ACORDO EXTRAJUDICIAL Quitação

Data da publicação:

Acordãos na integra

Ives Gandra Martins Filho - TST



9. Nesse sentido, a conclusão acerca da invalidade, total ou parcial, do pacto extrajudicial, por ausência de verificação de concessões mútuas e discriminação de parcelas diz menos com a validação extrínseca do negócio jurídico do que com a razoabilidade intrínseca do acordo, cujo questionamento não cabe ao Judiciário nesse procedimento, pois lhe esvazia o sentido e estabelece limites e discussões não queridos pelos Requerentes ao ajuizar o procedimento. 10. Ora, estando presentes os requisitos gerais do negócio jurídico e os específicos preconizados pela lei trabalhista (CLT, art. 855-B), não há de se questionar a vontade das partes envolvidas e do mérito do acordado, notadamente quando a lei requer a presença de advogado para o empregado, rechaçando, nesta situação, o uso do jus postulandi do art. 791 da CLT, como se depreende do art. 855-B, § 1º, da CLT. 11. Assim sendo, é válido o termo de transação extrajudicial apresentado pelas Interessadas, com quitação geral e irrestrita do contrato havido, nessas condições, que deve ser homologado. Recurso de revista provido. (TST-RR-1000013-78.2018.5.02.0063, Ives Gandra Martins Filho, DEJT, 20.09.19).



RECURSO DE REVISTA – ACORDO EXTRAJUDICIAL HOMOLOGADO EM JUÍZO – PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA – ARTS. 855-B A 855-E DA CLT – QUITAÇÃO - TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA.

1. Problema que sempre atormentou o empregador foi o relativo à rescisão do contrato de trabalho e da quitação dos haveres trabalhistas, de modo a não permanecer com a espada de Dâmocles sobre sua cabeça.

2. A ineficácia prática da homologação da rescisão contratual do sindicato, em face do teor da Súmula 330 do TST, dada a não quitação integral do contrato de trabalho, levou a SBDI-2 desta Corte a não reputar simulada a lide visando a homologação de acordo pela Justiça do Trabalho, pois só assim se conseguiria colocar fim ao conflito laboral e dar segurança jurídica às partes do distrato (cfr. TST-ROAR-103900-90.2005.5.04.0000, Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, DEJT de 12/09/08).

3. Para resolver tal problema, a Lei 13.467/17, em vigor desde 11/11/17, instituiu o procedimento de jurisdição voluntária na Justiça do Trabalho atinente à homologação, em juízo, de acordo extrajudicial, nos termos dos arts. 855-B a 855-E da CLT, juntamente com o fito de colocar termo ao contrato de trabalho.

4. Da simples leitura dos novos comandos de lei, notadamente do art. 855-C da CLT, extrai-se a vocação prioritária dos acordos extrajudiciais para regular a rescisão contratual e, portanto, o fim da relação contratual de trabalho. Não fosse a possibilidade da quitação do contrato de trabalho com a chancela do Judiciário e o Capítulo III-A não teria sido acrescido ao Título X da CLT, que trata do Processo Judiciário do Trabalho.

5. Curial, ainda, trazer à baila, que a ideia que indelevelmente adere ao acordo extrajudicial é a de que, retirada uma das cláusulas que o compõem, a parte a quem ela favoreceria não faria o acordo. A alternativa que caberia ao Judiciário, portanto, seria a homologação integral ou a rejeição da proposta, se eivada de vícios. Tal entendimento resta corroborado pelo STF quanto à circunstância de a validade do acordo depender da homologação integral ou de sua rejeição total, não podendo ser balanceado pelo Poder Judiciário (Voto do Min. Teori Zavascki no leading case STF-RE 590.715/SC, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 29/05/15).  

6. Nesse sentido, o art. 855-B, §§ 1º e 2º, da CLT, que trata da apresentação do acordo extrajudicial à Justiça, a par dos requisitos gerais de validade dos negócios jurídicos que se aplicam ao direito do trabalho, nos termos do art. 8º, § 1º, da Lei Consolidada e que perfazem o ato jurídico perfeito (CC, art. 104 – agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não vedada por lei), traçou as balizas para a apresentação do acordo extrajudicial apto à homologação judicial: petição conjunta dos interessados e advogados distintos, podendo haver assistência sindical para o trabalhador. 

