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Subseção II Especializada em Dissídios Individuais
Luiz José Dezena da Silva - TST
habeas corpus impetrado por trabalhadores que não aderiram a greve. Além de confirmar o cabimento da medida, a SDI-2 definiu, também, o juízo competente para o seu exame.
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS IMPETRADO SOB A ÉGIDE DO CPC DE 1973. CABIMENTO DA MEDIDA CONTRA ATO DE PARTICULAR PRATICADO NO ÂMBITO DE MOVIMENTO GREVISTA. EXAME DE OFÍCIO. ART. 267, VI E § 3.º, DO CPC DE 1973.
1. Analisa-se o cabimento do habeas corpus contra ato emanado de particular. No caso, o ato foi praticado pelo SINDIPETRO/BA, em decorrência do movimento paredista deflagrado em 2015.
2. É fato que parcela respeitável da doutrina defende que o habeas corpus é cabível contra ato de autoridade, mesmo pressuposto estabelecido para o cabimento do mandado de segurança e do habeas data, ações que integram a chamada jurisdição constitucional das liberdades. O referido entendimento, contudo, não se mostra condizente com as balizas fixadas pela Constituição Federal para o uso do habeas corpus.
3. O primeiro ponto a ser observado está no fato de que, diferentemente dos incisos LXIX e LXXII do art. 5.º da Constituição Federal, que, referindo-se respectivamente ao mandado de segurança e ao habeas data, vinculam expressamente o cabimento dessas ações à impugnação de atos praticados por autoridade ou agente públicos, o inciso LXVIII, que trata do habeas corpus, é silente nessa questão: "LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder".
4. Cuida-se de silêncio eloquente do legislador constituinte, que se justifica em função da magnitude do bem tutelado pela ação de habeas corpus – o direito de ir e vir, concernente à própria liberdade do indivíduo, direito fundamental assegurado na cabeça do art. 5.º da Constituição Federal.
5. A importância da defesa da liberdade, portanto, justifica não só a utilização do habeas corpus contra ato praticado por particular, mas também sua legitimação ativa plena (art. 654 do CPP) e inexigibilidade de capacidade postulatória (art. 1.º, § 1.º, da Lei n.º 8.906/94), características não extensíveis à ação mandamental e ao habeas data.
6. Além disso, o inciso LXVIII do art. 5.º da Constituição Federal sinala o cabimento do habeas corpus contra ameaça de violência ou coação sobre a liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder. E "poder" é aqui entendido como ter a possibilidade de – ou possuir a força física ou moral para – praticar o ato coator. Naturalmente, esse "poder" não é aquele que remete ao conceito de autoridade, que, conforme formatado por JÚLIO CÉSAR BEBBER, corresponde a "todo aquele que exerce um cargo ou função estatal em qualquer dos planos da federação e em qualquer dos poderes organizados, investido de poder de decisão, pela qual manifesta a vontade do Estado" (in Mandado de Segurança, Habeas Corpus, Habeas Data na Justiça do Trabalho. São Paulo: Ed. LTr, 2008, p. 31). Afinal, não é apenas o exercente de cargo ou função estatal que detém poder de decisão em razão da função institucional da organização que integra; esse fenômeno também é passível de verificação em organizações particulares, com inegável potencial de causar constrangimento ilegal (ou abusivo) ao direito de locomoção de outrem, ensejando, assim, o cabimento do habeas corpus.
7. O caso em tela enquadra-se nessa hipótese: o sindicato possui autorização legal (rectius, poder) para deflagrar paralisação coletiva, amparado na decisão dos trabalhadores da categoria (arts. 8.º, III, e 9.º da Constituição e 4.º da Lei n.º 7.783/89), de modo que eventual constrangimento ao direito de locomoção decorrente da decisão adotada pela agremiação é passível de elisão por meio do habeas corpus, não se confundindo com o tipo previsto no art. 148 do CP (sequestro e cárcere privado) – hipótese aventada por alguns autores para defender o descabimento do habeas corpus contra ato de particular.
8. Também sob a perspectiva de eventual conflito entre os direitos fundamentais de locomoção e de greve, assinalo não se vislumbrar incompatibilidade que autorize cogitar do descabimento do remédio heroico.
9. É bem verdade que o direito de greve possui natureza eminentemente coletiva, integrando um plexo de direitos e garantias cuja implantação e efetivação encontram raízes na questão social, tão debatida no início do Novecentos e que estruturou a própria formação do Direito do Trabalho, como instrumento de conquistas de direitos coletivos com ampla repercussão social, no que concerne à pacificação dos conflitos de classes, a partir do reconhecimento da liberdade individual de trabalhar como princípio fundamental de organização social. É por conta disso que o exercício de greve é direito que se legitima no plano coletivo, de modo que somente se pode cogitar de abusividade de seu exercício na hipótese de dano de repercussão coletiva.
10. É por esses fundamentos que o uso do habeas corpus em casos como o que ora se põe sob exame não implica restrição de direito coletivo, no sentido de enfraquecer ou de pôr em risco o livre exercício coletivo do direito fundamental de greve, até porque no âmbito do habeas corpus não se discute a abusividade de movimento paredista – pois essa abusividade deve ser aferida em dimensão coletiva, e não individual – tampouco a responsabilidades decorrentes de eventual abuso; cuida-se, unicamente, de se conceder ou não o salvo conduto, mediante configuração do constrangimento ilegal sobre o direito fundamental de locomoção, concessão essa que, frise-se, não acarretará o reconhecimento de abusividade da grave nem mesmo ordem de sua dispersão, consequências exclusivas do dissídio coletivo de greve.
11. E nesse contexto, a restrição da liberdade daqueles trabalhadores individualizados que, livremente, resolvem não aderir ao movimento paredista, constitui constrangimento ilegal apto a se sujeitar à intervenção judicial pela forma expedita do habeas corpus, a fim de que se garanta um direito fundamental inscrito no art. 5.ª da Constituição Federal, sem que, repiso, se limite ou se restrinja o exercício do direito fundamental de greve. Até porque não se pode descurar que a Constituição da República, a par de garantir o direito à greve, de forma clara e enfática, garantiu também o direito fundamental de ir e vir, ou seja, a liberdade de locomoção. Trata-se de uma garantia inalienável que não pode ser tolhida nem sequer manchada, mesmo que se coloque em perspectiva e em contraponto um outro direito fundamental.
12. Cabível, portanto, a impetração de habeas corpus contra ato praticado por particular.
COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA PROCESSAR E JULGAR HABEAS CORPUS CONTRA ATO DECORRENTE DE DEFLAGRAÇÃO DE GREVE. PREVISÃO EXPRESSA NO ART. 114, II E IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. A EC n.º 45 introduziu o inciso IV ao art. 114 da Constituição Federal, inserindo no rol de competências da Justiça do Trabalho a possibilidade de processar e julgar "os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição".
2. Da mesma forma, no inciso II do referido dispositivo constitucional, assenta-se a competência desta Justiça Especializada para processar e julgar "as ações que envolvam exercício do direito de greve".
3. Vê-se, portanto, claramente definida na ordem constitucional a competência material da Justiça do Trabalho para apreciar habeas corpus impetrado contra ato vinculado ao exercício do direito de greve.
4. Recurso Ordinário conhecido e não provido.
HABEAS CORPUS IMPETRADO CONTRA ATO DE PARTICULAR, JULGADO ORIGINARIAMENTE PELA SEÇÃO ESPECIALIZADA EM DISSÍDIOS COLETIVOS DO TRT DA 5.ª REGIÃO. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DA VARA DO TRABALHO. INCOMPETÊNCIA FUNCIONAL CARACTERIZADA. EXECUÇÃO DE ASTREINTES COMINADAS EM DECISÃO LIMINAR. ACESSORIEDADE.
1. Cuida-se de habeas corpus impetrado em face de atos supostamente praticados pelo SINDIPETRO/BA que, segundo alegado na petição inicial, estariam a constranger o direito fundamental à liberdade de locomoção. A afirmação é de que, em razão do movimento paredista deflagrado pela entidade sindical, teriam sido organizados pelo ora recorrente expedientes para impedir o acesso dos empregados, que não aderiram ao movimento grevista, às dependências das unidades da PETROBRAS no Estado da Bahia.
2. O pedido de habeas corpus foi julgado extinto pela Corte Regional, em razão da perda superveniente de seu objeto, remanescendo, contudo, a discussão acerca das astreintes cominadas ao cumprimento da decisão liminar proferida nestes autos.
3. Vê-se, portanto, sem maiores dificuldades, que o ato hostilizado no presente habeas corpus promana de particular, e não de autoridade judiciária.
4. Tal constatação, posto não abale o cabimento do habeas corpus, afeta a definição do juiz natural para o seu exame, à luz das regras de distribuição de competência e de organização hierárquica dos órgãos judiciários.
5. Nessa perspectiva, cabe registrar que a competência funcional deriva da hierarquia dos órgãos do Poder Judiciário, estruturada a partir dos graus de jurisdição e das instâncias de conhecimento.
6. Partindo dessa premissa, é possível afirmar que a competência para apreciar e julgar habeas corpus impetrado contra ato praticado por particular é da Vara do Trabalho, e não do TRT. Poderia se admitir, até, a possibilidade de o juiz incompetente proferir decisão liminar para resguardar ou evitar perecimento de direito, como se depreende, por exemplo, do art. 219 do CPC de 1973, vigente à época da impetração, desde que os autos sejam remetidos a posteriori ao juízo competente para o regular prosseguimento.
7. Logo, em se tratando de ação constitucional que objetiva a defesa de direito fundamental de natureza individual (direito de ir e vir), ainda que pleiteado de forma coletiva, isto é, em nome de vários pacientes, é forçoso concluir pela incompetência funcional da SDC do TRT da 5.ª Região para julgar originariamente o feito.
