundamentais -, a possibilidade de o direito à aposentadoria especial pressupor ou não a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, poderá haver ou não respaldo constitucional à aposentadoria especial.
Porquanto, também se deve perquirir se o fornecimento de Equipamento de Proteção Individual - EPI, informado no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) ou documento equivalente, descaracteriza ou não o tempo de serviço especial para aposentadoria (Repercussão Geral reconhecida - tema 555 do Plenário Virtual), assim como estabelecer balizas e parâmetros para que o Poder Judiciário possa deliberar, assegurando a racionalidade dos trabalhos e a segurança dos jurisdicionados, as mais diversas lides acerca do tema.
O caso sub examine possui íntima conexão com um dos temas mais sensíveis e caros à classe dos trabalhadores deste país: o direito e respeito à saúde e à vida daqueles que constroem honrosamente a imagem do nosso país: a classe dos trabalhadores.
I. Preliminar
Admissibilidade do Recurso Extraordinário
Preliminarmente, assento a admissibilidade do recurso extraordinário ora em julgamento.
Quanto à indispensável ofensa direta à Constituição, verifica-se, de plano, situação de densidade constitucional, posto o debate girar em torno da ofensa ao direito fundamental à previdência social (art. 201, CRFB/88), com reflexos mediatos nos cânones constitucionais do direito à vida (art. 5º, caput, CRFB/88), à saúde (arts. 3º, 5º, e 196, CRFB/88), à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB/88), e ao meio ambiente de trabalho equilibrado (arts. 193, e 225, CRFB/88).
Prosseguindo no exame de admissibilidade recursal, consigno o preenchimento de todos os demais requisitos intrínsecos e extrínsecos, notadamente a tempestividade, o prequestionamento, a legitimidade e o interesse recursal, além do indispensável reconhecimento da repercussão geral da matéria (tema 555 do Plenário Virtual).
Admito, pois, o presente recurso extraordinário, e passo ao exame de mérito.
II. Mérito.
Ab initio, com relação às afirmações que afetam o julgado subjetivamente, entendo que, tratando-se de um tema com repercussão geral reconhecida, deve-se aplicar o direito ao caso concreto assim que a parte objetiva do decisum for julgada, estabelecendo desse modo a melhor interpretação deste colegiado sobre o tema. Além disso, tal entendimento segue a linha das recentes propostas metodológicas que entendemos por bem adotar em casos semelhantes. Dessa forma, o presente julgamento será cingido em duas partes: a primeira relativa à tese objetivada na presente repercussão geral; e a segunda relativa à adaptação da tese ao caso concreto dos autos.
Deveras, esta última etapa do julgamento (aplicar a tese ao caso concreto) servirá como precedente e adequado exemplo da forma como os demais órgãos do Poder Judiciário deverão proceder ao aplicar o entendimento jurisprudencial na solução de outros feitos que tratem de idêntica controvérsia.
Com efeito, o método difuso de controle não impede a aferição de constitucionalidade de atos e lei de forma abstrata (objetiva), isto é, no plano da norma, sem ater-se ao caso concreto. Nesta hipótese, a análise de constitucionalidade é feita em tese, embora por qualquer órgão jurisdicional. Nesta linha de decidir, trago excertos do voto do Min. Gilmar Mendes, nos autos da Questão do Ordem no AI 760.358/SE, Tribunal Pleno, DJe 11.02.2010, ocasião em que assentou, verbis:
“A situação que ora se examina sinaliza o início da segunda fase da aplicação da reforma constitucional que instituiu a repercussão geral, dando origem a um novo modelo de controle difuso de constitucionalidade no âmbito do Poder Judiciário.
(...)
E quanto à abrangência da decisão desta Corte, vale registrar que temos assentado constantemente, nos julgamentos de repercussão geral, que a relevância social, política, jurídica ou econômica não é do recurso, mas da questão constitucional que ele contenha.
(…)
Quando dizemos que a lei municipal X é inconstitucional por instituir o IPTU progressivo, temos que admitir que essa decisão seja válida, como leading case, para solucionar todos os processos em que se questione a constitucionalidade do IPTU progressivo, ainda que originada de leis de outros municípios. Se a questão constitucional for a mesma, a decisão se aplica, não importando os múltiplos argumentos laterais que se possam agregar à discussão, na tentativa de reabri-la indefinidamente.
(…)
É plenamente consentânea, portanto, com o novo modelo, a possibilidade de se aplicar o decidido quanto a uma questão constitucional a todos os múltiplos casos em que a mesma questão se apresente como determinante do destino da demanda, ainda que revestida de circunstâncias acidentais diversas. Se houver diferenças ontológicas entre as questões constitucionais, obviamente caberá pronunciamento específico desta Corte.
(…)”.(grifo nosso)
Firmadas estas premissas, passo ao thema iudicandum, tecendo breves considerações que reputo essenciais para o correto deslinde da controvérsia debatida neste Recurso Extraordinário.
Para o julgamento da causa, há que se ter em mente que a todos os trabalhadores é assegurado, constitucionalmente, exercer suas funções em ambiente saudável e seguro (arts. 193 e 225, CRFB/88). Topograficamente localizados no Capítulos dos Direitos Sociais, os direitos dos trabalhadores ainda contam com a disposição da necessidade de perseguir-se, sempre, melhorias das condições de trabalho, sendo um direito à “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (art. 7º, XXII, CRFB/88). Inegável a conclusão de que, se é um direito do trabalhador, consequentemente também é a obrigação do Estado de intervir para assegurar o seu cumprimento.
A maioria dos países desenvolvidos no âmbito das políticas públicas avançadas (respeito à conscientização e à cobrança do Governo pela população), a preocupação quanto à segurança e condições ambientais de trabalho resume-se, genericamente, à seguinte evolução: num primeiro momento, recorre-se à utilização de tecnologia e investimentos em pesquisas científicas para que a evolução ocorra no próprio ambiente de trabalho (e. g., substituição do maquinário, evolução da tecnologia, troca da matéria-prima, robotização das atividades prejudiciais), e, após, não encontrando forma segura de eliminação do risco provocado pela atividade no ambiente, não raro é o banimento desta atividade[1].
