Data da publicação:
Acordão - TRT
Ricardo Marcelo Silva - TRT/MG
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA PARA HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL. TRANSAÇÃO ENGLOBANDO PARCELAS PREVISTAS EM LEI E DISCUSSÃO SOBRE A NATUREZA JURÍDICA DE OUTRAS VERBAS.
PROCESSO nº 0010118-46.2019.5.03.0168 (RO)
RECORRENTES: LEONARDO DE CARVALHO (1)
BRAVO SERVIÇOS LOGÍSTICOS LTDA. (2)
RECORRIDOS: OS MESMOS
RELATOR: RICARDO MARCELO SILVA
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA PARA HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL. TRANSAÇÃO ENGLOBANDO PARCELAS PREVISTAS EM LEI E DISCUSSÃO SOBRE A NATUREZA JURÍDICA DE OUTRAS VERBAS. ADEQUAÇÃO PROCEDIMENTAL A SUA FINALIDADE. ART. 855-B A 855-E DA CLT ACRESCENTADO PELA LEI 13467/17. A interpretação restritiva da sentença recorrida no tocante ao óbice à homologação de acordo relativo a matéria incontroversa (verbas da rescisão sem justa causa) e à alteração da natureza jurídica de parcela transacionada (horas de espera remuneradas como bonificação), além de patológica, na medida em que propugna pela necessidade de intervenção judicial para solucionar quaisquer tipos de conflitos trabalhistas, independentemente dos níveis de complexidade e controvérsia envolvidos, viola os princípios da fraternidade e da segurança jurídica e o direito à liberdade, previstos nos arts. 3º, 5º e 6º da Constituição. O Ministro Eros Grau, com sábias e bem colocadas palavras, realça a impositividade destes princípios constitucionais para o bom convívio em sociedade quando afirma que "Apenas na afirmação da legalidade e do Direito positivo a sociedade encontrará segurança e os humildes, proteção e garantia de seus direitos de defesa." (Juízes interpretam e aplicam a Constituição e as leis, não fazem justiça, https://www.conjur.com.br/2018-mai-14/eros-grau-juizes-aplicam-direito-n) A Justiça pretendida por tal corrente jurisprudencial, que defende a ocorrência de vício obstativo à homologação judicial, só eleva a litigiosidade e, não necessariamente, proporciona o efetivo pagamento de valores mais expressivos ao trabalhador. É preferível aplicar o Direito ao caso concreto, mesmo que isto implique em não fazer Justiça. Cite-se, a propósito, outro trecho dos escritos do e. Ministro Eros Grau: "Os juízes aplicam o Direito, não fazem justiça! Vamos à Faculdade de Direito aprender Direito, não a justiça. Esta, repito, é lá em cima. (...). A independência judicial é vinculada à obediência dos juízes à lei. Os juízes, todos eles, são servos da lei. A justiça absoluta - aprendi esta lição em Kelsen - é um ideal irracional; a justiça absoluta só pode emanar de uma autoridade transcendente, só pode emanar de Deus. Ao cabo destas expansões o que me dá paz é ler, na Bíblia, o profeta Isaías (32,15-17): quando alcançarmos a restauração final, 'uma vez mais virá sobre nós o espírito do alto. Então o deserto se converterá em pomar, e o pomar será como uma floresta. Na terra, agora deserta, habitará o direito, e a justiça no pomar. A paz será obra da justiça, e o fruto da justiça será a tranquilidade e a segurança para sempre'. Move-me a esperança em que a defesa do positivismo do Direito me faça no futuro chegar lá." (Juízes interpretam e aplicam a Constituição e as leis, não fazem justiça, https://www.conjur.com.br/2018-mai-14/eros-grau-juizes-aplicam-direito-n). (TRT 3ª Região. Nona Turma. 0010118-46.2019.5.03.0168 (PJe). Recurso Ordinário. Rel. Ricardo Marcelo Silva. DEJT/TRT3/Cad. Jud. 25/04/2019, P. 1804).(TRT-03-0010118-46.2019.5.03.0168, Ricardo Marcelo Silva, DEJT 24.04.19).