8. E por tratar-se, a competência funcional, de critério de competência absoluta, a consequência jurídica é a nulidade de todos os atos decisórios praticados, inclusive da liminar concedida pela Corte Regional, na forma do art. 113, § 2.º, do CPC de 1973, vigente ao tempo de sua prolação, e a extinção do processo, sem resolução de mérito, dada a perda de seu objeto.
9. Corolário lógico-jurídico dessa conclusão é a inexigibilidade das astreintes estipuladas em decisão liminar. E isso se dá em razão da natureza acessória das astreintes, isto é, trata-se de instrumento de coerção que visa à tutela do direito material radicado na relação jurídica mantida com o réu, decorrendo daí o caráter de dependência ora verificado. Sob essa perspectiva, portanto, incide o princípio contido no vetusto brocardo romano accessio cedit principali, hodiernamente albergado no art. 184 do CC.
10. Registro que o argumento de que as astreintes teriam por escopo preservar a autoridade do juiz não sensibiliza: a uma, porque o próprio texto do parágrafo 5.º do art. 461 do CPC de 1973 explicita que a multa cominada ao cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer objetiva à efetivação da tutela específica ou ao resultado prático equivalente, ou seja, o texto relaciona as astreintes ao bem da vida perseguido no processo; a duas, porque o desrespeito à autoridade do juiz no processo encontra reparação no instituto do contempt of court, atraindo a incidência da disposição contida no parágrafo único do art. 14 do CPC de 1973.
11. Além disso, é preciso destacar que a decisão interlocutória que cominou as astreintes, ora analisadas, não está inserida no rol taxativo dos títulos executivos judiciais contemplado pelo art. 475-N do CPC de 1973, vigente à época de sua prolação, de maneira que o prosseguimento de sua execução no caso em tela, mesmo com a extinção do processo, esbarraria na ausência de título.
12. Por fim, considerando o reconhecimento da incompetência absoluta do Tribunal Regional, a nulidade dos atos decisórios alcança, por óbvio, a decisão liminar que cominou a aplicação das astreintes, na forma do art. 113, § 2.º, do Código Buzaid.
13. Recurso Ordinário conhecido e provido. (TST-RO-1031-70.2015.5.05.0000, Luiz José Dezena da Silva, DEJT 11.03.2022).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário n.º TST-RO-1031-70.2015.5.05.0000, em que é Recorrente SINDICATO DOS PETROLEIROS DO ESTADO DA BAHIA – SINDIPETRO/BA e são Recorridos PETROBRAS TRANSPORTE S.A. – TRANSPETRO, SYLVIO GARCEZ JÚNIOR e MÁRIO JORGE BEZERRA DE AMORIM.
R E L A T Ó R I O
Sindicato dos Petroleiros do Estado da Bahia – SINDIPETRO/BA interpôs Recurso Ordinário contra acórdão proferido pela Seção Especializada em Dissídios Coletivos do Tribunal Regional do Trabalho da 5.ª Região, que extinguiu o habeas corpus sem resolução do mérito, pela perda superveniente de seu objeto, e manteve as astreintes aplicadas pelo descumprimento de decisão liminar proferida nestes autos.
Os pacientes ofereceram contrarrazões.
Acórdão proferido pela e. SDC deste Tribunal Superior, em que reconhecida a incompetência funcional daquele Órgão para apreciação do presente apelo, com determinação de encaminhamento dos autos para esta SBDI-2.
Dispensada a manifestação da Procuradoria-Geral do Trabalho, na forma regimental.
É o relatório.
DA PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE RECURSAL
De saída, assinalo que não prospera a preliminar de falta de interesse recursal do recorrente, suscitada pelos recorridos, pois a Corte Regional manteve a condenação nas astreintes cominadas pelo descumprimento da liminar concedida nestes autos. Há, portanto, lesividade e, em consequência, interesse do recorrente para que a questão seja reexaminada por esta Corte.
Assim, conheço do recurso, porquanto atendidos os pressupostos legais de admissibilidade.
MÉRITO
O recorrente investe contra acórdão proferido pela Seção Especializada em Dissídios Coletivos do Tribunal Regional do Trabalho da 5.ª Região, que extinguiu o habeas corpus sem resolução do mérito, pela perda superveniente de seu objeto, mantendo as astreintes aplicadas pelo descumprimento de decisão liminar proferida nestes autos.
O acórdão recorrido encontra-se assim fundamentado, verbis:
"VOTO
PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA LABORAL.
O sindicato impetrado argui a incompetência da Justiça do Trabalho para conceder salvo-conduto ou qualquer outra pretensão a pessoa estranha à relação de trabalho, em face do que, com esteio no art. 114 da Constituição Federal, postula seja declarada a incompetência da Justiça do Trabalho para julgar a presente demanda.
A competência da Justiça do Trabalho, passou por profundas alterações com o advento da Emenda Constitucional n.º 45/2004. Se, antes da inovação em referência, a fixação da sua competência não se dava propriamente em razão da matéria, mas, sim, em razão da condição dos sujeitos integrantes da relação jurídica processual (trabalhadores e empregadores), após a promulgação daquela emenda constitucional, a competência passou a ser definida, efetivamente, com base na natureza da relação de direito material e, portanto, tendo em conta a origem do conflito (ou a causa de pedir próxima), sendo irrelevante, em princípio, a natureza da pretensão objeto da ação.
Dessarte, considerando que no caso em tela o impetrante postula judicialmente a tutela ao exercício do direito de ir e vir de trabalhadores que se inserem na cadeia produtiva da Petrobras, em face do movimento grevista deflagrado pelo sindicato impetrado, à luz das regras dispostas no artigo 114, incisos I, II, III e IV da CF/1988, patente a competência da Justiça do Trabalho, com exclusão de qualquer outra, para processar e julgar a presente demanda.
Por estes fundamentos, rejeito a prefacial.
PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA FUNCIONAL DO SEGUNDO GRAU PARA JULGAR O HABEAS CORPUS
Inicialmente, o sindicato impetrado, com esteio nas normas do artigos 5.º, inciso LIII e 114, inciso IV, CF/88 c/c o artigo 35, inciso I, alínea ‘j)’ do Regimento Interno deste Regional e artigo 113, § 2.º, do CPC, argui a preliminar epigrafada por entender que não só a Seção Especializada em Dissídios Coletivos deste Regional se revela incompetente para julgar originariamente o presente habeas corpus, como também o ‘Juízo de Segundo Grau’.
Pois bem.
Reconheço que o tema desperta cizânia nos tribunais pátrios, inclusive, revendo posicionamento anterior, passei a adotar o entendimento segundo o qual compete à Seção Especializada em Dissídio Coletivo, julgar as ações relativas ao exercício do direito de greve pela sua pertinência temática.
Como é cediço, a fixação da competência se estabelece, quando da propositura da ação. Por outro lado, com esteio na norma celetista do artigo 678, estabelece o artigo 35, inciso I, alíneas ‘a)’ e ‘j)’ do Regimento Interno deste Regional que cabe à Seção Especializada em Dissídio Coletivo - SDC, julgar, originariamente, os dissídios coletivos, bem como as medidas cautelares nos autos de sua competência, a demonstrar, por conseguinte, que a SDC conserva a competência funcional para apreciar e julgar as ações relativas ao exercício do direito de greve.
Sobre o tema ora debatido, o STF, ao avaliar o Mandado de Injunção n.º 708/DF que tratou do exercício do direito de greve dos servidores públicos, conheceu daquele remédio constitucional e determinou, tendo em vista a omissão legislativa, a aplicação da Lei de Greve, (n.º 7.783/89), no que for cabível.
A par desse entendimento, consignou o Relator do Mandado de Injunção, Ministro Gilmar Mendes: ‘O PROCESSAMENTO E O JULGAMENTO DE EVENTUAIS DISSÍDIOS DE GREVE QUE ENVOLVAM SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS DEVEM OBEDECER AO MODELO DE COMPETÊNCIAS E ATRIBUIÇÕES APLICÁVEL AOS TRABALHADORES EM GERAL (CELETISTAS), NOS TERMOS DA REGULAMENTAÇÃO DA LEI No 7.783/1989.’ e que ‘Até a devida disciplina legislativa, devem-se definir as situações provisórias de competência constitucional para a apreciação desses dissídios no contexto nacional, regional, estadual e municipal. Assim, nas condições acima especificadas, se a paralisação for de âmbito nacional, ou abranger mais de uma região da justiça federal, ou ainda, compreender mais de uma unidade da federação, a competência para o dissídio de greve será do Superior Tribunal de Justiça (por aplicação analógica do art. 2.º, I, ‘a’, da Lei no 7.701/1988). Ainda no âmbito federal, se a controvérsia estiver adstrita a uma única região da justiça federal, a competência será dos Tribunais Regionais Federais (aplicação analógica do art. 6o da Lei no 7.701/1988). Para o caso da jurisdição no contexto estadual ou municipal, se a controvérsia estiver adstrita a uma unidade da federação, a competência será do respectivo Tribunal de Justiça (também por aplicação analógica do art. 6o da Lei no 7.701/1988). As greves de âmbito local ou municipal serão dirimidas pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal com jurisdição sobre o local da paralisação, conforme se trate de greve de servidores municipais, estaduais ou federais.’.(grifos aditados).
Na sequência, reconhecendo a complexidade e extensão que envolve o tema, o Ministro relator, ainda consignou que os ‘tribunais mencionados também serão competentes para apreciar e julgar medidas cautelares eventualmente incidentes relacionadas ao exercício do direito de greve dos servidores públicos civis, tais como: i) aquelas nas quais se postule a preservação do objeto da querela judicial, qual seja, o percentual mínimo de servidores públicos que deve continuar trabalhando durante o movimento paredista, ou mesmo a proibição de qualquer tipo de paralisação; ii) os interditos possessórios para a desocupação de dependências dos órgãos públicos eventualmente tomados por grevistas; e iii) as demais medidas cautelares que apresentem conexão direta com o dissídio coletivo de greve’. (grifos nossos).
