TRT 02/SP - INFORMATIVOS NOTÍCIAS e JURISPRUDÊNCIA 2022 - 08

Data da publicação:

Acordão - TRT

Wilson Ricardo Buquetti Pirotta - TRT/SP



Empregado que usava EPIs sem certificado de aprovação tem direito ao recebimento de adicional de insalubridade por excesso de ruído.



PROCESSO nº 1001266-93.2020.5.02.0431 (ROT)

RECORRENTES: RODRIGO LARANJA DA SILVA, MAXION WHEELS DO BRASIL LTDA.

RECORRIDOS: RODRIGO LARANJA DA SILVA, MAXION WHEELS DO BRASIL LTDA.

ORIGEM: 1ª VARA DO TRABALHO DE SANTO ANDRÉ

RELATOR: WILSON RICARDO BUQUETTI PIROTTA

JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA: GABRIEL DA SILVA MEDEIROS

EMENTA

I - INSALUBRIDADE. EXCESSO DE RUÍDO. PROTETORES AURICULARES SEM CERTIFICADO DE APROVAÇÃO. Foi medido no local de trabalho nível de pressão sonora superior ao limite de tolerância para a jornada  praticada pelo reclamante. Consigna o perito que há nos autos fichas de entrega de EPIs (protetores auriculares, inclusive), mas sem indicação do respectivo CA (Certificado de Aprovação), o que não permite a adequada avaliação técnica desses equipamentos e o reconhecimento de sua real eficácia protetiva. Tal documentação se encontra com efeito abrigada nos autos, mas sem o certificado de aprovação (que não se depreende do simples registro de fornecimento dos EPIs) não se pode de fato considerar que o equipamento é idôneo e eficaz à sua finalidade de proteção individual contra os efeitos deletérios do ruído excessivo no local de trabalho. Mostra-se assim descumprido o item 6.6.1 da NR-6, em sua alínea "c". Precedentes do C. TST. Devido, em tais condições, o adicional de insalubridade em grau médio. Recurso ordinário da reclamada a que se nega provimento, no particular. (TRT-02-ROT-1001266-93.2020.5.02.0431, WILSON RICARDO BUQUETTI PIROTTA, DEJT 09/08/2022) 

II - ACÚMULO DE FUNÇÕES. AUSÊNCIA DE DIREITO A ACRÉSCIMO SALARIAL. A contratação de empregado remunerado com base no tempo, como, por exemplo, o pagamento de salário mensal para exercício de determinada carga horária diária ou semanal, via de regra, faz incidir a regra legal de que, à falta de prova ou não existindo cláusula expressa a respeito das atribuições específicas do trabalhador, entende-se que ele se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal e cargo para o qual fora contratado. Ademais, imperioso salientar que o exercício de vários misteres não caracteriza acúmulo de funções, refletindo apenas a máxima colaboração que o empregado deve ao empregador, no contexto do pacto laboral (CLT, art. 456, parágrafo único). No presente caso, não se cogitou a existência de quadro de carreira na empresa, e o reclamante, de outra parte, não assentou a pretensão em norma coletiva própria da categoria profissional, que ensejasse o almejado acréscimo salarial. Recurso ordinário do reclamante a que se nega provimento. (TRT-02-ROT-1001266-93.2020.5.02.0431, WILSON RICARDO BUQUETTI PIROTTA, DEJT 09/08/2022) 

RELATÓRIO

Trata-se de recursos ordinários interpostos por ambas as partes contra a r. sentença de ID. c22d982 (fls. 635/645 do arquivo PDF em ordem crescente), complementada pela r. decisão de embargos declaratórios sob ID. d04f3ef (fls. 665/667 do PDF), cujo relatório adoto e pela qual o MM. Sr. Juiz do Trabalho Gabriel da Silva Medeiros (1ª Vara do Trabalho de Santo André) julgou parcialmente procedentes os pedidos.

O reclamante, pelas razões de ID. d2f241c (fls. 654/664), propugna a reforma do julgado quanto às horas extras, buscando a ampliação dessa condenação, ao fundamento de que a jornada de trabalho não era corretamente anotada nos controles de ponto. Invoca a diretriz da Súmula nº 338, I, do C. TST. Sustenta fazer jus a horas extras pela supressão do intervalo intrajornada. Por fim, reitera a alegação de acúmulo de funções, gerador do direito a diferenças salariais.