Nesse contexto, percebe-se, a partir de uma análise da evolução histórica, que, num primeiro momento, cabia às próprias empresas a assunção dos riscos da atividade e a responsabilidade pelas consequências das enfermidades e acidentes sofridos pelos trabalhadores, já que dependia delas a manutenção de ambientes de trabalho saudáveis e seguros. Por outro lado, o Estado era responsável pelo estabelecimento de normas reguladoras, regras de prevenção e melhoria do ambiente de trabalho, além da fiscalização e a punição das empresas, quando houvesse seu descumprimento, com o devido estabelecimento de compensação pelo dano causado.
Entretanto, internamente, adotou-se o que podemos chamar de comercialização da saúde dos trabalhadores. Vale dizer, muito embora houvesse a previsão de que não seria permitido a quem quer que fosse expor a integridade física e a saúde do trabalhador a agentes nocivos, tal situação era permitida caso houvesse uma compensação financeira para o empregado. Por sinal, a experiência demonstra que a concessão de aposentadoria especial, com redução do tempo de contribuição, não tem produzido o efeito esperado, ou seja, o de induzir as empresas a investirem em prevenção para reduzir os riscos do ambiente de trabalho.
O problema se torna ainda maior ao levarmos em conta o inegável apoio da situação pelos próprios empregados, pois grande parte deles, pela desinformação, não se preocupa com os enormes e indisponíveis benefícios que teriam com uma providência de eliminação completa dos riscos, mas, comumente, pensam somente na possível redução de seus vencimentos e no aumento do tempo para se aposentar. Nesse aspecto, é válido ressaltar que algumas atividades realmente não permitem, segundo a tecnologia hoje disponível, a superação do entrave da insalubridade, justificando a aplicação das políticas preventivas e compensatórias vigentes, e a consequente manutenção do status quo, já que são indispensáveis para o desenvolvimento da sociedade.
Porém, isso não quer dizer, e essa é a mensagem relevante, que não se deve abrir mão de perseverar na elisão de todo e qualquer labor que se afigure prejudicial à saúde humana, especialmente aquelas sabidamente carregadas de risco à própria vida do trabalhador (amianto e outros produtos reconhecidamente cancerígenos, v.g.), ainda que se admita a impossibilidade de seu integral alcance, em muitos dos casos. Dessarte, insta esclarecer que a eliminação das atividades nocivas deve ser a meta “mor” da Sociedade - Estado, empresariado, trabalhadores e representantes sindicais -, que devem se debruçar incessantemente na preocupação com a saúde dos trabalhadores, como exige a Constituição da República ao erigir como pilares do Estado Democrático de Direito a dignidade humana, a valorização social do trabalho e a preservação da vida e da saúde.
A ideologia firmada pelo Poder Público permite que os caminhos seguidos podem ser sintetizados em algumas vertentes: (i) a instituição de adicionais de insalubridade e de periculosidade a serem pagos pelas empresas; (ii) a instituição da aposentadoria especial, que reduziu o tempo de trabalho necessário para poder se aposentar daqueles que laboram expostos a agentes nocivos; e (iii) a adoção de medidas aptas a conjurar a nocividade do trabalho, de cunho individual – Equipamentos de Proteção Individual – e de cunho coletivo – Equipamentos de Proteção Coletiva. Ao que aqui nos interessa, o instituto da aposentadoria especial é previsto no artigo 201, §1º, da Constituição da República, o qual preleciona que poderão ser adotados, para concessão de aposentadorias aos beneficiários do regime geral de previdência social, requisitos e critérios diferenciados nos “casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar”. Apesar de constar expressamente na Constituição a necessidade de Lei Complementar para regulá-lo – e recentemente tivemos a edição da LC nº 142, de 08 de maio de 2013, mas como objeto apenas os casos de portadores de deficiência, o que nesta ocasião não nos interessa -, sua redação e previsão foi conferida pela EC nº 20, de 15 de dezembro de 1998, a qual manteve, expressamente, em seu art. 15, como norma de transição, que “até que a lei complementar a que se refere o art. 201, § 1º, da Constituição Federal, seja publicada, permanece em vigor o disposto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8213, de 24 de julho de 1991, na redação vigente à data da publicação desta Emenda”.
Portanto, atualmente, o instituto da aposentadoria especial é regulado pela Lei nº 8.213/1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social. Merecem transcrição os dispositivos inerentes, verbis:
Subseção IV Da Aposentadoria Especial
Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995).
§ 1º - A aposentadoria especial, observado o disposto no art. 33 desta Lei, consistirá numa renda mensal equivalente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 2º - A data de início do benefício será fixada da mesma forma que a da aposentadoria por idade, conforme o disposto no art. 49. § 3º - A concessão da aposentadoria especial dependerá de comprovação pelo segurado, perante o Instituto Nacional do Seguro Social–INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995).
§ 4º - O segurado deverá comprovar, além do tempo de trabalho, exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período equivalente ao exigido para a concessão do benefício. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995).
§ 5º - O tempo de trabalho exercido sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício. (Incluído pela Lei nº 9.032, de 1995).
§ 6º - O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente. (Redação dada pela Lei nº 9.732, de 11.12.98) (Vide Lei nº 9.732, de 11.12.98).
§ 7º - O acréscimo de que trata o parágrafo anterior incide exclusivamente sobre a remuneração do segurado sujeito às condições especiais referidas no caput. (Incluído pela Lei nº 9.732, de 11.12.98).
§ 8º - Aplica-se o disposto no art. 46 ao segurado aposentado nos termos deste artigo que continuar no exercício de atividade ou operação que o sujeite aos agentes nocivos constantes da relação referida no art. 58 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 9.732, de 11.12.98).
Art. 58. A relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física considerados para fins de concessão da aposentadoria especial de que trata o artigo anterior será definida pelo Poder Executivo. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
§ 1º - A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho nos termos da legislação trabalhista. (Redação dada pela Lei nº 9.732, de 11.12.98).
§ 2º - Do laudo técnico referido no parágrafo anterior deverão constar informação sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva ou individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo. (Redação dada pela Lei nº 9.732, de 11.12.98)
§ 3º - A empresa que não mantiver laudo técnico atualizado com referência aos agentes nocivos existentes no ambiente de trabalho de seus trabalhadores ou que emitir documento de comprovação de efetiva exposição em desacordo com o respectivo laudo estará sujeita à penalidade prevista no art. 133 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997).