Desse modo, conforme a decisão proferida pela mais alta corte pátria, não restam dúvidas que a competência funcional para conhecer, processar e julgar as matérias conexas ao exercício do direito de greve do servidor público civil, deve seguir os comandos da norma funcional para a apreciação da greve dos trabalhadores regidos pela CLT e que, tanto em um quanto no outro caso, cabe aos tribunais apreciar ‘os interditos possessórios para desocupação de dependências’ e ‘demais medidas cautelares que apresente conexão direta com o dissídio coletivo de greve.’.
Nesse mesmo sentido vem se posicionado a SDC deste Regional, conforme demonstram as ementas abaixo transcritas:
‘HABEAS CORPUS. LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO. PERTINÊNCIA TEMÁTICA COM O DIREITO DE GREVE. COMPETÊNCIA DA SDC. Não tem a SEDI-II do TRT5 competência funcional para julgar e processar habeas corpus cujo objeto esta diretamente legado ao exercício abusivo do direito de greve. A matéria, conquanto focada na proteção ao direito de ir e vir, diz respeito aos limites do exercício do direito de greve, aos atos abusivos que possam daí decorrer, tais como impedir, sem constrangimentos, o acesso de terceiros ou de empregados que não queiram aderir a ela. É evidente que todo excesso deve ser combatido, até para que não se transforme um direito fundamental, hoje liberto do jugo autoritário do poder econômico nas suas múltiplas faces, reconhecidamente destacado na Carta da República, como é o direito de greve da classe trabalhadora, em mero instrumento de pressão, também autoritária. Como se sabe, a lógica da greve reside na interrupção da prestação de serviços pelos trabalhadores, criando um fato jurídico-social propício à abertura da negociação coletiva, em busca de melhores condições de trabalho para a categoria profissional envolvida. Isto não se confunde, à toda evidência, com o exercício arbitrário das próprias razões. Não há como dissociar a discussão do exercício abusivo do direito de greve, razão pela qual a matéria se insere na competência do Tribunal Regional do Trabalho, através da sua Seção Especializada de Dissídio Coletivo.’ Processo 0000245-89.2016.5.05.0000, Origem PJE, Relator Desembargador RENATO MÁRIO BORGES SIMÕES , SUBSEÇÃO II DA SEDI, DJ 11/04/2016.
‘EXERCÍCIO IRREGULAR DO DIREITO DE GREVE. COMPETÊNCIA FUNCIONAL DA SEÇÃO DE DISSÍDIOS COLETIVOS. Em sendo a matéria de fundo o exercício irregular do direito de greve, a competência funcional é da Seção Especializada em Dissídios Coletivos.’ Processo 0000651-47.2015.5.05.0000, Origem PJE, Relator Desembargador LUIZ ROBERTO MATTOS, SUBSEÇÃO II DA SEDI, DJ 24/09/2015.
Pelos fundamentos ora expostos, rejeito a preliminar de incompetência funcional suscitada pelo sindicato impetrado.
AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DOS SUJEITOS PACIENTES
Considerando a ‘necessidade inafastável de que estes sejam devidamente qualificados, individualmente’, todos os pacientes, postula o sindicato impetrado que o conhecimento do presente habeas corpus seja limitado ‘única e exclusivamente em relação ao indigitado paciente Sr. MÁRIO JORGE BEZERRA DE AMORIM, extinguindo o processo relativamente aos ‘...DEMAIS EMPREGADOS DA PETROBRAS TRANSPORTE S/A - TRANSPETRO (...) E PRESTADORES DE SERVIÇO E QUAISQUER OUTRAS PESSOAS QUE por PRECISEM ACESSAR AS UNIDADES OPERADAS PELA TRANSPETRO NA BAHIA...’ não atenderem às condições da ação exigidas pelo art. 654, § 1.º, alínea ‘a’, do Código de Processo Penal.’.
Com efeito, a concessão da ordem para coletividades indeterminadas e indetermináveis, ante a impossibilidade de se conceder habeas corpus de forma genérica, em razão de a lei exigir a identificação da pessoa que sofre ou está ameaçada de sofrer violência ou coação no seu direito de ir e vir, bem como pela impossibilidade de se expedir salvo-conduto a numero indeterminado de pessoas, é tema que causa cizânia jurídica.
Aqueles que entendem pela impossibilidade de concessão da ordem para a coletividade, o fazem com esteio no artigo 654, §1.º, alínea ‘a’ do Código de Processo Penal, que aponta o nome como um dos elementos da petição inicial, inadmitindo, pois, o habeas corpus coletivo, em favor de pessoas indeterminadas.
Nada obstante, nota-se que alguns magistrados e tribunais pátrios vêm admitindo a realização de mandados de buscas e apreensões coletivas, a despeito da ausência de individualização da pessoa alvo da restrição na privacidade, bens e liberdade, corrente a qual me filio. Não se distancia dessa mesma lógica, quando alguns juízes admitem que a denúncia e a representação ou requerimento de prisão preventiva ou temporária não apresente o nome da pessoa a ser presa, mas apenas e tão somente esclarecimentos através dos quais se possa identificá-la, inclusive podendo a ação penal iniciar sem a identificação do verdadeiro nome ou outros qualificativos do acusado. Nesse sentido as normas dispostas nos artigos 41 e 259 do Código de Processo Penal:
‘Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas’
‘Art. 259. A impossibilidade de identificação do acusado com o seu verdadeiro nome ou outros qualificativos não retardará a ação penal, quando certa a identidade física’.
Ora, se a ausência do nome do denunciado não se configura impedimento à persecução penal, medidas cautelares ou a prisão, porque haveria de ser obstáculo à garantia da liberdade? Deveras, não faz sentindo, diante de todo o arcabouço constitucional garantista advindo com a Constituição Federal de 1988, manter tal restrição, como prescrito no artigo 654, §1.º, alínea ‘a’ do Código de Processo Penal.
Ademais, não se pode olvidar que a norma do artigo 654, §1.º, alínea ‘a’ do CPP, foi promulgada sob a égide do Estado com viés ditatorial, autoritário, (Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941), época na qual, ainda não havia sido revelado o movimento das três ondas de acesso à Justiça. Assim, não podem os operadores do direito se valerem da indigitada norma, salvo reinterpretando o seu comando à luz da Constituição de 1988, de modo que seja recepcionada a norma pela nova ordem jurídica.
Diante da ordem social formada a partir do início do Século XX, após a Primeira Guerra Mundial, composta pela sociedade em massa, o direito à tutela jurisdicional deixou de ter um caráter unicamente individual para se tornar mais vasto do ponto de vista subjetivo, considerando, pois, a possibilidade de figurarem como beneficiários da tutela do Estado-juiz um conjunto de pessoas com interesses individuais homogêneos, coletivos ou difusos. Foi nesse contexto que os ordenamentos jurídicos modernos e avançados passaram a admitir a tutela dos direitos coletivos e a tutela coletiva de direitos.
Nessa ordem de ideias, não admitir o habeas corpus com fundamento em letra morta da lei, (artigo 654, §1.º, ‘a’ do CPP), implica negar a índole democrática em que se baseia o ordenamento jurídico pátrio.
Deveras, o habeas corpus deve ter a sua interpretação alargada, espelhando-se e, ao mesmo tempo, dialogando com os demais remédios constitucionais, (ação civil pública, mandado de segurança), principalmente porque, assim sendo, estar-se-á valendo de amplo instrumentos para a proteção coletiva de direitos para a tutela da liberdade.
Com efeito, a não individualização dos titulares do direito na propositura da ação ocorre nos casos de legitimidade extraordinária, em que se propõe a ação civil pública, por exemplo, sem a identificação da pessoa que sofreu a lesão ou ameaça de lesão a direito. Nesses casos, nada impede que seja proferida condenação genérica, pois os beneficiados com a sentença serão identificados na sua execução.
A necessidade de suplantar o aspecto individualista do habeas corpus, por meio de uma interpretação constitucional e sistemática, emerge, notadamente, nessas hipóteses em que qualquer pessoa pode impetrá-lo, valendo-se da legitimidade extraordinária ampla, já que, ao contrário da ação civil pública, admite a impetração independentemente do interesse jurídico, representatividade ou pertinência temática e, nem sequer capacidade postulatória.
Outrossim, imperioso registrar que quanto mais ampla a legitimidade extraordinária, mais distante e delicada as relações entre os substitutos e os substituídos processuais, o que pode causar dificuldade na identificação destes. Não se revela razoável, pois, essa exigência quando da impetração do habeas corpus em relação aos substituídos, notadamente, se levarmos em conta, repita-se, a importância do bem tutelado: a liberdade.
Daí, tem-se que nada impede a identificação dos beneficiários durante a tramitação do writ, ou, ainda, no momento da execução da ordem, de modo que seja prestado tratamento isonômico para os indivíduos que se encontram em situação jurídica idêntica, procedimento bem vindo, tendo em vista a economia que iria gerar ao Estado, evitando a multiplicação de processos semelhantes no Judiciário. Tal procedimento é permitido pelo artigo 259 do CPP, quando prevê que a ação penal prossiga sem a devida identificação acusado, a qual poderá se dar posteriormente, mediante retificação do nome ou qualificação, a qualquer tempo, no curso do processo, do julgamento ou da execução da sentença, sem maiores formalidades.
Dito isto, verifico, da análise do caso em tela, que os sujeitos beneficiados com o salvo conduto então concedido liminarmente, integrantes do rol dos ‘DEMAIS EMPREGADOS DA PETROBRAS TRANSPORTE S/A - TRANSPETRO E PRESTADORES DE SERVIÇO E QUAISQUER OUTRAS PESSOAS QUE PRECISEM ACESSAR AS UNIDADES OPERADAS PELA TRANSPETRO NA BAHIA,’ foram identificados paulatinamente, ao longo da marcha processual, consoante demonstra, inclusive, prova documental.