A reclamada, pelas razões de ID. e0f5d2c (fls. 669/684), alega que a nocividade do local de trabalho era elidida pelo regular fornecimento de EPIs. Requer, cautelarmente, a limitação da condenação ao pagamento de adicional de insalubridade, com reflexos, aos períodos sem comprovação de entrega de EPIs certificados. Na sequência, denuncia a ocorrência de cerceamento de defesa e de julgamento extra petita, já que não teria havido pedido de horas extras com base no art. 58, § 1º, da CLT (minutos residuais). Questiona a condenação a esse título, alegando que a planilha exibida pelo reclamante, com apontamento de diferenças de horas extras em seu favor, não se presta aos fins a que se destina, pelos equívocos de que se reveste. Por fim, suscita a ausência de prestação jurisdicional e requer a exclusão da multa que lhe foi aplicada pela oposição de embargos de declaração protelatórios.

Apresentado seguro garantia judicial substitutivo do depósito recursal, na forma do art. 899, § 11, da CLT (ID. a83ae0e, fls. 685/687); comprovante de recolhimento de custas processuais sob ID. b80a1e7 (fl. 688) e ID. a05123b (fl. 690).

Intimada pelo Juízo de origem a apresentar a documentação completa relativa ao seguro garantia judicial, a reclamada cumpriu tal determinação por meio da juntada de ID. 78069c2 até ID. b500b9d (fls. 694/698).

Contrarrazões pela reclamada sob ID. 5ae5dab (fls. 701/706); contrarrazões pelo reclamante sob ID. 5d4c23b (fls. 707/719), com preliminar de não conhecimento do apelo da ré, por deserção.

Dispensável a intervenção do D. Ministério Público do Trabalho.

É o relatório.

V O T O

ADMISSIBILIDADE

Rejeito a preliminar de deserção do recurso da reclamada, arguida pelo reclamante ao fundamento de que é limitada a vigência do seguro apresentado, que tem prazo de validade.  

Embora a apólice de seguro garantia judicial apresentada em substituição ao depósito recursal (artigo 899, § 11, da CLT) tenha de fato prazo de vigência limitado a 25/05/2026 (ID. 202b714 - Pág. 1, fl. 695 do PDF), isso não constitui óbice ao conhecimento do apelo, pois, conforme padronização da Superintendência de Seguros Privados - Susep, baseada na Circular nº 477/2013, de observância obrigatória pelas seguradoras, estas deverão comunicar ao tomador (devedor da obrigação garantida - reclamada) e ao segurado (credor da obrigação - reclamante), mediante aviso prévio de, no mínimo, 90 (noventa) dias antecedentes do final de vigência da apólice, se ocorrerá ou não a sua renovação, bem como se houve ou não solicitação de renovação, cabendo assim ao réu providenciar a manutenção do seguro, sob pena de arcar com o ônus de sua omissão pela perda superveniente da garantia.

Preenchidos desse modo os pressupostos legais, pois propostos a tempo e subscritos por procuradores regularmente constituídos nos autos, recolhidas as custas e a devida garantia recursal pela reclamada, conheço de ambos os recursos ordinários.

Por razões de prejudicialidade e lógica processual, será apreciado em primeiro lugar o recurso ordinário da reclamada.

MÉRITO

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA

ADICIONAL DE INSALUBRIDADE

Alega a recorrente que, diversamente do que constou do laudo pericial dos autos, a nocividade ambiental era devidamente elidida pelo fornecimento de adequados EPIS, fiscalizados quanto ao seu uso, para o qual o reclamante teria sido devidamente treinado. Pondera que o perito teve a oportunidade de constatar que a recorrente é empresa idônea, que zela pela manutenção da saúde e da segurança de seus empregados, dispõe de CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) e SESMT (Serviço de Segurança e Medicina do Trabalho) atuantes, orientando e fiscalizando os empregados quanto ao uso correto de todos os EPIs necessários, em particular os protetores auriculares. Frisa que os equipamentos fornecidos ao reclamante dispunham de Certificado de Aprovação, pois só assim poderiam ser comercializados. Aduz que não há justificativa técnica para que o expert baseie seu entendimento, exclusivamente, na comprovação de entrega dos Certificados de Aprovação dos EPIs, pois, nesse caso, nem haveria necessidade da realização dos trabalhos periciais, bastando a apresentação de tais documentos. Requer, ao menos, a limitação da condenação aos períodos não cobertos pela prova de fornecimento de EPIs devidamente certificados.

