ACIDENTE DO TRABALHO E DOENÇA PROFISSIONAL Trajeto ao trabalho

Data da publicação:

Acordão - TRT

Paula Oliveira Cantelli - TRT/MG



O nexo de causalidade entre o acidente de percurso e o trabalho se verifica por meio do nexo cronológico



PROCESSO nº 0012488-72.2017.5.03.0069 (ROT)

RECORRENTE: NORMA NASSER DINIZ LAGE

RECORRIDO: MAYNART ENERGETICA LTDA.

RELATOR(A): PAULA OLIVEIRA CANTELLI

 

EMENTA

ACIDENTE DE PERCURSO. NEXO CRONOLÓGICO. NÃO CONFIGURAÇÃO. O nexo de causalidade entre o acidente de percurso e o trabalho se verifica por meio do nexo cronológico (tempo de deslocamento) e do nexo topográfico (trajeto habitual). Assim, se o tempo de deslocamento (nexo cronológico) for demasiadamente superior ao normalmente gasto para o percurso ou se o trajeto habitual (nexo topográfico) for alterado substancialmente, restará descaracterizado o acidente de percurso. In casu, não há como estabelecer nexo de causalidade entre o trabalho e o acidente sofrido, ante a ausência de nexo cronológico, já que o acidente ocorreu aproximadamente 47 minutos após o horário que normalmente o trabalhador estaria transitando pelo trecho para o deslocamento casa/trabalho. (TRT-MG-ROT-012488-72.2017.5.03.0069, Paula Oliveira Cantelli, DEJT 20/05/2021).

RELATÓRIO

Vistos os autos eletrônicos.

O MM. Juiz da 1ª Vara do Trabalho de Ouro Preto, Pedro Guimarães Vieira, pela v. sentença de Id. 3791a2a, cujo relatório adoto e incorporo ao presente decisum, julgou improcedentes os pedidos iniciais.

A autora interpôs recurso ordinário no Id. a4ab032, pelo qual impugna os seguintes pontos: a) Acidente de percurso - Danos morais e materiais.

Contrarrazões pela ré (Id. fa0e8b8).

Foi proferido juízo de admissibilidade recursal positivo, consoante decisão de Id. 56e9b30, tendo sido determinada a remessa dos autos a esta Corte.

Dispensado o parecer ministerial, nos termos do art. 129 do Regimento Interno deste Regional.

É o relatório.

 

FUNDAMENTAÇÃO

 

ADMISSIBILIDADE

Quanto aos pressupostos objetivos, constata-se a regularidade da representação da recorrente (procuração de Id. 5fcef60), a tempestividade da movimentação recursal (recurso em 02.02.2021, dentro do octídio subsequente à ciência da decisão recorrida) e a adequação do recurso manejado, tudo de acordo com o art. 895, inciso I, da CLT.

A autora está isenta do recolhimento de custas, diante da concessão dos benefícios da justiça gratuita (Id. 3791a2a - Pág. 9).

Há sucumbência em relação às matérias devolvidas, atingindo negativamente a esfera de interesses da recorrente, emergindo a legitimidade e o interesse recursal, pressupostos subjetivos (art. 996/CPC).

Conheço do recurso ordinário da autora.

 

MÉRITO

 

RECURSO DA AUTORA

DADOS CONTRATUAIS: O de cujus foi contratado, em 23.05.2011, para a função de "Operador de Usina", sendo seu contrato rescindido em razão do falecimento do trabalhador em 07.08.2016, percebendo, como última remuneração, R$3.318,08 (TRCT - Id. 2e5d575).

 

ACIDENTE DE PERCURSO - DANOS MORAIS E MATERIAIS

A autora alega que diferentemente do que constou da r. sentença, pretende a responsabilização subjetiva da ré pela ocorrência do acidente, já que não fornecido vale-transporte ou transporte adequado para o trajeto casa trabalho. Entende que estão presentes os requisitos da responsabilidade civil, inclusive a culpa da empregadora na ocorrência do evento danoso, razão pela qual pretende a reforma da sentença, com a consequente condenação ao pagamento de indenização por danos morais e materiais.

Ao exame.

