TST - INFORMATIVOS 2019 214 - 19 de dezembro

Data da publicação:

Acordãos na integra

Alexandre de Souza Agra Belmonte - TST



PARTIDAS OFICIAIS DE FUTEBOL. LIMITAÇÃO DE HORÁRIO. ESTRESSE TÉRMICO. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, DA LIVRE INICIATIVA PRIVADA, DA AUTONOMIA DA VONTADE, DA RAZOABILIDADE, PROPORCIONALIDADE E DA ISONOMIA.



PARTIDAS OFICIAIS DE FUTEBOL. LIMITAÇÃO DE HORÁRIO. ESTRESSE TÉRMICO. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, DA LIVRE INICIATIVA PRIVADA, DA AUTONOMIA DA VONTADE, DA RAZOABILIDADE, PROPORCIONALIDADE E DA ISONOMIA.

1 - Para melhor compreensão da controvérsia, passa-se a expor os fatos ocorridos nos presentes autos eletrônicos:

- a) Apreciando Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho da 21ª Região (litisconsorte: Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol - FENAPAF), a 1ª Vara do Trabalho de Natal/RN determinou que “a CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL se abstenha de agendar jogos oficiais de futebol no lapso temporal entre 11h e 14h do dia, em todo território nacional, incluídos os campeonatos de todas as séries, salvo comprovação dos seguintes requisitos:

a) monitoramento da temperatura ambiental, em todos as partidas realizadas entre 11h e 14h do dia, com índices componentes do IBUTG (WBGT), por profissionais qualificados para tanto;

b) a partir de 25º WBGT, realização de duas paradas médicas para hidratação de 3 minutos, aos 30min e aos 75min do jogo;

c) a partir de 28º WBGT, interrupção do jogo pelo tempo necessário à redução da temperatura ambiental ou a sua suspensão total. A parte ré fica sujeita a multa no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por cada jogo realizado em desacordo com o presente provimento mandamental. A parte ré deverá ainda encaminhar os relatórios das medições ao Sindicato da Categoria da região, no prazo máximo de 15 dias, após realização do jogo, para acompanhamento, sob pena de multa diária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais)” (pág. 389). Ressalte-se que, com a superveniente formação do litisconsórcio, em razão da integração da Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol no polo ativo da lide, o objeto da pretensão foi ampliado para todo território nacional e clubes de futebol de todas as séries e demais competições promovidas pela CBF.

- b) Interposto recurso ordinário pela CBF, a Corte Regional manteve a sentença, ao fundamento de que, “Comprovados os riscos da realização de atividade esportiva profissional no horário entre as 11h e 14h, quando a temperatura ambiente é capaz de elevar excessivamente a temperatura corporal dos atletas, colocando em risco a integridade física do esportista, é possível impor restrições à realização dos jogos nesse interregno temporal, com base em parâmetros legais e científicos, em harmonização dos princípios constitucionais da autonomia privada, da livre iniciativa, da legalidade, da razoabilidade, da proporcionalidade, da isonomia, da dignidade da pessoa humana e no direito à saúde do trabalhador” (Ementa, pág. 488).

- c) Neste momento processual, sustenta a CBF, às págs. 659-667, que a Corte a quo, ao proibir, sem amparo legal, a realização de jogos oficiais dos atletas profissionais de futebol em temperatura igual ou superior a 28º IBUTG (WBGT), nos horários compreendidos entre 11h e 14h, afrontou os princípios da legalidade, da livre iniciativa privada e da autonomia da vontade, incorrendo em violação dos artigos 5º, II, 1º, IV, e 170 da CF, respectivamente, e que, da mesma forma, a decisão regional é desarrazoada, desproporcional e atentatória ao princípio da isonomia, uma vez que é notório que os agentes insalubres podem ser minimizados e (ou) neutralizados mediante o uso de Equipamentos de Proteção Individual – EPI, hipótese expressamente autorizada pelo artigo 191 da CLT e pela Convenção 155 da OIT. Pugna a CBF, ao final, pela revogação do acórdão recorrido “para permitir a realização dos jogos de futebol no horário das 11h às 14h, ainda que, eventualmente, isso implique no pagamento de adicional de insalubridade quando ultrapassados os limites de tolerância” (pág. 671);