Improspera a irresignação.

O laudo pericial de ID. e343757 (fls. 543/569) é conclusivo no sentido de que o reclamante trabalhou sob condições de insalubridade em grau médio, pela exposição ao agente físico ruído, acima dos limites de tolerância, na forma do Anexo nº 1 da NR-15 da Portaria nº 3.214/78 do então Ministério do Trabalho e Emprego.

O nível médio de pressão sonora medido no local de trabalho do autor foi de 91,3 decibéis, superior ao limite de tolerância (86 decibéis) para uma jornada de 7 horas como a praticada pelo reclamante. Consigna o perito que há nos autos fichas de entrega de EPIs (protetores auriculares, inclusive), mas sem indicação do respectivo CA (Certificado de Aprovação), o que não permite a adequada avaliação técnica desses equipamentos e o reconhecimento de sua real eficácia protetiva.

Tal documentação se encontra com efeito abrigada às fls. 341/350 dos autos (ID. a2c3ce4). Mas sem o certificado de aprovação (que não se depreende do simples registro de fornecimento dos EPIs) não se pode de fato considerar que o equipamento é idôneo e eficaz à sua finalidade de proteção individual contra os efeitos deletérios do ruído excessivo no local de trabalho. 

Em seus esclarecimentos adicionais de ID. a4fdc42 (fls. 584/587), enfatiza o perito que as fichas de entrega dos EPIs não dão conta das características técnicas, validade e vida útil dos protetores auriculares, e "sem estas informações não há como analisarmos tecnicamente se a reclamada forneceu protetores auriculares eficientes ao reclamante e realizou as trocas dentro da vida útil dos protetores auriculares; portanto, não há o que se dizer que não é necessário declarar o CA dos EPIs nas fichas de entrega, já que o reclamante esteve exposto ao agente insalubre ruído (fato comprovado tecnicamente)".

Mostra-se assim descumprido o item 6.6.1 da NR-6, em sua alínea "c":

6.6.1 Cabe ao empregador quanto ao EPI: a) adquirir o adequado ao risco de cada atividade; b) exigir seu uso; c) fornecer ao trabalhador somente o aprovado pelo órgão nacional competente em matéria de segurança e saúde no trabalho; d) orientar e treinar o trabalhador sobre o uso adequado, guarda e conservação; e) substituir imediatamente, quando danificado ou extraviado; f) responsabilizar-se pela higienização e manutenção periódica; e, g) comunicar ao MTE qualquer irregularidade observada. h) registrar o seu fornecimento ao trabalhador, podendo ser adotados livros, fichas ou sistema eletrônico. (Inserida pela Portaria SIT n.º 107, de 25 de agosto de 2009)

Nesse mesmo sentido é a jurisprudência consolidada no âmbito do C. Tribunal Superior do Trabalho: 

"(...) ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. EPI. AUSÊNCIA DE CERTIFICADO DE APROVAÇÃO. PAGAMENTO DEVIDO. O Tribunal Regional manteve a condenação de pagamento do adicional de insalubridade, sob o fundamento de que a reclamada não apresentou os Certificados de Aprovação (CAs) dos Equipamentos de Proteção Individual. Nesse contexto, a jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que o certificado de aprovação do Ministério do Trabalho e Emprego é imprescindível à constatação da eficácia dos equipamentos de proteção individual para neutralizar os agentes insalubres. Precedentes. Óbice da Súmula 333/TST. Agravo de instrumento a que se nega provimento (...)". (AIRR-160-40.2014.5.15.0083, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 22/10/2021).

"AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL FORNECIDOS SEM A CERTIFICAÇÃO DE APROVAÇÃO. MATÉRIA FÁTICA. 1 . Não merece provimento o Agravo quando as razões apresentadas não conseguem invalidar os fundamentos expendidos na decisão mediante a qual se denegou seguimento ao Agravo de Instrumento. 2 . É insuscetível de revisão, em sede extraordinária, a decisão proferida pelo Tribunal Regional à luz da prova carreada aos autos. Somente com o revolvimento do substrato fático-probatório dos autos seria possível afastar a premissa sobre a qual se erigiu a conclusão consagrada pela Corte de origem, no sentido de que, "se há necessidade de a reclamada formalizar a entrega do EPI, por certo é seu dever informar que este atende as normas de saúde e segurança do trabalho, com a devida aprovação. Assim, a ausência do certificado de aprovação (C.A) impede de verificar se o protetor fornecido de fato, atendia ao fim pretendido". Incidência da Súmula n.º 126 do Tribunal Superior do Trabalho. Agravo Interno não provido" (Ag-AIRR-1000837-49.2018.5.02.0447, 6ª Turma, Relator Ministro Lelio Bentes Correa, DEJT 18/06/2021).

Não há portanto como afastar as conclusões periciais em conformidade com as quais não logrou a reclamada comprovar, mesmo que parcialmente (o que afasta o requerimento recursal de limitação da condenação proferida na origem), o fornecimento regular de EPIs adequados à finalidade de neutralizar, no plano individual, a nocividade ambiental, decorrente do excesso de ruído no local de trabalho, de nada valendo no caso a invocação de outras medidas gerais de segurança, de caráter coletivo, como a manutenção de CIPA e SESMT atuantes.

Nego provimento.

HORAS EXTRAS - CERCEAMENTO DE DEFESA E JULGAMENTO EXTRA PETITA

O Juízo de origem reconheceu como válidos e fidedignos os registros de jornada trazidos aos autos, mas condenou a reclamada ao pagamento de diferenças de horas extras, assim entendidas as excedentes da 8ª diária e 42ª semanal (vedado o bis in idem), observada a redução da hora noturna (art. 73, § 1°, da CLT), com os devidos reflexos salariais.

Alega a recorrente que houve cerceamento de defesa, em ofensa ao art. 5º, LV, da CF, assim como julgamento extra petita, infringente dos arts. 141 e 492 do CPC, já que o apontamento efetuado pelo reclamante se refere a minutos residuais da jornada de trabalho (art. 58, § 1º, da CLT), que não integram o pedido formulado nos autos. Acrescenta que o demonstrativo é imprestável aos fins a que se destina, pois: não respeita a data de fechamento dos cartões de ponto,  apresentando um crédito mensal irreal; não há dedução das horas extras pagas com adicionais de 50%, 100% e 150%; e não foi respeitada pelo autor a compensação da jornada espanhola, conforme estabelecido em acordo coletivo juntado com a defesa.

Afasta-se em primeiro plano a alegação de cerceamento de defesa e julgamento extra petita. Embora não haja na inicial, inclusive na forma de causa de pedir, menção expressa a minutos residuais da jornada de trabalho, não há dúvida de que estão eles abarcados no pedido de horas extras formulado pelo reclamante, compreendendo-se até mesmo nos limites da jornada apontada pelo autor como efetivamente cumprida. É indiscutível que as horas extras pleiteadas pelo autor não são apenas as que ele poderia ter provado nos autos com base na jornada noticiada na inicial, mas também as extraídas da documentação juntada pela reclamada e integrante do acervo probatório. Nesses termos, não cabe falar em cerceamento de defesa e tampouco em julgamento fora dos limites do pedido.