Segundo dispõe o artigo 19, da Lei nº 8.213/91:

Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

A teor do artigo 21, IV, "d", da Lei n. 8.213/91, equipara-se ao acidente do trabalho o sinistro que ocorre com o empregado no trajeto entre a sua residência e o local de trabalho, e vice-versa, seja qual for o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.

O acidente de percurso deve ser cabalmente demonstrado, pois se trata de fato constitutivo do direito vindicado às reparações pecuniárias, conforme artigos 818, I, da CLT e 373, I, do CPC.

Lado outro, a responsabilidade civil do empregador em indenizar o trabalhador acidentado ou seus sucessores, na hipótese de acidente fatal, é, em geral, subjetiva, fazendo-se necessária a presença dos seguintes pressupostos: ato ilícito praticado com culpa ou dolo pelo ofensor, o dano causado ao ofendido e o nexo de causalidade entre a conduta antijurídica e o prejuízo experimentado pela vítima, nos termos dos artigos 5º, inciso X, e 7º, inciso XXVIII, da CR/88 c/c os artigos 186 e 927 do Código Civil.

De início, cumpre observar que a ré não se desincumbiu do ônus de provar a afirmação de que o de cujus residia em alojamento próximo à Usina Furquim, podendo se deslocar a pé até o local de trabalho.

Assim, deve prevalecer a alegação inicial, no sentido de que o autor residia na cidade de Ouro Preto, conforme consta da prova documental (ex.: Id. 2a9d1be - Pág. 4; Id. 20eac08) e confirmado pela testemunha Geraldo Neves dos Santos (Id. f949867 - Pág. 1).

Superado esse ponto, passa-se à análise das circunstâncias do acidente.

O nexo de causalidade entre o acidente de percurso e o trabalho se verifica por meio do nexo cronológico (tempo de deslocamento) e do nexo topográfico (trajeto habitual).

Assim, se o tempo de deslocamento (nexo cronológico) for demasiadamente superior ao normalmente gasto para o percurso ou se o trajeto habitual (nexo topográfico) for alterado substancialmente, restará descaracterizado o acidente de percurso. 

In casu, diante da controvérsia quanto à tese inicial de que o acidente teria ocorrido no percurso do trabalho para a residência do de cujus, foi determinada a produção de prova técnica.

Do laudo pericial produzido, consta que o tempo de percurso entre a Usina de Furquim, local de prestação do serviço, até o local onde o empregado sofreu o acidente, é de aproximadamente 31 minutos (Id. 4962805 - Pág. 4).

Em 07.08.2016, data do acidente, o de cujus saiu do trabalho às 16h02min (Id. 1a7ab83 - Pág. 5), sendo que o acidente, conforme consta do boletim de ocorrência, ocorreu às 17h20min (Id. ee6be21).

Tem-se, portanto, que do horário de saída do de cujus até o momento do acidente se passaram 1h18min, tempo muito superior ao necessário para o percurso entre a empresa e o local do acidente, apurado em diligência pericial.

Cumpre notar que não há qualquer indício de que o de cujus tenha anotado o cartão de ponto e continuado trabalhando na data do acidente, sendo que, na diligência pericial, o Sr. Sandro Deives dos Santos informou que "no dia do acidente não houve registro de nenhuma ocorrência que pudesse fazer o 'De cujus' atrasar sua saída" (Id. 4962805).

Ademais, os cartões de ponto colacionados aos autos trazem diversos registros de labor após as 16h, o que denota que a jornada extraordinária era corretamente anotada. Ainda nesse ponto, observa-se que nem sequer há alegação por parte da autora de que o de cujus trabalhava em período não anotado nos registros de jornada.

Restou, portanto, ausente o nexo cronológico, sendo presumível que, no dia do sinistro, o de cujus não realizou o percurso habitual casa/trabalho, não podendo o empregador ser responsabilizado por todo e qualquer trajeto realizado pelo trabalhador após o seu horário de saída.