2 - Pois bem, conforme se extrai do acórdão recorrido, a Corte Regional manteve a sentença que determinou que a Confederação Brasileira de Futebol se abstivesse de agendar jogos oficiais de futebol no período compreendido entre 11h e 14h, em todo território nacional, incluídos os campeonatos de todas as séries, ressalvadas as exigências ali descritas, pautando-se em testemunho do Presidente Nacional de Médicos de Futebol e em estudo apresentado pelo Ministério Público do Trabalho da 21ª Região, elaborado durante a Copa do Mundo de 2014 por três autoridades de fisioterapeutas desportivos do País. No entanto, tais elementos de prova partem de um critério único que os macula. É que o Brasil, com seu vasto território, sua diversidade de formas e relevo, altitude e dinâmica das correntes e massas de ar possui uma grande diversidade de climas (equatorial, tropical e temperado – e subdivisões), podendo diferenciar-se até mesmo dentro de cada região. O IBGE, em sua página na internet (https://educa.ibge.gov.br/criancas/b rasil/nosso-territorio/19634-relevo-e -clima.html), explicita que “O clima equatorial abrange boa parte do país, englobando principalmente a região da Floresta Amazônica, onde chove quase diariamente e faz muito calor. Já o clima tropical varia de acordo com a região, mas também é quente e com chuvas menos regulares. O sul do Brasil é a região mais fria do país. Nela predomina o clima temperado que, no inverno, pode atingir temperaturas inferiores a zero grau e ocorrer neve”. Note-se que muitas vezes em Brasília (região centro-oeste) a temperatura é a mesma do Rio de Janeiro (região sudeste), podendo neste estado a umidade superar 80% e em Brasília estar abaixo dos 13%. Some-se a isso o fato de que o horário mais quente do dia pela acumulação de calor não está compreendido no intervalo das 11h às 13h, mas, sim, por volta das 14h às 16h. Com efeito, de acordo com o portal científico Science19.com (https://pt.science19.com/what-is-hottest-time-of-day2329), “Determinar a hora mais quente do dia depende da época do ano e da sua localização no planeta. Raios do sol aquecem o planeta como um queimador em um fogão que ferve a água. Mesmo que o queimador esteja no alto, demora um pouco para a água ferver. O mesmo vale para a temperatura do dia. O sol está no ponto mais alto aproximadamente ao meio-dia. O ponto alto do sol é quando ele dá à Terra a luz solar mais direta, também chamada de meio-dia solar. Neste ponto, uma queimadura solar ocorre no menor período de tempo, de acordo com o meteorologista da NBC 5, David Finfrock. A radiação do sol é a mais forte neste momento, mas mesmo que a radiação esteja no máximo, a temperatura não é a mais quente. (…). A resposta térmica começa no meio-dia solar, quando a superfície da Terra começa a aquecer. A temperatura continua a subir enquanto a Terra recebe mais calor do que envia para o espaço. O atraso do meio-dia solar e a hora mais quente do dia, ou resposta térmica, geralmente leva horas. A parte mais quente do dia durante o verão é geralmente entre as 3 da tarde e às 16h30, dependendo da cobertura de nuvens e da velocidade do vento” (Grifamos). Corroborando tal entendimento, veja-se notícia da imprensa local (Correio Brasiliense), nos seguintes termos (https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/ci dades/2019/01/22/interna_cidadesdf,732044/semana-te m-os-dias-mais-quentes-do-ano-no-df-maxima-chega-a os-33-c.shtml): “Semana tem os dias mais quentes do ano no DF: máxima chega aos 