Diante de tais fundamentos, rejeito a prefacial aventada.
ILEGITIMIDADE ATIVA DO IMPETRANTE
Argui, ainda o sindicato impetrado a preliminar de ausência o de legitimidade do impetrante para postular interesses coletivos e difusos ,no que carece de razão.
Consoante registros pretéritos lançados no capítulo anterior do presente provimento judicial, a legitimidade do impetrante é extraordinária e ampla o que permite que a impetração ocorra, independentemente do interesse jurídico, representatividade ou pertinência temática e, muito menos capacidade postulatória.
Rejeito a prefacial.
CONEXÃO DO PRESENTE HABEAS CORPUS COM AQUELE DE NÚMERO 0001023-93.2015.5.05.0000.
O impetrante postula a reunião do presente habeas corpus com aquele outro de n.º 0001023-93.2015.5.05.0000, no que carece de razão.
Com efeito, segundo o disposto no artigo 55 do CPC/2015, ‘Reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir’.
A reunião das ações conexas, na forma prevista no § 1.º do artigo 55 do mesmo código de ritos, prestigia os princípios da economia e celeridade processuais, evitando, pois, a existência de decisões conflitantes. Significa dizer, em outras palavras, que a reunião das demandas conexas somente se legitima quando essas puderem ser julgadas concomitantemente, afastando, por conseguinte, decisões inconciliáveis.
Nessa ordem de ideias, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 235, assim vazada: ‘a conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado.’.
Ora, assim sendo e, mesmo sem realizar profunda análise acerca da existência ou não de conexão entre as demandas, no caso vertente, consultando o site oficial deste Tribunal, verifica-se, que o habeas corpus de n.º 0001023-93.2015.5.05.0000 já foi julgado, evento ocorrido em 27/11/2017, não havendo, portanto, respaldo legal a para a reunião das ações.
Rejeito o pedido de reunião das causas.
PRELIMINAR DE EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO. FINAL DO MOVIMENTO GREVISTA.
Suscito, de ofício, a preliminar de extinção do feito sem resolução do mérito, em face da perda superveniente do objeto do presente habeas corpus.
Deveras, após o deferimento da pretensão liminar e antes que houvesse o julgamento do mérito do habeas corpus propriamente dito, o movimento grevista findou-se por deliberação da Assembleia Geral Extraordinária de Trabalhadores. Tal realidade é de conhecimento desta Relatora por força do julgamento do habeas corpus n.º 0001023-93.2015.5.05.0000, no qual o término da greve foi noticiado pelo sindicato ora impetrado, através da petição de ID. a13876c e demais documentos que a instruíram, (ID. 5a96fb7 e seguintes), fato, inclusive que considero público e notório. (fonte: https://www.trt5.jus.br/subsistemas/jurisprudencia/modelo/AcordaoConsultaBlobTexto.asp?v_id=838517&texto=HABEAS%20and%20CORPUS%20and%20PERDA).
Assim, tendo em vista a perda superveniente do objeto, havida pelo fim do movimento grevista, extingo o habeas corpus sem resolução do mérito, com esteio na regra disposta no art. 485, VI, do Código de Processo Civil/2015.
MULTA COMINADA NA DECISÃO LIMINAR
Sobre o tema em destaque, releva esclarecer que, embora não mais subsista juridicamente os efeitos da liminar deferida no feito, persiste a execução do valor relativo à multa pelo descumprimento da ordem judicial emanada daquele provimento judicial, o que passo a apreciar em seguida.
O provimento liminar, no dia 04/11/2015, restou deferido nos seguintes termos, (ID. dff3aad):
‘Dessarte, considerando o comportamento do sindicato que, flagrantemente, vulnera o comando que emerge do §3.º, artigo 6.º da Lei de Greve, CONCEDO A LIMINAR requerida e determino a expedição de salvo-conduto em favor de MARIO JORGE BEZERRA DE AMORIM, DEMAIS EMPREGADOS DA PETROBRAS TRANSPORTE S/A - TRANSPETRO E PRESTADORES DE SERVIÇO E QUAISQUER OUTRAS PESSOAS QUE PRECISEM ACESSAR AS UNIDADES OPERADAS PELA TRANSPETRO NAS SEGUINTES LOCALIDADES: 1. TEMADRE - TERMINAL AQUAVIÁRIO DE MADRE DE DEUS - PARQUE DO SUAPE (inclusive áreas administrativas). Av. Milton Bahia Ribeiro, 2744, Suape, Madre de Deus/BA 2. PARQUE DO MIRIM. Av. Milton Bahia Ribeiro, S/N, Porto do Mirim, Madre de Deus/BA 3. PARQUE DE GLP. Av. Milton Bahia Ribeiro, S/N, Parque Maria Quitéria, Madre de Deus/BA 4. Base Operacional de Camaçari. Rua Benzeno, S/N, Polo Petroquimico, CEP 42.810-020, Camaçari/BA 5. Base Operacional de Catu. Rodovia BA 507, Km 3, S/N, Fazenda Haroldina Área Industrial de Santiago, CEP 48.120-000, Pojuca/BA 6. Base Operacional de Candeias - BECAN. Linha Sul Fcasa, KM 46, S/N, Candeias/BA 7. RBA - TERMINAL DE REGASEIFICAÇÃO DA BAHIA, situado a cerca de 4 km da Ponta de Nossa Senhora (Ilha dos Frades), na baía de Todos os Santos. Coordenadas: 38.º40’44’W 12.º48’52’S 8. Base de Jequié. 9. 8. Base de Itabuna. Determino, ainda, a intimação do SINDIPETRO, para que se abstenha de praticar quaisquer atos em violação do direito de ir e vir dos pacientes. ARBITRO multa no valor de R$ 50.000,00 por paciente e por cada ato, para a hipótese de descumprimento da presente ordem. DETERMINO, ainda, que o sindicato apontado coator preste informações, no prazo de 48 horas. Cumpra-se, com urgência, mediante Oficial de Justiça, ficando autorizada a requisição de força policial para garantir o cumprimento da presente decisão, caso necessário, observados os estritos limites nela traçados. Notifique-se o impetrante’.’ (grifos aditados).
Embora ciente do conteúdo da decisão liminar, desde 06/11/2015 consoante certidão exarada pela Oficial de Justiça América Aparecida Caldas de Araújo, (ID. Cb746e7), o sindicato impetrado não conferiu cumprimento à determinação judicial e cerceou o direito de ir e vir dos pacientes contemplados com o salvo conduto então concedido.
Nesse sentido, segundo registros consignados na petição de ID. ab130ac, os pacientes que cumprem suas atividades profissionais nas unidades operacionais da Bahia, por força dos bloqueios, não tiveram acesso ao local de trabalho por impedimento criado pelo sindicato impetrado, havendo, inclusive, registro de paralisação total das bases de Itabuna e Jequié.
A farta prova documental encartada aos autos demonstra, de forma contundente, que o sindicato impetrado não deu a devida importância ao Poder Judiciário e, de fato, não cumpriu a ordem judicial a si destinada porquanto impediu o acesso daqueles pacientes, profissionais que desejaram seguir suas atividades sem aderirem ao movimento grevista.
Nesse sentido, verifico a presença de correspondência de ID. c438401), emitida, no dia 06/11/2015, pelo Sr. José Evilásio Santana da Silva, representante da prestadora de serviços Stillo Refrigerações e Serviços Ltda., nos seguintes termos: ‘Vimso através desta, informar que estamos com doficuldade de acesso a PETROBRAS RLAM devido ao bloqueio realizado pelo Sindicato dos Petroleiros - SINDIPETRO - BA desde 01 de Novembro de 2015 até a presente data 06 de Novembro de 2015. Informamos abaixo a relação de funcionários impossibilitados de acesso.’.
Sem se distanciar das alegações apresentadas pelo impetrante, encontra-se a prova documental consubstanciada por declarações prestadas pelos sujeitos pacientes, os quais tiveram acesso negado às respectivas lotações por força de ação do sindicato. É o que se vê dos eventos de Id. 12Cad40, - Pág. 8 e seguintes, dos quais se tem notícias de que, no dia 06/11/2015, pelo menos 40 pacientes tiveram seu direito de locomoção cerceado pelo sindicato impetrado.
Não fosse o bastante para comprovar os atos praticados pelo sindicato impetrado contrário à ordem judicial emanada dos presentes autos, ainda constam do acervo probatório fotografias, (ID. ab130ac - Pág. 2 - 4, fd67546), obtidas nas vias de acessos às unidades da Petrobras, as quais revelam a ocorrência de piquetes e manifestações sindicais que obstruíram passagens dos pacientes, ônibus que os transportavam, além de caminhões e carretas que se dirigiam àqueles locais.
A conduta eleita pelo sindicato impetrado na condução da greve revelou não só o de descumprimento da lei que regula o exercício daquele direito constitucional, (artigo 9.º, CF/88), visto que impediam os pacientes de trabalharem, forçando-os, ainda que indiretamente, a aderirem ao movimento, como da própria decisão liminar que tutela outro direito igualmente assegurado na CF/88 - artigo 5.º, inciso XV, o de liberdade de locomoção dos pacientes.
O sindicato impetrado não se afastou dessa estratégia de greve, manteve-se reincidente, o que deixa indene de dúvidas que, a multa coercitiva, então cominada não se revelou suficiente para coibir o descumprimento da decisão liminar. Tal circunstância me levou a, de ofício, modificar o valor e periodicidade da multa, fixando-a em R$300.000,00 (trezentos mil reais) por cada dia de descumprimento do quanto ordenado ao sindicato, conforme o §6.º do artigo 461 do CPC/1973, então vigente,(ID. e508a06).