§ 4º - A empresa deverá elaborar e manter atualizado perfil profissiográfico abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador e fornecer a este, quando da rescisão do contrato de trabalho, cópia autêntica desse documento. (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997).
De acordo com o Ministério da Previdência Social – MPS, a aposentadoria especial é conceituada como “benefício concedido ao segurado que tenha trabalhado em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física”, e continua dizendo que “para ter direito à aposentadoria especial, o trabalhador deverá comprovar, além do tempo de trabalho, efetiva exposição aos agentes físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais pelo período exigido para a concessão do benefício (15, 20 ou 25 anos)”. Desse modo, a concessão de aposentadoria especial dependerá, em todos os casos, de comprovação, pelo segurado, perante o INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, exercido em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo de 15, 20 ou 25 anos, dependendo do agente nocivo.
Convém, neste particular, colacionar o magistério de Fábio Zambitte Ibrahim (Curso de Direito Previdenciário. 17ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012, pág. 621/623), que preleciona que:
“A concessão de aposentadoria especial dependerá da comprovação pelo segurado, perante o INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, exercido em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante um período de 15, 20, ou 25 anos, dependendo do agente nocivo (…) importante notar que a eventual concessão de aposentadoria especial não exclui a responsabilidade do empregador pelo descuido frente às técnicas de higiene e saúde do trabalho.”
De acordo com a percuciente análise de Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari (Manual de Direito Previdenciário. 12ª ed. Florianópolis: Conceito, 2010. p. 637):
“a aposentadoria especial é uma espécie de aposentadoria por tempo de contribuição, com redução do tempo necessário à inativação, concedida em razão do exercício de atividades consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física. Ou seja, é um benefício de natureza previdenciária que se presta a reparar financeiramente o trabalhador sujeito a condições de trabalho inadequadas”. Sob outro ângulo, Wladimir Novaes Martinez (Aposentadoria Especial em 420 perguntas e respostas. 2. ed. São Paulo: LTr, 2001, p. 21) a define como:
“espécie de aposentadoria por tempo de serviço devida a segurados que, durante 15 ou 20 ou 25 anos de serviços consecutivos ou não, em uma ou mais empresas, em caráter habitual e permanente, expuseram-se a agentes nocivos físicos, químicos e biológicos, em níveis além da tolerância legal, sem a utilização eficaz de EPI ou em face de EPC insuficiente, fatos exaustivamente comprovados (...)”
É evidente, portanto, que a aposentadoria especial impõe que, daqueles trabalhadores que laboram expostos a agentes prejudiciais à saúde, e possuem um desgaste naturalmente maior, não pode se exigir que cumpram o mesmo tempo de contribuição que aqueles empregados que não se encontram expostos a nenhum agente nocivo. Todavia, também não é possível considerar que todos os agentes químicos, físicos e biológicos prejudiquem de igual forma e grau todos os trabalhadores e, assim sendo, fez-se necessária a determinação de diferentes tempos de serviço mínimo para aposentadoria, de acordo com cada espécie de agente nocivo.
Hodiernamente, a classificação dos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde, ou à integridade física, e o tempo de exposição considerados para fins de concessão de aposentadoria especial constam do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99 - Regulamento da Previdência Social. De acordo com essa legislação, o direito à concessão de aposentadoria especial aos 15 (quinze), 20 (vinte), ou 25 (vinte e cinco) anos, constatada a nocividade e a permanência, aplica-se às seguintes situações:
(i) – quinze anos: trabalhos em mineração subterrânea, em frentes de produção, com exposição à associação de agentes físicos, químicos ou biológicos;
(ii) – vinte anos:
a) trabalhos com exposição ao agente químico asbestos (amianto);
b) trabalhos em mineração subterrânea, afastados das frentes de produção, com exposição à associação de agentes físicos, químicos ou biológicos.
(iii) - vinte e cinco anos: todos demais casos, como, v.g., todos os agentes físicos, dentre eles ruído, vibrações, radiações ionizantes, exposição à maioria dos agentes químicos, como arsênio, benzeno, fósforo, iodo, manganês, dentre outros.
Ainda é importante destacarmos que a Lei nº 9.528/97, ao modificar a Lei de Benefícios da Previdência Social, fixou a obrigatoriedade de as empresas manterem laudo técnico atualizado, sob pena de multa, assim como elaborar e manter Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador (art. 58, caput, e §§ 3º e 4º, da Lei nº 8.213/1991).
Neste aspecto, o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) pode ser conceituado como documento histórico-laboral do trabalhador que reúne, dentre outras informações, dados administrativos, registros ambientais e resultados de monitoração biológica durante todo o período em que este exerceu suas atividades, referências sobre as condições e medidas de controle da saúde ocupacional de todos os trabalhadores, além da comprovação da efetiva exposição dos empregados a agentes nocivos, e sua eventual neutralização pela utilização de Equipamentos de Proteção Individual - EPI.
Devem ser indicados, verbi gratia, a atividade que exerce, o agente nocivo ao qual está exposto, a intensidade e a concentração do agente, além de exames médicos clínicos. O documento deve ser expedido pela própria empresa empregadora, no caso de empregado; pela cooperativa de trabalho ou de produção, quando cooperado filiado; pelo Órgão Gestor de mão de obra, se trabalhador avulso portuário; e pelo sindicato da categoria, no caso de trabalhador avulso não portuário.
Historicamente, bem antes da instituição do atual PPP, a insalubridade era comprovada, inicialmente, pelo simples enquadramento profissional que provasse a relação entre as funções dos empregados e as atividades consideradas insalubres pelos decretos da época. Não havia necessidade de apresentar outros documentos ou laudos a respeito da real exposição dos agentes nocivos à saúde do trabalhador, sendo a nocividade sempre presumida pela relação função e atividade exercida. A situação mudou em 29.04.1995, quando passou-se a exigir a comprovação do tempo trabalhado, bem como da exposição aos agentes nocivos, não mais podendo haver enquadramento com base em categoria profissional, impondo-se a apresentação de formulários emitidos pelo empregador (SB-40, DISES-BE 5235, DSS-8030 e DIRBEN 8030).