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso ordinário, oriundos da 4ª Vara do Trabalho de Uberaba, em que figuram, como recorrentes, LEONARDO DE CARVALHO e BRAVO SERVIÇOS LOGÍSTICOS LTDA., e, como recorridos, OS MESMOS.
Os requerentes apresentaram petição de acordo extrajudicial, formulando pedido de homologação (id a740bfc).
A MMª Juíza da 4ª Vara do Trabalho de Uberaba extinguiu o processo, sem resolução do mérito, em razão de vício capaz de comprometer a transação e impedir a respectiva homologação (id 4373895).
Os requerentes em recurso ordinário pugnaram por homologação do acordo extrajudicial (ids 354d358 e c7093fd). Anexaram comprovantes de recolhimento de custas (id 4eee0c5).
Tudo visto e examinado.
I. FUNDAMENTAÇÃO
A. ADMISSIBILIDADE
1. Pressupostos recursais
Conheço do recurso, porquanto atendidos os pressupostos de admissibilidade.
1. RECURSO ORDINÁRIO DOS REQUERENTES
a) Vício na transação. Óbice à homologação do acordo extrajudicial. Extinção do processo sem resolução do mérito
Os requerentes celebraram acordo visando a por fim ao contrato de trabalho, em razão do desinteresse do trabalhador na sua manutenção, e para solucionar controvérsia relativa às horas de espera.
O juízo de origem negou a homologação, ao fundamento de que as consequências da rescisão por justa causa estão previstas em lei, não sendo lícita a celebração do acordo extrajudicial relativa a matéria incontroversa, bem como por ser indevido o pagamento de bonificação para sanear discussão sobre horas de espera, transformando a natureza jurídica da parcela transacionada.
A interpretação restritiva sugerida pela sentença recorrida é patológica, na medida em que propugna pela necessidade de intervenção judicial para solucionar quaisquer tipos de conflitos trabalhistas, independentemente dos níveis de complexidade e de controvérsia envolvidos e da capacidade das partes.
O óbice à composição amigável direta entre trabalhadores e empregadores em casos como o deste processo viola os princípios da fraternidade e da segurança jurídica e o direito à liberdade, previstos nos arts. 3º, 5º e 6º da Constituição.
O legislador foi sábio ao editar a Lei nº 13.467/2017, pois concedeu às partes o poder de, elas próprias, diretamente, solucionarem seus conflitos. E há uma vantagem: o acordo extrajudicial homologado em juízo possibilita, em casos de inadimplemento, a execução judicial com a mesma força dos demais títulos executivos judiciais.
Não se vislumbra como o trabalhador possa necessariamente sair prejudicado nestes acordos extrajudiciais. Notadamente em se tratando de um contrato de trabalho com duração aproximada de 1 ano e meio (1º.ago.2017 a 1º.fev.2019), em que o trabalhador está sendo demitido sem justa causa.
O ex-empregado se fez presente à audiência designada na origem, juntamente com seu advogado e com a empresa. Todos ratificaram "os termos do acordo requerendo a pertinente homologação" (id c94f3a0).
O vício reconhecido pela sentença recorrida em relação à transação extrajudicial só elevaria a litigiosidade e, não necessariamente, proporcionaria o efetivo pagamento de valores mais expressivos que o fixado no acordo: R$15.563,00 em parcela única depositada diretamente na conta do trabalhador, além da entrega do TRCT do código 01 e das guias de seguro desemprego.
É preferível aplicar o Direito ao caso concreto, mesmo que isto implique em não fazer Justiça, nos moldes propugnados pela sentença recorrida. Cite-se, a propósito, artigo do e. Ministro Eros Grau:
"Os juízes aplicam o Direito, não fazem justiça! Vamos à Faculdade de Direito aprender Direito, não a justiça. Esta, repito, é lá em cima. Apenas na afirmação da legalidade e do Direito positivo a sociedade encontrará segurança e os humildes, proteção e garantia de seus direitos de defesa.
A independência judicial é vinculada à obediência dos juízes à lei. Os juízes, todos eles, são servos da lei. A justiça absoluta - aprendi esta lição em Kelsen - é um ideal irracional; a justiça absoluta só pode emanar de uma autoridade transcendente, só pode emanar de Deus.