O cenário ora descortinado evidencia desdém com que o sindicato impetrado trata o Poder Judiciário, desconsiderando as ordens que dele emanam, o que corrobora com a necessidade do estabelecimento da multa por descumprimento de decisão liminar, a qual fora fixada observando os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, reclamando alteração nos critérios de incidência, inicialmente, estabelecidos porquanto não estava atingindo o fim colimado, qual seja: assegurar a efetividade da decisão judicial.
Nem se diga que as provas residentes nos autos eletrônicos não levam a conhecer o descumprimento da ordem judicial. Como visto, o caderno processual é composto por fartos elementos de prova que demonstram a reprovável conduta sindical, incompatível com o Estado Democrático de Direito.
Outrossim, imperioso registrar que, ao contrário do que faz crer o sindicato impetrado, a maioria das declarações trazidas a juízo, - das quais, inclusive, teve vista, assegurando-lhe, portanto, o direito ao contraditório, - apresenta elementos suficientes para identificar não só os pacientes beneficiados com o salvo conduto, sejam eles empregados ou prestadores de serviços da Transpetro, como também o momento e local onde ocorreram o cerceamento do direito de ir e vir, conferindo contundente valor probante ao seu conteúdo.
Também, não se pode afastar o valor probante de tais declarações pela similitude dos respectivos conteúdos, na medida em que, justificável que assim os sejam porquanto tratavam do mesmo episódio, não havendo como se diferenciarem substancialmente.
Dessarte, reputo provada à exaustão o descumprimento da ordem liminar proferida em face do sindicato impetrante, o qual, há de responder por tal conduta através da execução da multa cominada naquele provimento judicial.
Conforme registrado em linhas pretéritas, na decisão liminar a multa restou fixada em R$50.000,00 por paciente e por cada ato em sentido contrário, (ID. 145ea0b), a qual veio a sofrer modificação quanto aos seus critérios, que passou a ser de R$300.000,00 (trezentos mil reais) por cada dia de descumprimento do quanto ordenado ao sindicato, (ID. e508a06).
Nessa ordem de ideias, colho dos autos que restou determinada a execução da multa retro citada, nos termos da decisão de Id.e508a06, no valor de R$2.000.000,00 (dois milhões de reais), correspondentes ao descumprimento da ordem liminar relacionada, ao menos, a 40 pacientes, cujas declarações foram acostadas aos autos.
Ante o descumprimento da liminar, objetivando coagir o impetrado a obedecer a ordem judicial, restou majorado o valor cominado a título de astreintes, o que se revelou exitoso, visto que não se tem notícias, nos autos da prática de atos tendentes a descumprir aquela ordem judicial.
Diante de tudo o quanto restou exposto, determino a manutenção da incidência da multa pelo descumprimento da decisão liminar pelo sindicato impetrado, fixando-a no valor de R$2.000.000,00 (dois milhões de reais), a qual haverá de ser dividida, igualmente, às instituições a seguir citadas, HOSPITAL ARISTIDE MALTEZ, HOSPITAL MARTAGÃO GESTEIRA, GRUPO DE APOIO À CRIANÇA COM CÂNCER e HOSPITAL SANTO ANTÔNIO.
Fica prejudicado o exame do Agravo Regimental interposto."
Em suas razões recursais, o sindicato recorrente aduz questões preliminares e, no mérito, insurge-se contra a manutenção das astreintes, pugnando pela reforma do acórdão regional.
Ao exame.
DO CABIMENTO DO HABEAS CORPUS – ATO DE PARTICULAR PRATICADO NO ÂMBITO DE MOVIMENTO GREVISTA – EXAME DE OFÍCIO – ART. 267, VI E § 3.º, DO CPC DE 1973
A primeira questão a ser analisada está no próprio cabimento do habeas corpus contra ato emanado de particular – como se vê, o remédio heroico foi impetrado contra ato praticado pelo SINDIPETRO/BA, em decorrência do movimento paredista deflagrado em 2015.
É fato que parcela respeitável da doutrina defende que o habeas corpus é cabível contra ato de autoridade, mesmo pressuposto estabelecido para o cabimento do mandado de segurança e do habeas data, ações que integram a chamada jurisdição constitucional das liberdades, que, segundo lição de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, "se caracteriza como conjunto de remédios processuais oferecidos pela Constituição para prevalência dos valores que ela própria obriga" (in A Instrumentalidade do Processo. São Paulo: Ed. Malheiros, 1994, p. 29).
A representar essa corrente doutrinária destaco CELSO RIBEIRO BASTOS, que aponta que "O habeas corpus é voltado contra os atos de autoridade. Quando as pessoas privadas constrangem outrem ou mesmo detêm em recinto fechado, estão incursas em uma modalidade criminosa (cárcere privado)" (in Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Ed. Saraiva, vol. 2, 1989, p. 317).
Nada obstante, entendo, com a devida vênia, que o referido entendimento não é condizente com as balizas fixadas pela Constituição Federal para o uso do habeas corpus. Explico.
O primeiro ponto a ser observado está no fato de que, diferentemente dos incisos LXIX e LXXII do art. 5.º da Constituição Federal, que, referindo-se respectivamente ao mandado de segurança e ao habeas data, vinculam expressamente o cabimento dessas ações à impugnação de atos praticados por autoridade ou agente públicos, o inciso LXVIII, que trata do habeas corpus, é silente nessa questão.
Eis sua redação, verbis:
"LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder"
Cuida-se, a meu ver, de silêncio eloquente do legislador constituinte, que se justifica em razão da magnitude do bem tutelado pela ação de habeas corpus – o direito de ir e vir, concernente à própria liberdade do indivíduo, direito fundamental assegurado na cabeça do art. 5.º da Constituição Federal.
A importância da defesa da liberdade, portanto, justifica não só a utilização daquela poderosa ação constitucional contra ato praticado por particular, mas também sua legitimação ativa plena (art. 654 do CPP) e a dispensa da capacidade postulatória (art. 1.º, § 1.º, da Lei n.º 8.906/94), características não extensíveis à ação mandamental e ao habeas data.
Mas não é só.
O inciso LXVIII do art. 5.º da Constituição Federal sinala o cabimento do habeas corpus contra ameaça de violência ou coação sobre a liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder. E "poder" aqui entendido como ter a possibilidade de - ou possuir a força física ou moral para – praticar o ato coator.
Naturalmente, esse "poder" não é aquele que remete ao conceito de autoridade, que, conforme formatado por JÚLIO CÉSAR BEBBER, corresponde a "todo aquele que exerce um cargo ou função estatal em qualquer dos planos da federação e em qualquer dos poderes organizados, investido de poder de decisão, pela qual manifesta a vontade do Estado" (in Mandado de Segurança, Habeas Corpus, Habeas Data na Justiça do Trabalho. São Paulo: Ed. LTr, 2008, p. 31). Afinal, não é apenas o exercente de cargo ou função estatal que detém poder de decisão em razão da função institucional da organização que integra; esse fenômeno também é passível de verificação em organizações particulares, com inegável potencial de causar constrangimento ilegal (ou abusivo) ao direito de locomoção de outrem, ensejando, assim, o cabimento do habeas corpus.
O caso em tela enquadra-se nessa hipótese: o sindicato possui autorização legal (rectius, poder) para deflagrar paralisação coletiva, amparado na decisão dos trabalhadores da categoria (arts. 8.º, III, e 9.º da Constituição e 4.º da Lei n.º 7.783/89), de modo que eventual constrangimento ao direito de locomoção, decorrente de ato praticado pelo sindicato, é passível de elisão por meio do habeas corpus, não se confundindo com o tipo previsto no art. 148 do CP (sequestro e cárcere privado) – hipótese aventada, por alguns, para defender o descabimento daquele remédio constitucional contra ato de particular.
A chancelar o entendimento ora defendido, trago à baila o ensinamento de GUILHERME DE SOUZA NUCCI, que adverte que "A Constituição Federal não distingue, no polo passivo, a autoridade do particular, de modo que é possível impetrar habeas corpus contra qualquer pessoa que constranja a liberdade de locomoção de outrem. É o meio indiscutivelmente mais seguro e rápido de solucionar o impasse. Imagine-se a prostituta presa em algum lugar pelo rufião. Mais célere pode ser a impetração do habeas corpus do que ser a polícia acionada para agir, libertando a vítima. O mesmo se diga dos inúmeros casos de internação irregular em hospitais psiquiátricos ou mesmo da vedação de saída a determinados pacientes que não liquidam seus débitos no nosocômio. E não é demais lembrar a lição de Dante Busana nesse contexto: ‘A polícia pode não querer (ou não julgar prudente) intervir, como, por exemplo, nas hipóteses de internação indevida em manicômio ou outro estabelecimento destinado ao tratamento de moléstias mentais e razão não há para negar à pessoa internada sem motivo legal a proteção do remédio constitucional’." (in Código de Processo Civil Comentado. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2014, p. 500).
Em igual sentido é a doutrina de COSTA MANSO, dizendo que a "lei não exige que o constrangimento seja exercido por autoridade pública. Basta que haja prisão ou constrangimento, provenha a coação de autoridade constituída ou de particulares. A interpretação das leis deve ser feita com o espírito liberal. Interpretação que em lugar de proteger a liberdade do indivíduo, só favorece a ação dos que a violam e restringem não é jurídica" (apud E. Magalhães Noronha, in Curso de Direito Processual Penal, Saraiva, 7.ª Edição, p. 386).