Só a partir de 01.01.2004 é que se exigiu, como prova do exercício de atividade em condições especiais, a apresentação do citado Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP. Sua instituição deu-se pela Lei nº 9.528/97, que alterou o artigo 58 da Lei nº 8.213/91, para prever, em seu parágrafo 4º, que “a empresa deverá elaborar e manter atualizado perfil profissiográfico abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador e fornecer a este, quando da rescisão do contrato de trabalho, cópia autêntica desse documento”. Entrementes, sua aplicabilidade restou contida, pois a norma jurídica exigia a regulamentação por norma administrativa desse novo documento laboral. Assim, sua regulamentação administrativa ocorreu por meio da Instrução Normativa nº 1.
Porquanto, o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial.
Bem acentuadas essas considerações prefaciais, adentremos na matéria posta à apreciação.
Apenas com o intuito de delimitar corretamente o tema, podemos afirmar que Equipamento de Proteção Individual é todo aquele instrumento pessoal posto à disposição do trabalhador e por ele utilizado[2], por força de exigência legal ou não, tais como protetor auricular, capacete, cinto de segurança, óculos e roupas especias, que visa evitar ou atenuar o risco de lesões provocadas por agentes físicos, químicos, mecânicos ou biológicos presentes no ambiente de trabalho[3].
Pois bem. Inicialmente, importante se faz analisar o atual conflito de interpretações da norma atinente à utilização de EPI para efeito de concessão da aposentadoria especial, dentro do próprio ordenamento jurídico brasileiro. Quanto ao sistema de financiamento da aposentadoria especial, sempre existiu fonte de custeio, primeiramente através dos instrumentos tradicionais de financiamento da previdência social mencionados no art. 195, da CRFB/88. Depois, através da Medida Provisória nº 1.729/98, posteriormente convertida na Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998, legislação que reformulou o modelo de financiamento ao inserir os §§ 6º e 7º no art. 57 da Lei n.º 8.213/91.
Com isto, estabeleceu que este benefício será financiado com recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei nº 8.212/91, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente.
Por outro lado, o art. 10 da Lei nº 10.666/2003, ao criar o Fator Acidentário de Prevenção-FAP, concedeu redução de até 50% do valor desta contribuição em favor das empresas que disponibilizem aos seus empregados equipamentos de proteção declarados eficazes nos formulários previstos na legislação, o qual funciona como incentivo para que estas continuem a cumprir a sua função social, proporcionando um ambiente de trabalho hígido a seus trabalhadores.
Merece transcrição, para o correto entendimento do tema, o citado artigo 22 da Lei nº 8.212/91, in verbis:
Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: II - para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos: (Redação dada pela Lei nº 9.732, de 1998).
a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve;
b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio;
c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.
A redução da alíquota é prevista, inclusive, no parágrafo § 3º, ao prelecionar que “o Ministério do Trabalho e da Previdência Social poderá alterar, com base nas estatísticas de acidentes do trabalho, apuradas em inspeção, o enquadramento de empresas para efeito da contribuição a que se refere o inciso II deste artigo, a fim de estimular investimentos em prevenção de acidentes.”.
Destarte, não há ofensa ao princípio da preservação do equilíbrio financeiro e atuarial, pois existe a previsão na própria sistemática da aposentadoria especial da figura do incentivo (art. 22, II e § 3º, Lei n.º 8.212/91), que, por si só, não consubstancia a concessão do benefício sem a correspondente fonte de custeio (art. 195, § 5º, CRFB/88).
Corroborando o supra esposado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal considera que o art. 195, § 5º, da CRFB/88, contém norma dirigida ao legislador ordinário, disposição inexigível quando se tratar de benefício criado diretamente pela própria constituição, verbis:
CONSTITUCIONAL - PREVIDENCIÁRIO - VALOR MINIMO DO BENEFICIO - FONTE DE CUSTEIO - CF, ART. 195, PAR. 5. - APLICABILIDADE IMEDIATA DA NORMA INSCRITA NO ART. 201, PARAGRAFOS 5. E 6., DA CARTA POLITICA - PRECEDENTES (PLENÁRIO E TURMAS DO STF) - AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se, de modo unânime e uniforme, no sentido da auto-aplicabilidade das normas inscritas no art. 201, pars. 5º e 6º, da Constituição da Republica. - A garantia jurídico-previdenciária outorgada pelo art. 201, parágrafos 5º e 6º, da Carta Federal deriva de norma provida de eficacia plena e revestida de aplicabilidade direta, imediata e integral. Esse preceito da Lei Fundamental qualifica-se como estrutura jurídica dotada de suficiente densidade normativa, a tornar prescindível qualquer mediação legislativa concretizadora do comando nele positivado. Essa norma constitucional - por não reclamar a interpositio legislatoris - opera, em plenitude, no plano jurídico, todas as suas virtualidades eficaciais, revelando-se aplicável, em consequência, desde a data da promulgação da Constituição Federal de 1988. - A exigência inscrita no art. 195, par. 5., da Carta Politica traduz comando que tem, por destinatário exclusivo, o próprio legislador ordinário, no que se refere a criação, majoração ou extensão de outros benefícios ou serviços da seguridade social.:: (RE 151106 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 28/09/1993, DJ 26-11- 1993 PP-25516 EMENT VOL-01727-04 PP-00722).
Qual inovação prática esta contribuição para o financiamento da aposentadoria especial trouxe? Anteriormente à sua institucionalização, era necessário apenas a declaração de que o empregado trabalhava exposto a agente nocivo para o reconhecimento da aposentadoria especial, e seu reconhecimento não importava em qualquer impacto patrimonial para a empresa. Bem por isso, abria-se uma brecha para que diversas empresas preenchessem os formulários dos empregados com informações completamente dissonantes da realidade, já que, não tendo nenhum custo com isso, poderiam renovar frequentemente a mão de obra, sem se preocupar com os problemas que poderiam ter com o avanço da idade de seus funcionários. Com a instituição da contribuição, imaginou-se uma moralização da prova do benefício, pois, com o custeio do benefício pela própria empresa - ainda que em parte -, logicamente não se conceberia hipótese em que o empregador pagasse o adicional tributário se os seus empregados realmente não exercessem atividades consideradas especiais.