Ao cabo destas expansões o que me dá paz é ler, na Bíblia, o profeta Isaías (32,15-17): quando alcançarmos a restauração final, 'uma vez mais virá sobre nós o espírito do alto. Então o deserto se converterá em pomar, e o pomar será como uma floresta. Na terra, agora deserta, habitará o direito, e a justiça no pomar. A paz será obra da justiça, e o fruto da justiça será a tranquilidade e a segurança para sempre'. Move-me a esperança em que a defesa do positivismo do Direito me faça no futuro chegar lá." (Juízes interpretam e aplicam a Constituição e as leis, não fazem justiça, https://www.conjur.com.br/2018-mai-14/eros-grau-juizes-aplicam-direito-nao-fazem-justic).
Dou provimento para, afastando a extinção do processo sem resolução do mérito, declarar a ausência de vício capaz de comprometer a transação e impedir a homologação do acordo extrajudicial.
Os arts. 855-B e seguintes da CLT preveem o seguinte:
"Art. 855-B. O processo de homologação de acordo extrajudicial terá início por petição conjunta, sendo obrigatória a representação das partes por advogado. § 1º As partes não poderão ser representadas por advogado comum. § 2º Faculta-se ao trabalhador ser assistido pelo advogado do sindicato de sua categoria. Art. 855-C. O disposto neste Capítulo não prejudica o prazo estabelecido no § 6º do art. 477 desta Consolidação e não afasta a aplicação da multa prevista no § 8º art. 477 desta Consolidação. Art. 855-D. No prazo de quinze dias a contar da distribuição da petição, o juiz analisará o acordo, designará audiência se entender necessário e proferirá sentença. Art. 855-E. A petição de homologação de acordo extrajudicial suspende o prazo prescricional da ação quanto aos direitos nela especificados. Parágrafo único. O prazo prescricional voltará a fluir no dia útil seguinte ao do trânsito em julgado da decisão que negar a homologação do acordo."
Os requerentes comprovaram o preenchimento dos requisitos legais (ids a740bfc, 6fc09c6 e cfd37e6).
Não vislumbro nenhum óbice à homologação do acordo, nos moldes em que celebrado e ratificado pelas partes em audiência.
Dou provimento para homologar o acordo extrajudicial celebrado, nosmoldes da petição anexada ao processo (id a740bfc), a fim de que surta seus jurídicos e legais efeitos e determinar a devolução do processo à origem, após o trânsito em julgado, para prosseguimento, conforme se entender de direito, inclusive no tocante a eventuais recolhimentos devidos à Receita Federal do Brasil, a título de imposto de renda, e contribuição previdenciária, na forma e prazo legais, sob pena de execução.
II. ACÓRDÃO
FUNDAMENTOS PELOS QUAIS, o Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, em sessão ordinária da Nona Turma, hoje realizada, à unanimidade, conheceu do recurso; no mérito, sem divergência, deu-lhe provimento para, afastando a extinção do processo sem resolução do mérito, declarar a ausência de vício capaz de comprometer a transação e impedir a homologação do acordo extrajudicial, bem como homologar o acordo extrajudicial celebrado, nos moldes da petição anexada ao processo (id a740bfc), a fim de que surta seus jurídicos e legais efeitos e determinar a devolução do processo à origem, após o trânsito em julgado, para prosseguimento, conforme se entender de direito, inclusive no tocante a eventuais recolhimentos devidos à Receita Federal do Brasil, a título de imposto de renda, e contribuição previdenciária, na forma e prazo legais, sob pena de execução. Acolheu a sugestão do Exmo. Desembargador João Bosco Pinto Lara e determinou a remessa da sentença e do presente acórdão para publicação na Revista e no caderno eletrônico Notícias Jurídicas deste Tribunal.
Tomaram parte no julgamento: Exmos. Juiz Convocado Ricardo Marcelo Silva (Relator-vinculado, substituindo o Exmo. Desembargador Ricardo Antônio Mohallem), Desembargador João Bosco Pinto Lara e Desembargador Rodrigo Ribeiro Bueno.
Presidência: Exmo. Desembargador Ricardo Antônio Mohallem.
Procurador do Trabalho: Dr. Dennis Borges Santana.
Belo Horizonte, 24 de abril de 2019.
RICARDO MARCELO SILVA
Relator
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