7. A petição conjuntamente assinada para a apresentação do requerimento de homologação ao juiz de piso serve à demonstração da anuência mútua dos interessados em por fim ao contratado, e, os advogados distintos, à garantia de que as pretensões estarão sendo individualmente respeitadas. Assim, a atuação do Judiciário Laboral na tarefa de jurisdição voluntária é binária: homologar, ou não, o acordo. Não lhe é dado substituir-se às partes e homologar parcialmente o acordo, se este tinha por finalidade quitar integralmente o contrato de trabalho extinto. Sem quitação geral, o Empregador não proporia o acordo, nem se disporia a manter todas as vantagens nele contida.

8. No caso concreto, o Regional, mantendo a sentença, assentou a falta de evidenciação de concessões mútuas entre os Acordantes, bem como a ausência de discriminação das parcelas às quais ambos conferiam quitação geral e irrestrita, registrando, todavia, o cumprimento dos requisitos do art. 855-B da CLT e daqueles gerais estatuídos pela lei civil para a celebração de negócios em geral.

9. Nesse sentido, a conclusão acerca da invalidade, total ou parcial, do pacto extrajudicial, por ausência de verificação de concessões mútuas e discriminação de parcelas diz menos com a validação extrínseca do negócio jurídico do que com a razoabilidade intrínseca do acordo, cujo questionamento não cabe ao Judiciário nesse procedimento, pois lhe esvazia o sentido e estabelece limites e discussões não queridos pelos Requerentes ao ajuizar o procedimento.

10. Ora, estando presentes os requisitos gerais do negócio jurídico e os específicos preconizados pela lei trabalhista (CLT, art. 855-B), não há de se questionar a vontade das partes envolvidas e do mérito do acordado, notadamente quando a lei requer a presença de advogado para o empregado, rechaçando, nesta situação, o uso do jus postulandi do art. 791 da CLT, como se depreende do art. 855-B, § 1º, da CLT.

11. Assim sendo, é válido o termo de transação extrajudicial apresentado pelas Interessadas, com quitação geral e irrestrita do contrato havido, nessas condições, que deve ser homologado.

Recurso de revista provido. (TST-RR-1000013-78.2018.5.02.0063, Ives Gandra Martins Filho, DEJT, 20.09.19).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-1000013-78.2018.5.02.0063, em que é Recorrente MERCK SHARP & DOHME FARMACÊUTICA LTDA. e Recorrida ANA VICTÓRIA MENEGHESSO PELLICIARI.

R E L A T Ó R I O

Contra o acórdão do 2º TRT, que negou provimento ao seu recurso ordinário (págs. 74-76), a Empresa Requerente interpõe o presente recurso de revista, buscando a reforma da decisão quanto à forma de quitação conferida a acordo extrajudicial homologado em juízo (págs. 86-99).

Admitido o recurso de revista da Requerente, por divergência jurisprudencial (págs. 125-128), não foram apresentadas contrarrazões ao recurso, sendo dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, em face do art. 95, § 2º, II, do RITST.

É o relatório.

V O T O

  1. CONHECIMENTO
  1. PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS

O recurso atende aos pressupostos extrínsecos da adequação, tempestividade, regularidade de representação e preparo.

2) CRITÉRIO DE TRANSCENDÊNCIA

a) Parâmetros de Análise

Conforme disposto no art. 247 do RITST, o critério de transcendência é ínsito ao recurso de revista, devendo ser examinado de ofício, independentemente de ter sido articulado ou esgrimido pela parte.

O critério de transcendência constitui filtro seletor de matérias que mereçam pronunciamento do TST para firmar e garantir o respeito às teses jurídicas pacificadoras da jurisprudência trabalhista.

Quanto aos indicadores de transcendência elencados no § 1º do art. 896-A da CLT, não são eles taxativos. Assim, não será apenas a jurisprudência sumulada do STF e TST que caracterizará a transcendência política quando contrariada, mas também aquela oriunda de precedentes firmados em repercussão geral ou em incidente de recursos repetitivos obviamente.

Do mesmo modo, a transcendência social não pode ser considerada como via de mão única para o empregado, pois desde que estejam em discussão os direitos sociais elencados nos arts. 6º a 11 da CF, independentemente de quem os esgrima, patrão ou empregado, a questão terá relevância social.

De igual sorte, a transcendência econômica pode ser invocada tanto pelo empregado quanto pelo empregador, incluindo não apenas o elevado valor dado à causa, mas especialmente o elevado valor da condenação, além das causas que envolvam interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, em ações civis públicas, ações civis coletivas, reclamações em substituição processual ampla da categoria, nas quais se discutem macro lesões ao ordenamento jurídico trabalhista.