Ocorre, porém, que a jurisprudência vem se posicionando no sentido de que, ainda que o EPI seja efetivamente utilizado e elimine a insalubridade, tal fato não descaracteriza o tempo de serviço especial prestado. Essa corrente adotou, como fundamento, a teoria da proteção extrema anteriormente enfrentada, baseando-se numa interpretação extensiva do que dispõe a Súmula nº 9 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, que possui o seguinte teor: “o uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI), ainda que elimine a insalubridade, no caso de exposição a ruído, não descaracteriza o tempo de serviço especial prestado”.
Não obstante o atual cenário duvidoso que encontramos na interpretação das normas inerentes ao assunto, a melhor interpretação constitucional que devemos dar ao instituto é aquela que privilegie cânones constitucionais do direito à vida (art. 5º, caput, CRFB/88), à saúde (arts. 3º, 5º, e 196, CRFB/88), à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB/88), e respeite o direito fundamental à previdência social (art. 201, CRFB/88), com reflexos imediatos no instituto da aposentadoria especial (art. 201, § 1º, CRFB/88).
Passemos, então, à definição do correto entendimento constitucional que deve ser consolidado, como tese, que servirá de parâmetro no julgamento de lides semelhantes.
Ab initio, podemos deduzir, como questão de lógico-jurídica, que o simples fornecimento do EPI pelo empregador não exclui a hipótese de exposição do trabalhador aos agentes nocivos à saúde. A propósito, em sentido análogo, mas referente ao adicional de insalubridade, foi editada a Súmula nº 289 do TST, verbis: “O simples fornecimento do aparelho de proteção pelo empregador não o exime do pagamento do adicional de insalubridade, cabendo-lhe tomar as medidas que conduzam à diminuição ou eliminação da nocividade, dentre as quais as relativas ao uso efetivo do equipamento pelo empregado”. Porém - e o cerne da controvérsia reside aqui - o que se pode dizer quando há efetivamente, e comprovadamente, a utilização do Equipamento de Proteção Individual – EPI, eliminando as consequências dos agentes nocivos? O tema não é simples. Duas linhas jurisprudenciais e doutrinárias dispendem fundamentações robustas para defender suas convicções. Podemos dividir os argumentos que devem ser enfrentados de acordo com as seguintes teses:
(i) proteção extrema, defendida por aqueles que sustentam, como argumento central, que independentemente do EPI elidir a nocividade a que estão submetidos os segurados, a aposentadoria especial continuaria sendo devida. Sustentam a tese na premissa de que a insalubridade relaciona-se intrinsecamente com o ambiente de trabalho - o qual em nada se altera com a utilização ou não de EPI -, e não da relação dos agentes insalubres com os trabalhadores, sendo esta uma consequência de sua atividade laboral. Importa dizer: mesmo que o empregado utilize devidamente um EPI eficaz, o ambiente em si continuará sendo nocivo, e o fato gerador do benefício continuará incidindo, justificando a concessão da aposentadoria especial;
(ii) proteção limitada à eficiência do EPI, forte na alegação de que a aposentadoria especial não será devida quando restar comprovada a irrefutável caracterização do binômio risco-adequação do equipamento de proteção, sua efetiva utilização, e a eliminação/neutralização da relação dos agentes insalubres com os trabalhadores.
Conforme será demonstrado, entendemos que os argumentos que militam a favor da verificação da nocividade laboral para caracterizar o direito à aposentadoria especial - desde que presentes todos os requisitos que serão justificados -, constituem a melhor interpretação do instituto à luz da Constituição da República.
Com efeito, aqueles que defendem ser o benefício previdenciário devido em qualquer hipótese, desde que o ambiente seja insalubre, invocam que o bem jurídico tutelado pelo instituto - interpretação teleológica -, decorreria do risco potencial do dano. Porém, tal entendimento não supera questionamentos básicos como os seguintes: se os benefícios previdenciários decorrem do simples risco potencial, bastaria a possibilidade de ocorrência da morte para a pensão ser concedida? Ou então a simples ida a um hospital - lugar inóspito - já é o suficiente ante a possibilidade da contração de uma enfermidade para o deferimento do auxílio-doença? Ou, ainda, a aposentadoria especial seria o único benefício concedido em face de um risco potencial?
A resposta a todas essas perguntas é negativa. De fato, não há falar em vínculo obrigatório entre o risco social e o dano. À exceção da aposentadoria por tempo de contribuição, que possui uma ratio logicamente diversa, é certo que todos os benefícios previdenciários apresentam um risco social correlato. O que não se pode afirmar é que todos decorrem de um dano efetivo. Peguemos, verbi gratia, a aposentadoria por idade. Pode-se falar em dano efetivo? Evidente que não, o dano que consta da norma é, evidentemente, presumido.
Destarte, a aposentadoria especial segue o mesmo rumo. O risco aplicável é o exercício de atividade em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física (CRFB/88, art. 201, § 1º), de forma que torna-se indispensável que o indivíduo trabalhe exposto a uma nocividade notadamente capaz de ensejar o referido dano. Entretanto, independentemente da ocorrência do dano, o que se está a tutelar é a exposição do segurado àquela condição, pelo risco presumido que a relação entre agente nocivo e trabalhador poderá ocasionar. Bem por isso, a desconsideração da eficácia do EPI para a concessão do benefício, como defendem alguns, é alargar a hipótese de sua incidência e tornar irrelevante sua própria essência, ou seja, proteger o trabalhador do risco social do trabalho em condições prejudiciais à saúde[4].
Portanto, ainda que a aposentadoria especial tenha sido forjada em torno do risco a que a saúde do trabalhador é efetivamente submetida, e não da comprovação de prejudicialidade ao seu organismo, quando exposto a condições nocivas, faria jus ao benefício da contagem do tempo de forma diferenciada. O que se deve interpretar cum grano salis, sob pena de subverter a ratio social e protetiva da aposentadoria especial, para abarcar aqueles que labutam com os agentes nocivos totalmente neutralizados, desde que comprovada a eficácia e adequação do equipamento protetivo.