E o próprio MAGALHÃES NORONHA esposou entendimento na mesma linha, dizendo: "A nosso ver, condiz mais com a índole e origem do instituto a opinião que amplia seu âmbito, para admiti-lo também contra ato do particular. O argumento de que este comete crime, não é impeditivo da concessão de habeas corpus, também o pratica a autoridade, prevaricando e cometendo violência arbitrária (...), etc., sem que por isso descaiba o remédio judicial (...). É exato que, hoje, os textos de nosso Código podem autorizar a opinião contrária: os arts. 649, 650 § 1.º, 653, 655,660 § 5.º, 662 e 665 referem-se a autoridade coatora. Tal fato, todavia, não leva forçosamente à conclusão de que ele exclui o particular. Dada a importância do bem ou objeto jurídico tutelado – a liberdade – era mister que houvesse disposição expressa impedindo-o. Ao contrário o texto constitucional não o veda..." (op. cit., p. 386).
De fato, as disposições legais pertinentes ao tema, inseridas no Código de Processo Penal, fazem referência a autoridade coatora, remetendo a ideia de que o habeas corpus somente seria cabível contra ato proveniente daquele exercente de função pública. No entanto, adverte MIRABETE que "é praticamente pacífico que se pode impetrar habeas corpus contra ato de particular", fazendo referência a entendimentos jurisprudenciais sobre retenção de paciente em hospital, de internação compulsória por parentes de pessoa não interditada e de pessoa retida por empregador em imóvel rural para pagamento de dívidas (in Processo Penal, ed. Atlas, 1991, p. 680).
Também se colhe da doutrina de VICENTE GRECO FILHO passagem no sentido de que, embora o habeas corpus tenha surgido para coibir ou reparar violência à liberdade de ir e vir praticada por autoridade, "a jurisprudência e a doutrina têm admitido a impetração contra ato de particular que esteja causando restrição da liberdade de outrem. Ainda que tecnicamente tal solução seja discutível, porque contra ato de particular é admissível a ação policial ou administrativa, na prática convém admitir o habeas corpus contra particular, desde que seja esse o meio mais rápido e eficiente para obter a cessação da coação" (in Manual de Processo Penal, Saraiva, 1991, p. 392).
Com amparo nesses fundamentos, portanto, defendo o cabimento do habeas corpus impetrado contra ato de particular, no caso o SINDIPETRO/BA.
E quanto ao cabimento do habeas corpus contra ato praticado no âmbito de movimento grevista, sob a perspectiva de eventual conflito entre os direitos fundamentais de locomoção e de greve, assinalo não se vislumbrar incompatibilidade que autorize cogitar do descabimento do remédio heroico.
É bem verdade que o direito de greve possui natureza eminentemente coletiva, integrando um plexo de direitos e garantias cuja implantação e efetivação encontra raízes na questão social, tão debatida no início dos Novecentos e que estruturou a própria formação do Direito do Trabalho.
A greve, nesse contexto, surge como instrumento de conquistas de direitos coletivos com ampla repercussão social, no que concerne à pacificação dos conflitos de classes, a partir do reconhecimento da liberdade individual de trabalhar como princípio fundamental de organização social.
É nesse sentido que AMAURI MASCARO NASCIMENTO pontua que "o grande fundamento do direito de greve está na transposição do princípio da liberdade de trabalho da esfera individual para a social" (in Direito Sindical. São Paulo: Ed. LTr, 1982, p. 338).
E é por conta disso que o direito de greve somente se legitima em dimensão coletiva, direcionada à obtenção do bem social.
Consoante lição de WILSON DE SOUZA CAMPOS BATALHA, "O direito de greve desempenha uma função social e só no sentido dessa função social pode legitimar-se. Não é um direito em si, que encontre satisfação no seu próprio exercício – é um direito instrumental, cujo exercício se destina à obtenção de resultados finalísticos" (in SINDICATOS, SINDICALISMO. São Paulo: Ed. LTr, 1992, p. 225).
E precisamente porque o exercício de greve é direito que se legitima no plano coletivo, somente se pode cogitar de abusividade de seu exercício na hipótese de dano de repercussão coletiva, conforme adverte MÁRCIO TÚLIO VIANA: "Seja total ou parcial, a greve deve ser pacífica; mas a violência capaz de ilegitimá-la não é a individual, mas a coletiva, como nota com inteligência Amauri Mascaro Nascimento" (in Curso de Direito do Trabalho – Estudos em Memória de Célio Goyatá. São Paulo: Ed. LTr, vol. II, 1997, p. 722).
E há uma razão de ser para tais constatações, pois o direito de greve é exercido no plano coletivo, de maneira que seus efeitos devem ser apreciados também nessa mesma dimensão, porque assim direcionados em razão da própria finalidade da greve.
É por esses fundamentos que o uso do habeas corpus em casos como o que ora se põe sob exame não implica restrição de direito coletivo, no sentido de enfraquecer ou de pôr em risco o livre exercício coletivo do direito fundamental de greve, até porque no âmbito do habeas corpus não se discute sobre a abusividade de movimento paredista – pois essa abusividade deve ser aferida em dimensão coletiva, e não individual – tampouco sobre responsabilidades decorrentes de eventual abuso; cuida-se, unicamente, de se conceder ou não o salvo conduto, mediante configuração do constrangimento ilegal sobre o direito fundamental de locomoção, concessão essa que, frise-se, não acarretará o reconhecimento de abusividade da grave nem mesmo ordem de sua dispersão, consequências exclusivas do dissídio coletivo de greve.
E sob essa perspectiva, a restrição da liberdade daqueles trabalhadores individualizados que, livremente, resolvem não aderir ao movimento paredista, constitui constrangimento ilegal apto a se sujeitar à intervenção judicial pela forma expedita do habeas corpus, a fim de que se garanta um direito fundamental inscrito no art. 5.ª da Constituição Federal, sem que, repiso, se limite ou se restrinja o exercício do direito fundamental de greve. Até porque não se pode descurar que a Constituição da República, a par de garantir o direito à greve, de forma clara e enfática, garantiu também o direito fundamental de ir e vir, ou seja, a liberdade de locomoção. Trata-se de uma garantia inalienável que não pode ser tolhida nem sequer manchada, mesmo que se coloque em perspectiva e em contraponto um outro direito fundamental.
Destaco, por fim, que esta SBDI-2 já se debruçou sobre esse tema específico no julgamento do RO n.º 1023-93.2015.5.05.0000, de minha relatoria, ultimado em 28/9/2021, firmando conclusão no sentido do cabimento da ação de habeas corpus impetrado contra ato praticado por particular, no contexto de movimento grevista, que implique violação do direito de ir e vir, sem que daí decorra enfraquecimento ou limitação ao exercício do direito de greve.
Amparado nessas razões, portanto, concluo pelo cabimento da ação de habeas corpus na espécie.
DA INCOMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA PROCESSAR E JULGAR HABEAS CORPUS CONTRA ATO DECORRENTE DE DEFLAGRAÇÃO DE GREVE – MATÉRIA PENAL – VIOLAÇÃO DOS ARTS. 109, I, E 114 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
O sindicato recorrente sustenta, inicialmente, que a Justiça do Trabalho seria materialmente incompetente para apreciar e julgar habeas corpus que ataca deflagração de greve da categoria profissional, em razão da natureza penal do provimento perseguido.
Sem razão.
Cumpre destacar que, com a EC n.º 45, introduziu-se o inciso IV ao art. 114 da Constituição Federal, que inseriu no rol de competências da Justiça do Trabalho processar e julgar "os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição".
Da mesma forma, no inciso II do referido dispositivo constitucional, assenta-se a competência desta Justiça Especializada para processar e julgar "as ações que envolvam exercício do direito de greve".
Vê-se, portanto, claramente definida a competência material da Justiça do Trabalho para apreciar habeas corpus impetrado contra ato vinculado ao exercício do direito de greve.
Nego provimento ao Recurso.
DA INCOMPETÊNCIA FUNCIONAL DO TRT DA 5.ª REGIÃO – HABEAS CORPUS IMPETRADO CONTRA ATO DE PARTICULAR
Neste capítulo recursal, entendo que o sindicato recorrente possui razão em sua insurgência.
Explico.
Cuida-se, aqui, de habeas corpus impetrado por Sylvio Garcez Júnior, em favor de Mário Jorge Bezerra de Amorim, em face de atos supostamente praticados pelo SINDIPETRO/BA que, segundo alegado na petição inicial, estariam a constranger o direito fundamental à liberdade de locomoção: a alegação é de que, em razão do movimento paredista deflagrado pela entidade sindical, teriam sido organizados pelo ora recorrente expedientes com vistas a impedir o acesso de pessoas às dependências das unidades da PETROBRAS no Estado da Bahia, em especial na Refinaria Landulpho Alves Mataripe, no TEMADRE, Parque do Mirim, BECAN, Camaçari, Catu e TRBA – Terminal de Regaseificação da Bahia.
Vê-se, portanto, sem maiores dificuldades, que o ato hostilizado no presente habeas corpus promana de particular, e não de autoridade judiciária.
Tal constatação, posto não abale o cabimento do habeas corpus em relação à lesão noticiada nestes autos, afeta a definição do juiz natural para sua apreciação, à luz das regras de distribuição de competência e de organização hierárquica dos órgãos judiciários.
Nessa perspectiva, cabe registrar que a competência funcional deriva da hierarquia dos órgãos do Poder Judiciário, estruturada a partir dos graus de jurisdição e das instâncias de conhecimento.
Partindo dessa premissa, é possível afirmar que a competência para apreciar e julgar habeas corpus impetrado contra ato praticado por particular é da Vara do Trabalho, e não do TRT. Admite-se – é verdade - a possibilidade de o juiz incompetente proferir decisão liminar para resguardar ou evitar perecimento de direito, como se depreende, por exemplo, do art. 219 do CPC de 1973, vigente à época da impetração, desde que os autos sejam remetidos a posteriori ao juízo competente para o regular prosseguimento e julgamento do mérito da lide.