Finalmente, o próprio conceito de transcendência jurídica, quanto à novidade da questão veiculada na revista é passível de matização, quanto a ser nova, por não enfrentada ainda nas Turmas ou na SBDI-1 do TST, ou mesmo ainda não pacificada por súmula ou orientação jurisprudencial desta Corte.

Em suma, enquadra-se nos moldes do art. 896-A, § 1º, da CLT a causa que transcende o interesse meramente individual, sendo apta à discussão de tese jurídica que uniformize a jurisprudência, dando o conteúdo normativo dos dispositivos legais em discussão e assegurando-lhe o respeito pelos Tribunais Regionais.

b) Caso Concreto

Nas razões de recurso de revista, a Empresa Requerente sustenta, de início, a transcendência jurídica da causa relativa à quitação incidente sobre o acordo extrajudicial homologado em juízo, nos termos dos arts. 855-B ao 855-D da CLT, porquanto ainda não enfrentada a questão nesta Corte Superior. Aponta que o acordo estabelecido entre as Interessadas teria preenchido todos os requisitos previstos nos arts. 855-B ao 855-D da CLT, não se verificando vícios de consentimento, prejuízo processual ou ranhuras à boa-fé, nos termos dos arts. 113 e 422 do CC. Dessa forma, não poderia o Judiciário dar anuência genérica e com ressalvas aos acordos extrajudiciais firmados dentro dos pressupostos que a lei exige, sob pena de malferir o art. 5º, XXXVI, da CF, no enfoque do ato jurídico perfeito. Indica violação dos arts. 5º, XXXVI, da CF, 855-B ao 855-D da CLT, 421, 422 e 425 do CC e divergência jurisprudencial.

O trecho destacado do acórdão regional transcrito pela Requerente na revista, com o fim de atender ao comando do art. 896, § 1º-A, I, da CLT, revela que:

"Insurge-se a reclamada (sic) contra a r. Sentença que homologou parcialmente o acordo extrajudicial entabulado entre as partes, limitando a quitação às verbas descritas na petição inicial. Sustenta, em síntese, que foram observados todos os requisitos previstos nos artigos 855-B e 855-E da CLT, não havendo que se falar em homologação com ressalvas.

Apesar do pedido de homologação do acordo apresentado pelas partes ter cumprido os requisitos previstos no artigo 855-B da CLT, notadamente quanto à existência de petição conjunta e pluralidade de advogados, a análise do Instrumento de Transação Extrajudicial acostado aos autos evidencia que este não se reveste de validade.

Conforme disposto no artigo 840 do Código Civil, a validade do acordo extrajudicial pressupõe a existência de concessões recíprocas acerca de direitos disponíveis, bem como a discriminação específica das parcelas objeto da avença.

O d. Juízo de origem limitou a quitação ‘aos direitos (verbas) especificados na petição inicial’ (ID.34f1d81 - Pág. 2). Contudo, a petição inicial não descreve quais são as verbas objeto do acordo, uma vez que as partes ‘requerem a homologação judicial do acordado no instrumento anexo’, remetendo ao ‘Instrumento de Transação Extrajudicial’ de ID cc120a7.

(...)

Conforme se extrai do referido instrumento de acordo, não há discriminação dos valores de cada parcela supostamente transacionada, mas apenas a quantia global de R$ 10.836,36, revelando pagamento complessivo não admitido pelo ordenamento jurídico, especialmente no caso em que não havia sequer controvérsia sobre a existência de vínculo empregatício.

Tem-se, portanto, que a validade do acordo ora em análise limita-se aos benefícios e ao valor descritos no item 2 do documento de ID cc120a7, não havendo que se falar em quitação geral e irrestrita do extinto contrato de trabalho.

O artigo 855-D da CLT é expresso ao determinar que ‘o juiz analisará o acordo’, não sendo cabível entender que cabe ao Judiciário apenas a função homologatória.

Observe-se, por oportuno, o disposto no artigo 723, parágrafo único, do CPC/2015, aplicado susbidiariamente ao processo do trabalho: ‘o juiz não é obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que considerar mais conveniente e oportuna’, o que pode ser tanto o acolhimento quanto a rejeição do requerimento das partes.