Com efeito, é relevante assentar que a interpretação teleológica do instituto, na verdade, milita em sentido diametralmente oposto à tese exposta. Como justificar a razoabilidade de antecipar em dez, quinze, ou até vinte anos, o benefício da aposentadoria especial, apenas em função de risco potencial a uma relação de insalubridade comprovadamente neutralizada? Para tornar a hipótese mais didática, imaginem que uma pessoa de 18 (dezoito) anos é contratada para trabalhar em lugares onde faça o uso frequente de aparelhos “moto-serra”. Na maioria dos casos, o que ocorre é uma situação ocupacional inadequada, de modo que a exposição a vibrações ultrapasse o limite de tolerância firmado (norma ISO 5349/86 ou ANSI S3.34/86).
Nesses casos, é devido aos trabalhadores o benefício da aposentadoria especial, com a redução do tempo de contribuição para 25 anos (Item 2.0.2 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social). Ocorre, porém, que já existem aparelhos de proteção individual, tais como “suspensões amortecedoras”, luvas especiais com polímeros capazes de absorver a vibração nas frequências indicadas, que podem sim eliminar os riscos que o agente vibração poderia ocasionar no trabalhador. Nesse caso, é razoável conceder aposentadoria especial ao indivíduo com 43 (quarenta e três) anos de idade? Aqui sim poderíamos falar em ultraje ao princípio constitucional da isonomia (art. 5º, caput, CRFB/88), já que a exposição dos trabalhadores será equivalente àquela enfrentada por um outro que labuta em ambiente salubre. Poderíamos, ainda, pensar em outros exemplos de agentes nocivos que poderiam ser neutralizados com o uso efetivo de EPI’s adequados, tais como temperaturas anormais (item 2.0.4) ou exposição a alguns agentes biológicos (item 3.0.0).
Nesse sentido, Sérgio Pinto Martins (Direito da Seguridade Social. 13ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2000, p. 366) entende que, “se o EPI eliminar ou neutralizar agente nocivo, não fará jus o trabalhador à aposentadoria especial”.
Não discrepam desse entendimento os doutrinadores Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Júnior (Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 231), os quais entendem que a utilização de equipamento de proteção individual não descaracteriza a atividade como especial, salvo se do laudo constar que a sua utilização, desde que comprovadamente frequente e fiscalizada, neutraliza ou elimina a presença do agente nocivo.
Mas não é só. Há ainda outro fundamento que merece ser enfrentado, que é a íntima relação constitucional que o trabalho em condições insalubres, contido no direito fundamental à previdência social (art. 201 da CRFB/88), possui com os direitos à vida, à saúde e ao meio ambiente de trabalho equilibrado (arts. 1º, 3º, 4º, II, 5º, caput, 193, 196, 200 e 225, da CRFB/88), além de refletir no âmbito de regulação do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CRFB/88).
Nesse diapasão, deve-se indagar: qual a finalidade da previsão constitucional do benefício previdenciário da aposentadoria especial? Por óbvio, é a de amparar, tendo em vista o sistema constitucional de direitos fundamentais que devem sempre ser perquiridos – vida, saúde, dignidade da pessoa humana -, o trabalhador que laborou em condições nocivas e perigosas à sua saúde, de forma que a possibilidade do evento danoso pelo contato com os agentes nocivos levam à necessidade de um descanso precoce do ser humano, o que é amparado pela Previdência Social.
Nesse sentido é que merece transcrição parte do parecer do Ministério Público Federal, que com extrema felicidade assentou:
“(…) A existência digna, como finalidade maior de uma ordem econômica pautada pela convivência harmônica entre a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa (art. 170, caput, da CRFB/88), perpassa necessariamente pela defesa do meio ambiente (art. 170, VI, da CRFB/88), nele compreendido o meio ambiente do trabalho (art. 200, VIII, da CRFB/88), o qual, de forma intrínseca, envolve a saúde do trabalhador (art. 7º, XXII e XXVIII, da CRFB/88 e art. 154 e seguintes da CLT), de nítido reflexo no âmbito da seguridade social (art. 201, caput, § 1°, da CRFB/88 e Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais).
A saúde, segundo a OMS, é um estado de bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença. Lição apreendida pelo ordenamento jurídico pátrio, que, na esteira de documentos internacionais (Declaração Universal dos Direitos Humanos – 1948; Declaração de Estocolmo – 1972; Declaração do Rio de Janeiro – 1992; Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – 1966; e Convenções 148, 155 e 161, da OIT), adotou a ideia do desenvolvimento sustentável, procurando compatibilizar a livre iniciativa para o desenvolvimento econômico com o respeito à dignidade humana no trabalho.
Assim, o enfoque monetário e individualista em relação à saúde do trabalhador (pagamento do adicional de insalubridade, periculosidade e indenização) cedeu espaço ao sistema preventivo (art. 7º, XXII, da CRFB/88), estabelecido de forma prioritária em relação ao sistema reparatório (arts. 5º, V e X e 7º, XXVIII, da CRFB/88), que lhe é complementar.”
Desse modo, à luz da Constituição[5], a interpretação do instituto da aposentadoria especial mais consentânea com o texto constitucional é aquela que leva a uma proteção efetiva do trabalhador, mas devendo sempre levar em conta ser um benefício excepcional, destinado ao segurado que efetivamente exerceu suas atividades laborativas em “condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física do trabalhador”.
Nesse sentido, o doutrinador Marcelo Leonardo Tavares (Direito Previdenciário: Regime Geral de Previdência Social e Regimes Próprios de Previdência Social. 9ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 159), em capítulo no qual analisa a presente situação, de notória repercussão geral, asseverou, com rara propriedade, que:
“A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário denominado perfil profissiográfico previdenciário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho. Do laudo deverá constar informação sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva, de medidas de caráter administrativo ou de organização do trabalho, ou de tecnologia de proteção individual, que elimine, minimize ou controle a exposição a agentes nocivos aos limites de tolerância, respeitado o estabelecido na legislação trabalhista.”