De outra parte, a planilha de cálculos apresentada pelo reclamante, em anexo à réplica (ID. cc65e56, fls. 421/521), é indicativa de diferenças de horas extras que são facilmente visualizáveis dos controles de ponto dos autos, independentemente desse demonstrativo. O próprio Magistrado de origem destacou o exemplo do dia 10/02/2016, quando o autor ingressou no trabalho às 22h43 e saiu às 6h26, 6 minutos antes do início da jornada contratual e 16 minutos após o seu encerramento (fl. 284), sem registro de sobrejornada. Não há, registre-se, impugnação recursal a esse demonstrativo judicial. A mesma situação ocorreu no dia 04/02/2016 (entrada às 22h43 e saída às 6h26), igualmente sem apontamento de sobretempo no controle de ponto. Assinale-se que a jornada das 22h49 às 6h10, com base na qual reconheceu o Juízo a quo a existência de minutos residuais, é exatamente a fixada no acordo coletivo de trabalho (fl. 387). Foram assim extrapolados os limites de tolerância fixados no art. 58, § 1º da CLT e na Súmula nº 366 do C. TST, o que demanda pagamento a título de hora extraordinária, considerado o caráter eminentemente oneroso e sinalagmático do contrato de trabalho.

Note-se que o Juízo nem mesmo precisou apreciar em detalhe o demonstrativo do autor para concluir que há diferenças de horas extras pendentes de pagamento. Bem observa aliás o Magistrado, em sede de embargos declaratórios da ré, que "o fundamento da condenação não foi a planilha apresentada pelo Reclamante mas, pelo contrário, diferença verificada pelo próprio Juízo, conforme devidamente fundamentado na sentença", acrescentando que "a sentença já autorizou a dedução de valores pagos a idêntico título (item 2.7) e, além disso, a planilha apresentada pelo Reclamante é inócua, pois a sentença será devidamente liquidada na fase processual oportuna".

Nesse sentido, são de fato estéreis as alegações de que não houve dedução de horas extras pagas (o que será observado na liquidação), respeito ao esquema de fechamento mensal de ponto ou consideração à semana espanhola. O fundamento da sentença não reside nos cálculos do autor, que não foram propriamente acolhidos, muito menos homologados, sendo certo que as diferenças efetivamente existentes serão apuradas, em seu exato montante, ao ensejo da liquidação do julgado.     

Desse modo, há em efetivo diferenças de horas extras, cuja quantificação se dará em sede de liquidação da sentença,

Nego provimento.

AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - MULTA PELA OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROTELATÓRIOS

Rejeito de plano a arguição de negativa de prestação jurisdicional (arts. 5º, XXXV e 93, IX, da Constituição Federal), uma vez que, como já assentado, o Juízo de origem apresentou adequada fundamentação para o deferimento de diferenças de horas extras, que nem mesmo teve como razão direta a planilha de cálculos elaborada pelo reclamante.

Assiste-lhe razão contudo no sentido de que os embargos declaratórios de fls. 648/653, ainda que não tenham aflorado nenhum efetivo vício do julgado (omissão, contradição ou obscuridade), mostrando-se improcedentes sob esse ângulo, não eram ostensivamente protelatórios, tanto assim que o Juízo de origem teceu considerações sobre seu teor que vão além da rejeição sumária da medida. Entende-se desse modo que a parte reclamada, mesmo sem desvelar efetivas máculas da dicção judicial, intentou, de forma lícita e sem abuso, melhor esclarecimento sobre questões abordadas na sentença, visando ao exaurimento da prestação jurisdicional de primeiro grau. Presume-se nesse sentido sua boa-fé, sem intuito protelatório manifesto ou claramente configurado.

Em tais condições, absolvo a reclamada da multa que lhe foi aplicada, no importe de 2% sobre o valor atualizado da causa, em favor do reclamante.

Dou provimento ao apelo nesse sentido.

RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE

HORAS EXTRAS E REFLEXOS - INVALIDADE DOS CONTROLES DE PONTO

Pugna o reclamante pela ampliação da condenação em horas extras e reflexos, de acordo com a jornada de trabalho declinada na inicial (22h00 às 9h00, com 30 minutos de intervalo para refeição). Argumenta que os controles de ponto dos autos, além de carentes de assinatura, não reproduzem os reais horários de trabalho, conforme prova testemunhal de sua autoria. Assinala que o conceito jurídico de cartão de ponto (em sentido amplo) está diretamente relacionado à documentação dos horários de trabalho, registrados no exato momento de início e término da jornada, sem possibilidade de alteração, o que nem de longe se confunde com um simples documento confeccionado pela empresa de forma unilateral e impresso após a propositura da ação. Invoca o princípio da aptidão para a prova, bem como a diretriz da Súmula nº 338, I, do C. TST.