De outro lado, estabelece o artigo 843 do Código Civil: ‘a transação interpreta-se restritivamente, e por ela não se transmitem, apenas se declaram ou reconhecem direitos’.

Nada a reformar" (grifos nossos).

A questão que se habilita ao exame deste Colegiado é a da abrangência da quitação incidente em acordo extrajudicial homologado em juízo, este previsto quando do advento da Lei 13.467/17, com procedimento previsto nos noveis arts. 855-B ao 855-E da CLT.

Nesse sentido, tratando-se de inovação à sistemática de homologação de acordo pela Justiça do Trabalho, que passa a atuar também mediante jurisdição voluntária ou graciosa, matéria sobre a qual esta Corte ainda não se debruçou, reconhece-se a transcendência jurídica da questão, a impulsionar o exame do tema, nos termos do art.  896-A, § 1º, IV, da CLT.

3) PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS

O recurso de revista transita pela divergência jurisprudencial apresentada pelo aresto oriundo do 3º Regional, às págs. 91-95, acostado na íntegra às págs. 101-105. Com efeito, o paradigma encarta a tese de que, havendo acordo extrajudicial que obedece aos requisitos de validade gerais do negócio jurídico, não cabe ao Judiciário conferir chancela genérica e com ressalvas, diante do princípio da inafastabilidade da jurisdição, cristalizado no art. 5º, XXXV, da CF. Caberia-lhe apenas, conforme o aresto, afastar a fraude de direitos e a coação. O aresto, a meu ver, diverge do entendimento assentado pela Corte Regional no caso dos autos, que, mesmo reconhecendo o cumprimento dos requisitos gerais da lei pelo acordo extrajudicial apresentado pelas Interessadas, negou a quitação ampla e irrestrita, por entender que deveria cumprir ainda com outros requisitos, a saber, prova de mútuas concessões e discriminação das parcelas objeto do contrato havido.

Assim, o recurso de revista transita pela demonstração da transcendência jurídica e de divergência jurisprudencial.

Do exposto, CONHEÇO do recurso de revista, por divergência jurisprudencial.

  1. MÉRITO

A Lei 13.467/17, em vigor desde 11/11/17, instituiu o processo de jurisdição voluntária na Justiça do Trabalho atinente à homologação, em juízo, de acordo extrajudicial.

O procedimento, a que a Lei preferiu chamar de "processo", encontra-se alinhado nos arts. 855-B ao 855-E da CLT, que assentam, in verbis:

"Art. 855-B. O processo de homologação de acordo extrajudicial terá início por petição conjunta, sendo obrigatória a representação das partes por advogado.

§ 1º As partes não poderão ser representadas por advogado comum.

§ 2º Faculta-se ao trabalhador ser assistido pelo advogado do sindicato de sua categoria.

Art. 855-C. O disposto neste Capítulo não prejudica o prazo estabelecido no § 6º do art. 477 desta Consolidação e não afasta a aplicação da multa prevista no § 8º art. 477 desta Consolidação. 

Art. 855-D. No prazo de quinze dias a contar da distribuição da petição, o juiz analisará o acordo, designará audiência se entender necessário e proferirá sentença.

Art. 855-E. A petição de homologação de acordo extrajudicial suspende o prazo prescricional da ação quanto aos direitos nela especificados.

Parágrafo único. O prazo prescricional voltará a fluir no dia útil seguinte ao do trânsito em julgado da decisão que negar a homologação do acordo."

Da simples leitura dos novos comandos de lei, notadamente do art. 855-C da CLT, extrai-se a vocação prioritária dos acordos extrajudiciais para regular a rescisão contratual e, portanto, o fim da relação contratual de trabalho.

Antes da nova lei, a ineficácia prática da homologação da rescisão contratual do sindicato, em face do teor da Súmula 330 do TST, dada a não quitação integral do contrato de trabalho, levou a SDI-2 desta Corte a não reputar simulada a lide visando à homologação de acordo pela Justiça do Trabalho, pois só assim se conseguiria colocar fim ao conflito laboral e dar segurança jurídica às partes do distrato. Da ementa do julgado mencionado, de cujo entendimento já guardava ressalva, depreendia-se:

"AÇÃO RESCISÓRIA – ACORDO JUDICIAL – FRAUDE OU VÍCIO DE CONSENTIMENTO – NÃO-CONFIGURAÇÃO. Esta Corte, ressalvado entendimento pessoal deste Relator, tem firmado entendimento no sentido de que o simples fato de a Reclamada ter pago o advogado do Reclamante não é motivo suficiente para configurar a lide simulada, quando o Obreiro comparece espontaneamente à audiência que homologou o acordo realizado entre as Partes, no qual deu quitação geral do extinto contrato de trabalho, inexistindo o alegado vício de consentimento capaz de ensejar o corte rescisório. Recurso ordinário provido" (TST-ROAR-103900-90.2005.5.04.0000, Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, DEJT de 12/09/08).