Insta salientar que em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete nos seus afazeres. Necessário enfatizar que a autoridade competente sempre poderá, no exercício da fiscalização, aferir as informações prestadas pela empresa no laudo técnico de condições ambientais do trabalho ou documento equivalente, tudo sem prejuízo do inafastável judicial review. Parece-nos que, dessa forma, concretizaremos o devido fim que as normas constitucionais inerentes quis tutelar.
Consectariamente, passemos à análise do caso concreto.
Temos, na espécie, recurso extraordinário interposto em face de decisão da 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de Santa Catarina, que manteve o reconhecimento do tempo de serviço especial, mesmo diante da alegação de uso eficaz de equipamento de proteção individual (EPI). O acórdão restou assim fundamentado:
“Em se tratando de agente ruído, não há o que se falar em elisão da insalubridade pelo uso de EPI's, nos termos da súmula n. 9 da TNU:
O uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) ainda que elimine a insalubridade, no caso de exposição a ruído não descaracteriza o tempo de serviço especial prestado.’
Não há nenhuma razão para que o teor da súmula não seja aplicado no caso em tela, nem mesmo as regras contidas no Decreto n.º 4.882/2003 têm o condão de elidir esse raciocínio, uma vez que não há motivos para que a aplicação da súmula tenha limitação temporal, porquanto não foi revogada.
Registra-se, ainda, que o reconhecimento ou não da especialidade está relacionado com o enquadramento da atividade nas categorias profissionais previstas nos decretos regulamentares, ou pela exposição do trabalhador a agentes nocivos a sua saúde.
Assim, o reconhecimento da atividade especial não está condicionado ao recolhimento de um adicional sobre as contribuições previdenciárias. E, ainda, se o recolhimento de tais contribuições é devido ou não, deve ser monitorado pelo INSS, em nada interferindo no reconhecimento da especialidade.
Dessa forma, a sentença não deve ser reformada.
Considero prequestionados os dispositivos enumerados pelas partes nas razões e contrarrazões recursais, especialmente os arts. 195, § 5º; 201, §1°, ambos da Constituição Federal, declarando que a decisão encontra amparo nos dispositivos da Constituição Federal de 1988 e na legislação infraconstitucional, aos quais inexiste violação. O juízo não está obrigado a analisar todos os argumentos e dispositivos indicados pelas partes em suas alegações, desde que tenha argumentos suficientes para expressar sua convicção.”(fls. 348/349).
A discussão jurídica presente no recurso ora apreciado diz respeito, em síntese, a saber se o fornecimento de Equipamento de Proteção Individual – EPI, informado no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), especificamente em se tratando do agente nocivo ruído[6], atende aos requisitos estabelecidos na tese ora firmada, para descaracterizar o tempo de serviço especial para aposentadoria.
A resposta é negativa.
No que tange especificamente ao referido agente nocivo (ruído), a tese invocada cai por terra, na medida em que, apesar do uso de Equipamento de Proteção Individual (protetor auricular) reduzir a agressividade do ruído a um nível tolerável, até no mesmo patamar da normalidade, a potência do som em tais ambientes causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas. Nesse sentido é a preciosa lição de Irineu Antônio Pedrotti, in verbis:
"Lesões auditivas induzidas pelo ruído fazem surgir o zumbido, sintoma que permanece durante o resto da vida do segurado e, que, inevitavelmente, determinará alterações na esfera neurovegetativa e distúrbios do sono. Daí a fadiga que dificulta a sua produtividade. Os equipamentos contra ruído não são suficientes para evitar e deter a progressão dessas lesões auditivas originárias do ruído, porque somente protegem o ouvido dos sons que percorrem a via aérea. O ruído originase das vibrações transmitidas para o esqueleto craniano e através dessa via óssea atingem o ouvido interno, a cóclea e o órgão de Corti." (Irineu Antônio Pedrotti, Doenças Profissionais ou do Trabalho, LEUD, 2ª ed., São Paulo, 1998, p. 538).
Nesse contexto, a exposição ao ruído acima dos níveis de tolerância, mesmo que utilizado o EPI, além de produzir lesão auditiva, pode ocasionar disfunções cardiovasculares, digestivas e psicológicas. Segundo Elsa Fernanda Reimbrecht e Gabriele de Souza:
“Embora a lesão auditiva seja a mais conhecida, este não é o único prejuízo da exposição dos ser humano em demasia ao ruído, podendo ocasionar, também, problemas cardiovasculares digestivos e psicológicos”.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (...) a partir de 55 dB, pode haver a ocorrência de estresse leve, acompanhado de desconforto. O nível 70 dB é tido como o nível inicial do desgaste do organismo, aumento o risco de infarto, derrame cerebral, infecções, hipertensão arterial e outras patologias.
Com relação ao estado psicológico, o ruído altera-o, ocasionando irritabilidade, distúrbio do sono, défict de atenção e concentração, cansaço crônico e ansiedade, entre outros efeitos danosos. [...]
O efeito psicológico pode ser considerado mais gravoso do que os demais efeitos, em virtude de sua ação ocorrer em pouco tempo da habitualidade da exposição, o que só ocorre ao longo dos anos com os demais. Além disso, como o estado psicológico de um indivíduo acaba alterando o bom funcionamento de seu organismo, principalmente o que se relaciona à circulação sanguínea e ao coração, a exposição excessiva ao ruído ocasiona diversas modificações em seu estado normal de saúde, podendo modificar, principalmente mudanças na secreção de hormônios, o que influencia em sua pressão arterial e metabolismo, aumento os riscos de doenças cardiovasculares, como infarto agudo do miocárdio”. (A correlação entre tempo e níveis de exposição do agente ruído para caracterização da atividade especial. Elsa Fernanda Reimbrecht e Gabriele de Souza Domingues. p. 910/911).
Não é só. O próprio Ministério da Saúde (Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Perda auditiva induzida por ruído (PAIR). Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2006, p. 21) aponta que o ruído, além dos evidentes efeitos negativos relacionados à audição, também contribui consideravelmente para o aumento do nível de estresse do trabalhador, afetando, por via reflexa, problemas emocionais que podem vir a ocasionar doenças psicológicas.