Nesse sentido, o magistério de MAURO SCHIAVI, para quem "Se o habeas corpus for impetrado contra ato de particular, a competência hierárquica será das Varas do Trabalho, sendo apreciadas pelo juiz monocrático. O TRT julga habeas corpus impetrado em face de ato do Juiz do Trabalho de Vara do Trabalho (art. 660 do Código de Processo Penal). O TST julga habeas corpus impetrado em face de Tribunal Regional do Trabalho" (in Manual de Direito Processual do Trabalho. São Paulo: Ed. LTr, 2015, p. 1.409).
Nesse contexto, não há campo para cogitar da aplicação do Regimento Interno do TRT/5 com o fim de sustentar a competência da SDC para o julgamento do presente habeas corpus. Vejamos, pois, o art. 35 do Regimento Interno do TRT/5, que define a competência originária de sua SDC:
"Art. 35. Compete à Subseção de Dissídios Coletivos:
I – julgar, originariamente:
a) os dissídios coletivos,
b) as revisões de sentenças normativas,
c) a extensão das decisões proferidas em dissídios coletivos,
d) as ações rescisórias de seus próprios acórdãos,
e) as exceções de suspeição e de impedimento arguidas contra os seus membros,
f) as exceções de incompetência que lhe forem opostas,
g) as habilitações incidentes, arguições de falsidade e outras exceções vinculadas a processos pendentes de sua apreciação,
h) os Embargos de Declaração opostos a seus acórdãos,
i) a homologação dos acordos celebrados nos autos dos processos de sua competência,
j) as medidas cautelares nos autos dos processos de sua competência,
k) os agravos regimentais interpostos a decisões de qualquer de seus membros,
l) a restauração de autos, quando se tratar de processo de sua competência"
Não há previsão alguma, portanto, quanto ao julgamento originário de habeas corpus impetrado contra ato de particular.
Nem mesmo a hipótese prevista na alínea ‘k’ se aplica ao caso, com a devida vênia à Corte Regional, pois o habeas corpus, ação mandamental de matriz constitucional, não se confunde com as medidas cautelares, que são aquelas expressamente previstas pelo ordenamento jurídico para prevenir, conservar ou defender direitos, v. g. no art. 659, IX e X, da CLT, nos arts. 294 e seguintes do CPC de 2015 e no art. 319 do CPP.
Lado outro, a decisão proferida pelo STF no julgamento do Mandado de Injunção n.º 708/DF, com todo respeito ao entendimento esposado pelo Regional, não guarda pertinência temática com a matéria ora analisada, sendo mesmo descabida a menção feita no julgado recorrido.
Com efeito. Discutiu-se, no referido mandado de injunção, a aplicação da Lei n.º 7.783/89 para disciplinar o exercício do direito de greve no âmbito dos servidores públicos estatutários, ou seja, houve, naqueles autos, o esforço do STF para colmatar lacuna existente no ordenamento jurídico, na medida em que o direito de greve dos servidores públicos estatutários, embora previsto na Constituição Federal, não teve até hoje seu exercício regulamentado pelo Poder Legislativo.
Tal situação passa longe de disciplinar os julgamentos das questões relacionadas ao exercício do direito de greve dos empregados regidos pela CLT, mesmo após as alterações trazidas pela EC n.º 45.
Logo, em se tratando de ação constitucional que objetiva a defesa de direito fundamental de natureza individual (direito de livre locomoção), ainda que pleiteado de forma coletiva, é forçoso concluir pela incompetência funcional da SDC do TRT da 5.ª Região para julgar originariamente o feito.
E por se tratar, a competência funcional, de critério de competência absoluta, a consequência jurídica de sua inobservância é a nulidade de todos os atos processuais praticados, inclusive da liminar concedida pela Corte Regional, na forma do art. 113, § 2.º, do CPC de 1973, vigente ao tempo de sua prolação (tempus regit actum).
O passo seguinte seria a remessa dos autos ao juízo competente (art. 113, § 2.º, do CPC/1973); todavia, como se operou a perda do objeto do habeas corpus, uma vez que já cessado o ato constrangedor da liberdade dos pacientes, outra solução não há senão a extinção do feito. Corolário lógico-jurídico dessa conclusão é a inexigibilidade das astreintes estipuladas em decisão liminar.
Isso se dá em razão da natureza acessória das astreintes, isto é, trata-se de instrumento de coerção que visa à tutela do direito material radicado na relação jurídica mantida com o réu, decorrendo daí o caráter de dependência ora verificado.
Sob essa perspectiva, portanto, incide o princípio contido no vetusto brocardo romano accessio cedit principali, hodiernamente albergado no art. 184 do CC.
Registro que o argumento de que as astreintes teriam por escopo preservar a autoridade do juiz não sensibiliza: a uma, porque o próprio texto do parágrafo 5.º do art. 461 do CPC de 1973 explicita que a multa cominada ao cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer objetiva à efetivação da tutela específica ou ao resultado prático equivalente, ou seja, o texto relaciona as astreintes ao bem da vida perseguido no processo; a duas, porque o desrespeito à autoridade do juiz no processo encontra reparação no instituto do contempt of court, atraindo a incidência da disposição contida no parágrafo único do art. 14 do CPC de 1973.
Seguindo essa linha de raciocínio, FREDIE DIDIER JR., PAULA SARNO BRAGA e RAFAEL OLIVEIRA apontam que "somente quando o beneficiário da multa se tornar, ao fim do processo, o vencedor da demanda é que fará jus à cobrança do montante. Assim o é porque a multa é apenas um meio, um instrumento que serve para garantir à parte a tutela antecipada de seu provável direito; dessa forma, se ao cabo do processo se observar que esse direito não é digno de tutela (proteção) jurisdicional, não faz sentido que o jurisdicionado, que não é merecedor da proteção jurisdicional (fim), seja beneficiado com o valor da multa (meio). Como bem pontua Guilherme Rizzo Amaral, ‘seria admitir-se a adoção de técnica para o alcance do nada’." (in Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Ed. Jus Podivm, vol. 2, 2007, p. 360).
O entendimento reinante no Superior Tribunal de Justiça também segue no sentido de que as astreintes têm caráter assessório, não subsistindo senão com a sua ratificação em sentença. A 5.ª Turma, REsp. 859361/RS, relatado pela Min. Laurita Vaz, já deixou assentado que "As astreintes, conquanto sejam devidas desde o descumprimento do provimento judicial, somente são exigíveis com o trânsito em julgado da decisão que, confirmando a tutela antecipada no âmbito da qual foi aplicada a multa diária, julgar procedente a demanda" (grifei).
Na mesma linha: "1. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial repetitivo, consolidou a tese de que ‘A multa diária prevista no § 4.º do art. 461 do CPC, devida desde o dia em que configurado o descumprimento, quando fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de execução provisória após sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o Recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo’ (REsp n.º 1.200.856, Rel. Sidnei Beneti, DJe 17/09/2014). 2. A antecipação dos efeitos da tutela, conquanto produza efeitos imediatos à época do deferimento,, possui a natureza de provimento antecipatório, no aguardo do julgamento definitivo da tutela jurisdicional pleiteada, que se dá na sentença, de modo que, no caso de procedência, a antecipação resta consolidada, produzindo seus efeitos desde o momento de execução da antecipação, mas, sobrevindo a improcedência, transitada em julgado, a tutela antecipada perde eficácia, cancelando-se para todos os efeitos, inclusive quanto à multa aplicada (astreinte)..." (Agint no AREsp 1377811/PR 2018/0262075-3 – Rel. Min. Luís Felipe Salomão.)
Além disso, é preciso destacar que a decisão interlocutória que cominou as astreintes, ora analisadas, não está inserida no rol taxativo dos títulos executivos judiciais contemplado pelo art. 475-N do CPC de 1973, vigente à época de sua prolação, de maneira que o prosseguimento de sua execução, no caso em tela, mesmo com a extinção do processo, esbarraria na ausência de título.
Por fim, considerando a incompetência absoluta do Juízo a quo reconhecida neste comenos, a nulidade dos atos processuais alcança, por óbvio, a decisão liminar que cominou a aplicação das astreintes, na forma do art. 113, § 2.º, do Código Buzaid.
Logo, seja porque as astreintes têm natureza acessória ao objeto da lide, não se confundindo com o contempt of court, seja porque a decisão que as deferiu, não confirmada por sentença, não constitui título executivo judicial, na forma prevista pelo art. 475-N do CPC/1973, aquela cominação deve perder todos seus efeitos, não subsistindo à extinção do processo, sem julgamento do mérito.