Sem razão, no entanto.

Os controles de ponto de ID. 334de9b (fls. 280/340) exibem horários diversificados de entrada e saída e registram as horas extras eventualmente cumpridas pelo autor. A ausência de assinatura do empregado não serve, isoladamente, para desnaturá-los, pois não se trata de exigência imposta na lei como essencial à validade do ato, consoante preconizado na Súmula nº 50 deste E. Regional. Mostram-se assim verossímeis, a princípio, e idôneos como meio de prova das jornadas cumpridas, desafiando prova em contrário do reclamante, que não logrou produzi-la nos autos.

Tomado o depoimento pessoal do reclamante na audiência de ID. ee22df9 (fls. 627/631), reconheceu ele que a realização de horas extras dependia de autorização do supervisor, o que é ratificado pela testemunha obreira. Como observado com argúcia no primeiro grau, depreende-se disso que a prestação de horas extras (registradas efetivamente nos controles de ponto como autorizadas) não era habitual ou corriqueira, mas episódica, de acordo com as efetivas necessidades de serviço. Incontroverso aliás que a empresa funcionava em três turnos de trabalho, como inclusive previsto em Acordo Coletivo, o que converge para a implausibilidade da prorrogação diária da jornada por cerca de 3 horas, nos termos apregoados pelo demandante. E, embora a testemunha obreira afirme que via o autor trabalhando até as 9h00 para ajudar na empilhadeira e dar conta em geral do "grande volume do trabalho", o fato é que atuava ela no turno do dia (das 5h00/5h30 às 16h00, segundo os termos de seu relato), ao passo que o reclamante se ativava no turno da noite, o mesmo ocupado pela testemunha da reclamada, que confirma como corretos os horários de trabalho impressos nos controles de ponto. A testemunha em apreço assevera que "os horários de trabalho são corretamente marcados no controle de ponto, inclusive realização de horas extras e trabalhos em finais de semana" e, mais capacitada para falar sobre as concretas condições de trabalho do autor, que acompanhava pessoalmente, assegura que ele laborava com a preparação na área de pintura e apenas esporadicamente operava a empilhadeira, para cobrir o jantar do operador. A testemunha confirma, de resto, a necessidade de autorização do supervisor para a realização de horas extras.

Assim, os cartões de ponto dos autos devem ser considerados confiáveis, sem prova robusta em contrário, limitando-se as diferenças de horas extras devidas às decorrentes dos minutos residuais da jornada de trabalho.

Nada a modificar no julgado.

INTERVALO INTRAJORNADA

Com base na prova oral dos autos, alega o reclamante que o intervalo intrajornada era descumprido pela reclamada, que deve assim arcar com a condenação correspondente, com fundamento no art. 71, § 4º, da CLT e na Súmula nº 437 do C. TST.

Sem razão.

O intervalo está assinalado nos controles de ponto dos autos, carreando ao reclamante o ônus de prova de seu descumprimento por parte da empregadora (arts. 818, I, da CLT e 373, I, do CPC).

Desse encargo não se desvencilhou a contento o obreiro, como bem entendeu o Juízo de origem.

A testemunha obreira não trabalhou no mesmo turno do reclamante (o depoente cumpria o turno da manhã e o autor o da noite), senão por um período aproximado de 6 meses no ano de 2015, quando o ora recorrente teria se ativado pela manhã. A testemunha admitiu que não via o reclamante no turno da noite e apenas ouvia seus comentários acerca do cumprimento de intervalo reduzido. Assim, merece mais crédito sobre o tema a testemunha da reclamada, que trabalhou no mesmo turno do autor (à noite) e assevera que o intervalo de uma hora era respeitado, em meio à jornada das 22h49 às 6h10. Esclarece o depoente que "na área do reclamante havia 10 colegas, sendo que saíam alguns para jantar e outros permaneciam no serviço; que o depoente não via todos os dias mas chegava a acompanhar o horário de jantar do reclamante porque participava do revezamento". Acrescenta a testemunha que o horário de intervalo é controlado pelos próprios técnicos e pelos supervisores, de forma que todos possam jantar; e que o auxílio na empilhadeira para o operador poder jantar era prestado pelo reclamante e também por outros colegas.