Ainda que se pudesse aceitar que o problema causado pela exposição ao ruído relacionasse apenas à perda das funções auditivas, o que definitivamente não é o caso, importante ressaltar um recente estudo feito pelo Doutor Ubiratan de Paula Santos - Médico da Divisão de Doenças Respiratórias do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, tendo participado, ainda, com uma significativa contribuição na audiência pública convocada por esta Corte para a discussão do tema “amianto”[7] -, e Marcos Paiva Santos - Técnico em química industrial e em segurança do trabalho – no qual eles concluem que não se pode garantir uma eficácia real na eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído com a simples utilização de EPI, pois são inúmeros fatores que influenciam na sua efetividade, dentro dos quais muitos são impassíveis de um controle efetivo, tanto pelas empresas, quanto pelos trabalhadores. Confira-se parte do referido estudo, in verbis:
“Embora seja comum responsáveis das empresas recomendarem os protetores auriculares como medida isolada de controle do ruído, deve-se ressaltar que este tipo de conduta não tem apresentado resultados satisfatórios, comprovado pela ocorrência de danos, quando os trabalhadores são submetidos a exames audiométricos.
O erro de posicionamento, a manutenção e trocas inadequadas e o tempo efetivo de uso, estão entre as causas mais comuns dos protetores atenuarem abaixo do limite inferior de sua capacidade de redução do ruído. Protetores velhos e sujos também perdem em eficiência.
A atenuação sugerida pelos fabricantes de protetores auriculares, não leva em conta as condições adversas do trabalho como calor, sujidade, barba, tamanho e formato do ouvido, que de uma forma ou de outra não permitem a utilização ótima e constante do equipamento.
É importante ter presente, que a atenuação fornecida por um aparelho, normalmente não tem relação direta com proteção da audição.
A atenuação de um protetor auricular não é igual para qualquer tipo de ruído. Depende do espectro de frequência do ruído do ambiente e do espectro de atenuação do protetor. Um mesmo protetor não tem a mesma eficiência de atenuação para diferentes tipos de ruído e, para um ruído com determinadas características, protetores diferentes oferecerão diferentes tipos de atenuação. Ele poderá atenuar diferentemente um ruído emitido por uma serra circular em relação ao de um compressor, mesmo que ambos possuam o mesmo valor em dB(A).
O tempo de utilização real do protetor, para atingir os valores das atenuações assumidas pelos fabricantes, deve ser de 100% da jornada de trabalho, em condições ótimas, o que não corresponde à realidade na grande maioria dos casos. Por menor que seja o tempo que o protetor deixou de ser usado, esse tempo é significativo, pois este ruído é adicionado ao nível de ruído que atingia o ouvido com o protetor. Curtos períodos de tempo de interrupção no uso do protetor reduzem de maneira significativa a eficácia da proteção.” (Ubiratan de Paula Santos e Marcos Paiva Santos. Exposição a ruído: efeitos na saúde e como preveni-los. Disponível em: www.sjt.com.br/tecnico/gestao/arquivosportal/file/EXPOSI %C3%87%C3%83O%20A%20RU%C3%8DDOS%20-%20EFEITOS.pdf, p. 15 e 16).
Portanto, não se pode, de maneira alguma, cogitar-se de uma proteção efetiva que descaracterize a insalubridade da relação ambientetrabalhador para fins da não concessão do benefício da aposentadoria especial quanto ao ruído.
A segunda tese a ser firmada é a seguinte: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. Adequando as duas teses ora firmadas, temos, nesta segunda, solução evidentemente provisória. Se atualmente prevalece o entendimento que não há completa neutralização da nocividade no caso de exposição a ruído acima do limite legal tolerável, no futuro, levando em conta o rápido avanço tecnológico, podem ser desenvolvidos equipamentos, treinamentos e sistemas de fiscalização que garantam a eliminação dos riscos à saúde do trabalhador, de sorte que o benefício da aposentadoria especial não será devido.
Caso as inovações citadas sejam efetivamente criadas e implementadas, esta Suprema Corte poderá, então, rever a validade da tese para o caso específico do agente nocivo ruído. Ao fim e ao cabo, diante do caso concreto se referir a ruído e da complexidade e especificidade do debate em relação aos outros agentes nocivos à saúde do trabalhador, a análise da eficácia do EPI para eliminar ou neutralizar a nocividade à saúde do trabalhador exposto aos demais agentes nocivos deve ser realizada nos respectivos casos concretos, quando a questão suportar a jurisdição constitucional.
Fixadas estas premissas, passamos à exposição das teses que devem restar assentadas neste recurso extraordinário, uma geral e outra específica para o caso concreto:
1. O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial.
2. Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.
Ex positis, CONHEÇO do presente agravo para NEGAR
PROVIMENTO ao Recurso Extraordinário.
É como voto.
[1] É o caso, por exemplo, da Resolução interna da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa, RDC nº 252/03, que proibiu a fabricação, distribuição e comercialização de todos os produtos nela registrados que contenham Benzeno em sua formulação, admitindo, apenas, a presença da substância como agente contaminante em concentração máxima de 0,1% v/v (zero vírgula um por cento, expresso em volume por volume).
[2] Martinez, Wladimir Novaes. Aposentadoria Especial, São Paulo: LTr, 2000, p. 45.
[3] Ribeiro, Maria Helena Carreira Alvim. Aposentadoria Especial: regime geral da previdência social. Curitiba: Juruá, 2004, p. 289.
[4] Leitão, André Studart. Aposentadoria Especial. 2ª ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2013, p. 148.
[5] Art. 201, § 1º - É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar.
[6] Previsto no item 2.0.1, do anexo IV do Decreto n.º 3.048/1999, que dispõe:
“2.0.0 AGENTES FÍSICOS: Exposição acima dos limites de tolerância especificados ou às atividades descritas.
2.0.1 RUÍDO - 25 ANOS
a) exposição a Níveis de Exposição Normalizados (NEN) superiores a 85 dB(A). (Alterado pelo D-004.882-2003)”
[7] Audiência Pública convocada pelo i. Ministro Marco Aurélio, para subsidiar o julgamento da ADI nº 3937, na qual impugna-se a Lei nº 12.684/2007, do Estado de São Paulo, que proíbe o uso de produtos materiais ou artefatos que contenham qualquer tipo de amianto ou asbesto em sua composição.
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