Saliento, por oportuno, que as conclusões ora apresentadas foram recentemente chanceladas por esta e. SBDI-2 no julgamento do RO n.º 1023-93.2015.5.05.0000, ultimado em 28/9/2021, em que se tratou de situação fática idêntica, referente ao movimento paredista deflagrado em unidades baianas da PETROBRAS, e que ficou assim ementado:
"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS IMPETRADO SOB A ÉGIDE DO CPC DE 1973. CABIMENTO DA MEDIDA CONTRA ATO DE PARTICULAR. EXAME DE OFÍCIO. ART. 267, VI E § 3.º, DO CPC DE 1973. 1. Analisa-se o cabimento do habeas corpus contra ato emanado de particular. No caso, o ato foi praticado pelo SINDIPETRO/BA, em decorrência do movimento paredista deflagrado em 2015. 2. É fato que parcela respeitável da doutrina defende que o habeas corpus é cabível contra ato de autoridade, mesmo pressuposto estabelecido para o cabimento do mandado de segurança e do habeas data , ações que integram a chamada jurisdição constitucional das liberdades. O referido entendimento, contudo, não se mostra condizente com as balizas fixadas pela Constituição Federal para o uso do habeas corpus . 3. O primeiro ponto a ser observado está no fato de que, diferentemente dos incisos LXIX e LXXII do art. 5.º da Constituição Federal, que, referindo-se respectivamente ao mandado de segurança e ao habeas data , vinculam expressamente o cabimento dessas ações à impugnação de atos praticados por autoridade ou agente públicos, o inciso LXVIII, que trata do habeas corpus , é silente nessa questão: " LXVIII - conceder-se-áhabeas corpussempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder ". 4. Cuida-se de silêncio eloquente do legislador constituinte, que se justifica em função da magnitude do bem tutelado pela ação de habeas corpus - o direito de ir e vir, concernente à própria liberdade do indivíduo, direito fundamental assegurado na cabeça do art. 5.º da Constituição Federal. 5. A importância da defesa da liberdade, portanto, justifica não só a utilização do habeas corpus contra ato praticado por particular, mas também sua legitimação ativa plena (art. 654 do CPP) e inexigibilidade de capacidade postulatória (art. 1.º, § 1.º, da Lei n.º 8.906/94), características não extensíveis à ação mandamental e ao habeas data . 6. Além disso, o inciso LXVIII do art. 5.º da Constituição Federal sinala o cabimento do habeas corpus contra ameaça de violência ou coação sobre a liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder. E "poder" aqui entendido como ter a possibilidade de - ou possuir a força física ou moral para - praticar o ato coator. Naturalmente, esse "poder" não é aquele que remete ao conceito de autoridade, que, conforme formatado por JÚLIO CÉSAR BEBBER, corresponde a " todo aquele que exerce um cargo ou função estatal em qualquer dos planos da federação e em qualquer dos poderes organizados, investido de poder de decisão, pela qual manifesta a vontade do Estado " ( in Mandado de Segurança, Habeas Corpus , Habeas Data na Justiça do Trabalho. São Paulo: Ed. LTr, 2008, p. 31). Afinal, não é apenas o exercente de cargo ou função estatal que detém poder de decisão em razão da função institucional da organização que integra; esse fenômeno também é passível de verificação em organizações particulares, com inegável potencial de causar constrangimento ilegal (ou abusivo) ao direito de locomoção de outrem, ensejando, assim, o cabimento do habeas corpus . 7. O caso em tela enquadra-se nessa hipótese: o sindicato possui autorização legal ( rectius , poder) para deflagrar paralisação coletiva, amparado na decisão dos trabalhadores da categoria (arts. 8.º, III, e 9.º da Constituição e 4.º da Lei n.º 7.783/89), de modo que eventual constrangimento ao direito de locomoção decorrente da decisão adotada pela agremiação é passível de elisão por meio do habeas corpus , não se confundindo com o tipo previsto no art. 148 do CP (sequestro e cárcere privado) - hipótese aventada por alguns autores para defender o descabimento do habeas corpus contra ato de particular. 8. Cabível, portanto, a impetração de habeas corpus contra ato praticado por particular. COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA PROCESSAR E JULGAR HABEAS CORPUS CONTRA ATO DECORRENTE DE DEFLAGRAÇÃO DE GREVE. PREVISÃO EXPRESSA NO ART. 114, II E IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A EC n.º 45 introduziu o inciso IV ao art. 114 da Constituição Federal, inserindo no rol de competências da Justiça do Trabalho a possibilidade de processar e julgar " os mandados de segurança,habeas corpusehabeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição ". 2. Da mesma forma, no inciso II do referido dispositivo constitucional, assenta-se a competência desta Justiça Especializada para processar e julgar " as ações que envolvam exercício do direito de greve ". 3. Vê-se, portanto, claramente definida na ordem constitucional a competência material da Justiça do Trabalho para apreciar habeas corpus impetrado contra ato vinculado ao exercício do direito de greve. 4. Recurso Ordinário não provido. HABEAS CORPUS IMPETRADO CONTRA ATO DE PARTICULAR, JULGADO ORIGINARIAMENTE PELA SEÇÃO ESPECIALIZADA EM DISSÍDIOS COLETIVOS DO TRT DA 5.ª REGIÃO. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DA VARA DO TRABALHO. INCOMPETÊNCIA FUNCIONAL CARACTERIZADA. EXECUÇÃO DE ASTREINTES COMINADAS EM DECISÃO LIMINAR. ACESSORIEDADE. 1. Cuida-se de habeas corpus impetrado em face de atos supostamente praticados pelo SINDIPETRO/BA que, segundo alegado na petição inicial, estariam a constranger o direito fundamental à liberdade de locomoção. A alegação é de que, em razão do movimento paredista deflagrado pela entidade sindical, teriam sido organizados pelo ora recorrente expedientes para impedir o acesso dos empregados que não aderiram ao movimento grevista às dependências das unidades da PETROBRAS no Estado da Bahia. 2. O pedido de habeas corpus foi julgado extinto pela Corte Regional, em razão da perda superveniente de seu objeto, remanescendo, contudo, a discussão acerca das astreintes cominadas ao cumprimento da decisão liminar proferida nestes autos. 3. Vê-se, portanto, sem maiores dificuldades, que o ato hostilizado no presente habeas corpus promana de particular, e não de autoridade judiciária. 4. Tal constatação, posto não abale o cabimento do habeas corpus , afeta a definição do juiz natural para o seu exame, à luz das regras de distribuição de competência e de organização hierárquica dos órgãos judiciários. 5. Sob essa perspectiva, cabe registrar que a competência funcional deriva da hierarquia dos órgãos do Poder Judiciário, estruturada a partir dos graus de jurisdição e das instâncias de conhecimento. 6. Partindo dessa premissa, é possível afirmar que a competência para apreciar e julgar habeas corpus impetrado contra ato praticado por particular é da Vara do Trabalho, e não do TRT. Poderia se admitir, até, a possibilidade de o juiz incompetente proferir decisão liminar para resguardar ou evitar perecimento de direito, como se depreende, por exemplo, do art. 219 do CPC de 1973, vigente à época da impetração, desde que os autos sejam remetidos a posteriori ao juízo competente para o regular prosseguimento. 7. Logo, em se tratando de ação constitucional que objetiva a defesa de direito fundamental de natureza individual (direito de ir e vir), ainda que pleiteado de forma coletiva, isto é, em nome de vários pacientes, é forçoso concluir pela incompetência funcional da SDC do TRT da 5.ª Região para julgar originariamente o feito. 8. E por tratar-se, a competência funcional, de critério de competência absoluta, a consequência jurídica é a nulidade de todos os atos decisórios praticados, inclusive da liminar concedida pela Corte Regional, na forma do art. 113, § 2.º, do CPC de 1973, vigente ao tempo de sua prolação. 9. Corolário lógico-jurídico dessa conclusão é a inexigibilidade das astreintes estipuladas em decisão liminar. E isso se dá em razão da natureza acessória das astreintes , isto é, trata-se de instrumento de coerção que visa à tutela do direito material radicado na relação jurídica mantida com o réu, decorrendo daí o caráter de dependência ora verificado. Sob essa perspectiva, portanto, incide o princípio contido no vetusto brocardo romano accessio cedit principali , hodiernamente albergado no art. 184 do CC. 10. Registro que o argumento de que as astreintes teriam por escopo preservar a autoridade do juiz não sensibiliza: a uma, porque o próprio texto do parágrafo 5.º do art. 461 do CPC de 1973 explicita que a multa cominada ao cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer objetiva à efetivação da tutela específica ou ao resultado prático equivalente, ou seja, o texto relaciona as astreintes ao bem da vida perseguido no processo; a duas, porque o desrespeito à autoridade do juiz no processo encontra reparação no instituto do contempt of court , atraindo a incidência da disposição contida no parágrafo único do art. 14 do CPC de 1973. 11. Além disso, é preciso destacar que a decisão interlocutória que cominou as astreintes , ora analisadas, não está inserida no rol taxativo dos títulos executivos judiciais contemplado pelo art. 475-N do CPC de 1973, vigente à época de sua prolação, de maneira que o prosseguimento de sua execução no caso em tela, mesmo com a extinção do processo, esbarraria na ausência de título. 12. Por fim, considerando o reconhecimento da incompetência absoluta do Tribunal Regional, a nulidade dos atos decisórios alcança, por óbvio, a decisão liminar que cominou a aplicação das astreintes , na forma do art. 113, § 2.º, do Código Buzaid. 13. Recurso Ordinário conhecido e provido" (RO-1023-93.2015.5.05.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Luiz Jose Dezena da Silva, DEJT 12/11/2021).
Diante do exposto, dou provimento ao recurso para declarar a incompetência funcional da Seção Especializada em Dissídios Coletivos do Tribunal Regional do Trabalho da 5.ª Região para apreciar e julgar o presente habeas corpus e, com amparo no art. 113, § 2.º, do CPC de 1973, declarar nulos os atos decisórios praticados no feito, inclusive a liminar concedida nestes autos, julgando extinto o processo, sem resolução do mérito, na forma do art. 267, VI, do CPC/1973.
Comunique-se, com urgência, ao TRT da 5.ª Região, para que proceda à liberação do numerário apreendido nestes autos.
ACORDAM os Ministros da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, à unanimidade, afastar a preliminar de falta de interesse recursal, conhecer do Recurso Ordinário e, no mérito, dar-lhe parcial provimento para declarar a incompetência funcional da Seção Especializada em Dissídios Coletivos do Tribunal Regional do Trabalho da 5.ª Região para apreciar e julgar o presente habeas corpus e, com amparo no art. 113, § 2.º, do CPC de 1973, declarar nulos todos os atos decisórios proferidos no feito, notadamente a liminar deferida, e determinar a baixa dos autos à Presidência do TRT da 5.ª Região, para posterior remessa para uma das Varas do Trabalho de Santo Amaro/BA. Comunique-se, com urgência, ao TRT da 5.ª Região, para que proceda à liberação do numerário apreendido nestes autos.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
LUIZ JOSÉ DEZENA DA SILVA
Ministro Relator
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