A moderna dinâmica das relações trabalhistas impôs a adoção de medidas de simplificação dos procedimentos de desligamento laboral, daí a desnecessidade de que o Judiciário tutele uma lide anterior ao acordo, como antes se dava, a fim de reconhecer a natureza de título executivo judicial ao pactuado em juízo. E esse é o sentido dos arts. 855-B a 855-E da CLT. Não fosse a possibilidade da quitação integral do contrato de trabalho com a chancela do Judiciário e o Capítulo III-A não teria sido acrescido ao Título X da CLT, que trata do Processo Judiciário do Trabalho.

Com efeito, além da simplificação do procedimento de apresentação do acordo à Justiça (CLT, art. 855-B, caput), restou assegurada ao empregado, ou ao trabalhador, pelo novo procedimento, a facilitação de cumprimento do pactuado com o empregador que, às vezes, ao tempo da rescisão, não teria como saldar de pronto todas as verbas concernentes ao contrato havido e não necessariamente rescisórias, mas se obriga, mediante a formação de um título executivo judicial, a pagá-las em lapso temporal razoável, que serve aos fins do trabalhador.   

A lei precisa ser interpretada, portanto, não somente pelo princípio da boa fé, que rege os negócios jurídicos, como também pelo matiz dos princípios que informam a dinâmica das relações de trabalho atuais, como simplicidade, celeridade e redução da litigiosidade.

Curial, ainda, trazer à baila, que a ideia que indelevelmente adere ao acordo extrajudicial é a de que, retirada uma das cláusulas que o compõem, a parte a quem ela favoreceria não faria o acordo. A alternativa que caberia ao Judiciário, portanto, seria a homologação integral ou a rejeição da proposta, se eivada de vícios. Tal entendimento resta corroborado pelo STF quanto à circunstância de a validade do acordo depender da homologação integral ou de sua rejeição total, não podendo ser balanceado pelo Poder Judiciário, senão vejamos o excerto do voto do ilustre Ministro Teori Zavascki no precedente de repercussão geral RE 590.715/SC, in verbis:

"(...) A cláusula aqui questionada compõe um acordo coletivo que foi homologado, e, portanto, somente poderia deixar de ser aplicada se fosse rescindida. E, considerando a natureza eminentemente sinalagmática do acordo coletivo, a anulação de uma cláusula tão sensível como essa demandaria certamente a ineficácia do acordo em sua integralidade, inclusive em relação às cláusulas que beneficiam o empregado. Aparentemente, o que se pretende é anular uma cláusula, que poderia ser contrária ao interesse do empregado, mas manter as demais. Não vejo como, num acordo que tem natureza sinalagmática, fazer isso sem rescindir o acordo como um todo" (Voto do Min. Teori Zavascki no leading case STF-RE 590.715/SC, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 29/05/15).

Nesse sentido, entende-se que o art. 855-B, §§ 1º e 2º, da CLT, a par dos requisitos gerais de validade dos negócios jurídicos que se aplicam ao direito do trabalho, nos termos do art. 8º, § 1º, da Lei Consolidada e que perfazem o ato jurídico perfeito (CC, art. 104 – agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não vedada por lei), traçou as balizas para a apresentação do acordo extrajudicial apto à homologação judicial: petição conjunta dos interessados e advogados distintos, podendo haver assistência sindical para o trabalhador.

A petição conjuntamente assinada para a apresentação do requerimento de homologação ao juiz de piso serve à demonstração da anuência mútua dos interessados em por fim ao contratado, e, os advogados distintos, à garantia de que as pretensões estarão sendo individualmente respeitadas

Feitas essas considerações, tem-se que partir para a conclusão acerca da invalidade, total ou parcial, do pacto extrajudicial, quando, em verdade, duvida-se da razoabilidade intrínseca do acordo, questionando rubricas, ou a sua ausência, no termo firmado, bem assim se restam evidenciadas, ou não, concessões mútuas, como pontuado pelas Instâncias Ordinárias neste feito, esvazia o sentido do próprio procedimento, estabelecendo-se, ademais, limites e discussões não queridos pelos Requerentes ao ajuizar o procedimento.