A esse respeito, a lição de Sebastião Salgado de Oliveira, na 8ª edição (2014) de sua obra "Indenização por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional": 

Surgem grandes controvérsias quanto ao entendimento do que seja o percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela. O trabalhador com frequência desvia-se desse percurso por algum interesse particular, para uma atividade de lazer ou compras em um supermercado ou farmácia, por exemplo. Como será necessário estabelecer o nexo causal entre o acidente com o trabalho, são aceitáveis pequenos desvios e toleradas algumas variações quanto ao tempo de trajeto, porquanto a Previdência Social, na esfera administrativa, não considera acidente de trabalho quando o segurado, por interesse pessoal, interrompe ou altera o percurso habitual.

Se o tempo do deslocamento (nexo cronológico) fugir do usual ou se o trajeto habitual (nexo topográfico) for alterado substancialmente, resta descaracteriza a relação de causalidade do acidente com o trabalho. (destaquei)

Nesse sentido a jurisprudência deste Regional:

ACIDENTE DE PERCURSO. NEXO CRONOLÓGICO. NÃO CONFIGURAÇÃO. Para que o acidente de percurso seja equiparado ao acidente de trabalho para fins previdenciários, devem estar presentes os requisitos postos pelo artigo 21, IV, "d", da Lei Federal nº 8.213/91. A relação de causalidade do acidente com o trabalho se verifica por meio do nexo cronológico (tempo de deslocamento) e do nexo topográfico (trajeto habitual). Eventuais desvios devem ser compatíveis com o percurso do trajeto. Se o tempo do deslocamento (nexo cronológico) for demasiado superior àquele normalmente gasto ou se o trajeto habitual (nexo topográfico) for alterado substancialmente, resta descaracterizado o acidente de percurso. Demonstrado nos autos que o acidente sofrido pela obreira ocorreu em horário muito superior àquele relativo ao término da jornada, não há que se falar em acidente de trabalho por equiparação. (TRT da 3ª Região; Processo: 0001527-58.2011.5.03.0077 RO; Data de Publicação: 14/12/2012; Disponibilização: 13/12/2012, DEJT, Página 173; Órgão Julgador: Setima Turma; Relator: Marcelo Lamego Pertence; Revisor: Cristiana M.Valadares Fenelon) (destaquei)

Por fim, vale mencionar o teor do art. 348, § 5º da Instrução Normativa INSS/PRES nº 45/2010: "Não se caracteriza como acidente de trabalho o acidente de trajeto sofrido pelo segurado que, por interesse pessoal, tiver interrompido ou alterado o percurso habitual". 

Assim, em que pese seja possível arguir a culpa da ré pelo não fornecimento de condições de transporte adequadas ao de cujus, não há como estabelecer nexo de causalidade entre o trabalho e o acidente sofrido, ante a ausência de nexo cronológico, já que o acidente ocorreu aproximadamente 47 minutos após o horário que normalmente o trabalhador estaria transitando pelo trecho no deslocamento casa/trabalho..

Pelo exposto, nego provimento.

 

Conclusão do recurso

Conheço do recurso ordinário da autora. No mérito, nego-lhe provimento.

FUNDAMENTOS PELOS QUAIS,                                  

O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, pela sua Quarta Turma, na Sessão de Julgamento Ordinária Telepresencial, realizada no dia 12 de maio de 2021, por unanimidade, conheceu do recurso ordinário da autora; no mérito, sem divergência, negou-lhe provimento.

PAULA OLIVEIRA CANTELLI

Desembargadora Relatora

Presidiu o julgamento o Exmo. Desembargador Paulo Chaves Corrêa Filho.

Tomaram parte neste julgamento as Exmas.: Desembargadora Paula Oliveira Cantelli (Relatora), Juíza convocada Maria Cristina Diniz Caixeta (substituindo a Exma. Desembargadora Maria Lúcia Cardoso de Magalhães) e Desembargadora Denise Alves Horta.

Representante do Ministério Público do Trabalho presente à sessão: Dra. Maria Christina Dutra Fernandez.

Composição da Turma em conformidade com o Regimento Interno deste Regional e demais Portarias específicas.

Juízes Convocados:  art. 118, § 1º, inciso V da LOMAN.

Sustentação Oral: Dr. Wallison Geraldo da Silva, pela recorrente; Dra. Cláudia Carvalho Giesbrecht, pela recorrida.

Válbia Maris Pimenta Pereira

Secretária da Sessão

 

PAULA OLIVEIRA CANTELLI

Desembargadora Relatora

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