Desse modo, a fruição do intervalo integral era possível, segundo a palavra credenciada de testemunha que acompanhou mais de perto o trabalho do reclamante, no mesmo turno laboral.

Correta pois a r. sentença ao rejeitar o pedido de horas extras pela supressão parcial do intervalo intrajornada.

Nego provimento.

ACÚMULO DE FUNÇÕES

Insiste o reclamante na alegação de que cumulou suas funções originais com outras de caráter diverso, como as de Operador de Empilhadeira, conforme a prova dos autos, fazendo jus a diferenças salariais. Pondera que condicionar o pagamento de diferenças a esse título à organização de quadro de carreiras ou à existência de convenção coletiva sobre o tema gera diferenciação "não consentânea com a ordem jurídica, a qual prima pela proteção do trabalhador e pelo tratamento deste de forma justa e igualitária". Invoca o disposto no art. 7º, XXXII, da CF, bem como o art. 468 da CLT.

Improcede o inconformismo.

A contratação de empregado remunerado com base no tempo, como, por exemplo, o pagamento de salário mensal para exercício de determinada carga horária diária ou semanal, via de regra, faz incidir a regra legal de que, à falta de prova ou não existindo cláusula expressa a respeito das atribuições específicas do trabalhador, entende-se que ele se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal e cargo para o qual fora contratado.

Ademais, imperioso salientar que o exercício de vários misteres não caracteriza acúmulo de funções, refletindo apenas a máxima colaboração que o empregado deve ao empregador, no contexto do pacto laboral (CLT, art. 456, parágrafo único).

No presente caso, não se cogitou a existência de quadro de carreira na empresa, e o reclamante, de outra parte, não assentou a pretensão em norma coletiva própria da categoria profissional, que ensejasse o almejado acréscimo salarial.

Embora a prova dos autos comprove a operação de empilhadeira pelo autor (segundo a testemunha patronal, para cobrir o jantar do operador), não se trata de atividade incompatível ou extravagante com as tarefas habituais do ora recorrente, que constituiriam o objeto de sua contratação como Operador de Produção (cargo registrado na CTPS, fl. 23).

Tratando-se assim de atividade compatível com as atribuições gerais da função para a qual foi contratado o empregado, dentro de uma mesma jornada de trabalho, inserida nos deveres gerais de colaboração com o empregador, e sem previsão em contrato ou norma coletiva para o pagamento de acréscimo salarial, não faz jus o reclamante às diferenças pretendidas.

Nego provimento.

Acórdão

Ante o exposto,

ACORDAM os Magistrados da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região em: REJEITAR a preliminar de deserção arguida pelo reclamante; CONHECER de ambos os recursos ordinários; no mérito, DAR PROVIMENTO PARCIAL ao apelo da reclamada, para absolvê-la da multa que lhe foi aplicada, no importe de 2% sobre o valor atualizado da causa, em favor do reclamante, a título de embargos de declaração protelatórios; e NEGAR PROVIMENTO ao recurso do autor. Tudo nos termos da fundamentação do voto do Relator, ficando mantida, no mais, a r. decisão recorrida.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Presidiu o julgamento o Exmo. Desembargador WILSON FERNANDES

Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs., WILSON RICARDO BUQUETTI PIROTTA (CADEIRA 01), SALVADOR FRANCO DE LIMA LAURINO e ANTERO ARANTES MARTINS.

Relator: o Exmo. Juiz WILSON RICARDO BUQUETTI PIROTTA (CADEIRA 01)

Revisor: o Exmo. Des. SALVADOR FRANCO DE LIMA LAURINO

Representante do MPT: Dra. Silvana Marcia Montechi Valladares de Oliveira 

RESULTADO: POR UNANIMIDADE DE VOTOS 

São Paulo, 28 de julho de 2.022. 

Sandro dos Santos Brião

Secretário da 6ª Turma

ASSINATURA

WILSON RICARDO BUQUETTI PIROTTA

Juiz Convocado Relator

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