33ºC. Segundo o Inmet, tempo deve ser de calor e seca nesta terça e nos próximos dias. O Distrito Federal terá mais um dia típico de verão. Tempo aberto, poucas nuvens no céu e temperaturas altas registradas nos termômetros devem marcar o clima nesta terça-feira (22/1). Em mais um dia sem chances de chuva, a capital terá ainda uma seca forte, principalmente pela tarde, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). ‘E teremos uma das maiores temperaturas do ano, com a máxima de 33ºC’, contou o meteorologista Mamedes Luiz Mello. A mínima foi de 16ºC antes do nascer do sol, mas, a partir das 7h, o calor começa a castigar no DF. Os horários mais críticos são os da tarde, entre as 14h e as 16h, quando devemos passar os 30ºC” (g. n.). Ainda existe o problema do condicionamento físico, ou será que os atletas brasileiros devem se abster de jogar na Bolívia, por exemplo, por causa da altitude? São atletas de alto rendimento, que jogam sob sol ou chuva, em baixa ou alta altitude, com treinamento, condicionamento e concentração adequados aos lugares e condições de jogo. Logo, certamente que há estresse proveniente da altitude ali elevada, o que, no entanto, não inviabiliza a realização dos jogos. E quanto à vitamina D? Embora os médicos recomendem exposições diárias ao sol no início da manhã (até 10h) e depois das 16h, a fim de se evitar a maior emissão de raios UVB, hoje sabe-se que o melhor horário para banhos de sol visando a síntese dessa substância é justamente entre 10h e 16h (fontes: https://www.tuasaude.com/vitamina-d-e-sol/, https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/201 5/07/12 e https://www.conquistesuavida.com.br/noticia/qual-o-m elhor-horario-para-tomar-sol-saiba-como-absorver-mai s-vitamina-d_a10436/1). Do referido estudo elaborado durante a copa do mundo de 2014, constante dos atos, nos jogos iniciados às 13h nas cidades de Manaus, Brasília, Fortaleza e São Paulo, observa-se que a Corte Regional, mesmo enfatizando o desconforto térmico, registrou que “as pausas para hidratação mostraram-se bastante eficientes para atenuar a elevação tanto da temperatura corporal, quanto do desconforto térmico durante cada período de 45 minutos. As pausas contribuíram ainda para menores índices de desidratação, uma vez que constituem uma oportunidade mais adequada para a hidratação dos atletas” (pág. 498, grifamos). E, é bom que se diga, não estamos falando de jogos às 13h e sim às 11h, em temperatura muito mais amena do que aquela atestada pelos especialistas mencionados. A ressalva às decisões ordinárias, que se basearam em estudos técnicos, portanto, está no fato de terem sido consideradas medições às 13h e que sequer se aplicam à cidade de Natal/RN (origem da ACP), cuja temperatura é muito mais favorável do que a de Manaus/AM, por exemplo, e que, ainda por cima, se pretende a reprodução em todo o território nacional, inclusive na região sul, onde são registradas as mais baixas temperaturas do País. Podemos ainda falar dos benefícios que as partidas de futebol realizadas fora do Estado costumam proporcionar às famílias brasileiras e amigos, que, como torcedores, aproveitam esse momento, normalmente nos finais de semana, para confraternizarem, fortalecendo os laços. Não bastasse isso, as transmissões geram direito de arena para as entidades desportivas, cujos valores contribuem para o pagamento dos atletas, que também são interessados diretos, uma vez que recebem 5% (cinco por cento) dessas transmissões. Acresça-se que é de se ter em conta:

a) que os horários das partidas, que são transmitidas no Brasil e no exterior, são ajustados considerando as diferenças de fuso horário;

b) que os jogos em meio à semana ou em finais de semana, nesse horário entre 11h e 14h, muitas vezes dizem respeito também a clubes das séries B, C e D, sendo que a transmissão das partidas dessas duas últimas séries costumam ser apenas locais e restrições poderiam não apenas inviabilizar a realização, como desestimular a transmissão, que, como dito, é fonte de renda para os atletas;

c) que a maioria dos estádios tem formato de arena, não ficando totalmente exposta ao sol, e que há no intervalo troca de campo (de sol para sombra); e

d) que não há como comparar um trabalho a céu aberto, por 8 (oito) horas consecutivas, com o pequeno tempo gasto numa partida de futebol, de apenas 90 (noventa) minutos com mais 15 (quinze) minutos de intervalo.

Considerando tudo isso, assim como o fato de que não estamos falando de atletas amadores, mas treinados e condicionados para alto desempenho, que jogam sob chuva, neve, frio, calor e altitude adversa, é que me convenço de que, além dos fatores endógenos, há fatores exógenos que não podem ser desprezados. Ademais, mesmo mantendo a sentença, a Corte Regional admite que há estudos que apresentam “excelente fundamentação para autorizar a prática de futebol profissional no horário das 11h – 14h, com temperatura ambiente entre 28º IBUTG e 32º IBUTG” (pág. 499) e que “existe norma legal no país que trata da exposição de trabalhadores ao calor, uma das espécies de agente insalubre previstas na legislação e que pode ser aplicada por analogia ao caso concreto” (pág. 499). Realmente, a matéria atinente a estresse térmico não é nova nesta Justiça do Trabalho, a exemplo do que rotineiramente, na atividade judicante, decidimos em relação aos cortadores de cana de açúcar, motoristas e cobradores de ônibus, trabalhadores que labutam em minas de subsolo e em ambiente artificialmente frio, metalúrgicos, cozinheiros, etc., deferindo ou indeferindo os pleitos de adicional de insalubridade a partir da aplicação da lei e da jurisprudência e é sob esse prisma da legalidade e da isonomia que a presente controvérsia deve ser dirimida. Veja-se que, em relação aos trabalhadores mencionados, não se olvida que nos respectivos ambientes de trabalho estes correm risco aumentado de sofrer agravo à saúde, acarretando a insalubridade de que tratam os artigos 7º, XXIII, da CF e 189 da CLT (este último regulamentado pela NR-15 do MTb), razão da existência do adicional de insalubridade previsto no artigo 192 da CLT. Na regulamentação das atividades insalubres, notadamente a de nº 15, anexo III, que trata especificamente do agente insalubre “calor”, constata-se que há expressa referência ao tipo de risco ambiental (físico), à caracterização da insalubridade (quantitativa) e ao percentual do adicional de insalubridade (20%). Assim, considerando todas as peculiaridades legais e fáticas a respeito da insalubridade a que estão sujeitos os trabalhadores em geral é que esta Corte editou vários verbetes (Orientações Jurisprudenciais da SBDI-1/TST nºs. 33, 103, 171, 172, 173 e 278; Orientação Jurisprudencial Transitória da SBDI-1/TST nº 57; e Súmulas nºs. 47, 80, 139, 293 e 448/TST), dentre os quais destaca-se a Orientação Jurisprudencial nº 173 da SBDI-1, que trata especificamente de atividade a céu aberto: “ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. ATIVIDADE A CÉU ABERTO. EXPOSIÇÃO AO SOL E AO CALOR (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) – Res. 186/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27/09/2012 . I – Ausente previsão legal, é indevido o adicional de insalubridade ao trabalhador em atividade a céu aberto, por sujeição à radiação solar (art. 195 da CLT e Anexo 7 da NR 15 da Portaria Nº 3214/78 do MTE). II – Tem direito ao adicional de insalubridade o trabalhador que exerce atividade exposto ao calor acima dos limites de tolerância, inclusive em ambiente externo com carga solar, nas condições previstas no Anexo 3 da NR 15 da Portaria Nº 3214/78 do MTE”. Nesse contexto é que, por coerência, ter-se-ia, a princípio, que dar aos atletas profissionais em comento tratamento isonômico. Destaca-se, ainda, que o caso em exame não se limita a uma singela decisão judicial que afetará apenas um Estado da Federação, mas alcançará diretamente toda a Federação, interferindo no direito constitucional do particular de exercer livremente a sua atividade produtiva e, porque não falar, em sua autonomia da vontade. Daí, invoca-se a oportuna incidência da Lei 13.655/2018, que acrescentou à LINDB o artigo 20, cujo caput possui a seguinte redação: “Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão” (g.n.). Sem adentrar em maiores consequências em relação aos efeitos práticos da decisão em tela, questiona-se quanto à criação de precedente extensível às demais categorias como as já citadas anteriormente (cortadores de cana de açúcar, motoristas e cobradores de ônibus, trabalhadores que labutam em minas de subsolo e em ambiente artificialmente frio, metalúrgicos, cozinheiros, etc.), que labutam em desconforto térmico e este Tribunal Superior reconhece a estes apenas o adicional de insalubridade e o direito a intervalos de recuperação, em regra. Seria possível cobrir toda a área de trabalho do cortador de cana de açúcar, por exemplo? E refrigerar toda uma mina de subsolo? Com efeito, o Poder Judiciário deve se abster de fundamentar suas decisões com valores jurídicos abstratos sem ter em consideração os efeitos práticos da decisão. Em outras palavras, as decisões não podem ser dissociadas da realidade, uma vez que produzem efeitos práticos no mundo e não apenas no plano das ideias, projetando-se para o futuro, inclusive. (TST-ARR-707-96.2016.5.21.0001, Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 13/12/2019).

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