O magistrado tem, nessa nova conjuntura, tarefa binária, ou seja, tem a faculdade de homologar ou não o acordo extrajudicial, nos termos do art. 855-D, mas não lhe é franqueado substituir-se à vontade deduzida dos requerentes.

Note-se que o raciocínio aqui expendido não conduz à conclusão de que o magistrado, no procedimento especial instaurado pela Lei 13.467/17, tenha que ser mero chancelador de requerimentos a ele apresentados. Cabe ao magistrado, por óbvio, a análise de todos os requisitos de validade extrínseca do ato, o que inclui o sopesamento da ocorrência de coações e fraudes, que, obviamente, não podem ser agasalhados pelo Judiciário.

Mas, a toda evidência, não faz parte do geist des gesetzes, que trouxe a inovação, o perpetuar ou eternizar a jurisdição ou mesmo dar contornos de lide ao pleito, tanto mais se tratando de procedimento voluntário. O Judiciário, à mera presunção de quebra da boa fé contratual, não pode estabelecer questionamentos que os Interessados não tiveram, ou se tiveram, resolveram-no com a apresentação do acordo.

Vale lembrar, ainda, que há vantagens trazidas pelo art. 855-B da CLT e inerentes à celebração de um pacto que põe fim ao contrato de trabalho, podendo nominar aqui a abreviação do tempo que um empregado levaria na Justiça do Trabalho, para receber a verba numa reclamatória; a segurança jurídica para os envolvidos de que a situação foi resolvida, sem pendência, mediante o reconhecimento da quitação geral do contrato pelo acordo; a eliminação do risco trazido pela Lei 13.467/17 quanto à possibilidade de condenação do empregado ao pagamento dos honorários de advogado sucumbenciais; a eliminação do obstáculo da produção de provas pelo trabalhador, quando dele o ônus; e a garantia de obtenção de um título executivo judicial, sem o desgaste do ajuizamento da ação trabalhista.  

Oportuno o registro de que, em seara de homologação judicial de acordo extrajudicial, não há, efetivamente, lide, mas requerimento de homologação, daí não haver partes, mas interessados, não cabendo, portanto, ao magistrado a postura natural do processo jurisdicional.

No caso concreto, o Regional, mantendo a sentença, assentou a falta de evidenciação de concessões mútuas entre os Acordantes, bem como a ausência de discriminação das parcelas às quais ambos conferiam quitação geral e irrestrita, registrando, todavia, o cumprimento dos requisitos do art. 855-B da CLT e daqueles gerais estatuídos pela lei civil para a celebração de negócios em geral.  

Consigne-se que os Requerentes firmaram acordo quanto à parcela fixa decorrente de adesão da Empregada a processo que gerou reestruturação organizacional da Empresa, bem assim a manutenção de plano de saúde e de seguro de vida para a Obreira e seus dependentes, pelo prazo de um ano e de três meses, respectivamente, o que não sugere fraude nem coação (págs. 29-30). 

Ora, estando presentes os requisitos gerais do negócio jurídico e os específicos preconizados pela lei trabalhista, não há de se questionar a vontade das partes envolvidas e do mérito do acordado, notadamente quando a lei requer a presença de advogado para o empregado, rechaçando, nesta situação, o uso do jus postulandi do art. 791 da CLT, como se depreende do art. 855-B, § 1º, da CLT.

Assim sendo, reputo válido o termo de "Transação Extrajudicial" apresentado pelas Interessadas, nos termos do art. 855-B da CLT, às págs. 29-30, que deve ser homologado, sem ressalvas.  

Portanto, dou provimento ao recurso de revista da Requerente, para, reformando a decisão regional, homologar o termo de "Transação Extrajudicial" apresentado pelas Interessadas, sem ressalvas, com efeito de quitação geral do extinto contrato de trabalho.  

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: I – conhecer do recurso de revista da Empresa Requerente, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, II - dar-lhe provimento, para, reformando a decisão regional, homologar o termo de "Transação Extrajudicial" apresentado pelas Interessadas, sem ressalvas, com efeito de quitação geral do extinto contrato de trabalho. 

Brasília, 11 de setembro de 2019.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO

Ministro Relator

Instituto Valentin Carrion © Todos direitos reservados | LGPD   Desen. e Adm by vianett

Politica de Privacidade